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sábado, 30 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26217: Os nossos seres, saberes e lazeres (656): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (181): From Southeast to the North of England; and back to London (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Ainda mal refeito da viagem às ilhas de S. Miguel e de Sta. Maria, tinha combinado com gente muitíssimo amiga uns 12 dias a viajar entre o condado de Oxford, localidades do Norte de Inglaterra e depois uma passeata por Londres, os museus são fabulosos e gratuitos e há galerias onde se podem ver grandes mestres por 10 libras. Sempre com aquela consigna de José Saramago de que o se vê de manhã não é o que se vê à tarde, do que se vê na primavera não é o que se vê no outono, meto-me ao caminho com a curiosidade resguardada, pronto para qualquer surpresa, a bússola é sempre o inesperado, procuro aproximações e as necessárias distâncias entre os nossos usos e costumes e os britânicos, apraz ver a beleza destes jardins, têm eles, como nós, serviços públicos pelas ruas da amargura, desde os correios às operações cirúrgicas, os preços da habitação são devastadores, esta localidade recebe cada vez mais gente da cidade de Oxford; perderam o pequeno comércio, os grandes supermercados abastecem integralmente Faringdon, o pequeno comércio que resiste é pouco mais que o Fish and Chips. Aqui perto, em Swindon, uma cidade que há 20 anos podia ser uma joia e um farol do desenvolvimento, ficou arrasada pelo Brexit, as grandes fábricas multinacionais saltaram para o continente, Swindon parece uma cidade fantasma. Vamos continuar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (181):
From Southeast to the North of England; and back to London – 1


Mário Beja Santos

Saio de manhã pela fresquinha, bem pequeno-almoçado, atravesso The Pines, depois Canada Lane, encaminho para o centro de Faringdon, condado de Oxford, é o primeiro dia de redescoberta de um lugar de que guardo as melhores recordações, princípio de uma viagem que depois me levará às Midlands, Peak District, depois Ashbourne, depois Wakefield, Leeds, Bath, e depois uma descida a Londres, acomodado em Richmond, a beijar o Tamisa, museus e exposições, daqui o metro até Heathrow, regresso à procedência. A primeira etapa, em nome da curiosidade, sempre sôfrego por um traste especial, entra-se numa charity shop (loja que tem o timbre de uma causa, vende objetos doados para angariar receitas, desde o inumerável bricabraque, passando por roupas e livros, há de tudo como na botica), fareja-se um tesouro, é um belo prato, não há que hesitar, traz-se música espantosa, de Monteverdi a Sibelius. A viagem prossegue até ao centro de informação local, farejo exposições, horário de autocarros, para meu desgosto não há nenhuma carreira que percorra o Cavalo Branco, tem panoramas fabulosos e uma escultura que lembra um cavalo branco, obra da Idade do Bronze, nada feito. Aproveito para visitar o museu local que dá honras a Lord Berners, um excêntrico aristocrata que compadecido com o desemprego entre as guerras mandou fazer uma torre em 1935, para dar trabalho (dela falaremos mais adiante). Berners era amante das artes plásticas, recebeu nas suas propriedades gente como Salvador Dali e apoiou os republicanos espanhóis exilados. Vou percorrendo estas imagens de chapéu na mão, honra a Lord Berners.

É inevitável, paro diante da escultura em pedra do escafandrista, um dos ícones de Faringdon, agora faço uma pausa nos jardins cemiteriais da Igreja de Todos os Santos, estes cemitérios são silenciosos, a despeito do trinado das aves e dos coelhos à solta, li uns tantos parágrafos de Homero e ponho-me a caminho, a bisbilhotar singularidades, deixo aqui algumas imagens, à tarde meto-me ao caminho, há mais Faringdon para referenciar, estou em pulgas para fazer duas milhas até chegar a um histórico celeiro do tempo do rei João sem Terra, Great Coxwell Tithe Barn, de que gosto muito. Até já!

