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sábado, 6 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27500: Os nossos seres, saberes e lazeres (712): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (233): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 5 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Verdade verdadinha, andei com amigos alemães a matar-lhes saudades de Lisboa, não vinham cá há dez anos. Foi a seu pedido que fui mostrar o novo Museu Nacional dos Coches, lembravam-se do picadeiro, implantado no Palácio de Belém, estavam cheios de curiosidade por ver todas aquelas viaturas em espaço mais desafogado. Foi essa a viagem que fizemos, achei por bem reter uma série de imagens de peças de altíssimo valor no nosso Património Cultural.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (233):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 5


Mário Beja Santos

Prossegue a viagem, recebi a visita de queridos amigos alemães, não visitavam Portugal há dez anos, resolvi mostrar-lhes o perene e o que está em mudança. Por exemplo, numa viagem anterior, levara-os às instalações do antigo Museu Nacional dos Coches, sito no antigo picadeiro de Rainha D. Amélia, agora foram visitar as novas instalações, bem espaçosas. Sabendo do seu fervor pelos jardins, levei-os em primeiro lugar aos jardins do Torel, não conheciam esta panorâmica, conheciam o jardim em frente, o de São Pedro de Alcântara, que também visitaram, agora magnificamente recuperado e conservado. Na travessa da Cruz do Torel, já perto do jardim, encontrei esta lápide da casa em que nasceu e morreu Venceslau de Morais (1854-1929) marinheiro, diplomata e torrencial escritor, porventura o escritor português que mais amou Japão, houve o cuidado de pôr nesta lápide tudo escrito nos dois idiomas. Pena é que a inscrição não esteja devidamente conservada.
Lápide à memória de Venceslau de Morais, na Travessa da Cruz do Torel, pertinho do jardim com o mesmo nome
A remexer nas fotografias da nossa visita aos jardins de Monserrate encontrei esta que fora injustamente esquecida, a flor chama-se cosmos, tem uma coloração intensa, sobressaía naquela paisagem quase outonal, dominada pela natureza verde que só irá despontar na primavera.
Já estamos no Museu Nacional dos Coches. Como se impunha, começámos por este coche raríssimo, o mais antigo da coleção do Museu. Integrou a comitiva régia de Filipe III de Espanha e II de Portugal, na viagem entre Madrid e Lisboa em 1619. A sua arca, na parte da frente, servia para guardar utensílios de viagem. É um trabalho espanhol.
Este coche é um exemplar raro da “Carrosse Moderne” - caixa fechada com oito janelas. Pertenceu à Rainha D. Maria Francisca de Sabóia-Nemours, prima de Luís XIV. Foi trazido para Portugal no dote do seu casamento com D. Afonso VI, em 1666. Nas portas, duas figuras femininas ladeiam um medalhão com o monograma da rainha.
Este coche foi mandado construir em 1708 pelo Imperador José I de Áustria para o casamento da sua irmã, Maria Ana com o Rei de Portugal, D. João V. A caixa é revestida a talha dourada e decorada com leões coroados, monogramas da rainha e um escudo com as armas de Portugal. Os doze raios das rodas têm formas de cetros. É um trabalho holandês.
Este coche foi mandado construir por D. João V, a caixa anuncia o estilo rococó. A decoração apresenta bustos, em madeira de bronze cinzelado. Nas rodas traseiras estão representados os doze signos do Zodíaco. É trabalho português.
Este coche tem como tema a ligação dos Oceanos e representa um importante episódio da história marítima de Portugal. A composição escultórica do alçado traseiro apresenta, ao centro, Apolo que canta os feitos dos portugueses e está ladeado por duas figuras femininas, a Primavera com flores e o Verão com espigas. Em frente ao globo terrestre, dois velhos, o Oceano Atlântico e o Oceano Indico dão um aperto de mão simbolizando a passagem do Cabo da Boa Esperança. Trabalho italiano.
A 8 de julho de 1716 realizou-se em Roma o cortejo da Embaixada enviada por D. João V ao Papa Clemente XI. Os exemplares únicos de carros triunfais foram idealizados pelo Embaixador de Portugal, Marquês de Fontes. Destacam-se pelas dimensões, pelo modelo de caixa aberta “à romana” e são revestidos de ricos tecidos bordados a ouro e prata. Na sequência desta cerimónia Portugal obteve o estatuto de Patriarcal para a Capela Real. Em 1718, a pedido do Rei, estas viaturas foram enviadas por mar até Lisboa.
Este coche pertenceu a D. José I e é considerado um dos melhores exemplares do barroco português – estilo artístico que se caracteriza pela decoração com excesso de detalhes. A talha, apresenta grinaldas de flores e frutos e cabeças de índio, simbolizando os primeiros contactos com o Brasil. No alçado traseiro destaca-se uma águia imperial, representando o poder absoluto do Rei. É trabalho português.
Os carrinhos de passeio em estilo italiano, decorados com motivos vegetalistas sobre fundo dourado, foram encomendados pela Rainha D. Maria I. a família real utilizava-os para passear nas quintas e nos jardins dos palácios. Eram viaturas de dois lugares, com duas ou quatro rodas, conduzidas pelo próprio ocupante ou por um boleeiro. A caixa aberta tem na parte dianteira um painel de couro que serve de porta e o acesso é feito por estribos suspensos. Na parte traseira tem um banco para o pajem. Há quem lhe dê o nome de cabriolé.
Liteira à francesa
Pormenor de Liteira à romana. São viaturas sem rodas, utilizadas na Europa desde o tempo dos romanos até ao século XIX. Eram veículos de caixa aberta ou fechada, com dois lugares frente a frente, carregados por duas mulas ou cavalos que se atrelavam aos varais fixos nas ilhargas laterais. Por serem fáceis de manobrar, permitiam deslocações cómodas e rápidas nas ruas estreitas da cidade e em caminhos de difícil acesso.
Landau de D. Pedro V, modelo de viatura que teve origem na cidade de Landau, na Alemanha. A caixa, com acesso por estribo desdobrável tem duas capotas de couro rebatíveis, o que permite que a viatura possa ser utilizada aberta ou fechada. Na decoração destaca-se o brasão de armas do Rei D. Pedro V ladeado por manto de arminho e encimado por coroa real. Trabalho inglês.

