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sábado, 9 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24935: S(C)em comentários (21): A caça nos impérios coloniais europeus... ou um certa visão etnocêntrica dos velhos "africanistas"


Congo ex-Belga (hoje República Democrática do Congo) > c. nos 20 > "Troféus de caça"... ou uma certa  visão europocêntrica de África. 

Fotos de Victor Jacobs (digitalizadas e editadas por LG.). 

Fonte: Louis Franck - Le Congo Belge, Tome I.  Bruxelles: La Renaissance du Livre.  1928. p. 152...  

Angola > c. anos 30 > "A Exma. Esposa  do Coronel Félix montada num búfalo-pacaça, que, minutos antes, ela própria abatera a tiro de rifle"  (Joaquim António da Silva Félix era ofcial do exército, coronel, industrial, agricultor e publicista, dono da fazenda Glória, colabordor do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, que congregava parte da "intelligentsia" do colonialismo republicano, radicada no Brasil)

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 8, janeiro e março de 1934, pág. 35.

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Nota do editor:

sábado, 7 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24734: Os nossos seres, saberes e lazeres (594): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (123): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (14) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
O homem põe, a companhia aérea dispõe. Tudo levava a crer que já passaria a manhã em Zaventem, com chegada a Lisboa ao princípio da tarde. Olhe que não, quem decide do horário é a companhia aérea, a informação chegou ao fim da noite anterior, descobri de repente que tinha mais meio-dia de férias, nem pensar em meter-me num museu, enquanto esperava o Zé Pestana ocorreu-me refazer um percurso daqueles que desenhei para preparar o meu romance Rua do Eclipse. Tudo nos conformes, amanhecia e já estava no Grand Sablon, é a meio da manhã que me dá um impulso para entrar num centro de estudo do Partido Socialista local, muito bem recebido, trouxe material para refletir e estou convidado para quando voltar ir visitar um acervo gráfico, uma coleção de cartazes do partido político como talvez não haja outra. Aqui se põe termo a um período de férias enternecedor, e fica uma imensa vontade de regressar, já que só os viajantes é que acabam, a viagem, de tão sublime, inaudita, imprevista, é sempre uma fonte de descobertas. À tantôt!

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (123):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas - À tantôt! (14)

Mário Beja Santos

Pus o despertador para as seis da manhã, há que cronometrar o uso do tempo, voltarei a Watermael-Boitsfort o mais tardar às 15 horas, pegaremos na bagagem, faz-se uma viagem de táxi até Zaventem, houve uma última alteração, partiremos um pouco mais cedo. Pelas 8 horas já estou no cenário do adeus, adormeci a esboçar o miniprograma de este inesperado acrescido meio-dia de férias. Está uma manhã fresca no Grand Sablon, quem te vê e quem te viu, num dos meus guias de viagem assentas em terrenos pantanosos e de areeiro, mesmo junto à primeira cintura urbana do século XIII. Já vi bilhetes postais com toda esta região envolvida por casario, em 1948 deu-se a demolição, ninguém se atreveu em tocar em Notre-Dame du Sablon, ainda hoje tratada como um quase santuário. Tem feira de antiguidades e traquitana uma vez por semana, a praça tem lojas chiquérrimas, de chocolates a livraria, de restaurantes a galerias de arte, passo por aqui com uma certa regularidade quando vou aos concertos gratuitos na igreja dos Minimes, ou venho da Feira da Ladra em direção ao Museu de Belas-Artes. Contemplada ao amanhecer, muito branca, preparando-se para negócios azafamados, levanto-me do banco onde a estive a contemplar, passo junto da igreja e detenho-me no Petit Sablon.
O Petit Sablon tem como ícone o jardim de Egmont e Hornes, dois mártires ao tempo das insurreições contra a presença dos Áustrias, este jardim público foi edificado entre 1879 e 1890, ao estilo Renascença flamenga, face a esta praça temos ruas com edifícios dos séculos XVII e XIX, é uma área de tráfego intenso, o eixo principal é a Rue de la Régence.
Pormenor do Petit Sablon