O centenário do edifício da câmara municipal de Faringdon, Oxfordshire
Homenagem a Salvado Dali que convidado por Lord Beners andou vestido de escafandrista por uma exposição em Londres, em 1936
Faringdon, condado de Oxford, no fim da época vitoriana. Imagem retirada do site Faringdon & District Archeological & Historical Society
Mostra de Lord Berners como artista plástico
Chama-se Igreja de Todos os Santos, o corpo principal trata dos séculos XII e XIII
A serenidade de um cemitério inglês, aproveito um banco e fico ali a ler
Honra a um velho combatente
Uma bela casa de Faringdon à espera de comprador. Vim aqui pela primeira vez, há mais de um quarto de século, era uma loja onde se vendiam artigos de vestuário e armas para caça
Edifício da velha Bolsa de Cereais, ali funciona uma loja de caridade, comecei o dia a comprar um prato da fábrica Lille, 1767, e uma carrada de CDs, cada um aí a 30 cêntimos, esta loja de caridade contribui para apoiar as vítimas da violência infantil
Os jardins ingleses não deixam ninguém indiferente, veja-se este caramanchão de hipericão, todo ele luzidio a encher o balcão
Podem ser traseiras, mas a crise da habitação em Inglaterra é tão ou mais aguda que em Portugal, aproveitam-se todas as instalações para fazer casas
Quem tem a mais dá, põe-se à porta de casa, quem precisa leva
Vista aérea de White Horse Hill Uffington, Faringdon

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26185: Os nossos seres, saberes e lazeres (655): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (180): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (9) (Mário Beja Santos)

sábado, 23 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26185: Os nossos seres, saberes e lazeres (655): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (180): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Graças à amizade com mais de meio século, pude cirandar pelo essencial da ilha de Sta. Maria, tirar partido dos pontos altos que propiciam panoramas em escadaria, ver os terraços dos vinhedos, as baías lá ao fundo, sentir a heterogeneidade dos lugares saindo de Vila do Porto, passando por Almagreira, ver o encanto da baía da Praia Formosa, e tudo mais que Sta. Maria oferece, ilha com uma coreografia que a orografia oferece e nos assombra; porque há uma ilha relevada e depois um espaço que lembra uma planície, um tanto estéril, aqui se construiu um aeroporto que foi militar e depois civil, aqui termina o prazer de uma viagem decorrente de um prémio imprevisto ganho no início de março, era um domingo soturno, na Bolsa de Turismo de Lisboa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (180):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 9


Mário Beja Santos

O dia de hoje promete, o meu querido amigo José Braga Chaves leva-me até ao aeroporto de Santa Maria, quero saber um pouco mais sobre essa pista que foi uma das maiores do seu tempo, por aqui foram evacuados os contingentes que regressaram do Japão, finda a guerra desmantelaram-se velhos barracões e ergueram-se edifícios novos, o aeroporto tornou-se português, e durante anos foi de grande importância. Na véspera adormeci a acabar a leitura do livro Ilha de Gonçalo Velho, de Jaime de Figueiredo, é uma 2.ª edição de 1990. Pergunto-me de quando terá sido a primeira, tem para aqui parágrafos de indiscutível potência crítica:
“A vida na pequena ilha açoriana era difícil e custosa até meados do século passado. Não havia empregos e, portanto, as soldadas não chegavam para o sustento mais elementar. Meia dúzia de ricaços possuía as terras de pão e de mato, as vinhas e as quintas, os gados e as alfaias: arados, carros, moinhos e lagares. Um deles punha dez carros de boi ao caminho e vinte trilhos na eira da debulha.
Os trigos, moios e moios, iam por sua conta, em navios próprios, vender-se no mercado de Lisboa.
O pobre, sem eira nem beira, vivia no seu casebre, mal vestido a alimentado. Em anos ruins comia bolos de fetos e papas de carrilhos, vestindo um longo saio de estopa. Como refrigério, só tinha a missa do domingo; no mais, era lidar do berço à cova, em terras foreiras, para entregar o fruto do seu trabalho, no fim da colheita, aos donos dos campos lavradios – a enfiteuse tornou-se quase uma escravidão!
Por essa altura começou a corrente de emigração para os Estados Unidos. Os poucos dos rapazes, na viagem de regresso vinham recheados de pesos e de águias, metidos em grandes cinturões. Daqui nasceu um vaivém de gente moça, por fim o êxodo de famílias inteiras, quando se acharam as minhas de ouro do Pacífico. Quase todos os que voltaram, enriquecidos e opulentos, remiram as terras foreiras, embora à custa de onerosos laudémios, acabando por emprestar o seu dinheiro aos velhos morgados, cheios de dívidas e hipotecas. Então, deu-se a inversão na riqueza: a grande lavora, o latifúndio, começou a dividir-se, a retalhar-se, a entrar na posse do emigrante – o ‘calafona’. Este, poupado e industrioso, de braço afeito ao trabalho, lavou as courelas, tratou dos pomares, virou as fajãs, criou gados e plantou vinhas.”
Resta saber a sequência deste ciclo histórico.
Lá vamos para o aeroporto, não se ouvem nos ares os quadrimotores Skymasters, nem os bimotores Dakota nem os aviões de caça Aircobras, o movimento na área do aeroporto é dado pela movimentação dos carros e algumas pessoas pelas ruas, o Zé vai-me mostrando sinais do passado, vejo um daqueles armazéns que ainda se podem encontrar nos campos de Inglaterra, também construídos durante a Segunda Guerra, e gostei muito daquela quase instalação de peças que vieram dos EUA para acelerar a construção do aeroporto. Aqui houve um quartel-general. Jaime Figueiredo escreve:
“A parte central do campo de aviação ocupa uma área de cerca de 6 km2, sendo 2 de largura e 3 de comprimento. Nem sempre todo o perímetro estava defendido por alta vedação de arame farpado, o que obrigava a ser vigiado, nas proximidades, por polícia norte-americana e portuguesa, servindo-se de velozes motocicletas.”

