Já todos sabemos a estória, não vou aqui repetir, é só para lembrar.
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Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.

1. O ex-alf mil médico , José Pardete Ferreira 1941-2021), membro da nossa Tabanca Grande, que, infelizmente, nos deixou há um mês (*), escreveu, por volta dos seus 60 anos de idade, um livro que eu acho notável (**), e que se pode classificar como um misto de narrativa histórica e de autobiografia, uma e outra, ficcionadas.
O autor chama-lhe "romance", mas no subtítulo aparece a expressão "novas crónicas da Guiné, 1969/71". O arco temporal da acção é maior, abarcando, no essencial, a década de sessenta e de setenta (até ao 25 de Abril), com dois acontecimentos marcantes de que o autor foi, ele próprio, protagonista, a crise académica de 1962 e a mobilização, em fevereiro de 1969, para o teatro de operações da Guiné, como médico militar (ia fazer 28 anos em 15 de fevereiro de 1969, e no dia 6 tinha acontecido o desastre de Cheche, aquando da retirada de Madina do Boé).
O "making of" do livro terá durado cerca de 2 anos e foi partilhado pelo poeta, livreiro, amigo e vizinho de Setúbal, de origem açoriana, Manuel Pereira Medeiros (1936-2013), que também assina o prefácio, sob o pseudónimo literário de Resendes Ventura.
Do livro diz o prefaciador que é "um confessado momento de divertimento" (...): "quem conhece Pardete Ferreira, reconhece-o bem neste seu livro" (p. 7).
Ao rever, também com o autor, os anos sessenta, ele evoca "o direito, o dever e o prazer da memória, mas acrescenta-lhe a "dor". De facto, "não era para a dor que estávamos preparados" (p. 8), Nós, a geração nascida com ou após a II Guerra Mundial, e que irá fazer a guerra colonial.
E se não tivesse havido a "guerra colonial", pergunta Resendes Ventura ? O que teria feito de e por Portugal a geração de sessenta ?
É uma pergunta meramente teórica, "bizantina", daquelas "tipo sexo dos anjos", que não tem resposta. Na História não há "ses"... Mas esta geração, a da guerra colonial, isso sim, tem de "exercer o direito e o dever de memória" (p. 8).
Uma questão que no virar do milénio parecia fazer ainda mais sentido, face à dificuldade em se " saber o futuro".
Por seu turno, na introdução ao seu livro, o autor diz que tentou "descrever analiticamente ou analisar descriticamente o que foi o conjunto dos anos sessenta e setenta" (p. 11).
E começa por exigir que se respeite a geração de combatentes, a sua (e nossa) geração que mal ou bem fez a guerra colonial. E respeitar não é erigir memoriais (em ferro, em pedra, em bronze...) como sobretudo o "conceder aos combatentes do Ultramar o estatuto de cidadão a tempo inteiro" (p. 12).
Não foi isso que aconteceu, no pós-25 de Abril, acrescentando o autor, de forma sarcástica, a seguinte explicação:
"A Nação exigiu a esta geração o dever do pagamento do Imposto chamado serviço militar obrigatório", para logo a seguir atirá-lo à cara, "com uma escarradela de reprovação e desprezo" (p. 12).
Mas vamos às personagens que animam os 24 capítulos da obra, tantos quantos "o número médio de meses de uma comissão de serviço militar, por imposição" (p. 16).
No essencial são duas as personagens principais cujos destinos se vão cruzar na Guiné, em 1969/71, nesta narrativa cuja classificação não cabe nos clássicos géneros literários. São eles o Paparratos e o João Pekoff, o primeiro, um soldado comando da 105ª CCmds [leia-se, 16ª CCmds, 1968/70], o segundo, um "estudante activista de 1962" e depois médico no CAOP (de fevereiro a junho de 1969) e no HM 241 (até ao princípio de 1971).
Sobre o primeiro, falaremos com mais detalhe numa próxima nota de leitura. Mas aqui fica uma primeira apresentação sumária (pp. 18/19);
(...) “O Gabriel ou Paparratos era um rapaz simples das nossas aldeias, filho de um casal de trabalhadores rurais, que partilhava o seu tempo na escola, nas brincadeiras com os seus inúmeros irmãos e companheiros, no ajudar dos pais e na serventia ao sacristão. Sabia ler e escrever, desconhecendo-se ao certo qual o nível real de instrução que conhecia.No livro do J. Pardete Ferreira, é notória a parecença de determinadas situações narradas com "factos e feitos" ocorridos no TO da Guiné neste periodo: por exemplo, a retirada de Madina do Boé (estava o autor a caminho do CTIG); a morte dos 3 majores no "chão manjaco" em abril de 1970; a invasão de Conacri (Op Mar Verde), em 22 de novembro de 1969; ou a captura, o evacuação e o tratamento no HM 241 do capitão cubano Peralta (Op Jove).
