Foto (e legenda): © Luís Graça (2020) Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem comlementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Há um velho provérbio popular que diz: "Enquanto há saúde, quedos estão os santos"... Trocado por miúdos, o povo, interesseiro, só reza aos santos, quando está aflito...Ou, como ironiza o crítico do Zé Povinho: "Só se lembram de Santa Bárbara, quando troveja"...
Afinal, ainda bem que a gente tem os santos para se agarrar... e para reinar.
Mas este ano, devido à tal pandemia de COVID-19 que nos está a tramar, lá se foram os santos populares, o santo António, o são João, o são Pedro... Não há santos para ninguém, seja em Lisboa ou no Porto. E pior: não há santo que nos acuda..
Estranhamente, não temos saúde e eles estão quedos...Encontrei outra explicação, dentro da sabedoria popular, que no séc. XVII era capaz de dar fogueira da Santa Inquisição, por heresia, a quem a proferisse da boca para fora: "Quando Deus não quer os santos não podem" ou, noutra variante (, esta do séc. XVI,), "Quando Deus não quer, santos não rogam"...
Não sou, confesso, muito dado aos arraiais juninos, seja em Lisboa, seja no Porto. Mas acho que o povo tem direito a folgar. Não sei se vem na Constituição o direito aos folguedos e, em última análise, o direito à preguiça, mas também não importa, aqui e agora. Em muitas tabancas hoje foi dia de comer uma sardinha no pão. Há quem coma em honra do santo. Eu como porque sei que no céu não disto...
De qualquer modo, quem não comeu, não foi bom cristão. E não há a desculpa de que a sardinha está pela hora da morte... Este ano há fartura relativa. Na Tabanca de Candoz, comi a meia-dúzia que me competia. (À mesa, éramos 9, costumam ser muitos mais...).
E, em boa verdade, a sardinha já se come muito bem , desde que apanhe só um calorzinho, para não ficar seca. A sardinha é um peixe delicado... E, por esta altura, ainda tem pouca gordura, pelo menos a de Matosinhos. A da Lourinhã, a do Mar do Cerro (e que vai parar à lota de Peniche), já está mais cheiinha. Ou é impressão minha ? Se calhar, estou a puxar a brasa à minha sardinha...
Em dia de são João, mesmo que o santo esteja quedo (, tanto ou mais que nós, que andamos um bocado em baixo, com medo do desconfinamento e da segunda vaga da pandemia... que há vir aí, vem/não vem...), nem por issso deixa de merecer um versinho.
Afinal é o dia dele, do santo. E para o ano a gente não sabe se vai cá estar, nós e o santo. Camaradas e amigos/as da Guiné, mantenhas para todos/as. Animem-se. E não liguem ao provérbio, misógino: "A mulher e a sardinha, quer-se pequenina"...LG
Em louvor do São João
que este ano está murcho e quedo...
São João, pouco prazenteiro,
Não salta hoje à fogueira,
Não sei se é santo matreiro
Ou se lhe deu a lazeira.
Dizem que é da pandemia,
E, por mim, é de certeza,
A Invicta está vazia,
Um cemitério de tristeza.
Refugiei-me em Candoz,
Onde o vírus ainda não chega,
Mal será p’ra todos nós,
Se o bicho vem e nos pega.
As sardinhas são de Matosinhos,
No almoço, à varanda,
E, como não há cá vizinhos,
A disciplina é mais branda.
P'ró lanche há sapateira,
Com sabores da Lourinhã,
Hoje a festa é caseira,
Mas há mais santos amanhã.
Diz a Mi: "Ai que saudades
De dar beijos e abracinhos,
Aos meus filhos e netinhos,
Que o Covid é só maldades!"
Deu-me um abracinho por detrás,
A minha querida cunhada,
Chora p'lo tempo de paz,
Detesta a cotovelada.
Quem de Lisboa chegar
Tem de ficar de quarentena,
Não nos venham infetar,
Não quer’mos cá essa cena.
Não se riam, que o Porto
Fica no mesmo planeta,
E, se isto der p’ró torto,
Vamos todos p’ro maneta.
E p'ra ficar p'ra história,
Da Tabanca de Candoz,
Mando-vos esta memória,
Mantenhas (*) p'ra todos vós.