O Zé faz questão de me levar a um conjunto de pequenas empresas, o pretexto fora dado por mim, quero comprar biscoitos de orelha, ele leva-me então a uma pequena fábrica, quem ali trabalha acedeu alegremente como se põem as mãos à obra.

Almoçamos num espaço em Vila do Porto, logo a seguir vou cumprimentar a presidente da edilidade, Bárbara Chaves, trocamos lembranças, agradeço-lhe as gentilezas. E haverá novo périplo, paragens em miradouros inesquecíveis, já começou a larvar a nostalgia da partida, foi uma viagem singular, um encontro irrepetível, não me passara pela cabeça tão graciosos panoramas.

Parto no dia seguinte. Antes, porém, o Zé faz-se uma surpresa de trazer um outro recruta dos Arrifes, volto a outubro de 1967, um abraço mais do que amistoso, temos aquela tendência um pouco lúgubre de começar a conversa pelos muitos que já partiram, seja para as estrelinhas ou para a emigração, é inevitável a promessa de voltar. Por mim estou pronto, fixei os nomes de Santo Espírito, Santa Bárbara, a Baía dos Anjos, S. Pedro, as Baías da Maia e de S. Lourenço. E aqui termina o resultado de um prémio que ocorreu na Bolsa de Turismo de Lisboa e que me levou à Ribeira Grande e Vila Franca do Campo, em S. Miguel, e a conhecer tão bem a ilha de Sta. Maria, é sempre bom aterrar em terras arquipelágicas, está imensamente justificado como guardo os Açores no meu coração.

Recordação de uma infraestrutura do tempo da guerra, junto do aeroporto de Santa Maria
Quatro imagens que recordam a chegada de maquinaria vinda dos EUA, contribuíram para construir o aeroporto em tempo recorde
A preparar biscoitos de orelha, uma das especialidades genuínas de Santa Maria
Claustro do Convento de S. Francisco, instalações que pertencem à Câmara Municipal de Vila do Porto
Uma escultura no pátio do claustro
Uma janela antiquíssima que nos faz pensar nos primeiros povoadores, capitães donatários, janela Quinhentista num prédio da Rua Gonçalo Velho
Um pormenor do Forte de S. Brás
O Forte de S. Brás, uma outra perspetiva, a da sua Porta de Armas
Padrão de cantaria em homenagem aos tripulantes do Caça-Minas Augusto de Castilho, obra de Raul Lino, Forte de S. Brás, Vila do Porto acolheu-os depois de terem feito uma longa viagem, destruído o caça-minas pelos alemães
Uma imagem de rua de Vila do Porto antes da obra de Real Bordalo, naquela parede ao fundo
Um dos mais belos ilhéus de Santa Maria, o do Romeiro
Imagem tirada do miradouro do Pico Alto
Miradouro dos Picos
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Nota do editor