Percorri rua a rua toda esta região na altura em que escrevinhava Rua do Eclipse, descia muitas vezes da rue de la Régence atá o boulevard d’Empereur, restam poucos vestígios do passado, é o caso da torre Anneessens, está agora em obras, entro na rue de Rollebeek, agora a pedonal, com fachadas neoclássicas, há mesmo um albergue do século XVII “L’Estrille du Vieux Bruxelles”. Despeço-me, inverto a marcha e regresso ao boulevard de la Régence, mal sabia que ia buscar lenha para me queimar. Ao longo destas décadas, não resisto, sempre que há disponibilidade, e fruto do acaso, de bater à porta de sindicatos ou de partidos políticos, perante anos fui o representante dos consumidores designado pela Confederação Europeia dos Sindicatos, era natural que me interessasse em obter opiniões sobre medicamentos genéricos, amianto, tabaco, e algo mais. É no boulevard de la Régence que vejo a indicação do Partido Socialista e de uma instituição designada por Instituto Émile Vandervelde, centro de estudos da formação política, consagrado á análise prospetiva das questões que se põem hoje na sociedade. Dei comigo a pensar que valia a pena recolher como termo de comparação a atividade destes senhores (são governo na Bruxelas-Capital) com os desafios postos pela pandemia, para ver se houve grandes diferenças com o homólogo português. Bato à porta, digno na receção ao que venho, se posso conversar com alguém, com certeza que vai ser atendido, respondem-me, tenho direito a café e copo de água, apresenta-se um senhor que é bibliotecário e arquivista, sou conduzido a um espaço, aí atemorizei-me, vi milhares de livros e muitos metros de dossiês, relembrei a quem ali me conduz que vim exclusivamente com a intenção de uma conversa informal, qual quê, vou ter direito a conversar com a conselheira Anna-Maria Livolsi, digo ao que venho, sim tenho muito gosto em conversar consigo, atemorizo-me de novo, a bibliotecária vai trazendo documentos atrás de documentos. E começa a exposição conduzida pela dona da casa.
Um dos restaurantes mais típicos de Bruxelas na Rue de Rollebeek
O senhor que me atendeu no Instituto Émile Vandervelde, Joffrey Liénart, bibliotecário e arquivista
Émile Vandervelde

A exposição decorre em tom ameno, como se fez a deteção quanto ao modo quanto a crise sanitária amplificou a desigualdades, como revelou as fragilidades do trabalho, foi tempo em que se perdeu a segurança nas categorias socioprofissionais. Uma crise que gerou uma tomada de consciência coletiva do valor social do trabalho e dos profissionais que o exercem. Salientou a admiração pelos profissionais de saúde, designadamente nos tempos agudos de 2020 e 2021, mas também pelas profissões invisíveis do pessoal hospitalar foi de uma dedicação extraordinária. A própria lógica da globalização ia conhecer fendas, houve mostras de solidariedade e o paradigma digital revelou-se uma das armas mais espantosas para pôr os seres humanos em comunicação. Desenvolveu-se o trabalho do cuidado. Em termos ideológicos surgiu uma nova abordagem sobre o que se entende sobre consciência de classe e consciência social.
Eu só quero chamar à atenção do leitor que não tugia nem mugia, a não ser para responder ao que me perguntava sobre a situação portuguesa quando irrompeu e se viveu a pandemia. A minha anfitriã resolveu mudar a agulha para algo, creio eu, que está em debate entre os socialistas belgas, como encontrar resposta da consciência social e do valor social do trabalho quando as classes trabalhadoras, tal como se definiam no passado, perderam a sua centralidade, dissolvidas que estão entre novas profissões. O que se registou e continua a estudar ao nível deste instituto são as novas formas de solidariedade, o que se passou com a Covid continua a aguardar um exame da consciência coletiva. No pós-Covid terá que se interpelar o que tem vindo a acontecer com as desigualdades que aceleraram. Na verdade, mesmo com a retoma económica, estão mascaradas realidades muito heterogéneas entre as pessoas e os setores. Os peritos do Instituto procuram desenhar as quatro fases do pós-Covid, que vão desde a urgência no combate às desigualdades neste período de retoma, qual a natureza do relançamento e as reconfigurações que se irão produzir.
Eu de vez em quando olhava para o relógio, metera-me na cova do lobo, a minha interlocutora falava agora em preocupações sobre o mundo do futuro, como se deverá vizinhar um novo contrato social e ecológico à escala planetária, como iremos reduzir a dependência da energia e contrapor às devastações causadas por um modelo de produção que contribui para a perda de biodiversidade e a propagação de doenças.
Alertei a minha gentil interlocutora que estava muitíssimo interessado em estudar o modo de conservar o espírito para o crescimento das despesas públicas para melhorar o quadro da saúde pública, num conto de desenvolvimento sustentável. Agradecia-lhe muito se me pudesse dar pistas sobre uma transição para uma economia de baixo carbono e políticas de coesão social e territorial. Remeteu-me para um site: www.iev.be
Se eu pensava que era só agradecer e partir, puro engano. Sugeriram-me que contactasse a vice-presidente do PS para partilhar mais informações, agradeci as sugestões, e é nisto que o senhor Joffrey Liénart fez questão de me mostrar imagens da figura lendária dos socialistas belgas, Émile Vandervelde e o acervo de cartazes políticos, senti-me muito penhorado, e a ver alguns e quando voltasse a Bruxelas, ficava prometido, visitaria com tempo este impressionante acervo gráfico e histórico.