Na viagem de regresso procurei satisfazer a curiosidade destes meus amigos alemães que pretendiam esclarecimento de como é que Portugal possuía esta tão impressionante coleção de coches. De forma muito simplificada, expliquei-lhes que tínhamos o clima a nosso favor, tivemos muito menos guerras do que os outros povos europeus, estas viaturas não eram implicadas em conflitos e quando perderam o uso não foram destruídas. E contei-lhes uma história aparentada sobre os nossos instrumentos científicos da Universidade de Coimbra, todas as universidades europeias já os tinham deitado fora, nós guardá-mo-los, deram brado na Europália portuguesa de 1991, vieram excursões de toda a parte para ver tais instrumentos científicos que só eram conhecidos por gravuras e desenhos. É assim a vida. Que o leitor se prepare, um dia destes vou-me pôr ao caminho e fazer três cidades de Andaluzia, rever Sevilha, Granada e Córdova. É claro que darei notícia de tudo quanto vi e senti.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 29 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27476: Os nossos seres, saberes e lazeres (711): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (232): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 4 (Mário Beja Santos)

sábado, 29 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27476: Os nossos seres, saberes e lazeres (711): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (232): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 4 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Espero não enfastiar-vos com este cadinho de imagens espúrias, fundos de gaveta, em suma, isto no exato momento em que me preparava para organizar a visita com amigos alemães ao Museu Nacional dos Coches. Quando a visita mete alemães, impõe-se responder a uma perplexidade: porque razão este país apresentado como pobrete e alegrete guarda um património tão fabuloso destes carros de aparato e instrumentos complementares? Não é fácil nem confortável justificar a quem tem esta perplexidade que a meteorologia está a nosso favor, não há para aqui nem gelos nem intempéries, as guerras foram poucas e quem nos invadiu tinha como alvo os tesouros das igrejas e dos palácios. Voltando às imagens que aqui se apresentam, os tais fundos de gaveta, para vos dizer a verdade, eram mesmo imagens que eu tinha o aprazimento de ver e rever, mais não fosse para recordar as boas companhias em que as tirei e guardei.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (232):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 4