Último post da série de 16 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26160: Os nossos seres, saberes e lazeres (654): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (8) (Mário Beja Santos)

sábado, 16 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26160: Os nossos seres, saberes e lazeres (654): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Com uma certa inquietação quanto ao rigor dos itinerários que acompanham a sucessão das imagens, negligenciado o uso de anotações do caderninho do viajante, sinto que é um certo destempero entre o que se passou neste segundo dia e a fixação das imagens, paciência. Olhando para o mapa, sei que andei pela costa sul, que estive no Farol da Maia, que passei pelo Santo Espírito, ali funciona a outra parte do Museu Municipal, estava encerrado, o passeio progrediu por Sta. Bárbara e S Pedro, com regresso a Vila do Porto. À tarde, o meu querido amigo José Braga Chaves levou-me à baía de S. Lourenço, estivémos no miradouro dos Picos, mas sei também que estive no Pico Alto, não me aparece no encadeamento das imagens, logo se verá, e depois fomos aos Anjos, costa norte, um mar soberbo, conheci uma parte da sua família, jantei em sua casa, um dia e tanto, deve ser da idade, emociono-me muito, parece que foi há bem pouco que lhe dei a recruta no quartel a 7 km de Ponta Delgada.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (179):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 8


Mário Beja Santos

No fim do primeiro dia tão emocionante em Sta. Maria, procurei pôr as leituras em dia, o mesmo é dizer que dei toda a atenção ao livro Ilha de Gonçalo Velho, de Jaime de Figueiredo, teve a sua 1.ª edição em 1954, esta 2.ª edição que manuseio é de 1990. Registo alguns aspetos que me chamaram à atenção: que nos anos em chove a tempo, caindo boas aguinhas, poderá haver bom trigo de caldeação, nas terras de sequeiro, milhos nas leiras do interior, cevadas para torrefação, batatas, nabiças, inhames, vários legumes, e entre eles a lentilha chamada bonita ou veniaga; fruta, pouca, mas nas fajãs da beira-mar apanham-se uvas excelentes: isabela, verdelho, diagalves, bastardo, sabrainho, mourisco, alicante e moscatel.

Dirá o leitor que isto são insignificâncias para o roteiro da viagem, faço o possível para entender a natureza do meio, é esta que dinamiza a pessoa de quem procura entender-me. Continuando, fico a saber que se explora a pedra de cal e o almagre, para tingir as louças grosseiras (deve ser coisa do passado); as madeiras são a acácia e o viático, para a marcenaria; a giesteira e o eucalipto, para a tanoaria; o pinheiro e a criptoméria para as construções; a pescaria é rica, tem bonitos e cavalas, badejos e garoupas, abróteas, chernes, polvos, lapas e búzios e muito mais. Talvez influenciado pelo que vi na rota das olarias, vejo que os marienses exportavam barro em bolas, possuíam a melhor argila. Seguramente que aquilo que o autor escreveu em 1954 já foi eliminado pela sociedade de consumo:
“A indústria fazia-se por processos rotineiros: nas tendas de oleiros e telheiros, e nos fornos primitivos; ao ar livre, batem-se as bolas de argila, que se contam nas medidas de talhas e caminhos; nos teares rústicos, tecem-se as mantas e colchas, quando há sombra, a dona da casa leva a cardar, a fiar e a fazer obra de lã – meiotes e camisolas para os embarcadiços; no zagões, em dias de chuva, com a trança de palha e vimes, armam-se chapéus e maletas, cestas e baleios, açafates e canastras; e mói-se o cereal, em farinha ou em carolo, nas azenhas, ao longo das ribeiras; nas atafonas, puxadas por jumentos; e nos moinhos, bracejando os velames enfunados…”