Cartaz do 1º de Maio, 1926

Estou a caminho do metro, tenho os minutos contados, ainda preciso de comer e preparar farnel para a viagem. Houvesse tempo, e iriamos percorrer cuidadosamente este espaço do meu culto, quantas belas exposições aqui não vi, até concertos com Madredeus e Maria João Pires, é uma decoração concebida por um dos génios da arquitetura belga, Victor Horta, haja retorno e faremos a visita a preceito.
Fachada do Palácio das Belas-Artes de Bruxelas, o Bozar
O vestíbulo do Bozar
O mesmo espaço num evento de fotografia, com uso de tecnologia de vanguarda

São as derradeiras imagens da extremosa Bruxelas, antes de partir para Zaventem olho assombrado para as cerejeiras japónicas da rua, é uma primavera florida, resplandecente, e digo para mim próprio que eu nunca esperei chegar a esta idade e assistir a fissuras de dimensão gigantesca, uma nova forma de Guerra Fria, pelas minhas contas é a primeira vez que a europa se reagrupou e congregou por inteiro, nem quando os turcos estavam às portas de Viena aconteceu esta reação, olho estas cerejeiras e pergunto-me o que se sucederá a esta globalização, a deste mundo de dependência energética, que tipo de relações se afinarão com o espaço russo e o continente asiático quando esta guerra na Ucrânia findar. Até lá, ainda espero regressar a esta cidade e a este país a que me sinto tão irmanado. À tantôt!
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24714: Os nossos seres, saberes e lazeres (593): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (122): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (13) (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24714: Os nossos seres, saberes e lazeres (593): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (122): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
A galopada cultural culminou no Museu de Félicien Rops, santo do meu culto, merece o apodo do mais escandaloso artista do século XIX, mas a clientela nunca lhe faltou, admirava-lhe o génio mesmo com aquelas provocações pornográficas e satânicas. O museu de Namur possui um admirável acervo de todo o seu percurso, desde desenhador de humor a pintor consagrado. Seguiu-se uma viagem pelo Meuse, isto é, andarilhar pela margem, como se fôssemos em direção em Dinant, uns bons quilómetros a juntar à boa passeata por três museus, não posso dar sinal de desfalecimento, a meu lado vai uma aficionada por passeios pedestres, daqueles que podem absorver 30 quilómetros diários, ainda por cima por montes e vales, aguentei firme, guiado pela fé de que tinha uma grande repasto à minha espera e que dormiria um sono de pedra em Watermael-Boitsfort, como aliás aconteceu. No comboio, quando deitava contas à vida para sairmos cedo, de modo a chegarmos a Zaventem pouco depois das 9h, recebi no telemóvel a notícia de que o voo fora diferido para a noitinha. Ah é? Então levanto-me cedo e ainda vou cirandar um pouco por esta Bruxelas onde não sei quando regressarei, tenho dito.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (122):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (13)


