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sábado, 15 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26498: Os nossos seres, saberes e lazeres (669): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192): From Southeast to the North of England; and back to London (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
A sugestão de um passeio pela City prevaleceu, bem sonhei ir ver os trastes no mercado de Portobello e passear no Mall, ou olhar embasbacado a entrada do Covent Garden, fiz propostas mirabolantes como a visita da Royal Academy of Arts e até passeio em Hyde Park, vingou a prudência de fazer tudo a direito desde Blackfriars, cirandar pela City, beber um café e morder algo antes de entrar num impressionante museu onde nunca estive, junto de Somerset House. Dele falaremos a seguir, ainda haverá um passeio junto do Tamisa, regressa-se a Richmond, e depois do almoço há o solene adeus e aquele miraculoso metro que nos larga em Heathrow, agora são uns bons quilómetros a pé dentro de um dos maiores aeroportos do mundo.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192):
From Southeast to the North of England; and back to London – 11


Mário Beja Santos

É a minha última manhã de andarilho em Londres, metro de Richmond diretamente para Blackfriars, é o início de uma manhã amena num local que dá pelo nome de City, também conhecida por “milha quadrada”, correspondente à Londinium romana. Ficou praticamente destruída no grande incêndio de 1666, foi brutalmente sacrificada pelos bombardeamentos alemães de 1940, é uma área onde o turista é convidado a visitar a Catedral de S. Paulo, Fleet Street (foi outrora a sede da maioria dos jornais britânicos), Barbican Complex, o Museu de Londres, a Torre de Londres, descendo um pouco mais é a região das docas. Na véspera, procurando acertar agulhas sobre um programa que iniciasse às 9 horas e acabasse às 14, com pesar, desisti do mercado de Portobello, a mais luxuriante feira da ladra do mundo que eu conheço, pensei igualmente no Mall, passar pelo almirantado e visitar o gabinete de trabalho de Winston Churchill, um verdadeiro bunker, venceu a tese de que devíamos andar num terreno plano, começar pela Catedral de S. Paulo e visitar as prodigiosas Courtauld Galleries, com o seu impressionante acervo de obras impressionistas e expressionistas. Foi esta a sugestão que vingou, a minha esperança é um dia aqui regressar com muito mais tempo, poder voltar à região do Westminster, Covent Garden, enfim, umas lambuzadelas também para o Norte, Sul e Sudeste, e meter-me num transporte público para rever Windsor e Hampton Court Palace. Faço figas para este regresso.

Blackfriars Bridge
De Blackfriars caminha-se para S. Paulo, uma fachada de grande ostentação com duas torres barrocas coroadas por uma cúpula de 111 metros de altura (a segunda maior a seguir à da Basílica de S. Pedro em Roma). É obra do maior arquiteto do seu tempo, Christopher Wren. Há já fila à porta, o turista quer entrar e ver lá dentro a impressionante cúpula com os frescos sobre a vida de S. Paulo. Como em Westminster, há estátuas, uma delas prende-se com a nossa história, o duque de Wellington.
Desconhecia inteiramente que a atual Catedral de S. Paulo é a quinta a situar-se neste local, um dos dois pontos mais altos da City. Não querendo aborrecer o leitor contando a história das catedrais anteriores, depois da guerra civil, tempo em que as tropas de Cromwell usaram a nave para guardar os cavalos, e que se vandalizaram a janelas em talhes e efígies, até à demolição do palácio do bispo, pediu-se a Christopher Wren em 1663 que supervisionasse a catedral em ruínas e delineasse um programa para as reparações. Depois de muita discussão, demoliu-se o existente e fez-se a reconstrução. É a obra-prima de Wren, um triunfo da arte, ciência e organização, Wren combinava talentos estéticos, de engenharia e administrativos num grau fora do vulgar. A catedral de Wren foi, e continua a ser, a única catedral inglesa construída durante o tempo de vida do seu arquiteto. Vieram depois os pormenores, o maravilhoso trabalho decorativo em ferro, os sinos. S. Paulo é também um Panteão, ali estão sepultados Nelson, Wellington e Kitchner; há homens de Letras homenageados na Catedral, como caso de Blake, pintores como John Singer Sargeant, o coronel Lawrence, conhecido como Lawrence da Arábia.
Com o tempo contado, dei por mim a homenagear a resistência britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Mais de 65 hectares em volta da Catedral foram desfeitos, a Catedral sofreu danos, as cicatrizes estão à vista.