Mário Beja Santos

As surpresas são como as cerejas. Confiante que já me tinha desembaraçado de imagens avulsas de idas aqui e acolá, tudo já vertido para esta secção do blogue, preparava-me para contar uma viagem ao Museu Nacional dos Coches, e fiquei um tanto atordoado com este conjunto de imagens espúrias. Como é evidente, conheço as circunstâncias em que as tirei e com quem. Logo esta primeira, naquela tarde levei um casal alemão da minha estima na visita obrigatória do elétrico 28, parámos na estação da Basílica da Estrela, havia uma cerimónia religiosa, ela e ele estavam assombrados com aquele templo que, francamente, só tomo a iniciativa de visitar para ver o genial Machado de Castro e aquele presépio como não há outro. Levei-os até à zona do zimbório, eles especados com a cabeça erguida a ver o interior da formidável cúpula, nisto ouvi cânticos e aqui cheguei à chamada Capela da Adoração. Escreveu um dia o historiador de arte José-Augusto França que este monumento mandado fazer por D. Maria I é um perfeito anacronismo, o que é completamente verdade, mas tenho que reconhecer que esta capela goza de uma grande harmonia e confesso que nunca a tinha visitado, sabe se lá porquê.
Capela da Adoração, Basílica da Estrela
Júlio (dos Reis Pereira), o pescador de sereias, 1929, quadro em depósito no MNAC
Paula Rego, A Noiva, 1972, quadro em depósito no MNAC
Menez, sem título, 1985, quadro em depósito no MNAC

Em tempos que já la vão, Emília Ferreira, então diretora no Museu Nacional de Arte Contemporânea, organizou com a sua equipa uma espantosa exposição sobre os grandes movimentos artísticos do século XX, para além da prata da casa, onde há peças imorredoiras, apresentava-se um acervo de obras em depósito, lembro-me de ter feito o registo desta itinerância, mas guardei estas três imagens como tesouros, o quadro de Júlio foi uma provocação para a época, quer pelo traço, quer pela natureza dos temas, uma falsa ingenuidade, uma quase simpática rudeza que em tudo contrariava o que faziam os seus colegas modernistas. Como Paula Rego igualmente deve ter criado anticorpos com formas quase grotescas e um delineamento pretensamente primário, para mim com cores sublimes; mas confesso que é a organização pictórica de Menez que mais me deslumbra. Tenho para mim que guardei episodicamente estas três imagens, tomo-as como cartas fora do baralho e fulgores do engenho de artistas um tanto contra a corrente.
Virgem com o Menino, Gregorio di Lorenzo, Florença, século XV, mármore
Ainda o passeio em que levei o casal alemão a Monserrate, isto depois de saber que eles pretendiam revisitar aquele parque místico, mas pediram-me garantias de que iriam ver o mar, não o Cabo da Roca, mas uma praia com o bramido das ondas, um mar violento, retorcido, se possível com rochedos. A garantia foi dada, entrámos no parque onde viveu a família Cook, então muito endinheirada, renderam-se aos ardores estilísticos do neorromantismo, se o Sr. D. Fernando Saxe-Coburgo-Gota podia caprichar com aquele Palácio da Pena cheio de estilos passados, onde não faltam os arabescos, os góticos do século XIX, e muito mais coisas, também Monserrate se rendeu aos arabescos, ao naturalismo, ao neorromantismo, sem prescindir do conforto nas salas, nos quartos e na cozinha, os Cook eram também colecionadores, a generalidade dos bens foi depois a leilão, deslumbra a recuperação do edifício, mas custa ver tanto espaço vazio, embora haja muita vontade dos doadores. Mostram-se aqui imagens de arabescos, um belo mármore do século XV, e num templo em que o outono vive sem flores apanhei esta linda planta que dá pelo nome de cosmos, é muito frágil e cheia de cintilação.
É a despedida de Monserrate, aquela neblina que se vê ao fundo é quase um toque místico, o que estamos a ver é tirado da varanda do Palácio, é uma encosta suave, em dias de verão não é difícil ver nela a criançada a brincar isto enquanto os mais crescidos deste ponto alto sentem que há um elemento mágico que esvoaça por este arvoredo de um dos parques mais belos do mundo.
Para corresponder ao pedido dos meus amigos, levei-os inicialmente à Praia Grande, olhei para o relógio, o lusco-fusco não estava muito longe, havia que escolher entre a Praia das Maçãs e a Praia da Adraga, tenho fortes razões para escolher esta última, gosto de ouvir o bramido daquelas ondas a rebolarem-se em cachão, e gosto imenso deste rochedo, começara a enchente, os turistas fugiam da espuma que ia tomando conta da areia, com gritinhos de alegria, o sol declina, há mesmo vento, mas o mais agradável de tudo é que os meus amigos me agradeceram este final de passeio, em natureza tão esplendente.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 22 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27452: Os nossos seres, saberes e lazeres (710): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 3 (Mário Beja Santos)