Mário Beja Santos

Toda a moleja me saiu do corpo quando entrei no Museu Félicien Rops, no n.º 12 da rue Fumal, venho de novo encontrar-me com aquele que é alvo de um epíteto pouco lisonjeiro: o mais escandaloso artística do século XIX. O museu dá-nos uma panorâmica desde os seus trabalhos como caricaturista, desenhador em obras de romancistas e poetas consagrados, até aos seus trabalhos mais sulfurosos com destaque para Pornocrates, que os críticos consideram o seu mais genial trabalho. Rops nasceu em Namur, foi viajante insaciável (Hungria, Escandinávia, EUA, África do Norte, Espanha…), como muitos artistas da sua geração iniciou a sua atividade como desenhador de humor cedo mostrou estar em total dissonância com a moral da sua época, enveredou na corrente simbolista, de que se será um dos seus próceres mais desalinhados. Aos 18 anos, em Bruxelas, fundou um jornal onde realiza caricaturas irónicas e mordazes sobre as classes sociais, os artistas do seu tempo, a atmosfera política. Faz desenhos para uma obra de Charles Baudelaire. Instala-se em Paris, o seu tema de predileção passa a ser a mulher, no papel de dominador ou de cortesã. Atento ás ideologias sobre a decadência presentes na arte e na literatura, aborda sem qualquer receio a prostituição, o erotismo ou o satanismo. Numa série dedicada às Satânicas celebra a aliança entre mulher e Satã. Percorro deslumbrado esta série de obras, temas aparentemente mórbidos, por vezes uma pornografia descarada, há também as telas revelando praias ou panorâmicas de cidade onde se sente perfeitamente que Rops jamais desconsiderou o naturalismo, e momentos há que se percebe que o seu olhar vanguardista prepara a transição para o impressionismo. Que me acompanha olha para o relógio, está na hora de pelo Meuse, é só mais uma hora ou duas, depois tens um banquete à espera.

Pornocrates
Tratamento da mulher e do satanismo
A Agonia
Autorretrato
Félicien Rops
Estou ciente que em itinerâncias do passado já mostrei este rio, o Meuse é encantador na serenidade da sua correnteza e dá que pensar como o Homem tantas vezes obtém sucesso numa boa aliança entre o património natural e o edificado. Agora presto homenagem a quem me preparou este dia de tanta fruição. Quem aparece na imagem é uma amiga de quatro décadas, fizemos conhecimento em Veneza, eu como participante numa conferência, ela como intérprete. É a musa do romance Rua do Eclipse, foi ela que me inspirou a vida de uma intérprete e organizadora de um dossiê sobre a comissão militar de um tal Paulo Guilherme que andou pela Guiné entre 1968 e 1970. Ela é uma andarilha, telefono-lhe e está a caminho de uma viagem para atravessar os Estados Unidos da América, mesmo de ponta a ponta, ou partiu para a Úmbria, voltou há três dias para se integrar num grupo de passeios pedestres que vão até ao norte da Holanda. Insiste que eu fique uns dias em Namur, faremos passeios pedestres a valer, aí tenho medo, já não tenho coluna vertebral para grandes subidas e descidas, arranjo pretextos, mas não hesito em estar um dia inteiro na companhia desta andarilha que tem assinaturas para tudo quanto é ópera, música sinfónica, música de câmara, festivais. Obrigado por tudo, minha adorada amiga! E enquanto ela prepara o ágape vou perscrutar como está o seu jardim, não tem dúvida quanto aos cuidados, vou agora registar o que dá a primavera em flor, se há o conceito do tempo belga tido por instável, com sol, ventania, chuviscos, céu de chumbo, isto para já não falar das pesadas chuvadas de outono e inverno e dias de gelo, a verdade é que este jardim se engalanou para me receber.
Todos os anos, deve ser puro acaso, aqui venho encontrar estas túlipas cor de rosa, estão viçosas, prometo voltar para o ano para que vocês ostentem flores tão acetinadas.
Quando vivi numa casinha de campo em Pedrógão Grande comprei um pequeno rododendro que, para espanto meu, cresceu sem dificuldade, nunca lhe faltei com água e limpeza da folhagem, era uma alegria ver os botões e depois a explosão de branco, parecia uma árvore pequena. Na posse de outro proprietário, há seis anos, a casa desmantelou-se no grande incêndio de Pedrógão Grande e aquele calor imenso chegou à horta e ao jardim, senti um baque no coração quando vi o meu rododendro enfarruscado, sem vida. Aqui em S. Marc, este rododendro suscita-me recordações da minha perda, sinto-me feliz porque a natureza tem sempre razão e sabe cobrar juros, o que se perde acolá ganha-se aqui.
Que grande surpresa, vi nascer este rododendro aqui ainda a moradia estava em construção e já a proprietária andava azafamada na organização do jardim, também ele se engalanou para receber quem o tem visto crescer ao longo dos anos.
É um bonito tapete de jacinto-uva, temos muito no nosso país, é um lilás muito delicado, creio que toda a Europa é bafejada por imensas variedades de jacintos, uma flor que tem a particularidade de ser o arauto da primavera.
Havia para ali tanta passarada que interpelei a dona da casa quanto aos porquês daquele corrupio no arvoredo do jardim, ela apontou para diversas caixinhas de alimento e fiquei por ali especado a ver a alegria esfusiante das aves a debicar e a bebericar e depois correr para outras paragens.
Entardeceu, chegou a hora de partir, a dona da casa insiste em levar-me a Bruxelas, declino, vou até à gare ferroviária de Namur, é uma viagem de cerca de uma hora, suspiramos por novo encontro, talvez no outono, na pior das hipóteses na primavera. No comboio consulto o telemóvel, sou surpreendido com uma mensagem da companhia aérea, o voo marcado para as 11h45 foi alterado as 21h10. Deito contas à vida: a minha mochila é leve (fora os trastes comprados na Feira da Ladra), e se eu aproveitasse a manhã e o princípio da tarde a cirandar pelo centro de Bruxelas, enfim, uma despedida em grande? Vamos ver o que o destino me reserva.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. poste anterior de 23 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24691: Os nossos seres, saberes e lazeres (591): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (121): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (12) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24701: Os nossos seres, saberes e lazeres (592): António Carmo, artista plástico de renome, nosso camarada da Guiné (Mário Beja Santos)

