Epigrama: na real galeria de arte, com dicas para um real retrato a corpo inteiro
por Luís Graça
Se o rei tem um metro e meio de altura,
agigantem-no,
elevem-lhe o trono
até ao primeiro piso.
Mais do que boa figura,
e melhor siso,
deve ter estatura,
o rei,
para ficar bem no retrato
da história,
e não ser um rei de má memória.
Se for preciso,
ponham-no a andar,
corram com ele,
arranjem-lhe umas andas,
ou passeiem-no de andor,
pela baixa da cidade.
Primeira regra protocolar:
rei é chefe
e, como tal, é sempre aquele
cuja cabeça está acima das outras cabeças,
por isso é uma cabeça coroada.
Pequeno detalhe:
às vezes uma almofada
resolve o problema do desconforto
de quem, coitado,
tem que pensar a vida inteira sentado
num trono,
mesmo que torto,
sem nunca cair de sono,
antes de poder chegar ao fim do reinado.
E, a propósito,
um rei deve morrer
com toda a real dignidade,
por Luís Graça
Se o rei tem um metro e meio de altura,
agigantem-no,
elevem-lhe o trono
até ao primeiro piso.
Mais do que boa figura,
e melhor siso,
deve ter estatura,
o rei,
para ficar bem no retrato
da história,
e não ser um rei de má memória.
Se for preciso,
ponham-no a andar,
corram com ele,
arranjem-lhe umas andas,
ou passeiem-no de andor,
pela baixa da cidade.
Primeira regra protocolar:
rei é chefe
e, como tal, é sempre aquele
cuja cabeça está acima das outras cabeças,
por isso é uma cabeça coroada.
Pequeno detalhe:
às vezes uma almofada
resolve o problema do desconforto
de quem, coitado,
tem que pensar a vida inteira sentado
num trono,
mesmo que torto,
sem nunca cair de sono,
antes de poder chegar ao fim do reinado.
E, a propósito,
um rei deve morrer
com toda a real dignidade,
honra,
glória,
pompa
e circunstância,
em caso algum
(cruzes, canhoto!)
degolado,
guilhotinado
ou enforcado!
Na pior das hipóteses,
fuzilado,
com honras militares!
Em boa verdade,
não há real cu que aguente
tanto tempo sentado
como o de sua majestade
que nasceu para reinar.
Mas rei não é anjinho
e, para ser santo,
falta-lhe o cinto de castidade
com fechadura,
e chave entregue ao ministro do tesouro.
Se o rei vai nu,
pompa
e circunstância,
em caso algum
(cruzes, canhoto!)
degolado,
guilhotinado
ou enforcado!
Na pior das hipóteses,
fuzilado,
com honras militares!
Em boa verdade,
não há real cu que aguente
tanto tempo sentado
como o de sua majestade
que nasceu para reinar.
Mas rei não é anjinho
e, para ser santo,
falta-lhe o cinto de castidade
com fechadura,
e chave entregue ao ministro do tesouro.
Se o rei vai nu,
ou se passeia em trajes menores pelo terreiro do paço,
é mau agouro,
por favor, senhor pintor da corte,
ponha-lhe um sorriso,
de boca a boca,
como o da “Mona Lisa”.
é mau agouro,
por favor, senhor pintor da corte,
ponha-lhe um sorriso,
de boca a boca,
como o da “Mona Lisa”.
E um ligeiro buço,
que um rei deve ser eternamente
que um rei deve ser eternamente
adolescente,
imberbe,
devoto
e púdico,
mesmo quando rei do reino mais ignoto.
E, claro, ponha-o a olhar de frente,
como o nosso menino el-rei dom Sebastião,
forrado de armadura,
perscrutando os inimigos da Nação,
d’aquém e d’além-mar.
(Que pena nunca ter tido um real pintor à sua altura!)
Se o rei tem uma vida sedentária
e aborrecida,
e se o povo e a bosta de boi
não lhe fazem urticária,
troque-se-lhe a vida palaciana
pela campestre,
espetem-lhe um coroa de espinhos na cabeça,
para saber o quão imensa e intensa é a dor,
humana.
Ou então façam-lhe o retrato equestre,
como ao senhor dom josé,
montem-no a cavalo,
no seu garanhão branco,
puro sangue lusitano.
A coroa fica-te a matar, meu amor!
Mas também não fica mal,
à rainha, com sorte,
vestida de branca de neve,
rodeada dos seus sete anões,
quando sai à rua p’lo Natal,
de sapatos altos de cristal,
ouvir piropos de carroceiro,
que o povo é alarve e brejeiro:
ah!, meu querido Hirohito,
há quanto tempo não me vais ao pi...!
imberbe,
devoto
e púdico,
mesmo quando rei do reino mais ignoto.
E, claro, ponha-o a olhar de frente,
como o nosso menino el-rei dom Sebastião,
forrado de armadura,
perscrutando os inimigos da Nação,
d’aquém e d’além-mar.
(Que pena nunca ter tido um real pintor à sua altura!)
Se o rei tem uma vida sedentária
e aborrecida,
e se o povo e a bosta de boi
não lhe fazem urticária,
troque-se-lhe a vida palaciana
pela campestre,
espetem-lhe um coroa de espinhos na cabeça,
para saber o quão imensa e intensa é a dor,
humana.
Ou então façam-lhe o retrato equestre,
como ao senhor dom josé,
montem-no a cavalo,
no seu garanhão branco,
puro sangue lusitano.
A coroa fica-te a matar, meu amor!