Gosto destas imagens do passado, as festas em Espírito Santo, o casario em Valverde, uma imagem de O Figueiral, o Farol de Gonçalo Velho que alguém me disse que é o Farol da Maia, ali perto está o ilhéu do Romeiro, as fotografias do aeroporto, o bairro residencial, que irei visitar mais tarde, o Forte de S. Brás. O dia começa com nova emoção, desta feita enquanto tomo o pequeno-almoço aproxima-se um homem da minha idade, quase ciciando, pedindo licença pela intrusão, pergunta-me se eu conheço um blogue chamado Luís Graça, que ele acompanha religiosamente lá nas Américas onde vive. O episódio já está contado no blogue, irei acompanhar a mulher que me quer mostrar a casa onde viveu na infância.

E vai começar a minha manhã de viajante.

A propensão habitual é de captar imagens de cima para baixo, o desfrute da amplidão da panorâmica, onde não falta aquele azul-marinho que me recorda a Grécia. Pedi licença para sair da viatura e fixar esta imagem, sempre me impressionou o céu nublado, esta preocupação de plantar nas bermas, fixo-me no céu e à minha maneira sai-me uma reza de gratidão por estes privilégios de que sou cumulado.
Poderá ser uma banalidade, nas ilhas, é do senso comum, há estes rochedos abruptos, parece que toda esta costa alinhada se agiganta como uma fortaleza inexpugnável, mas o que verdadeiramente me sensibiliza é o contraste da massa rochosa a abraçar este oceano que nesta costa tem ondulação serena.
No livro de Jaime de Figueiredo ele fala no Farol de Gonçalo Velho, quem me acompanha chamou-lhe Farol da Maia, a perspetiva é impressionante, mas um pouco mais adiante pedi para voltar a sair do carro, maravilha-me o trabalho do homem a esquadrinhar, uma terra que se pensava ser estéril, é uma encosta vinhateira que nos encanta.
O Barreiro da Faneca, conhecido por “deserto vermelho”, enfeitiça o visitante com a sua superfície ondulante e suave, com tonalidades várias consoante a hora do dia. Em toda a região açoriana não há um deserto como este.

Eu quero confessar ao leitor que saboreio estas impressionantes paisagens, ando um tanto à deriva, confiando numa memória que já não funciona como dantes, já não sei se estou em Santo Espírito, em Santa Bárbara ou S. Pedro, não para de farejar com este fenómeno para mim insólito desta ilha que tem 17 km de maior extensão e uma superfície de 97 km2 ter tal e tanta profusão de paisagem, é claro que no primeiro e neste segundo dia ando por lugares acidentados, a planura ficará para quando visitar toda a região do aeroporto, não foi por acaso que o ali o instalaram e fizeram em tempo prodigioso aquela pista que tanto serviu no fim da guerra como depois importante aeródromo civil.

Uma vista do miradouro dos Picos
Baía de S. Lourenço

Em outubro de 1967, o navio Carvalho Araújo aqui aportou para largar mercadoria, ainda fomos a terra, tudo me encantou, disse para mim que um dia havia de voltar e pela gravura junta se pode perceber como este panorama está na lista dos mais famosos que a ilha de Sta. Maria oferece, as diferenças em mais de meio século são enormes. Não retive a informação da infraestrutura portuária, agora é estância turística e não me posso esquecer que havia ali uma caixinha com oferta de livros e encontrei um livro de Georges Simenon que não conhecia, um policial imaginativo que devorei até Lisboa.
Aeroporto de Sta. Maria, a torre de controlo moderna e a do antigamente. Volto à leitura de Jaime Figueiredo, ele fala do movimento ininterrupto nas pistas dos quadrimotores, bimotores e aviões de caça. “Quando da evacuação dos exércitos até do Extremo Oriente, ali vinha pousar todos os dias, num meio de barulho ensurdecedor, mais de uma centena de aparelhos, de regresso aos EUA. A parte central do campo de aviação ocupa uma área de cerca de 6 km2, sendo 2 de largura e 3 de comprimento.” E o publicista recordará que finda a guerra a ilha era a placa giratória entre a América, África e Europa, aviões que ligavam as maiores capitais: Nova Iorque, México, Havana, Caracas, Lisboa, Madrid, Paris, Roma e Londres. “Em 1948, no pleno auge do aeroporto, era espantoso e esmagador o novo tráfego comercial, que chegava a parecer inverosímil! Alguns números bastam para o afirmar de modo eloquente: 330 embarcações, 2168 aeronaves; 61.958 passageiros.”
Uma recordatória da ANA alusiva aos 65 anos do aeroporto. Em 1968, quando convidei a minha mãe a visitar S. Miguel, com o apoio de amigas que a acolheram, ela viajou de Lisboa para Sta. Maria e daqui para o chamado Aerovacas, não sei precisar o local, talvez na freguesia da Maia, era uma boa planura, dado o sinal da hora de chegada, as vacas eram meticulosamente afastadas para que o bimotor aterrasse em segurança.
Pormenor das pistas do aeroporto de Santa Maria
Ermida de Nossa Senhora dos Anjos, na freguesia do mesmo nome

