Valentim Oliveira, soldado condutor nº 784/63,
CCav 489/BCav 490
1963/1965
Assunto - A minha ida e volta
Sendo eu um leitor assíduo, isto é, não passa uma palavra escrita, seja por quem for, no Blogue da Tabanca Grande, que eu não leia e é através das mesmas que eu me revejo no sentido da palavra como amigo e camarada de todos os ex-combatentes da guerra na Guiné.
É certo que, no contexto e segundo o que é dito e escrito pela maioria dos participantes, esta guerra não era o nosso hóbi. Fomos atirados para a mesma, sem que tivéssemos uma pequena vontade de participar na mesma, mas por força do regime governamental que tínhamos na época, não nos era permitido recusar e a ordem era marchar em frente! E vai daqui o EU poder expressar-me sobre a minha ida e o meu regresso da tão malfadada guerra, que tantas maleitas deu, a quem por lá passou.
(i) Mau mar num mau navio
Lisboa ficou para trás no mês de Setembro de 1963. O Alfredo da Silva foi o meio de transporte que cruzou as águas do Atlântico rumo á Guiné. Eu e todo o contingente de condutores-auto e alguns oficiais lá fomos integrar-nos no Batalhão de Cavalaria 490, que já tinha saído em Julho no paquete Niassa com destino a Moçambique e que só por sorte malfadada foi desviado para a Guiné.
A minha viagem foi muito atribulada pela conjuntura das tempestades e do mar turbulento. Muitos dos meus Camaradas só sentiram paz quando saíram do navio. Paz que durou poucos dias, porque de seguida a conversa começou a ser outra...Isto foi a integração na Guiné.
(ii) Bom mar, no Niassa
O meu regresso. Bem, o regresso foi mais ou menos como todos os outros que se faziam na década de 60. Não vínhamos de avião, mas sim de barco. Por sorte foi um pouco melhor no regresso do que na ida, isto em termos de viagem. E porquê?
Porque para lá fui num cargueiro adaptado, para transportes das nossas tropas. E para cá rumo a Lisboa, viemos no Niassa, com condições melhoradas. E como a tropa manda desenrascar, eu lá me desenrasquei a comer do bom e do melhor na messe ou seja, no salão, onde se banqueteavam os oficiais, mas como pagamento tinha que servir e fazer limpeza ao salão. De qualquer maneira não dei por mal entregue esse meu trabalho.
Foram aproximadamente seis dias a cruzar as águas...e por fim, Lisboa á vista, novamente a 15 de Agosto de 1965.
Não fui nenhum sortudo, porque não tinha ninguém á minha espera. Saí do barco! Claro, houve a formatura de praxe. De seguida fomos conduzidos nas Berliets com a respectiva cobertura de lona, até parecia que estávamos novamente na Guiné.
Daí seguimos para outra doca, para entrarmos nos cacilheiros, com destino ao Barreiro. Um comboio esperava-nos, com destino a Estremoz e ao RCav 3, a unidade mobilizadora. Chegou-se a Estremoz a altas horas da noite, mas tudo estava preparado, para nessa mesma noite fazer o espólio, receber a guia de marcha e fora do quartel, que já não és cá preciso. Nem sequer disseram a simples frase: "Tens Fome? "
É evidente que a fome era a de sair de lá, quanto mais depressa melhor. Não fossem eles mandar-nos para trás novamente... Já de madrugada lá fui eu para a estação dos caminhos-de-ferro. Apanhei o primeiro comboio até ao Entroncamento, seguindo-se um outro até Pampilhosa e ainda mais outro até Viseu. Claro todos eles com horas de seca para os apanhar.
Cheguei a Viseu ás 22 horas da noite e a essa hora já não tinha transporte para a minha aldeia e nestas circunstâncias tinha ainda 18 km para chegar a casa dos meus pais, que nem sequer sabiam, que eu estava tão perto. Valeu-me os pesos convertidos em escudos, que eu trouxe da Guiné, para pagar o táxi, que me levou até casa.
Deviam ser aproximadamente 23 horas, quando bati á porta da casa dos meus pais, com uma pequena mala na mão, mala essa que me foi oferecida pelas senhoras do Movimento N. Feminino.
Foi o meu pai, que veio na escuridão abrir a porta...digo escuridão, porque nessa época não havia luz eléctrica nas aldeias, só mais tarde em 1968 é que apareceu. Ainda hoje tenho bem gravado na minha mente a primeira palavra do meu velhote:
- Ó Maria é ele! Está aqui, chegou!
Foi num ápice de segundos que a minha velhota saltou da cama e se agarrou a mim com as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos, mas eram lágrimas de alegria.
E é assim que eu relato o meu regresso á pátria mãe, porque a Guiné é dos Guineenses!
Um abraço para todos Tertulianos e Camaradas da Guiné.
Valentim Oliveira
Companhia de Cavalaria 489
Batalhão de Cavalaria 490
Oio,Como
__________
Notas:
1. fixação do texto e sublinhados de vb;
2. Artigos relacionados em
10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)
8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
"Foi o meu pai, que veio na escuridão abrir a porta...digo escuridão, porque nessa época não havia luz eléctrica nas aldeias, só mais tarde em 1968 é que apareceu. Ainda hoje tenho bem gravado na minha mente a primeira palavra do meu velhote:
- Ó Maria é ele! Está aqui, chegou!" (...)
Amigos e camaradas: Este é que era o país que nos esperava, as circunstâncias, terrivelmente acabrunhantes, em que eram acolhidos os heróis da Pátria... De noite, no escuro, a altas horas da noite, quase clandestinamente, quase envergonhadamente... Um país iluminado a candeeiro a petróleo.
Obrigado, Valentim: muitos de nós vão-se rever no teu regresso, na notável descrição do teu regresso... Luís Graça
É esta a verdade do meu povo! A planície abandonada, as mães chorando e os pais feito silêncios, olhando o horizonte, esperando a notícia.
O pequenino, que se não calava e berrava, nos plenários da TAP, um dia segredou-me: foi um amigo meu que me emprestou uns sapatos, só que eram dois números abaixo. Cheguei a Lamego descalço com os sapatos no ombro. Era esta a realidade de um povo. Que deve merecer todo o nosso respeito.
Houve ressonância dentro de mim! Oliveira, apesar de tudo, deve ter sido o melhor presente e a melhor noite que deste a teus pais. Bem hajas!
No abraço o sentir!
Mário Fitas
Enviar um comentário