Com saúde e os santos quedos,
Podem todos cá vir ao Norte,
Que p'ro ano e com sorte,
Teremos melhores folguedos.
Quinta de Candoz, São João,
24 de junho de 2020
(*) Mantenhas: saudações (em crioulo da Guiné-Bissau e de Cabo Verde)
___________
Nota do editor:
Último poste da série > 14 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21075: Manuscrito(s) (Luís Graça) (185): por favor, não destruam o que resta da caixinha de Pandora, porque nela ainda está o segredo da nossa salvação, a Esperança, o veneno do mal que nos liberta do mal
Não sou, confesso, muito dado aos arraiais juninos, seja em Lisboa, seja no Porto. Mas acho que o povo tem direito a folgar. Não sei se vem na Constituição o direito aos folguedos e, em última análise, o direito à preguiça, mas também não importa, aqui e agora. Em muitas tabancas hoje foi dia de comer uma sardinha no pão. Há quem coma em honra do santo. Eu como porque sei que no céu não disto...
De qualquer modo, quem não comeu, não foi bom cristão. E não há a desculpa de que a sardinha está pela hora da morte... Este ano há fartura relativa. Na Tabanca de Candoz, comi a meia-dúzia que me competia. (À mesa, éramos 9, costumam ser muitos mais...).
E, em boa verdade, a sardinha já se come muito bem , desde que apanhe só um calorzinho, para não ficar seca. A sardinha é um peixe delicado... E, por esta altura, ainda tem pouca gordura, pelo menos a de Matosinhos. A da Lourinhã, a do Mar do Cerro (e que vai parar à lota de Peniche), já está mais cheiinha. Ou é impressão minha ? Se calhar, estou a puxar a brasa à minha sardinha...
Em dia de são João, mesmo que o santo esteja quedo (, tanto ou mais que nós, que andamos um bocado em baixo, com medo do desconfinamento e da segunda vaga da pandemia... que há vir aí, vem/não vem...), nem por issso deixa de merecer um versinho.
Afinal é o dia dele, do santo. E para o ano a gente não sabe se vai cá estar, nós e o santo. Camaradas e amigos/as da Guiné, mantenhas para todos/as. Animem-se. E não liguem ao provérbio, misógino: "A mulher e a sardinha, quer-se pequenina"...LG
Em louvor do São João
que este ano está murcho e quedo...
São João, pouco prazenteiro,
Não salta hoje à fogueira,
Não sei se é santo matreiro
Ou se lhe deu a lazeira.
Dizem que é da pandemia,
E, por mim, é de certeza,
A Invicta está vazia,
Um cemitério de tristeza.
Refugiei-me em Candoz,
Onde o vírus ainda não chega,
Mal será p’ra todos nós,
Se o bicho vem e nos pega.
As sardinhas são de Matosinhos,
No almoço, à varanda,
E, como não há cá vizinhos,
A disciplina é mais branda.
P'ró lanche há sapateira,
Com sabores da Lourinhã,
Hoje a festa é caseira,
Mas há mais santos amanhã.
Diz a Mi: "Ai que saudades
De dar beijos e abracinhos,
Aos meus filhos e netinhos,
Que o Covid é só maldades!"
Deu-me um abracinho por detrás,
A minha querida cunhada,
Chora p'lo tempo de paz,
Detesta a cotovelada.
Quem de Lisboa chegar
Tem de ficar de quarentena,
Não nos venham infetar,
Não quer’mos cá essa cena.
Não se riam, que o Porto
Fica no mesmo planeta,
E, se isto der p’ró torto,
Vamos todos p’ro maneta.
E p'ra ficar p'ra história,
Da Tabanca de Candoz,
Mando-vos esta memória,
Mantenhas (*) p'ra todos vós.
Com saúde e os santos quedos,
Podem todos cá vir ao Norte,
Que p'ro ano e com sorte,
Teremos melhores folguedos.
Quinta de Candoz, São João,
24 de junho de 2020
(*) Mantenhas: saudações (em crioulo da Guiné-Bissau e de Cabo Verde)
___________
Nota do editor:
Último poste da série > 14 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21075: Manuscrito(s) (Luís Graça) (185): por favor, não destruam o que resta da caixinha de Pandora, porque nela ainda está o segredo da nossa salvação, a Esperança, o veneno do mal que nos liberta do mal