sábado, 5 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24535: Os nossos seres, saberes e lazeres (584): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (114): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Estava bem intencionado em fazer o roteiro de todas estas opulentas igrejas barrocas, nem a energia nem a concentração são hoje o que foram, o roteiro ficou incompleto, isto a despeito, posso dizer com orgulho, de ter cirandado por locais do maior interesse, logo o Museu Hof van Busleyden, a catedral, Nossa Senhora para lá do Dyle, a igreja de S. Pedro e S. Paulo, a basílica Hans Wijk, a igreja de Nossa Senhora do Vale de Lys, por fim o Museu do Holocausto, há razões para querer voltar, gostei da catedral, da visita de médico à igreja de S. João Baptista e S. João Evangelista, Malines é uma cidade aprazível, consorcia muito bem a arquitetura antiga e as experiências modernas, é desafogada e impressiona as preocupações da preservação patrimonial. Já um tanto derrancado, como recomenda a idade, ponho-me a caminho da estação ferroviária, tenho o dia de amanhã por minha conta, a secreta esperança de que vou dormir bem e amanhã vou de novo conquistar Bruxelas, digo sem nenhuma prosápia que mantenho com esta urbe um diálogo infindável, estou cada vez mais convicto que o meu amor pelo sonho europeu aqui se cimentou, com o entusiasmo e as inquietações do costume. E que o leitor tenha complacência, vou começar o dia na feira da ladra, vou pagar bem caro uma pechincha de tomo, uma edição de quilos da obra de Piero della Francesca, novinho em folha, bem regateado, o castigo veio depois, andar o dia todo com aquele trambolho às costas.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (114):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (5)


Mário Beja Santos

Confesso a singularidade desta visita a Malines, em tudo se distingue dos aliciantes e atrativos que encontro, por exemplo, na lista bem alargada dos museus de Bruxelas, pelo menos sete dezenas de hipóteses de ir conhecer instrumentos musicais, brinquedos, comunicações, arquitetura, publicidade, indústrias do trabalho, pintores como Camille Lemonnier, cervejas, museus locais de Belas Artes como o de Ixelles, a casa de Erasmo, o Museu Real de África Central, e fico-me por aqui. A ida ao departamento de turismo aqui em Malines acicatou-me a curiosidade: a que se deve este fausto, esta opulência da antiga capital da Burgúndia/Borgonha dos Países-Baixos Meridionais com tal enaltecimento do barroco? À procura de resposta, entrei no roteiro das igrejas históricas, já conversei com o leitor confessando que este estilo entre o barroco austero e o rococó exuberante não é santo do meu culto, isto sem querer negar algumas respostas estéticas que me deslumbram, os trabalhos em madeira, a pintura de Rubens, as soluções para as capelas laterais, por exemplo. E aqui estou, na segunda e última fase da viagem pelas igrejas de Malines, às vezes já troco os nomes, e momento houve em que julguei que entrava ali pela primeira vez e já ali tinha estado de manhã.

Estamos agora na igreja de Nossa Senhora para lá do Dyle, o tal rio que atravessa a cidade, há falta de dotes fotográficos, e dado que o templo tem a sua fachada numa rua apertada, preferi seccionar as imagens. Trata-se da segunda maior igreja gótica de Malines e caracteriza-se por 28 guildas e corporações da cidade, cada uma delas dispor ali um altar; além do mais, é aqui que podemos ver o admirável quadro de Rubens, A Pesca Milagrosa.
Chamo a atenção do visitante que neste embrechado de gótico e barroco há por vezes a surpresa de ainda se poder ver pintura antiga, como é o caso desta parede junto um órgão lateral.
Um dos órgãos de Nossa Senhora para lá do Dyle.
Altar-mor tendo como tema pictórico A Última Ceia.
Uma das capelas laterais alusivas a guildas e corporações.
O grande órgão da igreja, classicamente implantado no coro.
Quadro, A Pesca Milagrosa, de Rubens.
Já arrasto os pés, desisto de cumprir em rigor o roteiro, tinha esperança de visitar a igreja gótica de Santa Catarina, tem a particularidade deter uma abóbada de berço em madeira e escultura de dois grandes artistas de Malines, Lucas Faydherbe e Nicolaas van der Veken, já não estou em condições físicas e ainda tenho o Museu do Holocausto para visitar, pelo caminho paro na basílica de Hans Wijk, tem uma bela cúpula, ornamentação exuberante, prima por este belo contraste entre o branco e o dourado. E fico muito agradecido a Malines de ter conhecido este belo barroco (para quem gosta), a visita que mais me preencheu, digo abertamente, foi a catedral de S. Rumoldo, inesquecível.
Novo edifício do Museu do Holocausto e dos Direitos do Homem, Malines

A caserna Dossin, dedicada ao Holocausto e aos Direitos do Homem, possui dois edifícios, aquele onde, de 1942 a 1944, os nazis o utilizaram como campo de convergência dos judeus e ciganos que foram deportados para Auschwitz em 28 transportes, apenas 5% deles sobreviveram. A caserna abriga atualmente um lugar de recolhimento, o Memorial. Possui um impressionante centro de documentação com informação específica sobre o Holocausto e não menos impressionante é o banco de imagens que contem os retratos dos deportados e as respetivas listas de transporte para a morte; há um novo edifício, frente à antiga caserna, reservado à história da perseguição e deportação na Bélgica, possui um acervo impressionante de imagens sobre histórias de exclusão, de discriminação, e de resistência, e aqui igualmente se abordam as violações dos direitos do Homem no passado e no presente.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24515: Os nossos seres, saberes e lazeres (583): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (113): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24534: Antologia (96): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte VII

 


Alimentos e propaganda: Sardinhas da Suécia com etiqueta do PAIGC (Stig Lövgren) (Fonte: Tor Sellström, 2008, op cit, pág. 159).