Daí que não repugnasse ao autor a ideia de que este livro fosse um misto de "romance" com uma vertente "histórica" e outra "autobiográfica" (p. 16).
O Paparratos é, no entanto, uma figura mas ficcionada e "estereotipada" do que o João Pekoff, afinal, um "alter ego" do autor. Mas no final, e para os devidos efeitos (incluindo legais), J. Pardete Ferreira adverte que qualquer semelhanca com a realidade (nomes, figuras, locais, factos, datas, etc., descritos) é "pura coincidência"... Enfim, um velho truque de defesa de qualquer escritor de ficção...
Talvez tenha interesse para o leitor, e nomeadamente o leitor do nosso blogue, saber o seguinte, em traços largos, sobre o autor José Pardete (e o seu "alter ego" ou heterónimo, João Pekoff);
(i) é lisboeta, nascido em 1941, em plena II Guerra Mundial;
(ii) vai morrer na véspera de completar os 80 anos, vítima da pandemia de Covid-19;
(iii) filho único, mora, com os pais, no Bairro das Colónias;
(iv) frequenta, desde cedo, o Café Colonial, que ainda hoje existe, na Av Almirante Reis, aos Anjos (naugurado em 1934 foi tertúlia e café de estudantes, transformado em pastelaria em 1978, hoje Café Pastelaria Colonial);
(v) passa pela Mocidade Portuguesa e a JEC, enquanto estudante de liceu, e depois pela Acção Católica, a JUC e a Pax Romana - Movimento Internacional de Estudantes Católicos, enquanto estudante de medicina;
(vi) pratica desporto de alta competição na CDUL e no Sporting (onde é, nomeadamente, guarda-redes nas equipas de andebol)...
(vii) além de cirurgião, especializa-se mais tarde em medicina desportiva...
2. A preocupação maior, na época, era "o medo de não terminar os estuds e seguir para África" como comandante operacional, de G3 na mão. ou seja, como alferes miliciano atirador de infantaria... (p. 48). E, naturalmente, o cenário mais temido era o da Guiné.
Concluído o curso de medicina, fará em 1968 o COM em Mafra, "com um frio de rachar" (p. 48). E a IAO, no Minho, integrado num batalhão, que admitimos possa ter sido o BCAÇ 2861, mobilizado pelo BC 10, Chaves, que desembarcou em Bissau em 11/2/1969. Deve ter passado, antes, seis semanas (!) no Hospital Militar Principal, um curto estágio de preparação para a sua difícil missão na TO da Guiné.
Chegado a Bissau, "saí logo do meu Batalhão e segui para o CAOP" [, que ainda não era o CAOP1], em Teixeira Pinto, juntando-se ao Fernando Maymone Martins. [No livro "O Paparratos", trata-se do alferes milicano médico Moisés Mendes, que exerce também as funções de autoridade de saúde no "chão manjaco" (pp. 31/32)]."O João Pekoff não tinha grande formação política" (p. 47), apesar de ser um dos "atores"da crise académica de 1962 (e sobretudo sua testemunha privilegiada e, ao mesmo tempo, um crítico da liderança estudantil em Lisboa)...
Delicioso é o retrato que ele faz faz de alguns dos históricos dirigentes do movimento estudantil dessa época, e de que falaremos em nota posterior: não é difícil descobrir por detrás do pseudónimo Ernesto Figueira, estudante de medicina, figura o futuro psiquiatra Eurico Figueiredo, ou do João Santos, estudante de direito, o futuro presidente da República Jorge Sampaio. Ambos frequentavam, tal como o João Pekoff, o Café Roma, junto à Praça de Londres, na Av de Roma (pp. 23 e ss).
Aliás, interessante também é "a ronda dos cafés" (pp. 81 e ss.), uma reconstituição do roteiro histórico dos cafés de estudantes e tertúlias da Lisboa dos anos 50, 60 e 70 (até ao 25 de Abril). Haveremos de cá voltar.`(***)
(Continua)
1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma,
1964/66) com data de 24 de Abril de 2020:![]() |
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