Os bombardeamentos alemães destruíram muito, mas não deixa de emocionar esta curiosa associação entre a arquitetura antiga e a moderna
Não resisti ao espetáculo das hortênsias no jardim de S. Paulo, só há pouco é que percebi que entrara na fotografia
Agora muda-se de agulha, estamos no Strand que liga Trafalgar Square a Fleet Street, no século XIX era o centro do teatro londrino. Há por aqui relíquias do passado e património de luxo: o Adelphi Theatre, construído em 1806 e remodelado em 1930, e o Savoy Hotel, um dos mais destacados de Londres.
Imagem de um edifício que albergou um conjunto de jornais de que só resta a memória, é assim em Fleet Street
É um imponente tribunal de Londres, no costumado neogótico do século XIX
Somerset House é mais um imponente edifício com um aparatoso pátio central. Construído em 1786 no local do palácio dos condes de Somerset, foi o primeiro edifício importante projetado para escritórios. Uma das alas, originariamente construída para a Royal Academy of Arts, alberga agora as Courtauld Galleries, onde se encontra uma das melhores coleções do país de quadros do impressionismo e do pós-impressionismo. É para onde vou agora, conversar com gente como Modigliani, Renoir ou Gaugin.
Curioso anúncio do museu, mostrando o célebre quadro de Van Gogh, autorretrato com a orelha ligada

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26474: Os nossos seres, saberes e lazeres (668): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191): From Southeast to the North of England; and back to London (10) (Mário Beja Santos)

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26474: Os nossos seres, saberes e lazeres (668): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191): From Southeast to the North of England; and back to London (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se deixa um cheirinho deste recheio preciosíssimo, mais de quatro milhões e meio de objetos de arte, sério concorrente do Louvre ou do Hermitage de S. Petersburgo. É evidente que procurei previamente documentar-me e optar pelas minhas escolhas, tivesse eu mais tempo e outro galo cantaria, seria uma digressão metódica dos tempos medievais e do Renascimento, pela Europa moderna, nos imensos tesouros asiáticos que dão pelo nome Japão, China, Islão e Índia; e far-se-ia uma visita a preceito ao mundo da moda, aos instrumentos musicais, à joalharia, tudo riqueza opulenta, mas as pernas já não são o que eram, fica aqui uma pálida amostra do que é possível esperar do Museu Vitória e Alberto.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191):
From Southeast to the North of England; and back to London – 10

Mário Beja Santos

É de toda a conveniência, à entrada deste museu que conserva mais de 4 milhões e meio de obras de arte ter um sentido de orientação e tentar entender o que se pretende promover desde a sua fundação. Este museu foi fundado em 1852 com o título de Museu de Fabricantes. Anos depois, o museu mudou de local e veio para aqui em South Kensigton. O seu nome atual é Museu Vitória e Alberto mas não deve ser tomado à letra como um museu da era vitoriana, aqui encontram-se tesouros medievais, os esplêndidos cartões que Rafael concebeu para as tapeçarias dos Museus Vaticanos, os núcleos de arte indiana e chinesa são riquíssimos, como a arte inglesa dos séculos XVI e XVII, a arte europeia entre 1800 e 1900, o núcleo dos instrumentos musicais, a pintura de John Constable… Mas o visitante deve estar preparado para ver design moderno e aprender rapidamente a dosear o seu esforço para não se esgotar na exploração de tantíssimas galerias. Falou-se anteriormente de peças de arte que se viram nos rés do chão, é hora de tomar um chá, num espaço apropriado.

O visitante é bem acolhido nas zonas de refúgio para distender as pernas e meter conversa, neste museu tem notoriedade o jardim John Madejski.

Não escondo quanto gosto da arte pré-rafaelita e do movimento Arts & Crafts, dos trabalhos de William Morris, Dante Gabriel Rossetti e Edward Burne-Jones, eles estão bem representados neste museu ainda que em lugares distintos, para ver o seu mobiliário de desenho genial quase que temos de galgar até ao topo do edifício. Aqui fica uma amostra das minhas escolhas.