100 toneladas de "sardinhas" (ou arenques juvenis ?)  deram cerca de 400 mil latas de conservas, de 225 gr cada uma (peso líquido).   Na tampa, lè-se: 

"Sardinha em óleo de soja | PAIGC | Guiné-Bissau | Zonas Libertas (sic) | Strömstad Canning CO AB | Strömstad, Suécia | País de origem: Suécia | Peso líquido: 225 gramas."

Um observador independente teria de concluir que esta ajuda alimentar sueca ao PAIGC foi então meramente simbólica: 400 mil latas de "conservas de sardinha" a distribuir por  "400 mil pessoas a viver nas zonas libertadas" (segundo a propaganda do PAIGC, e que os suecos replicavam)  dava  uma lata..."per capita"!

Por outro lado pode-se perguntar: será que os guineenses ficaram fâs das "sardinhas suecas em óleo de soja" ? ... Talvez o nosso correspondente no círculo polar ártico, José Belo,  nos possa responder a esta questão do domínio do sexo dos anjos,  mesmo que a esta hora esteja em Key West, Florida, a gozar a sua merecida licença de férias... (LG)



1.  Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, é autor de um livro,  de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)


Nessa publicação conta-nos como é que certas organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral (e nomeadamente c9ntra o apartheid) e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar na Guiné-Bissau, no fianl dos anos 60.  O território,  sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes,  e com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC; a lutar pela sua independência, eras então praticamente desconmhecido do público sueco.

A partir de 1969, a Suécia começou a dar, ao PAIGC, uma "ajuda humanitária" substancial, primeiro em géneros, depois em dinheiro,  que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. 

"As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau". Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).

Sáo factos que já pertencem ao domínio da História. Mas, passados estes anos todos, julgamos que ainda pode ter algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco mais sobre o envolvimento da Suécia, mesmo que indireto, na gueerra colonial. 

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de Tor Sellström. Já chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)...

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) a morte de Amílcar Cabral e o seu contexto. etc. 

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172) tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo extremamente fastidiosas para a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas, são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica:

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em 
https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau(Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau", usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III).

Nas páginas 148-152, é referido a primeira visita (de muitas) de Amílcar Cabral à Suécia em novembro de 1968 (Parte IV).

As conversações de Ström com o PAIGC foram bastante simples. No seu relatório, descreveu Amílcar Cabral, secretário geral do PAIGC, como ”um jovem agrónomo bastante jovial, elegante, intelectual e um conversador desenvolto e muito animado. Nada de apelos patéticos nem declarações solenes. As suas intervenções eram objectivas, claras e concisas” (Parte V, pp. 152-154).

Os suecos quiseram, na sua ajuda "não-militar", privilegiar os sectores da educação e a saúde. onde o PAIGC estava confrontado com "enormes desafios". O pressuposto era de que em 1971, calculava-se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau, (...) na sua maioria artesãos e camponeses (sic) (Parte VI, pp. 154-157).



Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: o caso da ajuda ao PAIGC - Parte VII:

Definição da ajuda humanitárioa (pp. 157-161)

 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

Definição de ajuda humanitária

A ajuda oficial sueca foi a pedido do PAIGC, e ao longo dos anos, quase exclusivamente prestada sob a forma de ajuda em géneros. Não incluiu bcomponentes importantes de ajuda técnica, actividades de projectos nem dinheiro (110). 

Uma vez que não havia uma representação da ASDI em Conacri, as negociações anuais da ajuda realizavam-se sobretudo em Estocolmo. Amílcar Cabral tinha um interesse muito particular nos debates, nos quais participava pessoalmente e, a princípio, chefiava ele mesmo as sucessivas delegações do PAIGC. 

Stig Lövgren recordaria mais tarde a forma como Cabral vinha a Estocolmo. Alojava-se num hotel com um nome falso, por razões de segurança e trabalhava connosco, na ASDI, para fazer uma lista de bens, de mercadorias, equipamentos, etc. de que o movimento necessitava. 

Era um procedimento muito simples e nada controverso porque, na altura, a lista incluía apenas alimentos, medicamentos, equipamento escolar e hospitalar e coisas desse género. [...] Amílcar Cabral participava de uma forma muito activa neste tipo de trabalho minucioso. Achava que era um trabalho no qual ele tinha de participar. Nós não levantávamos grandes questões quanto àquilo de que diziam precisar. Afinal, os fundos atribuídos nessa época não eram muito avultados e Curt Ström, a pessoa oficialmente encarregueda ASDI, achava que não devíamos levantar grandes questões (111).

Uma vez finalizada a lista de produtos, a ASDI funcionava como uma organizadora de concursos públicos para o PAIGC, convidando diferentes fornecedores a apresentar propostas, tanto na Suécia como a nível internacional. O representante do PAIGC na Suécia participava amiúde neste trabalho. Uma vez encontrado o fornecedor, a ASDI pagava a mercadoria e organizava o seu envio para Conacri (112).

Era importante que a ajuda não fosse vista como apoio à luta militar. No caso do PAIGC, essa destrinça não era nada óbvia. A parte mais importante da ajuda ia para as zonas libertadas no interior da Guiné-Bissau, onde a população participava numa guerra.

Tanto os combatentes pela liberdade quanto os aldeões beneficiavam das escolas, clínicas de saúde e armazéns do povo que o PAIGC tinha em funcionamento e que, de forma importante, eram fornecidos com ajuda sueca. 

Para além disso, a posição da ASDI não lhe permitia fazer visitas regulares às zonas libertadas nem verificar se os utilizadores finais eram militares ou civis (113). A linha divisória entre ajuda ”humanitária” e ajuda ”militar” era traçada à medida que as listas de mercadorias eram elaboradas. O principal critério era o do carácter da mercadoria. No início, este princípio levou a reflexões que roçavam o absurdo a saber, por exemplo, se archotes de encaixe (114) ou um determinado tipo de botas (115) podiam ser considerados material militar ou não. 