sábado, 23 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24691: Os nossos seres, saberes e lazeres (591): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (121): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Nesta hora de rememorações, pegando no caderno onde fui registando o percurso da viagem, bem arrependido estou de não ter feito finca pé em ter começado o dia pelo Museu Félicien Rops, santo do meu culto, alguém que viveu de candeias às avessas aquele tempo de Novecentos, foi um expoente do simbolismo, desbravou caminhos estéticos e incomodou muita burguesia com o tratamento erótico da sua pintura e desenho. Mas feita a contabilidade, surpreendeu-me agradavelmente as esculturas maneiristas, outrora tratadas como arte decadente e hoje na moda, observadas como uma vanguarda reativa à escultura beata do tempo, tudo desproporcionado, como se, de tanto torcer e distorcer, a imagem religiosa tivesse maior impacto nos crentes. Por mim, se não tivesse tido a condução do dia tão rígida, teria andando a flanar pela cidadela, dali se avista um panorama memorável. A grande vantagem era o estômago, foi ao fim de um dia de correrias ter um banquete de estalo à minha espera. Agora só me falta falar-vos de Félicien Rops, do Meuse e de uma bela casa em S. Marc, a poucos quilómetros de Namur.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (121):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas ! (12)


Mário Beja Santos

Depois da visita, que tanto me surpreendeu, aos museus instalados em Les Bateliers, atravessa-se a cidade, vamos em direção a outro local de referência, o Museu de Arte Antiga, estamos na época dos acrónimos, cada um mais bombástico que o outro, agora este museu é TreM.a, visito-o sempre com imenso prazer, tal a diversidade artística que oferece. Está situado numa casa apalaçada do século XVII, bem escondido atrás dos estuques da sua fachada, que está classificada como património excecional da Valónia, abriga tesouros medievais e da Renascença, entre as obras-primas ali expostas, em que as mais antigas remontam ao século XII, avulta o Tesouro d’Oignies, uma das sete maravilhas da Bélgica, tem escultura de valor excecional e aqui se acolhe o maior repositório de obras de Henri Bles, pintor maneirista de excelência. Tem uma balaustrada moderna no corpo principal, deixo mais comentários para quando fizer uma visita em relance, o que nos traz fundamentalmente aqui são esculturas maneiristas, eram tratadas até um passado não muito longínquo como correspondentes a um período artístico de completa decadência. O que vimos visitar é um património ignorado pelo mundo académico que subitamente se tornou fonte de atração dos investigadores. Procuro nas imagens subsequentes mostrar algo que durante séculos foi alvo do desprezo estético: personagens com proporções exageradas, figuras estiradas, ancas angulosas, pescoços sinuosos, dedos afuselados… A exposição reúne um conjunto de esculturas criadas nas últimas décadas do século XVI nas oficinas de uma região que se chama de l’Entre-Sambre-et-Meuse, em plena Valónia, todo este património foi denegrido, face ao qual os investigadores nem ousavam olhar, subitamente provocam frenesim, os estudos multiplicam-se e o público acorre, é a admiração da descoberta. Lembra um pouco aquela ironia sobre o mau gosto, ele é sempre o dos nossos pais, o bom gosto é das gerações precedentes…