Campos de caça do Cupido, do artista pré-rafaelista Burne-Jones
Sonhar de Dia, por Dante Gabriel Rossetti

Este museu acolhe vitrais de várias épocas, aqui procuro cingir-me aos séculos XVIII e XIX, penso que escolhi vitrais de eloquente beleza.
Personificação da Fé, por Henry Holiday (à esquerda) e Jacó com uma sopa nos braços, desenho de Dante Gabriel Rossetti (à direita)
A Última Ceia, por William Peckitt, século XVIII

Era quase obrigatório que o Museu Vitória e Alberto, que possuem um espaço dedicado ao Renascimento italiano não possuísse obras da mais delicada qualidade. Com frequência, quando visito o museu, ponho um tanto à banda para ver o que fascina mais o visitante. Intrigou-me que a generalidade de quem por ali passava lançava um olhar indiferente a este Martírio de Santa Catarina, quadro de pequena dimensão, é indispensável gostar de despender de tempo a ver os pormenores, a sua soma é que nos dá a gratificação estética.
Martírio de Santa Catarina, pintor italiano desconhecido, início do século XVI

É um espaço único, já visitei gipsotecas, nada é tão impressionante como esta, as pessoas ficam estupefactas com a gigantesca coluna de Trajano, a estátua de David, o pórtico da igreja de Santiago de Compostela, por aqui andam muitos estudantes, dada a natureza rigorosa das réplicas, é como nos sentíssemos no mundo clássico ou no Renascimento. The Cast Courts foi construído entre 1868 e 1873 para acolher esta prodigiosa coleção, sem dúvida alguma a grande atração do museu.
The Cast Courts, um dos espaços mais surpreendentes do Museu Vitória e Alberto, sobretudo pelas suas réplicas monumentais em moldes de gesso
Em termos de museografia, este museu merece os parabéns. Havendo espaços abertos de grandes dimensões, encontraram-se soluções que permitem ao visitante contemplar obras antigas e modernas, como aqui se exemplifica nestas duas imagens
Cadeira de braços, 1888, por George Faulkner Armitage (à esquerda) e cadeira de braços desenhada por C.F.A. Voysey, 1909 (à direita). Movimento artístico de Arts & Crafts

Uma das surpresas do museu é de nos dar a sensação de que nos passeemos no interior de um palácio imponente, grandioso, como se tivéssemos de pleno direito acesso grátis à sumptuosidade. Deixo-vos aqui esta imagem, mas muitos exemplos ficam por dar.

Museu ou palácio?
A pesca miraculosa é um dos desenhos de Rafael mais impressionantes, com ele nos despedimos desta portentosa visita, segue-se um passeio a pé, depois o metro até Hammersmith, uma alegre cavaqueira, jantar e repouso. Amanhã é o grande passeio pela City, e depois avião para Lisboa.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 1 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26447: Os nossos seres, saberes e lazeres (666): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (190): From Southeast to the North of England; and back to London (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 2 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26450: Os nossos seres, saberes e lazeres (667): Rescaldo da apresentação do livro "Orando em Verso III", da autoria do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, levada a efeito no passado dia 24 de Janeiro de 2025, na Igreja Matriz da Marinha Grande

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26447: Os nossos seres, saberes e lazeres (666): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (190): From Southeast to the North of England; and back to London (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Compra-se o mapa do museu por 1 libra e fica-se logo derreado, 145 salas, há de tudo como na botica, Ásia, mundo islâmico, as tapeçarias de Rafael, a China e o Japão, os tempos medievais e a renascença, isto no rés do chão, o primeiro andar é dedicado à Grã-Bretanha, o segundo Artes Decorativas do século XX, o terceiro tem pintura britânica vidros e muitíssimo mais, o quarto andar é um vendaval de cerâmicas; há espaços de lazer no rés do chão, em determinado momento, já com os pezinhos sobreaquecidos, fui tomar um café num espaço jardim de interior, depois da pausa, quando pensava tirar-me à contemplação da arte de William Morris, o génio do movimento Arts and Crafts, enganei-me e fui para a sala do budismo, lá retifiquei e voltei aos séculos XIX/XX, aqui fica o registo de meia jornada, ainda há muito para ver.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (190):
From Southeast to the North of England; and back to London – 9