Stig Lövgren deu um bom exemplo deste tipo de dilema:

(...)  a questão dos artigos militares e não-militares era discutida em profundidade nos primeiros anos. Curt Ström era a pessoa que mais nervosa se mostrava com a possibilidade de estarmos a enviar coisas que pudessem ser utilizadas para fins militares. 

Lembro-me perfeitamente duma reunião com Amílcar Cabral na ASDI. Estávamos a discutir as listas previamente preparadas e que teriam de ser aprovadas por Ström e, quando chegámos às catanas, estávamos preocupados com a possibilidade de serem usadas para matar pessoas e dissemo-lo. Amílcar Cabral pegou numa caneta e escreveu: ”Isto é também uma arma...” (116).(..:)

Que até uma mercadoria tão obviamente não-militar como a sardinha pudesse ter um papel importante a desempenhar, num sentido mais lato, na luta de libertação, era algo que ficaria bastante claro mais adiante. Numa entrevista dada em 1996, Lövgren chamava a atenção para o seguinte:

(...) Fornecemos uma grande quantidade de alimentos ao PAIGC, especialmente comida enlatada. A uma dada altura comprámos cerca de cem toneladas de peixe enlatado, uma quantidade significativa, a uma fábrica sueca. O fornecedor, a Strömstad Canning, perguntou-me se queríamos pôr algum rótulo especial neste lote. Pensei que não era má ideia e contactei o Onésimo Silveira que, na altura, era o representante do PAIGC na Suécia. Ele ficou entusiasmadíssimo com a ideia! Só depois percebi o porquê de tanta alegria. Ele decidiu colocar no rótulo a bandeira do PAIGC e o texto ”das zonas libertadas da Guiné-Bissau”. 

Anos depois, disseram que o PAIGC tinha arranjado maneira destas latas aparecerem em vários locais ainda na posse dos portugueses. Até conseguiram distribuir algumas latas na capital, Bissau. Podem imaginar a eficácia desta arma psicológica (117). (...)

As autoridades suecas não tardariam contudo a, ”de uma forma aproximada, equacionar ajuda humanitária com ajuda civil” (118) e, segundo Lövgren, ”ao fim e ao cabo, não demos qualquer atenção ao problema. De facto, nós não fornecíamos armas nem munições” (119).

Afinal, a definição de ajuda ”civil”, ou ”não-militar” era feita de forma abrangente. Quando Amílcar Cabral pediu à ASDI, em julho de 1971, que fornecesse uma estação móvel de rádio para ajudar os esforços de educação do PAIGC (120), o pedido foi aprovado sem desconfiança. 

A estação viria a ser montada em dois camiões Mercedes Benz, também fornecidos pela Suécia. Os dois transmissores e o equipamento de estúdio respectivo foram adquiridos em março de 1972. Depois de instalado e da firma de consultoria oficial (a SWEDTEL) (121) ter dado formação ao pessoal do PAIGC, o movimento de libertação pôde iniciar, a 19 de Setembro de 1972, as emissões regulares para a Guiné-Bissau e Cabo Verde, a partir de vários locais no norte da Guiné (122).

Contudo, no início da ajuda aos movimentos de libertação, deu-se uma discussãomais importante quanto ao fornecimento de veículos, nomeadamente de camiões. Anders Möllander, o secretário do Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária, acompanhou de perto esse debate, e escreveu mais tarde que ”alguns argumentavam que meios de transporte tais como camiões poderiam sempre ser usados para fins militares e que, por isso mesmo, não deveriam ser incluídos na ajuda sueca” (123).

O contra-argumento do PAIGC e dos movimentos de libertação na África Austral era que não poderiam deslocar nem distribuir os bens recebidos sem uma capacidade de transporte adequada. Este último ponto de vista vingou e Lövgren comentou depois:

(...) A principal razão pela qual acabámos por fornecer camiões foi porque as mercadorias fornecidas pela ASDI tinham de ser transportadas de uma forma ou doutra, dos portos para os armazéns nas bases do PAIGC. 

Afinal, chegámos à conclusão de que seria razoável disponibilizar um número limitado de camiões ao mesmo tempo que fornecíamos grandes quantidades decomida. [...] 

Daí que tenhamos fornecido Land Rovers e outros veículos de tracção às quatro rodas. Decorridos alguns anos, esse assunto deixou de merecer discussão, e até fornecemos veículos das marcas Volvo e Scania, especialmente concebidos para as forças armadas suecas, mas que também estavam disponíveis em versão ”civil” (124).

Na verdade, a disponibilização de veículos ocupava um lugar relevante, e muito apreciado, no contexto da ajuda do governo sueco aos movimentos de libertação (125). No caso do PAIGC, a componente dos transportes representava já em 1970–71 cerca de 11 por cento do valor total da ajuda (126).

Três anos mais tarde, ou seja, em 1973–74, essa percentagem tinha aumentado para os 18 por cento (127). Do ponto de vista dos custos, o transporte era, na altura, a segunda maior componente do programa de ajuda, a seguir aos alimentos, mas acima dos medicamentos e do equipamento escolar (128). 

Só nesse ano, incluiu a disponibilização de doze camiões de grande porte (Volvo) e seis de pequeno (GAZ 66), 15 jipes (Unimog) com atrelado, 2 ambulâncias (Peugeot) e duas carrinhas (Peugeot), bem como peças sobressalentes, pneus, óleos e lubrificantes, etc. (129). 

Além disso, foram também fornecidos dez motores fora de bordo para transporte fluvial por meio de piroga e quinhentas bicicletas (130).

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Notas do autor:

110. A questão da ajuda em dinheiro viria a ser levantada em particular pela FRELIMO de Moçambique. Em Novembro  de 1972, a ASDI decidiu que 5 por cento das verbas anualmente afetadas aos movimentos de libertação poderia ser transferidas, sob a forma de ajuda em numerário, para a aquisição de bens a nível local e para financiar custos de exploração. No caso do PAIGC, essa percentagem correspondia, em 1972–73 a quinhentas mil coroas suecas.