sábado, 22 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27452: Os nossos seres, saberes e lazeres (710): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 3 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há uma nota curiosa de visita de amigos estrangeiros, tudo quanto se passa em Lisboa trazem completamente listado, desde o elétrico 28, os comes e bebes, os passeios pela Baixa Chiado e Bairro Alto, os miradouros. Uns vêm com o Michelin, outros trazem livros focados na arte, uns querem ver os azulejos, em visita anterior houve alguém que me pediu para ver algo que até então nunca ninguém pedira, a Basílica da Estrela, e não foi por causa dos presépios do Machado Castro. Desta feita, o casal alemão, que não é a 1.ª nem a 2.ª vez que visita Portugal, falou explicitamente em Tomar, Óbidos e Alcobaça. Procurei satisfazer os seus intentos, aqui fica uma síntese desse dia, esta itinerância continuará, pedem-me para no dia seguinte irmos visitar o Museu Nacional dos Coches, custa-lhes a acreditar que Portugal tenha o maior património de viaturas de aparato, como é que é possível um país tão periférico da Europa? Viram e confirmaram, não escondiam o entusiasmo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 3


Mário Beja Santos

Passeios inusitados ou programados a Tomar, Óbidos e Alcobaça, para mostrar belezas a amigos estrangeiros que me vieram visitar, deram-se a agradável oportunidade de captar imagens com forte apelo cultural, até pretextos houve para tirar fotografias a estes amigos, que depois as colocam nas redes sociais. Vejamos o que resta de três passeios, todos eles me encheram a alma, volto lá se necessário for, há para ali, na arquitetura, na escultura e na pintura dedadas da nossa identidade, ali se exibem as nossas maneiras de ser, tratando carinhosamente algum património, desdenhando de outro.

Vamos começar por uma peça magnífica que nunca foi concluída, a Casa do Capítulo de Tomar, onde, no primeiro andar e no terraço subsequente se aclamou Filipe II de Espanha como Filipe I de Portugal. É obra de João de Castilho, um mestre de obras e arquiteto hispano-português, homem com formação gótica que irá ter um papel determinante no estilo renascentista em Portugal e nos seus últimos anos de vida pendeu para o classicismo sob a forma maneirista. Ele encontra-se ligado a cinco monumentos históricos classificados pela UNESCO como Património Mundial: o Mosteiro dos Jerónimos, o Convento de Cristo, o Mosteiro de Alcobaça e a construção da Fortaleza de Mazagão. Trabalhou duas vezes em Tomar (provavelmente entre 1516 e 1530) e um segundo período que decorre na década de 1930, em que trabalhou no Claustro Grande, vários claustros interiores, como o da Hospedaria, Corvos e Micha, concedeu esta Casa Capitular em mistério a desvendar as razões que impediram a sua conclusão.