Mas também não fica mal,
à rainha, com sorte,
vestida de branca de neve,
rodeada dos seus sete anões,
quando sai à rua p’lo Natal,
de sapatos altos de cristal,
ouvir piropos de carroceiro,
que o povo é alarve e brejeiro:
ah!, meu querido Hirohito,
há quanto tempo não me vais ao pi...!
(Atenção, que piropo agora dá prisão!).
Se o rei morre de tédio,
suspirando uis e ais,
ou vai com cio,
por montes e vales,
atrás dos javalis e lobisomens,
soltem os cães, os faunos e duendes
e convoquem os homens dos jornais,
mas não lhe chamem louco,
que é pouco!
Segunda regra protocolar:
decretem a caça às bruxas,
ou então povoem a corte de anões,
que logo o rei os fará cavaleiros e barões,
sete vezes sete,
blogue fora nada,
que dos régios cofres, é o segredo,
sempre cheios,
garante o guarda-mor do real selo,
caído em desgraça
e a caminho do degredo.
Terceiro e último aviso ao povo
que nunca foi a uma sessão de fado
com beija-mão real no paço do lumiar:
fraco rei faz fraca a forte gente (camões dixit)…
Súbditos leais,
e corteses,
mas velhos e feios,
são os marqueses,
e utilitárias as marquesas,
francesas,
Se o rei morre de tédio,
suspirando uis e ais,
ou vai com cio,
por montes e vales,
atrás dos javalis e lobisomens,
soltem os cães, os faunos e duendes
e convoquem os homens dos jornais,
mas não lhe chamem louco,
que é pouco!
Segunda regra protocolar:
decretem a caça às bruxas,
ou então povoem a corte de anões,
que logo o rei os fará cavaleiros e barões,
sete vezes sete,
blogue fora nada,
que dos régios cofres, é o segredo,
sempre cheios,
garante o guarda-mor do real selo,
caído em desgraça
e a caminho do degredo.
Terceiro e último aviso ao povo
que nunca foi a uma sessão de fado
com beija-mão real no paço do lumiar:
fraco rei faz fraca a forte gente (camões dixit)…
Súbditos leais,
e corteses,
mas velhos e feios,
são os marqueses,
e utilitárias as marquesas,
francesas,
de paços de ferreira
e de fartos seios,
mas dos duques teutónicos
diz-se que são maus fregueses.
e de fartos seios,
mas dos duques teutónicos
diz-se que são maus fregueses.
Anacrónicos,
esses, são os portugueses
que ainda delapidam diamantes
com as plebeias criadas de servir
e as ‘cocottes’ burguesas…
esses, são os portugueses
que ainda delapidam diamantes
com as plebeias criadas de servir
e as ‘cocottes’ burguesas…
E das duquesas,
inglesas,
senhor,
o que me dizeis ?
Ah!, que são as melhores amantes
de reis
e serviçais.
Baralhadas e dadas as cartas,
o trunfo é paus,
a cruz que Deus nos deu,
além do trabalho
por causa do pecado original:
hipótese nula,
fica tudo como dantes,
o quartel em Abrantes,
que de Espanha nem bom vento
nem bom casamento,
nem macho ou mula com boa pinta.
Hipótese de investigação número um:
em caso de desgraça,
peça-se mercês a sua senhoria
e mande-se a conta
à mercearia.
o que me dizeis ?
Ah!, que são as melhores amantes
de reis
e serviçais.
Baralhadas e dadas as cartas,
o trunfo é paus,
a cruz que Deus nos deu,
além do trabalho
por causa do pecado original:
hipótese nula,
fica tudo como dantes,
o quartel em Abrantes,
que de Espanha nem bom vento
nem bom casamento,
nem macho ou mula com boa pinta.
Hipótese de investigação número um:
em caso de desgraça,
peça-se mercês a sua senhoria
e mande-se a conta
à mercearia.
O elétrico ?
É o número vinte e oito,
É o número vinte e oito,
para a graça.
Mais vale, cariño mio,
ser rei por um dia,
do que príncipe regente toda a vida.
Hipótese dois:
em caso de fome, guerra, peste e revolução
(de que Deus nos livre!),
convém que o rei guarde a cabeça,
nalgum lugar mais esconso e seguro do palácio.
Um rei, meu filho, vale pelo trono
e o trono pela coroa
e a coroa pela cabeça.
Não há seguradoras que seguramente cubram
todo este real risco.
E, para mais, Carlota,
como vós mui bem sabeis,
há ainda o real fisco,
que é agiota,
vampiro e daltónico,
e não distingue a cor do sangue,
azul ou vermelho.
Conclusão, e bom conselho
para os reais pintores
e demais bobos da corte
e vindouros:
os homens não se medem aos palmos,
muito menos os reis;
os homens medem-se pelas palavras,
e os bois pelos cornos.
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Galeria de Exposições Temporárias, Wentworth-Fitzwilliam. > Uma Coleção Inglesa, 6 de março de 2016.
___________
Nota do editor:
Último poste da série > 14 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15747: Manuscrito(s) (Luís Graça) (77): "Nesta terra querida, / Tive mundo, e tive amor, / Não me posso queixar da vida, / Tive tudo, e também dor"... Viva a nossa decana, a dona Clara Schwarz da Silva
os homens não se medem aos palmos,
muito menos os reis;
os homens medem-se pelas palavras,
e os bois pelos cornos.
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Galeria de Exposições Temporárias, Wentworth-Fitzwilliam. > Uma Coleção Inglesa, 6 de março de 2016.
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Nota do editor:
Último poste da série > 14 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15747: Manuscrito(s) (Luís Graça) (77): "Nesta terra querida, / Tive mundo, e tive amor, / Não me posso queixar da vida, / Tive tudo, e também dor"... Viva a nossa decana, a dona Clara Schwarz da Silva