Fachada principal do Museu de Arte Antiga de Namur
Balaustrada moderna do Museu de Arte Antiga de Namur
A fé e a oração, um maneirismo das formas que já aponta para o barroco
Ornamentos escultóricos numa trave
O Pai e o Filho
A Ressurreição, mestre de Rochehaut, obra em carvalho policromado, 2ª metade do séc. XVI.
A lamentação pela morte de Cristo
Feita a visita à exposição da escultura maneirista, pressionados pelo tempo, quem me guia aponta permanente e freneticamente para o relógio, vou admirar em passo acelerado algumas das preciosidades do Museu de Arte Antiga, acima uma das sete maravilhas da Bélgica, o célebre Tesouro de Oignies, são cerca de 40 peças de ourivesaria pejadas de pedras preciosas, trabalho realizado na 1ª metade do século XIX, obra destinada ao priorado de Oignies.
Base de um cálice esplendidamente ornamentado
Cena do anjo da Visitação, elemento de uma porta
Paisagem de Henri Bles, o museu possui a maior coleção deste pintor maneirista

Saio desgostoso do Museu de Arte Antiga, peço a quem me guia nesta viagem um tanto alucinante de museu atrás de museu, só para mirar alguns edifícios, com resignação condescente, abranda-se a marcha, estou autorizado a captar alguma maravilha deste centro histórico de Namur.
Beffroi de Namur, algo como um campanário com os sinos da cidade, nalguns casos funcionou como prisão. Trata-se de uma obra do século XIV, intervencionada dois séculos depois
Outro ângulo do beffroi de Namur, parece amparado por prédios de habitação, respeitou-se a escala, não há nada de chocante
Um belíssimo edifício de Arte Nova na principal artéria comercial de Namur.

E pronto, a viagem prossegue para o Museu Félicien Rops, depois é o passeio pelo Meuse, depois um festim em S. Marc, no final sou depositado na gare ferroviária, há abraços e lágrimas, prometo voltar lá para setembro/outubro, sabe-se lá as voltas que o mundo vai dar, e depois os imprevistos da idade, mas vontade de regressar não falta. Bem, vamos à conclusão deste magnífico dia em Namur.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24661: Os nossos seres, saberes e lazeres (590): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (120): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (11) (Mário Beja Santos)

sábado, 16 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24661: Os nossos seres, saberes e lazeres (590): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (120): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
É dia de festa, uma terna e fraterna amizade de quatro décadas acenou-me com um programa que meteu quatro museus, o calcorrear por Namur, sair da cidade aí uns 20 km e fazer uns 8 a 10 a desfrutar a beleza do rio Meuse e o belo património edificado nas suas margens. Segue-se um ágape, um festim de coisas muito boas, até ao remate final de variedades de chocolate belga com uma tisana de frutos do bosque, a gozar da paisagem da floresta em S. Marc, a 4 km de Namur, depois metido no carro e despejado na gare ferroviária até Bruxelas. Dia muito feliz, amanhã é o infortúnio da partida, mas ainda tenho umas coisas para vos contar, Namur tem muito que se lhe diga.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (120):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (11)


Mário Beja Santos

Não foi impunemente que recebi instruções para tomar o comboio das 9h na gare central de Bruxelas, havia um extenso programa à minha espera. Chegada festiva, com beijinhos e abraços e prontamente parte-se para o primeiro objetivo operacional, les Bateliers, no centro da velha cidade, bem perto da catedral. Les Bateliers acolhem duas instituições museológicas de Namur, um Museu Arqueológico e um Museu de Artes Decorativas, bem como dois jardins dos quais um ao gosto francês. O Museu Arqueológico de Namur está implantado numa antiga escola dos barqueiros (bateliers). O belo edifício do Museu de Artes Decorativas é a antiga residência particular dos condes de Groesbeeck e marqueses de Croix, é um edifício do século XVIII classificado como património excecional da Valónia. Esta “ilha cultural” aparece associada a outras instituições como o Museu Félicien Rops e os jardins públicos e a casa da poesia.