Mário Beja Santos

A minha anfitriã de Hammersmith, Fiona Leach, avisou-me à noite que, tudo ponderado, deixa-se a incursão na City para a manhã da minha partida, levantar cedo e cedo erguer, palmilhar aquele território do centro, regressar, amesendar bem e tomar o tube para Heathrow, aterrar em Lisboa pela calada da noite. Não tinha a contestar, o que me sugeria para começar o dia seguinte, foi terminante, ia acompanhar-me ao V&A, competia-me fazer a escolha entre os milhares de objetos do único rival do Museu Britânico, está ali a maior coleção de artes decorativas do mundo. Já por lá andei, por uso e costume escolho sempre um bocadinho para não sair do museu com confusão de imagens do que foi visto e merece boiar na memória. À cautela, documentei-me. Este edifício monumental foi fundado com os lucros da Grande Exposição de 1851, a ideia era “juntar uma esplêndida coleção de objetos representando a aplicação das Belas Artes às indústrias.” Mas as doações vieram em catadupa. O edifício começado em 1899 foi acabado 1909. Abriga nas suas 145 galerias importantes coleções de pintura, retratos em miniatura, escultura, trajes históricos, instrumentos musicais, papel de parede e mobiliário inglês; é possuidor da maior exposição de arte indiana fora da própria Índia. Objetos vindos de toda a parte, Sião, Japão e muito mais. Com este aparato e volume de objetos, entrei ali com pezinhos de lã, a viagem de Hammersmith a South Kensignton é pouco mais de meia hora, sugeri que começássemos pela arte italiana, no balanço do fim da visita não me arrependi das escolhas, há mais marés que marinheiros, gostaria muito de voltar.

Fachada principal do Museu Victoria and Albert
Monumento funerário do condottiere Spinetta Malaspina, esta escultura estava por cima do sarcófago, construído durante os séculos XV e XVI e restaurado no século XIX
Grade do coro baixo da igreja holandesa‘s-Hertogenbosch, da autoria de Conrad von Norenberch, início do século XVII, o significado arquitetónico desta peça era a de separar leigos dos religiosos
Aqui perdi-me na infinidade destas esculturas barrocas com reminiscências do mundo antigo, e com carga mitológica, o espaço não deixa de ser impressionante
Na arte japonesa, senti-me profundamente atraído pela altíssima qualidade dos desenhos destes dois quimonos
Esta taça veio de Málaga, ainda são tempos muçulmanos, emocionou-me muito por ter uma caravela com as nossas quinas, era exportação árabe para países do Mar do Norte e do Egito, inícios do século XV
Uma peça destinada à Corte do mundo islâmico do próximo Oriente. Trata-se de arte Fatímida, dos séculos X a XII, em cristal de rocha. Os artistas Fatímidas concorriam com os Abássidas e Bizâncio. Tenho pena que a imagem não permita mostrar o fulgor e o requinta da gravação da peça
Sem tirar nem pôr taças da arte Iznik, são aparentadas com outras taças que fazem parte do acervo da Fundação Calouste Gulbenkian, fica-se estupefacto com o brilho deste azuis e verdes, parece que saíram ontem da mufla
Queimador de incenso em bronze, Japão, peça requintada
Conjunto azulejar reproduzindo uma miniatura de pintura persa, século XVII
O tapete Ardabil, é um dos maiores e mais elaborados tapetes de todo o mundo. Ardabil é uma província do Azerbaijão no noroeste do Irão, século XVI
Vestuário do Afeganistão, século XX, destinado para grandes cerimónias. Peça em veludo, fio de algodão, fio de metal e vidrinhos

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 25 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26423: Os nossos seres, saberes e lazeres (665): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (189): From Southeast to the North of England; and back to London (8) (Mário Beja Santos)

sábado, 25 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26423: Os nossos seres, saberes e lazeres (665): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (189): From Southeast to the North of England; and back to London (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Estou esfuziante, mesmo com um dia chocho este centro de Londres chega a intimidar-me pela profusão de riquezas arquitetónicas, museus esplendorosos, as multidões em permanente marcha, o metropolitano à cunha, as variedades, os teatros, quase todos os povos da terra a cirandar por aqui. Abro com o resto da visita à National Portrait Gallery e termino na extensa Charing Cross Road um tanto dececionado, era uma artéria de livrarias, agora as coisas não são o que eram, paciência, Londres continua a surpreender-me e espero aqui voltar a pôr os pés um dia destes, haja saúde. Amanhã começo em S. Paulo, por agora tenho os pés bem cansados e vou entrar num pub, como nas séries da televisão.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (189):
From Southeast to the North of England; and back to London – 8


Mário Beja Santos

Corre-se sérios danos não estabelecer previamente o que é possível, na jornada diária, ver nesta cidade de tantos milhões. Inicialmente pensei começar o dia na Royal Academy, em Piccadilly, e depois de um banho de arte percorrer aquelas ruas tão ruidosas como Oxford ou Regent Street. Depois de muitos sins e nãos, decidi desembarcar em Trafalgar Square, é aquela zona pública que não deixa ninguém dececionado, praça assim batizada depois da vitória naval de Nelson, ir à National Gallery (projeto falhado, multidões à porta), acabei na National Portrait Gallery, depois Saint Martin in the Fields, houve a tentação de ir até Bloomsbury e Covent Garden, mas havia a lembrança de Charing Cross Road, assim se passou o dia, amanhã será diferente, começa-se em S. Paulo, depois o Strand e Westminster. É um fartote de uma Londres muito turistada. Começa-se agora onde se acabou no último texto, na National Portrait Gallery.