111. Entrevista com Stig Lövgren, pp. 309–12.

112. Com a sua vasta rede de contactos e considerável experiência, a divisão de aprovisionamento da ASDI conseguia identificar os melhores fornecedores e obter os melhores preços para o PAIGC e os movimentos de libertação da África Austral. Mais tarde, viria a organizar cursos de formação em concursos públicos internacionais para os movimentos. Reconhecendo a importância de rotinas de contratação pública bem definidas, em geral, e o contributo significativo dado ao PAIGC, em particular por Stig Lövgren, pouco tempo depois da independência Luís Cabral, o primeiro presidente da Guiné-Bissau, convidou Lövgren para ser o responsável pelas importações e concursos públicos do novo país (Anders Möllander: Sverige i Södra Afrika: Minnesanteckningar 1970–80 (”A Suécia na África Austral: Memórias 1970–80”), ASDI, Estocolmo, 1982, p. 19 e entrevista com Stig Lövgren, 313).

113. Entrevista com Stig Lövgren, p. 311: ”Não visitávamos nem podíamos visitar as zonas libertadas. Tentámos fazê-lo mas, na maior parte dos casos, o PAIGC arranjou uma desculpa, muito educada, para não nos deixar lá ir. ”Sobretudo, é claro, por razões de segurança”.

114. Möllander op. cit., p. 17.

115. Entrevista com Mishake Muyongo (ex-SWAPO), p. 87.

116. Entrevista com Stig Lövgren, p. 310.

117. Ibid. Uma das muitas ironias da guerra na Guiné-Bissau era que as sardinhas em lata, um produto tipicamente português, tinham de ser adquiridas na Suécia e enviadas para este país, tão rico em peixe. As latas pesavam 225 gramas cada. 

A ”remessa de propaganda” com a bandeira do PAIGC era composta por cerca de 400.000 latas. 

Não é portanto de admirar que o PAIGC tenha reencaminhado parte do lote dos armazéns do povo para as zonas detidas pelos portugueses. 

Para além de estar mal escrita (”zonas libertas” em vez da expressão correta, que seria ”zonas libertadas”) a etiqueta identificava claramente o fornecedor sueco, mas também a Suécia como país de origem. 

Os armazéns do povo recebiam também cigarros, produzidos na Suécia com o rótulo propagandístico Nô Pintcha, tendo o PAIGC sido também, neste caso, o autor da embalagem. O fornecimento deste produto não de primeira necessidade à luz do protocolo de ajuda humanitária foi fortemente criticado. 

A Associação Nacional Sueca de Informação sobre os Malefícios do Tabaco (Nationalföreningen för upplysning om tobakens skadeverkningar, NTS) enviou uma carta ao Ministro sueco para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, a Sra. Gertrud Sigurdsen, exigindo que ”instruísse imediatamente a ASDI para que substituísse a planeada operação de exportação de cigarros para a Guiné-Bissau por ajuda em bens mais de primeira necessidade” (Carta de Eric Carlens e Lars Ramström, NTS, a Gertrud Sigurdsen, Estocolmo, 25 de Junho de 1974) (SDA). 

Vendo que os cigarros representavam apenas 185.000 coroas suecas, de uma dotação total para o PAIGC de 15 milhões, e vendo também que desempenhavam um papel importante na economia de troca directa dos armazéns do povo, a ministra respondeu que os bens para os armazéns do povo faziam parte integrante do ”apoio explícito dado pela Suécia ao trabalho dos movimentos de libertação” e que ”em todos os casos deste tipo, tem de ficar à responsabilidade da ASDI a avaliação da adequação ou não do fornecimento de tais produtos” (Carta de Gertrud Sigurdsen a NTS, Estocolmo, 2 de Julho de 1974) (SDA). Cf. Möllander op. cit., pp. 16–17 e entrevista com Stig Lövgren, pp. 310–11).

118. Möllander op. cit., p. 17.

119. Entrevista com Stig Lövgren, p. 310. Em Portugal, onde se registaram as reacções mais veementes contra o alargamento da ajuda aos movimentos de libertação, nunca se aceitou o carácter humanitário da ajuda. 

O jornal Diário de Notícias dava nota, por exemplo, no início de 1971, que as exportações suecas de canivetes aos ”terroristas” em África tinha aumentado consideravelmente (Diário de Notícias, 16 de Janeiro de 1971). Pegou-se nisso como provadas intenções beligerantes da Suécia (consultar o editorial ”O apoio do Sr. Olof Palme ao terrorismo em África” em Diário de Notícias, 19 de Janeiro de 1971).

120. Carta de Amílcar Cabral à ASDI, Conacri, 28 de Julho de 1971 (SDA).

121. Swedish Telecommunication Consulting AB, uma subsidiária da Swedish Telecommunications Administration.

122. SWEDTEL: ”Estações de radiodifusão na Guiné: Relatório final”, Estocolmo, Dezembro de 1972 (SDA). Em consequência, centenas de rádio-transmissores foram fornecidos pela ASDI às zonas libertadas na Guiné-Bissau.

123. Möllander op. cit., p. 18.

124. Entrevista com Stig Lövgren, p. 310.

125. Consultar, por exemplo, as entrevistas com Aaron Mushimba da SWAPO (p. 84) e com Kumbirai Kangai da ZANU (p. 213–14). Apesar de não estar ligado à parte da aquisição por concurso público na Suécia, o apoio aos transportes viria a beneficiar, ao longo dos anos, empresas como a Scania e a Volvo, às quais os movimentos de libertação davam muitas vezes preferência sobre outras empresas. 

Por exemplo, quando o presidente do MPLA, Agostinho Neto e o primeiro ministro Olof Palme se encontraram em Lusaca, na Zâmbia, em setembro de 1971, Neto reagiu às notícias que diziam que a ASDI iria fornecer camiões alemães ou franceses ao seu movimento, dizendo ”não entender porque não iriam ser entregues veículos  suecos em vez desses” (Pierre Schori: Memorando, Estocolmo, 1 de outubro de 1971) (MFA). 