O Museu de Artes Decorativas, que continua num processo de remodelação, reveste-se de grande interesse, tanto pela sua arquitetura interior como exterior como pela diversidade das coleções que alberga, testemunho dos estilos e gostos desde o século XVII ao século XIX. O processo de conservação e valorização não fica atrás, há um esforço bem visível para criar a atmosfera própria de um palácio nobre do Século das Luzes, graças à sinergia entre o património e o edifício.

O palácio fpi construído para residência do conde Alexandre-François de Groesbeeck, obedece a três regras fundamentais da arquitetura do século XVIII (respeito pela intimidade, procura de uma nova funcionalidade para os espaços de receção pública e vida social e interesse pelo mundo exterior), regras que se podem resumir na expressão: o prazer da vida e a procura do prazer.

Destaca-se o admirável uso da luz, graças a um sistema de pátios interiores e também a sua difusão a partir da cúpula para corredores através das galerias envidraçadas. A disposição das janelas na fachada das traseiras e a sequência de jardins é a marca de abertura ao exterior, cria-se uma comunicação entre a vida da rua e o universo fechado dos jardins.

Duas notas. A primeira tem a ver com a decoração interior, que é magnífica; a superfície mural está decorada com painéis de madeira com molduras simples e geometrias, usa os elementos da tapeçaria, painéis de couro, umbrais das portas decoradas com elementos de cenas grandes, motivos florais e mitológicos. A segunda, prende-se com o facto de o Museu Arqueológico ter dado lugar a uma exposição, para mim de total aprendizagem sobre os Merovíngios que deixaram marca neste local. Achei por bem registar alguns desses elementos de uma civilização sobre a qual pendia o preconceito de ter sido insignificante e até bárbara, estamos hoje na posse de elementos que levam a admitir o contrário, a sempre exaltada civilização Carolíngia teve o seu berço na obra Merovíngia, como aqui se revela dos achados arqueológicos que deixaram nesta região. Também se mostram dois mapas para dar a localização dos merovíngios e a partilha que houve dos diferentes reinos. Espero que apreciem esta primeira visita, quem me conduz olha permanentemente para o relógio, diz que ainda há mais três exposições a visitar, partiremos de Les Batiliers para o Museu de Arte Antiga para visitar a exposição Esculturas de Vanguarda… no século XVI. Prometo pôr a pratos limpos o que vi e as exposições que se seguiram, amigos, amigos, negócios à parte, primeiro temos que nos fartar neste caldeirão cultural, se tiveres fome comes uma banana e um pequeno chocolate, depois de pedalares por estes quatro museus percorrerás um bom troço de Meuse, depois é que terás pitéu, e pela noitinha serás metido no comboio com destino a Bruxelas. Foi um dia e peras.


Entrada de les Bateliers, Museu de Artes Decorativas e Arte Merovingia, Namur
Fachada das traseiras do palácio e jardim de gosto à francesa
Reconstituição da mesa de jantar da família do conde
Trenó dos condes de Groesbeeck-de Croix, madeira, ferro e veludo, século XVIII. Ao fundo, um par de bota de postilhão, condutor de correio em besta montada.
Lareira do palácio
Mesa de jogos de diversão
Salamandra de sala
Pormenor de parede com motivo de jogos populares em cima de andas
Pormenores de vestuário de dama do século XIX
Pormenores de um escritório do século XIX
A mancha castanha permite visualizar o território da civilização Merovingia, que precedeu a civilização Carolingia, séculos VI e VII
A partilha do Reino dos Francos
Informação sobre a ourivesaria Merovingia
Peças de vidro merovíngias
Moedas do tempo merovíngio
Reconstituição da cozinha do palácio
Pormenor da cozinha

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24637: Os nossos seres, saberes e lazeres (589): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (119): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (10) (Mário Beja Santos)