Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal
Antes de mais, que esteja tudo bem contigo e família, são os meus sinceros votos.
Já há algum tempo (quase um ano) que não te "brindava" com mais uma das minhas estórias, pelo que resolvi, mais uma vez, vasculhar o meu baú e "sacar" algumas memórias da minha passagem por terras da Guiné. Além do mais, importa continuar a "alimentar" o nosso blogue...
Nesta perspectiva, junto estou a enviar ficheiro que relata a minha passagem pelo Depósito de Adidos em Brá, após ter deixado de pertencer à CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, mas que por uma questão cronológica gostaria que continuasses (caso aches oportuno) a incluir nas "Estórias dos Fidalgos do Jol" sob o título "A minha passagem pelo DA".
Deixo ao teu critério.
Junto seguem também ficheiros com algumas fotos que poderás publicar de acordo com as minhas sugestões, ou fazê-lo como melhor entenderes.
Muito obrigado pela tua disponibilidade em continuares ao "serviço" das nossas memórias.
Recebe um Grande e Forte Abraço
Augusto Silva Santos
ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL
14 - A MINHA PASSAGEM PELO DA
Depois da partida do BCAÇ 3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no Depósito Geral de Adidos em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ 3306 colocada Jolmete, para onde fui em rendição individual.
Crachá do Depósito de Adidos
No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar.
Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer.
Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.
Brá / Depósito de Adidos, Fev1973
Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM). Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que a partir de determinada altura e, por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1.º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o Cor. Paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência, partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda.
Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço.
A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).
Brá / Casa de Reclusão Militar, Mar1973 – Em convívio com alguns reclusos por ocasião de um aniversário. O camarada ao fundo, de óculos e barba, é o Carlos Boto, já aqui referenciado por outros camaradas
O meu relacionamento com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse.
Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos, que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.
Brá / Depósito de Adidos
Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furriéis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor.
Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito Geral de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo” por andar sempre todo emproado (usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida.
Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.
Brá Depósito de Adidos – No dia em que fiz a última Guarda de Honra ao General Spínola, antes do seu regresso a Portugal
Lembro-me que, nos finais de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatos dos de camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando.
O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MIGs.
Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.
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Nota do editor
Último poste da série de 7 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10495: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (13): Aventura com final feliz: O Cabo 'Bigodes', o Dandi e a mulher mais velha do Dandi...