Para além de camiões Scania e Volvo, a ASDI fornecia muitos veículos pesados alemães (Mercedes Benz) e franceses (Berliet). Os fabricantes britânicos (Land Rover) e japoneses (Toyota) dominavam o sector dos veículos ligeiros de tracção às quarto rodas. 

Em retrospectiva, o antigo chefe do departamento de aprovisionamento da ASDI, Stig Lövgren, fez o seguinte comentário em 1996: 

”Se há uma coisa que lamento bastante foi o facto de termos fornecido camiões suecos aos movimentos de libertação, pois devíamos ter fornecido camiões russos. Na altura, podíamos obter quase três camiões russos pelo preço de um sueco [...]. Foi um verdadeiro desperdício de dinheiro. Eles não deviam ter recebido um número tão elevado destas máquinas suecas, tão técnicas e tão sofisticadas, mas sim camiões o mais simples possível” (Entrevista com Stig Lövgren, p. 315).

127. SIDA: ”Stöd till PAIGC” / ASDI; ”Ajuda ao PAIGC”, Estocolmo, 22 de Agosto de 1973 (SDA).

128. De uma dotação total de 15 milhões de coroas suecas, as principais oito componentes da ajuda sueca ao PAIGC em 1973–74 eram: 

  • alimentos (20 por cento)
  • transporte (18 por cento)
  • têxteis e máquinas de costura (15 por cento)
  • mercadoria para os armazéns do povo (13 por cento)
  • vestuário e calçado (11 por cento)
  • medicamentos (5 por cento)
  • artigos de higiene (3 por cento) 
  • e equipamento escolar (2,5 por cento) (ibid.).

129. SIDA: ”Stöd till PAIGC” / ASDI: ”Ajuda ao PAIGC”, Estocolmo, 25 de Junho de 1974 (SDA).

130. Ibid.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / itálicos / bold, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série >  
31 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24521: Antologia (95): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte VI

Postes anteriores:


28 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24510 Antologia (93): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte IV

24 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24502: Antologia (92): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte III

19 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24489: Antologia (91): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte II

17 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24482: Antologia (90): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte I

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24533: Notas de leitura (1603): "Análise de Alguns Tipos de Resistência", por Amílcar Cabral; edição conjunta de Monde Diplomatique e Outro Modo Cooperativa Cultural, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Julho de 2021:

Queridos amigos,

O especial interesse desta edição é de incluir uma versão revista da tradução original do crioulo para o português e comentários de investigadores de craveira. O contexto da preparação deste seminário de quadros, que aconteceu em Conacri de 19 a 24 de novembro de 1969, é muito bem apresentado por Carlos Cardoso e Raúl Mendes Fernandes, o PAIGC vivia enormes tensões e a política de Spínola cavara divisões profundas nesses quadros, ao relevar que o desenvolvimento que se pretendia na Guiné era para os guinéus, num pleno respeito pelas tradições e pela melhoria das condições de vida. Foi uma ação psicológica que deu frutos e face à qual Cabral encontrou o seu golpe de asa para mobilizar duas gerações de quadros. Leem-se estas intervenções e é indubitável o vigor do seu génio, estamos perante o construtor de um país.

Um abraço do
Mário



Quando um líder revolucionário, posto à prova, lembrou a verdade da luta do PAIGC

Mário Beja Santos

Esta edição revista e comentada de uma obra basilar para entender o pensamento e ação de Amílcar Cabral, edição conjunta de Monde Diplomatique e Outro Modo Cooperativa Cultural, "Análise de Alguns Tipos de Resistência", 2020, aparece muito bem contextualizada por dois investigadores que procedem a uma leitura analítica sobre tudo o que Cabral disse no Seminário de Quadros de novembro de 1969, em Conacri, dirigindo-se a um conjunto bastante expressivo de participantes, são eles Carlos Cardoso e Raúl Mendes Fernandes. Vale talvez a pena, por isso mesmo, sintetizar as suas observações.

Era um período de graves tensões internas dentro do PAIGC, a direção política e o seu líder encontravam-se numa situação de grande fragilidade, Cabral era contestado, havia o diferendo entre cabo-verdianos e guineenses, rumores e intrigas, o inevitável cansaço dos combatentes devido à longa duração da guerra. E as inovações introduzidas pelo novo governador, António Spínola: campanha de guerra psicológica devastadora, arvorando a causa do desenvolvimento sempre em prol dos guinéus; a africanização da guerra formando uma tropa de elite, os Comandos, seriam o embrião das Forças Armadas da Guiné independente; a propaganda para uma Guiné autónoma, em que as etnias seriam ouvidas regularmente no Congresso do Povo, tudo numa estreita aliança com o chefado tradicional e sobrepondo-se a qualquer tensão religiosa, as peregrinações a Meca ganham insistência. Tudo era difundido e ouvido tanto em Conacri como no mato.

Para rebater quaisquer dúvidas sobre a natureza da luta do PAIGC, Cabral organiza um conjunto de exposições visando a consciencialização dos militantes do PAIGC, dentro de uma lógica que os participantes se iriam transformar em multiplicadores. Como observam estes dois investigadores, a escolha dos participantes procurava uma combinação de duas gerações. 

“Amílcar Cabral tinha uma conceção de luta de longa duração. Esta conceção contrariava as expetativas dos chefes de guerra que ambicionavam uma guerra de curta duração. O Seminário de Quadros foi, por todas as razões apontadas, um fórum estratégico crucial e as intervenções sobre a forma de resistência podem ser consideradas o seu núcleo central”

O que se apresenta nesta edição é uma tradução para português de um conjunto de palestras em crioulo proferidas entre 19 e 24 de novembro.