A Ermida de Nossa Senhora dos Anjos está localizada à entrada da povoação de Anjos, na paroquia de São Pedro da Ilha de Santa Maria, Açores, Portugal. Esta modesta ermida do século XIX está carregada de história, pois junto a ela permanece em pé um arco da primitiva capela em que Cristóvão Colombo rezou, após largar âncoras na baía do Cré, no ano 1493 no seu regresso da sua viagem de descoberta da América. A igreja original foi construída em madeira e com teto de palha, e reconstruída em alvenaria de pedra entre 1460 e 1474. Em finais do século XIX sofreu obras de restauração que resultaram na sua imagem atual.
Imagem tirada perto da Praia Formosa

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 9 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26131: Os nossos seres, saberes e lazeres (653): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (178): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (7) (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26131: Os nossos seres, saberes e lazeres (653): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (178): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Foi uma chegada a Vila do Porto, com pompa e circunstância. Faz-se uma boa caminhada entre casario e lavoura, segue-se uma longa descida até dar com um largo e um belo convento, na Rua do Cotovelo, pergunta-se pela biblioteca, sugere-se que vá à Casa dos Fósseis, é aí que se dá o milagre da ressurreição dos vivos, quando me sentar no Museu Municipal, umas centenas de metros mais abaixo, a começar e ler um livro ali comprado A Ilha de Gonçalo Velho há uma chamada telefónica do sr. João a dizer que o pai descobriu o sr. José Braga Chaves, este pede contacto imediato, do imediato se chega à fala, e estes dois amigos, um que foi aspirante oficial miliciano e o outro seu soldado recruta, se vão abraçar e encontrar frequentemente durante aquela curta estadia, cada um tem uma história para contar, mas o mais importante foi o que se passou nos Arrifes e em Ponta Delgada, onde firmaram amizade, onde este mariense, conhecido como o mestre do karaté consertou um dedo repuxado na clínica do dr. Furtado Lima, intervenção cirúrgica que paguei em prestações suaves, e onde amigos queridos acolheram o convalescente, todos já partiram para as estrelinhas, nós ainda cá ficámos a luzir. E a viagem por Sta. Maria continua.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (178):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 7


