Guiné > Zona Leste > Saltinho > Outubro de 1971 > Equipa de futebol: de pé, da esquerda para a direita: 1ºcabo Cosme(Pel Caç Nat 53, Fur Mil Bernardes(CCAÇ 2701) Fur Mil Moreira (CCAÇ 2701), Alf Mil Santiago(Pel Caç Nat 53), Alf Mil Julião e Cap Clemente (CCAÇ 2701); de joelhos, Alf Mil Mota (CCAÇ 2701), soldado Bobo(Pel Caç Nat 53), Alf Mil Oliveira, Rocha e Martins Faria (médico), todos da CCAÇ 2701. Reparem nos calções....
Detalhe de uma das páginas do manual de instrução de milícias
Fotos: © Paulo Santiago (2008). Direitos reservados
1. Mensagem do Paulo Santiago, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53, Saltinho (1970/72), enviada a 8 de Julho
Assunto - Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (15 )
Camaradas Luís, Briote e Vinhal
Há longos meses interrompi as memórias, recomeço hoje em Outubro de 1971 (*).
A época das chuvas estava a terminar, estamos em Outubro de 71, estava quase a concluir um ano de comissão, mas... faltava ainda tanto tempo.
Organizou-se um campeonato de futebol de onze no Saltinho,com as equipas devidamente fardadas. A minha distinguia-se pelos calções,magnificamente executados pelo meu soldado Fodé Sané, e era a melhor, sendo eu o pior jogador, aquela bola redonda não atinava com os meus pés, bola para mim era oval e jogava-se, de preferência, à mão. Também só fiz um jogo,o Clemente achou que deveria ir para Bambadinca ormar uma Companhia de Milícias.
Em meados do mês segui para Bambadinca, acompanhado pelo meu soldado Amadú Baldé e pelo Celo,milícia de Cansamange.
Naquela sede de Batalhão[ na altura o BART 2917,] , apenas conhecia duas pessoas, ambas tinham estado no Saltinho quando de uma coluna de reabastecimentos. Eram o Alf Mil Vacas de Carvalho e o Ten-Cor Polidoro Monteiro. O médico Vilar, de alcunha Drácula,conhecia-o de vista de Coimbra.
Quem ía do Saltinho para Bambadinca, como eu fui, notava grandes diferenças. No Saltinho era tudo militar, em Bambadinca já existia estrada com alcatrão, já existia uma tasca civil, até se podia ir a Bafatá, a grande cidade, ao Sábado. Só faltava o rio, que era e continua sendo a grande atracção na estrada Xitole-Quebo. [Enfim, havia o Geba Estreito...]
A companhia de milícias, que ía formar, era composta por três pelotões, a quarenta instruendos cada, sendo todos de etnia fula. Cada pelotão era comandado/instruído por um Fur Mil, coadjuvado por um monitor, soldado ou milícia. Lamentavelmente esqueci completamente o nome dos três Fur Mil, comandantes dos pelotões, assim como apenas recordo a proveniência de um dos pelotões: o de Cansonco, tabanca onde a CCAÇ2701 tinha um pelotão destacado.
Sei que um dos Fur Mil pertencia à CART do Xime, mais nada. Os outros pelotões eram da zona de Nova Lamego (Gabu ). No início da instrução tive um problema com o pelotão de Cansonco,um problema quase tribal. O meu soldado Amadú tinha ido como monitor e como futuro comandante daquele grupo de milícias. Acontece que um dos instruendos, por acaso,o mais sorna, o mais desajeitado, o pior em tudo, era o chefe de tabanca, o Buba, que,nesta condição, deu a volta aos outros instruendos, reclamando para ele o futuro comando do pelotão. A idade, também mais avançada, aliada às outras características não o recomendavam para o comando. O Polidoro também não via aquele chefe de tabanca como comandante de pelotão, e andámos nesta história de comando ou não comando, meia dúzia de dias até chegar uma mensagem do Batalhão de Galomaro e da CCAÇ 2701,impondo o Buba como comandante do pelotão de milícias de Cansonco.
A instrução diária começava às 07.00 com formatura da companhia,com a presença do Polidoro Monteiro e do Major Anjos de Carvalho. Este não ía muito com a minha cara, não sei a razão. De seguida cada instrutor levava o seu pelotão para o local apropriado à instrução daquela hora e daquele dia.
Levei uma vida folgada durante as oito semanas de formação dos milícias. Tinha as formaturas, dava a Educação Física, a GAM (ginástica de aplicação militar) e Ordem Unida a toda a Companhia. Gostava de OU (ordem unida), achava que era das instruções mais importantes, sob todos os aspectos, para um militar ou milícia. Penso será válido ainda hoje, que a OU está para o militar como o Kata está para o praticante de Karaté (também andei nesta), nenhum karateca conseguirá atingir o pleno se não dominar os katas, é neles que se encontra a disciplina e toda a essência da arte marcial, a defesa e o ataque.
Via um pouco disto na OU. Os instrutores,Fur Mil, davam as restantes alíneas que constavam das normas, escritas, conforme exemplo junto, visando a formação do milícia. Havia também um Oficial de Tiro, primeiro o Alf Mil Vacas de Carvalho, mais tarde o Alf Mil Vilaça.
(Continua)
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Nota:
(*) Vd. post de 25 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2302: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (14): Ilustres visitantes no Saltinho
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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