Ressalta, antes de mais, a assombrosa comunicação pedagógica, com conceitos apresentados de forma simples e sempre com exemplos, nunca descurando a complexidade da explicação. A ideia de transformação histórica longa ligada à luta prolongada tinha a ver com a estratégia de longo prazo, Cabral não tinha ilusões que era imperioso haver tempo para a transformação social, ele próprio ao longo de toda a sua narrativa aponta sem ambiguidades múltiplos erros no seio dos militantes do PAIGC, é severo com quem rouba, com quem maltrata, com o quadro das superstições, por exemplo. 

“Cabral chamava a atenção dos seus camaradas para a necessidade de ter sempre em mente a situação da luta em cada momento. Era, por assim dizer, o bê-á-bá da conduta do militante, tal como ele o concebia”

E daí a perspetiva de “pensar para agir e agir para poder pensar melhor”, uma consigna positiva para estimular o trabalho político, a luta contra o analfabetismo, a intervenção sem medo nos debates, o respeito pela dignidade da mulher e temos depois o corolário lógico de que a resistência é política, é armada, é económica, é cultural, faz apologia a pensar pelas próprias cabeças, a privilegiar a independência de pensamento e as redes de participação. E concluem: 

“Ele continua a fornecer instrumentos úteis para a compreensão de problemas de diferente natureza (política, económica e cultural) enfrentados hoje pelas periferias ou semiperiferias, fios de esperança indispensáveis aos muitos desafios que o atual processo de globalização propõe para as sociedades".

Em torno do conceito de resistência, Cabral vai constituir um poliedro, lança advertências que continuam prementes, muito provavelmente descuradas pelas elites atuais: 

(,,,) “Não podemos aceitar na nossa terra os abusos e os privilégios de grupos ou grupinhos, se de facto queremos libertar o nosso povo. Não vãos libertar o nosso povo só dos colonialistas, mas de tudo quanto o prejudique no caminho do progresso. Temos de eliminar a ignorância, a falta de saúde, e toda a espécie de medo, gradualmente. A maior pressão que existe sobre um povo é o medo. Medo de passar fome, de não ter trabalho, de doenças, de pancada, de ser deportado para S. Tomé, ser preso injustamente. Mas ainda mais, medo de curandeiros, dos que deitam sortes, da conversa dos mouros, do irã, do mato escuro, dos raios, dos relâmpagos. Um povo que tem medo é um povo escravo”

Define a resistência política, há que acabar com todos os abusos, mas também isolar o inimigo.

Afirma-se contra a brutalidade e os horrores da guerra gratuitos: 

“No começo da nossa luta, houve camaradas que nos sugeriram cometer certas atrocidades, mas recusámos. Na nossa luta não há dessas coisas que se passaram noutras terras em África, como matar mulheres e crianças brancas só porque são brancas. Queremos fazer uma resistência política para servir o nosso povo, não queremos que o nosso povo seja sanguinário”

Dirá ao longo de todas as suas intervenções verdades muito incómodas, faz permanentemente apelo aos processos de autossubsistência, fazer-se o reconhecimento daqueles que trabalham a terra e simultaneamente combatem, exige um pleno respeito pela forma como se trata a ajuda internacional, desde a gasolina aos medicamentos, quando necessário ele próprio faz autocrítica, um exemplo: 

“Um erro grave que cometemos na nossa terra foi não cobrar imposto a ninguém depois de a sua área ser libertada. Isso foi um erro. Nós devíamos ser capazes de, depois de libertar uma área como Cubucaré, estabelecer imediatamente o imposto que o povo devia pagar. O imposto, não sendo em dinheiro, podia ser em produtos, para o nosso povo não perder o hábito de pagar impostos e não pensar que, quando tomarmos a nossa terra, não vai haver impostos. Não há terra nenhuma que possa avançar sem pagar impostos”.

É um permanente apelo à mobilização, recorre a fórmulas de orgulho cultural, adianta que a luta que se trava é ela própria o sedimento de uma cultura nova, lembra aos militantes que essa cultura deve desenvolver-se numa base científica, sem crendices. Apela à pontualidade, à discussão, exalta a língua portuguesa. E espraia-se sobre a resistência armada, não poupa as tentações do neocolonialismo e o ponto mais elevado desta pedagogia é estar sempre a apontar para o futuro, demorasse a luta o tempo que fosse necessário, que todos advertissem as populações e multiplicassem a esperança que se estava a construir a História do nosso tempo, havia que manter acesa a esperança de que amanhã se irá viver no progresso.

Repete-se que é um documento basilar para entender o pensamento e a liderança de Cabral e como observam neste livro os seus comentadores é bem patente a pertinência atual da sua narrativa tal como ele expôs em Conacri, em tempos particularmente turvados.

De leitura obrigatória para quem queira entender o que foi o sonho daquele PAIGC que morreu com o seu líder carismático.

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24523: Notas de leitura (1602): "Aldeia Mágica", por Alexandre Faria; Poética Edições, 2019, ilustrações de Ricardo Braz (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24532: Efemérides (405): Há 57 anos, a 30 de julho de 1966, parti, em rendição individual, no N/M Uíge, para me juntar ao Pel Caç Nat 54, em formação, em Bolama (José António Viegas)


Foto nº 1


Foto nº 2

N/M Uíge  > Viagem para a Guiné > 30/7 a 4/8/1966 >  Eu no convés (foto nº 1), e depois à mesa, com a malta de rendição individual, alguns dos quais já partiram para a derradeira viagem (foto nº 2).

Fotos (e legenda): © José Manuel Viegas (2023). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


1. Mensagem de José Anónio Viegas, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68), um dos animadores da Tabanca do Algarve:

Date: domingo, 30/07/2023 à(s) 14:48
Subject: 57 anos da partida para a Guiné

30 de Julho de 1966, 7 horas da manhã, no Quartel de Adidos na Calçada da Ajuda: um sargento manda-me ir à secretaria buscar a guia  de embarque, após receber a guia desço a Calçada da Ajuda até um café-quiosque que ficava em frente ao Museu dos Coches e tomo o meu pequeno almoço nas calmas, e vou seguindo com o saco às costas até ao Cais de Alcântara, entrego a guia ao PM e subo o escaler pró navio (Uíge). 