Mário Beja Santos

Recordo que durante a viagem até ao aeroporto de Sta. Maria me senti enfurecido por não ter devidamente tratado a questão do ciclo da laranja, uma riqueza que brindou ilhas açorianas particularmente nos séculos XVIII e XIX, e que uma sucessão de pragas extinguiu. No ponto mais alto do Museu Municipal de Vila Franca do Campo falou-se exatamente da laranja, que se deu muito bem nestes solos de origem vulcânica, formados por basaltos, tufos, traquites, lavas e pedra pomes. A chamada laranja doce foi cultivada especialmente em S. Miguel, mas também na Terceira, Faial e Pico. Gaspar Frutuoso fala deste citrino em quase todas as ilhas do arquipélago, com exceção da Graciosa, Flores e Corvo, o principal mercado para onde se exportava laranja era o Reino Unido. Paciência, voltarei à questão quando aqui voltar, juro a mim próprio.
Busco alguma documentação para me orientar, é uma brochura intitulada Sta. Maria para pessoas curiosas: nesta ilha encontram-se fósseis marinhos raros com milhões de anos e as suas jazidas fossilíferas, com relevância internacional, são um verdadeiro laboratório ao ar livre; a extração do barro foi durante muitos anos uma atividade económica de relevo na ilha e a intensidade das trocas comerciais entre Vila do Porto e Vila Franca do Campo levou a que fossem geminadas; Sta. Maria serve de habitat à ave mais pequena da Europa: a Estrelinha de Sta. Maria. Arrumados os tarecos no hotel, faz-se uma longa caminhada até se chegar a Vila do Porto, pergunta-se onde é o Museu Municipal, uma solicita senhora manda seguir em frente, olhe, depois daquela igreja, siga pelo passeio da direita, passa pelo convento e a Câmara, mais adiante tem a Casa dos Fósseis, aí lhe dizem como vai chegar rapidamente ao museu.
E assim foi, dá-se com o largo, ainda todo engalanado, uma ermida aberta com a imagem do Senhor Santo Cristo, uma bela talha, uma réplica da imagem guardada no Convento de S. Francisco em Ponta Delgada.

Senhor Santo Cristo dos Milagres, da capelinha junto ao Convento de S. Francisco
Convento de S. Francisco e a entrada para a Câmara da Vila do Porto à esquerda
A Estrelinha de Sta. Maria, obra de Bordalo II, no largo do Convento de S. Francisco
Casa dos Fósseis ou Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo, Vila do Porto

O sr. João é um jovem muito amável, vejo-o empolgado em mostrar-me o acervo legado de Dalberto Pombo, é nos explicada a riqueza dos fósseis e aquela particularidade que distingue Sta. Maria das demais ilhas, submergiu alguns milhões de anos, veio depois à superfície, assim se explica como uma parte da ilha é bastante plena (foi aí que se construiu o aeroporto de Sta. Maria, durante a Segunda Guerra Mundial) outra parte com bastante relevo e muito declivosa. Perguntou ao sr. João onde é a conservatória, ele questiona se venho comprar, não venho comprar nem vender, meu caro senhor, pretendo saber se está vivo e aqui reside José Braga Chaves, dei-lhe a recruta nos Arrifes, em S. Miguel, ficámos grandes amigos, por vicissitudes da vida há muitas décadas que não sabemos um do outro, tenho por ele uma profunda estima. O sr. João responde que ele deve ser parente do pai, o pai tem apelido Braga, dê-me o seu telemóvel, vou conversar com o meu pai, a ver se lhe vou dar uma boa resposta. Quanto ao Museu Municipal é só descer esta rua, do lado esquerdo.
Aqui arribei, tenho os pés moídos, a curiosidade pelos livros está sempre desperta, compro Ilha de Gonçalo Velho, por Jaime Figueiredo, instalo-me num cadeirão estofado, fico a saber que a ilha mede cerca de 17 km e tem uma superfície de 97 km2, dista 780 milhas de Lisboa e 2285 de Nova Iorque. Há as costas de arribas e alcantis, furnas e grutas, cheias de sedução e mistério, é o caso da furna de Santana e a do Romeiro. Estou nesta leitura da origem vulcânica, nos filões sedimentares de calcário miocénico quando toca o telefone, o senhor está cheio de sorte, o meu pai sabe muito bem de quem o senhor está a falar, esse senhor é o mestre do karaté, telefonou-lhe logo, o senhor Chaves está em pulgas, pediu para lhe dar o número de telefone, agradeço-lhe tudo sr. João, não agradeça, volte sempre, já que gostou do museu, ligo para o Zé Braga Chaves, são duas vozes exaltadas, taramelas, soluços, estou no Museu Municipal, pois eu dentro de minutos vou aí, tal como aconteceu, os dois velhos correm um para o outro, o rececionista do museu, sabiamente, mesmo cheiinho de curiosidade, afasta-se de uma cena íntima, temos a sábia prudência de voltar a 1967, aos marienses que não puderam passar o Natal na sua terra, a festa que se pôde organizar, as prendas para os soldados do pelotão, as senhoras de Ponta Delgada até foram buscar o comandante militar e a mulher para a festa que decorreu numa garagem toda forrada de criptomérias, o Botas a fazer de Pai Natal e a dar embrulhinhos às crianças, até houve missa cantada e depois um repasto especial. Fomos a um café onde pedi uma Kimba de maracujá, falámos depois das nossas guerras e é nisto que o Zé me pergunta por quanto tempo venho, qual o meu programa, só tenho programa amanhã de manhã, então vamos já buscar o carro e começar a conhecer a ilha, assentámos que eu sou o Mário e ele o Zé, então fica assim, a emoção é de tal ordem que me escusam de perguntar qual foi exatamente o itinerário percorrido, o que recordo é que saímos de Vila do Porto por uma estrada que levava a Praia Formosa, casario aqui, casario acolá, muito oceano à vista, na minha inocência perguntei-lhe se aquela enseada de Praia Formosa tinha a ver com São Lourenço, naquele outubro de 1967 o Carvalho Araújo aportou em frente a São Lourenço, ali se descarregou mercadoria, tivemos oportunidade de vir a terra num barquinho, ficara agradado. O Zé respondeu-me que amanhã o passeio seria até à baía de São Lourenço, mas olhe que há grandes diferenças, pronto lhe respondi que ainda bem, a minha grande alegria é ver como toda esta região medra e se dignifica. É pá, explica-me lá porque te chamam mestre do karaté. E ele explicou.