O que o leitor vê são as paredes robustas, a fotografia que foi tirada da zona do arco triunfal e do altar, vê-se a antecâmera por onde entravam os frades. Caiu completamente o piso que separava a sala dos frades da sala dos cavaleiros. Aquela porta que se vê na torre dos cavaleiros estava prevista para ser a porta de acesso a esses cavaleiros; ao fundo vemos o topo da Charola e uma nesga da Igreja.

Casa Capitular a requerer com urgência trabalhos de conservação e restauro.
Sempre que acompanho amigos a Óbidos, falo-lhes de uma extremosa pintora de origem espanhola e filha de um artista que deixou obra em Portugal, Josefa de Óbidos, ela tem obra num altar lateral da Igreja Matriz e está também representada no Museu Municipal de Óbidos. Noto que os visitantes vão ali também admirar um túmulo e o impressionante forro azulejar da igreja, a mim cativa-me aquele Santo António bonacheirão e o Menino de braços abertos, gosto particularmente daquele teto pintado com tanta simplicidade, é como o emaranhado de uma renda que faz suspender Nossa Senhora guardada pelos anjos.
Este é um pormenor da pintura do teto do nártex da igreja.
Eram as últimas horas de sol, consultados os visitantes, houve acordo em visitar a igreja do Mosteiro de Alcobaça, deixamos para a próxima visita o precioso Museu. Mesmo habituados a este gigantismo das paredes do gótico-alemão que se pode encontrar desde o mar Báltico até perto de França, o casal alemão estava boquiaberto com a sobriedade da igreja, a solução dos pilares estarem reforçados por botaréus, tomaram nota que as riquezas vieram depois. D. Pedro I tomou esta igreja como seu mausoléu, tratou de igual maneira a sua apaixonada, Inês de Castro, túmulos de uma enorme beleza, marcados pelo vandalismo das invasões francesas.
No altar-mor atraiu-me prontamente esta Virgem de manto barroquizado, parece que pedala, tem umas linhas muito elegantes, gabo-lhe a Majestade e o panejamento em movimento.
Com as limitações da minha câmara foi esta a imagem que consegui da dimensão entre o nártex e o altar-mor.
Túmulo de Dona Inês de Castro, deste lado os danos são menos evidentes.
Conjunto escultórico que dá pelo nome Retábulo da Morte de São Bernardo, é todo em terracota policromada, obra de monges barristas do mosteiro, finais do século XVII.
Túmulo de D. Pedro, aqui o vandalismo é mais do que evidente.
Trata-se do sarcófago de Dona Urraca, mulher de D. Afonso II, está depositado no Panteão Régio, obra concluída em 1782 e atribuída ao engenheiro William Elsden, foi a primeira obra neogótica em Portugal. O panteão primitivo localizava-se na galilé que existiu à entrada da igreja. Posteriormente os túmulos foram transferidos para o transepto sul onde permaneceram até ao final do século XVIII.