Depois de me ter sido atribuído um beliche, venho para a amura ver o desfile e o espetáculo do adeus. Partimos e passámos pela futura Ponte Salazar que seria inaugurada 4 ou 5 dias depois.

5 dias depois, a 4 de agosto, cheguei a Bissau. Ao chegar ao cais encontro um amigo e conterrâneo que já era 2.º sargento, que me perguntou se eu vinha de férias para a Guiné, de seguida meteu-me no jeep e foi mostrar-me Bissau, seguindo depois para Adidos onde fiquei 3 dias, embarcando a seguir na lancha Bore para Bolama, onde iria formar o Pelotão de Caçadores Nativos 54 (com o saudoso Jorge Rosales, entre outros).

Sobre o meu Pelotão irei contar numa próxima o percurso dos 27 meses antes que a memória feche a porta.

Um abraço, Viegas

Anexo - Foto 1 Viagem no Uige | Foto 2 Na messe malta de rendição individual, alguns já partiram.
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Nota do editor:

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24531: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (2): CIOE / Rangers - Especialidade em Lamego (Parte 2)

Guiné > Olossato > Secretaria > Abril de 1970 > João Moreira


"A MINHA IDA À GUERRA"

2 - CIOE / RANGERS - ESPECIALIDADE (Parte 2)

João Moreira


Como não acabei a especialidade, e só estive lá durante 3 ou 4 semanas, não sou a pessoa mais qualificada para descrever a vida dum "Ranger" durante a especialidade.
A distância de 55 anos também não ajuda. Portanto, peço já desculpa e a vossa compreensão para qualquer descrição que não corresponda à realidade de então.

Continuando, direi que o dia "normal" começava pela alvorada.
Vestidos, passávamos pela cozinha/refeitório, onde os cozinheiros nos davam um ladrilho de marmelada, ou um bocado de queijo, ou meia tablete de chocolate para o estômago não estar vazio na hora seguinte, porque teríamos um crosse ou aplicação militar ministrada pelo diretor do curso, que era o capitão Fonseca.

Na parada exterior, formavam os 4 pelotões - 1 do COM e 3 do CSM, - com os respetivos comandantes de pelotão, que os apresentavam ao comandante de companhia, que era o capitão Rino. Este, por sua vez apresentava a companhia ao diretor do curso que estava num estrado à frente dos pelotões - Os 2 capitães tinham feito o curso de "rangers" nos Estados Unidos da América.

E começava a sessão. Não eram emitidas ordens. Como num jogo de sombras, todos repetiam o que diretor do curso fazia.
O comandante de companhia tirava a roupa do tronco e colocava-a no chão. E todos os outros militares repetiam.

Começava a sessão com os exercícios que o capitão Fonseca executava e que o resto do pessoal repetia, independentemente do chão em terra batida estar seco, molhado, com lama ou com neve ou com qualquer outra situação menos agradável.
Terminada a sessão íamos tomar banho, cortar a barba e vestir a farda que estava indicada.
Corretamente fardados, formávamos e seguíamos para o refeitório tomar o pequeno almoço.

Em mesas para "?" pessoas, e acolitados por soldados de casaco branco, tomávamos o pequeno almoço que era constituído por café ou cevada, leite, manteiga e pão à descrição. Também havia Ovomaltine, que já não me lembro se pertencia à dieta diária ou se só era servido de vez em quando, como os ovos estrelados.

Seguia-se o descanso dos guerreiros com 1 ou 2 horas de teoria, ou armamento e voltava-se ao exercício fisico.

O almoço e o jantar eram muito bem servidos, do género arroz, bife com ovo a cavalo, batatas fritas, pão, vinho e fruta. "Só faltava o café e o whisky"!!!

Numa ocasião o comandante da unidade disse-nos que a dotação para a alimentação era o dobro do normal, ou seja 22$50x2=45$00 e que ainda acrescentavam dotações suplementares do CIOE, porque para poderem fazer aquele esforço físico tinham que nos dar condições.

Depois do jantar podíamos sair até às 22(?) horas, sem qualquer documento e no regresso podíamos ir descansar ou tínhamos sessão de cinema, com filmes de guerra. Tenho ideia que estes filmes eram comentados pelos oficiais da unidade.

Numa ida à Carreira de Tiro, em Penude, saímos depois de almoço com cerca de 10 cunhetes para G3. (Penso que eram mais de 10 cunhetes, mas não tenho a certeza).
Como cada cunhete tinha 1.000 balas, levamos 10.000 balas, que divididas por 33 instruendos ficava a média de 333 por instruendo.
Após fazermos os exercícios de tiro previstos, sobraram alguns cunhetes e o nosso comandante de pelotão propôs gastar as balas que sobravam para não termos que voltar a Lamego carregados.

Então as balas que sobravam foram gastas por atiradores "voluntários".
Com muita organização e segurança, ia 1 militar de cada vez fazer tiro no estilo que quisesse - em pé, sentado, de joelhos - e também escolhia a cadência: tiro a tiro ou rajada.
Para garantir a segurança o "atirador" só ia para a pista à ordem do comandante de pelotão.

Fiz várias centenas de tiros nas mais diversas posições e nas 2 cadências. No final até já conseguia fazer tiro a tiro, com a patilha em rajada. Resumindo, numa sessão de tiro em Lamego, fiz mais tiros que durante toda a recruta nas Caldas da Rainha.

Também tinha o lado negativo para nós.
Ao fim de 3 ou 4 semanas, quando fui para o Hospital Militar, ninguém tinha saído do quartel.
Não tinha havido fim de semana para ninguém.

"ERA JÁ A PREPARAÇÃO MENTAL PARA UMA IDA PARA O ULTRAMAR".


(continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 27 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24507: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (1): CIOE / Rangers - Especialidade em Lamego (Parte 1)

Guiné 61/74 - P24530: Efemérides (404): Foi há 60 anos que o padre missionário italiano Antonio Grillo (1925-2014), do PIME, foi preso (em 23/2/1963), "sob a acusação de atividades subversivas", e depois expulso de Portugal (libertado, em 4/6/1963, em homenagem ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 23 de fevereiro de 2008 > Visita a Bambadin5ca > Pe. Antonio Grillo com o tradicional barrete balanta




Guiné > Zona leste < Setor L1 (Bambadinca)  Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro referido por A. M. Sucena Rodrigues (1951-2018) ( no poste P14055).  Ao fundo, à direita, devidamente sinalizada a vermelho, pode ver-se a cruz que, segundo esse guerrilheiro, foi erigida antes da guerra [nos anos 50], por um tal missionário que lá viveu e que ele chamava padre António [Grillo, acrescentamos nós]. (Foto do álbum do A. M. Sucena Rodrigues,  ex-fur mil da CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74).

Foto (e legenda): © A. M. Sucena Rodrigues  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem cvomplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carta manuscrita, enviada pelo Padre António Grillo ao Amílocar Cabral, datada de Acerenza (Potenza, Itália), 20 de julho de 1963. Foi recebida em 5 de agosto de 1963.

Citação:
(1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36402 (2023-8-2)

Transcrição da carta manuscrita (revisão / fixação de texto: LG)

20-VII-63 

Exmo. Sr. Engenheiro Cabral:  Também jornais africanos têm publicado [a notícia de ] a minha prisão. Penso que o senhor [estará ] bem imformado do meu caso do qual lhe falarei com pormenores quendo o senhor me [anviar] o seu endereço.

Mais dois padres italianos foram expulsos mas somente eu passei [pelas ] prisões de Bissau e de Lisboa. Agora me encontro em Itália.

Não calhará ao senhor de vir  [a] Itália ? Saiba qeu estou aqui e me faria uma grande prazer avisar-me da sua vinda.

Cumprimentos e desejo [de sucessos ] para o seu partido. Padre António Grillo, Itália - (Potenza) Acerenza.



Carta (datilografada) do Padre Antonio Grillo, dirigida ao Secretário Geral do PAIGC, engº Amílcar Cabral, com data de 18 de outubro d3 1970. Cabarl responde-lhe de imediato, a 27 desse mês e ano.

Citação:

(1970), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34635 (2023-8-2)

Citação:
(1970), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34633 (2023-8-2)

Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares | Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


1. Alguns dos missionários italianos do PIME - Pontifício Instituto para as Missões Exteriores, no território da Guiné,   tiveram problemas com as "autoridades portuguesas" durante a guerra colonial: o primeiro caso terá sido  o padre Antonio Grillo (1925-2014), que esteve na missão católica de Bambadinca e que era particularmente acarinhado pelos balantas de Samba Silate, uma enorme tabanca, com quase duas mil almas, que terá sido destruídas pelas NT no princípio da guerra, no subsetor do Xime, obrigando a população a procurar refúgio noutras zonas (e nomeadamente ao longo da margem direita do rio Corubal, entre a Ponta do Inglês e a mata do Fiofioli) (segundo a versão do nosso camarada Alberto Nascimento, contemporâneo e testemunha dos acontecimentos, ex-sold cond auto, CCAÇ 84,  1961/63).


Recorde-se: 

(i) chegou à Guiné no início da década de 1950, integrado no PIME, na mnissão católica de Bambadinca;

(ii) foi detido pela então polícia política portuguesa, a PIDE, a 23 fevereiro de 1963, sob a acusação de atividades subversivas; 

(iii) esteve preso em Bissau e depois em Lisboa;

(iv) acabou por ser libertado em 4 de julho de 1963 em homenagem, de Portugal, ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI (1898-1978), que em 21 de junho de 1963 tinha sucedido a João XXIII, na cátedra de São Pedro;

(v) com a independência da Guiné-Bissau, o padre Grillo voltou  a Bambadinca, onde trabalhou, de 1975 a 1986, associado ao PIME, regressando depois à Itália;

(vi) visitou Bambadinca em 2010, quatro anos antes de morrer;

(vii) foi dado o seu nome ao liceu de Bambadinca, criado em 2008, numa iniciativa conjunta da comunidade local, da Missão Católica de Bafatá e do Ministério da Educação, e com o apoio de benfeitores portugueses e italianos.


2. No Arquivo Amílcar Cabral, há pelo menos duas cartas do padre Antonio Grillo, dirigidas ao secretário-geral do PAIGC,  que reproduzimos acima, datadas respetivamente de 20/7/1963 (manuscrita) e de 18/10/1970 (datilografada), a par de uma outra, de resposta,  do Amílcar Cabral  (datilografada, com data de 27/10/1970).

Na segunda carta, Grillo faz alusão  ao encontro de Amílcar Cabral com o Papa Paulo VI (no Vaticano, em 1 de julho de 1970) e evoca, com saudade, os "meus balantas",  de Samba Silate, Enxalé, Bambadinca ("de cuja missão fui afastado à força"), Finete, Ponta do Inglès, Ponta Luís Dias, Nhabijões ou Nha Bidjon, etc. (provavelmente também Mero, Santa Helena, Fá Balanta...).
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Notas do editor:

Último poste da série > 2 de agosto de 2023 > Guiné 51/74 - P24528: Efemérides (403): Foi há 53 anos, em 1 de julho de 1970, que o papa Paulo VI teve um breve encontro, "no final da audiência geral semanal", com Agostinho Neto (MPLA), Amílcar Cabral (PAIGC) e Marcelino dos Santos (FRELIMO)... A notícia só foi dada no dia 5, na imprensa portuguesa, e originou uma dura nota de protesto do governo de Marcello Caetano que "chama a Lisboa o seu embaixador, um gesto diplomático de forte desagrado, geralmente antecedendo o corte de relações diplomáticas".