Museu Municipal de Vila do Porto, no centro da vila
Pormenor das janelas do Museu Municipal
Vista panorâmica da Praia Formosa
Ocasião acertada para fotografar o José Braga Chaves
Outro pormenor da Praia Formosa
Acertei com o Zé programa para a tarde de amanhã, ele insiste que quer fazer em sua casa um jantar para mim, agradeço-lhe muito. A manhã do dia seguinte, tanto quanto em recordo, já que atingiu o cúmulo do desleixo e nem me lembro de meter no bolso o caderninho viajante, é um itinerário que passa por Praia Formosa, segue para a Maia, estamos na Costa Norte, fico maravilhado com os vinhedos em terreno tão penhascoso, mal comparado lembra a organização do terreno na ilha do Pico, onde se produz o seu vinho, mas a imaginação puxou mais longe, até parecia uma construção maia, que beleza de terraços, ver a vida a nascer entre aquelas barreiras de pedra. O pessoal da Câmara de Vila do Porto é atencioso e gentil, o senhor esteja à vontade, pergunte o que quiser, como eu já conhecia a brochura, perguntei se já era tempo da meloa de Sta. Maria, onde seria possível comer uma sopa de Espírito Santo ou caldo de nabos, como eram os vinhos, e vieram explicações de quem gosta de satisfazer o perguntador.
Pormenor da vinha de Sta. Maria
A cascata do Aveiro, uma das atrações turísticas a que ninguém se quer furtar, tivesse eu vindo pela invernia que a água seguramente escorripichava em cachão, agora são aqueles fiozinhos de água, mas não deixa de ser impressionante.
Um belo pormenor da Costa Norte, o casario lá no sopé do rochedo. Pouco dei pelas ribeiras, parece que no verão desaparecem, pelo que li há duas em direção a Vila do Porto; a ribeira de Aveiro despenha-se sob a forma de cascata, há uma outra, a do Salto que lança as suas águas por detrás da Ponta Negra, e também Sta. Bárbara que desemboca nas Lagoinhas. Há também ilhéus, irei ver o do Romeiro, a tal baía gigante na entrada de São Lourenço.
Fica-me a impressão que não longe do Farol da Maia se desce até esta vista impressionante do que foi uma fábrica de aproveitamento do óleo do cachalote, o que mais me impressionou foram os tons da cor da água, aquele impressionante enrugado da corrente e contracorrente, olha-se de cima para baixo e até dá para imaginar um mundo desaparecido mergulhado em águas tão cristalinas.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 2 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26107: Os nossos seres, saberes e lazeres (652): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (177): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (6) (Mário Beja Santos)