Aqui se dá por terminada esta itinerância, segue-se outra que nos fará viajar até ao Museu Nacional dos Coches.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 15 de Novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27423: Os nossos seres, saberes e lazeres (709): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 15 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27423: Os nossos seres, saberes e lazeres (709): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 2 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há pouco a explicar quanto às razões pelas quais se acumulam imagens que, pasme-se, até tinham sido tiradas para se juntarem a outros eventos de itinerâncias. É a limpar a câmara fotográfica que encontro estas recordações do amanhecer na Feira da Ladra, pois venho sempre ao princípio da feira em busca de tesouros e não escondo que às vezes sou bem sucedido. Há igualmente imagens avulsas que se prendem com a satisfação que sinto a estar a ver o arvoredo daquele local do Reguengo Grande, onde tenho casebre, estou para ali, a espairecer, ouvindo tocatas de Bach ou sonatas de Schubert, chega o lusco-fusco e ponho-me no parapeito à espera do fim do dia, o resultado aqui publiquei na semana anterior. E hoje conto-vos a história porque vos mostro uma vista da Graça tirada do Teatro Taborda, a antiga sede do Patriarcado, no Campo Santana, ou o interior da gigantesca cúpula da Basílica da Estrela.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 2

Mário Beja Santos

Devo muitíssimo à Feira da Ladra, e falando concretamente do nosso blogue, essa dívida exprime-se em papéis que eu aqui adquiro e que me são muitíssimo úteis para falar da Guiné. Ensinaram-me que se deve vir à Feira um pouco antes das sete da manhã, é por essa altura que os vendedores, pessoas que compram espólios onde tanto podem vir livros como a mais diversa quinquilharia, tiram dos sacos e põem nas bancas estes livros e papelada avidamente folheados por negociantes e bibliófilos, em que me incluo. Ganho imenso em ver o nascer do dia neste Campo de Santa Clara, por vezes venho mais cedo no frio do inverno, foi assim que captei uma imagem na rua do Vale de Santo António que me serviu de capa para o meu livro A Rua do Eclipse, espanto-me sempre de ver avermelhar o negrume, o rio incendeia-se, no entretanto há cambiantes de luz entre o amarelo e o esverdeado; e gosto de ver montar a Feira, inicialmente é todo um caos e, de repente, à luz do dia sentimos que se está a percorrer um verdadeiro mercado onde prima a fancaria, o que parece não ter préstimo, mas nós, os potenciais compradores, estamos ali confiantes de que é dia de sorte para alcançar almejados tesouros.
Os feirantes estão a chegar, cada um acampa no espaço que alugou. Será que eu vou encontrar aqui hoje algum tesouro?
Como isto aconteceu, não tenho explicação, seriam seis e meia da manhã, está tudo esborratado nestes estranhos azuis e amarelados, talvez um meteorologista me pudesse explicar porque está azul-celeste a cúpula de Santa Engrácia, o arvoredo, os toldos e o alcatrão, parece cenário de teatro, talvez mesmo uma aurora mística.
Enquanto a feira se organiza, ponho-me no fundo de Santa Clara, perto do antigo Hospital da Marinha que está a ser trans formado em hotel ou condomínio de luxo, venho bisbilhotar o Tejo, embora a melhor panorâmica seja trezentos metros acima no Mercado de Santa Clara. O que me atrai são estas cambiantes de luz amarelada a enfrentar o dia nascente: é como se fosse uma cintilação de ouro antes de que todas as cores fiquem esclarecidas.
Sim, a feira está armada, vai começar a busca, passo pelas loiças como cão por vinha vindimada, o papel é sempre o meu alvo principal, mas não desdenho das caixas de CDs, e há também espaço para as minhas ninharias, é o caso das gravatas, embora ninguém acredite é possível comprar a 1 euro gravatas Hermès ou Armani, depois mandar limpar a seco. Nos bons tempos que fiz na Feira da Ladra de Bruxelas comprei lenços para o pescoço da Chanel, Yves Saint Laurent ou Balenciaga, a minha filha herdou este pacote de relíquias.