Autorretrato de van Dyck. De origem flamenga, foi o mais influente pintor na Grã-Bretanha no século XVII
Autorretrato de Barbara Hepworth, provavelmente a escultora abstrata mais influente da Grã-Bretanha
Autorretrato com Charlie, por David Hockney, renomado artista contemporâneo sempre fascinado por mostrar a vida de relação, vemo-lo aqui com um amigo íntimo
A atriz Judi Dench, pintada por Alessandro Raho
Trafalgar Square, a icónica coluna de Nelson, seguindo à direita vamos até Buckingham, virando à esquerda entramos no Strand, indo em frente vamos para a Whitehall e ver o Cenotáfio, o monumento onde todos os anos, em novembro, se recordam aqueles que deram a vida pela Grã-Bretanha ou vieram da Commonwealth, nas duas guerras mundiais.
No fim de Trafalgar Square temos Saint Martin in the Fields, tenho sido um sortudo, raras são as visitas que aqui faço em que não apanho ensaios gerais de concertos, é uma bela igreja e sala de música. Em finais da década de 1950, um músico, que se veio a tornar celebridade mundial, Sir Neville Marriner, fundou a orquestra e coro, teve um papel fulcral na reabilitação da música barroca, conheço muito pouco outros espaços tão apaziguadores e onde a harmonia entre a música e a oração são tão completas.
Convém explicar a razão desta imagem. Quando em encaminhava para a Galeria Nacional, dei com uma daquelas filas quilométricas que paralisam quem quer que venha animado por conhecer a última obra do genial Caravaggio, ainda por cima a entrada é gratuita. Logo se acendeu no espírito a questão da contabilidade do tempo, as horas de espera, ainda por cima com o céu a desabar uns bons chuviscos, joguei pelo certo e seguro, fui bater ao lado à concorrência, a National Portrait Gallery, onde me senti bem servido; o último Caravaggio fica para um outro dia possível, não se sabe aonde.
O lendário Palace Theatre em Cambridge Circus, o espetáculo do Harry Potter e a Criança Amaldiçoada continua num frenesim já lá vai 4 anos. Os espetáculos teatrais e de variedades britânicos ultrapassam todas as fasquias, há décadas que se representa a peça de Agatha Christie A Ratoeira, para nós é um incompreensível sucesso, duvido que haja outro povo ao cimo da terra com tão forte paixão teatral como este.
Corro o risco de me repetir, paciência. Aqui aportei em 1978, passei uma semana inteirinha a ver filmes da BBC sobre defesa do consumidor a ouvir programas de rádio, conversando com realizadores e apresentadores. Começava habitualmente às 9h00 e saía das 16h30 para as 17h00. Ainda havia luz, e deu-me para fascinar por aquela que era a Meca das livrarias na Grã-Bretanha, Charing Cross Road, além de uma gigantesca livraria, havia um sem número de alfarrabistas e casas que vendiam edições, sobretudo de arte, a muito bons preços. Continuo que não se deve voltar ao local do crime, ao fascínio de uma rua polvilhada de livrarias, o livro deu a volta que todos nós sabemos, as livrarias em Charing Cross Road são praticamente uma raridade. O que me assombra é que nunca se editou tanto como hoje.
Outro edifício que me fascina, o Casino Hipódromo, uma casa de jogo com variedades, continuo a ter náuseas quando espreito uma dessas casas onde vejo pessoas com expressão embrutecida a meter moedas, sonhando com riquezas, guardo na memória a expressão delas, os seus gestos automáticos, decorrente de um processo viciante que pode levar à ruína total. Sinto o peso das muitas horas a andar por aqui e por ali. Vou regressar a Richmond, tenho a promessa de que o dia de amanhã vai também ser de peregrinação pela City, estou entusiasmado, mas com os pés moídos, e concordo com Samuel Johnson, esse grande literato do século XVIII: “Quando um homem se cansa de Londres, está cansado da vida”. Amanhã também é dia.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 18 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26401: Os nossos seres, saberes e lazeres (664): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (188): From Southeast to the North of England; and back to London (7) (Mário Beja Santos)