Palácio Costa Lobo, depois sede do Patriarcado, no Campo de Santana, será transformado em residências de luxo. Passo por aqui quando me dirijo à Biblioteca do Goethe-Institut, ali bem perto. Em 15 de março de 1995, amigos ofereceram-me almoço na rua de S. José antes de eu partir para ser operado no Hospital dos Capuchos a uma hérnia na L4. Tomei o elevador do Lavra, por aqui andei a passo de tartaruga, e quando cheguei aqui à sede do Patriarcado, saiu de um carro D. António Ribeiro, o cardeal da época, com quem me relacionei em atividades da Juventude Universitária Católica. Cumprimentos para aqui e para acolá, achei um tanto desusado as perguntas que me fez não da doença, mas pelo local e o dia da operação. No dia seguinte à dita operação, apareceu-me o médico do dia com um ar um tanto embaraçado, estava lá fora o cardeal para me visitar, devia pôr ali uma cadeira ou não? Além disso, havia ali também um guineense com um cacho de bananas. Meio tonto pelas drogas que me tinham dado, disse ao médico para mandar entrar o cardeal, não queria nada de longas conversas. Acontece que na cama ao lado estava lá um senhor que sofria de hidrocefalia, com a regularidade que era internado para extrair líquido. Quando viu entrar o cardeal, o homem ficou possesso, que não queria morrer, se vinha ali um cardeal era para lhe dar uma extrema-unção… nunca vivi uma cena como esta, recordo-a sempre quando por aqui passo.
Tirei esta fotografia no Teatro Taborda. Lá caí mais uma vez na esparrela de ir ver um grande clássico adaptado, de peças de três horas ou mais reduz-se para um espetáculo de hora e meia com toda a luminotécnica a ferver, em vez de estar a ver um gigante do classicismo estou numa rave, com lasers e barulho. Mas não perdi de todo a noite. Esta imagem tendo lá em cima o Convento da Graça tirou-me a má disposição.
Já aqui dei conta de uma itinerância ao Museu Nacional de Arte Antiga. Não publiquei esta imagem, parece que a guardei com grande devoção. Lembro-me perfeitamente do tempo em que a Custódia de Belém, a obra-prima máxima da ourivesaria portuguesa era mais escura do que clara, só o ouro é que brilhava, depois um mecenas apanhou a operação de conservação e restauro, temos aqui mais um mistério de quem é o seu autor, há quem diga que foi Gil Vicente. Para mim é assunto desinteressante, ando por vezes tempo sem fim aqui à volta, estupefacto com a elegância e o poder espiritual que emana desta obra.
Venho por vezes a Arroios a uma loja de eslavos onde é possível comprar arenque fumado, que aprecio comer com puré de batata condimentado. Esta é a fachada da Igreja do Convento de Arroios, durante muitos anos não me interroguei porque é que estão ali as pedras de armas da Grã-Bretanha. Acontece que a Rainha D. Catarina de Bragança, viúva de Carlos II na Grã-Bretanha mandou aqui fazer um colégio para os Jesuítas, a igreja ficou sob a égide da Nossa Senhora da Nazaré. Depois da extinção das Ordens Religiosas deu em hospital. Todo aquele espaço está com ar desgraçado, vai seguramente acabar em condomínio de luxo, a igreja está agora sob o culto ortodoxo, penso que é frequentada pelos ucranianos. Esta fachada merecia melhor sorte.
Quando recebo visitas de amigos estrangeiros nunca me passa pela cabeça sugerir uma visita à Basílica da Estrela, quando muito, falo dela no elétrico nº 28. Mas desta feita o casal alemão pedia para visitar a Basílica, ainda pensei que vinham apaixonados pelo presépio de Machado de Castro, mas não, gostam de estudar estes matacões do barroco. A igreja estava aberta, ouvia-se os cantares na Capela da Adoração, havia gente nos bancos a aguardar missa e eu aproveitei para me pôr no centro do transepto e olhar a altíssima cúpula, reconheço que é impressionante, só peço desculpa de a imagem não aparecer devidamente equilibrada, e é difícil de imaginar a altura que nos separa do piso da igreja.

(continua)

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Nota do editor

Último post de 8 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27400: Os nossos seres, saberes e lazeres (708): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (229): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 1 (Mário Beja Santos)