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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21528: Notas de leitura (1322): "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo; 5livros.pt, 2019 - Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Foi obra, pôr em sequência cronológica, entre 1966 e 1974, as atividades desenvolvidas por um conjunto de Unidades Militares que puseram de pé o quartel de Biambe, que aqui lutaram e muito sofreram, que refizeram o quartel, que acompanharam reordenamentos, que viveram o drama do duplo controlo, e que naquele ponto estratégico estiveram sempre na mira de uma guerrilha bem motivada, não longe do santuário do Morés. 

Aqui igualmente se desenham, em termos corográficos, as ligações de Biambe com Encheia e Bissorã, é elevada a lista dos sinistrados com minas anti-pessoal, mas também minas anticarro e nenhuma das unidades que por ali passou foi poupada a flagelações grandes e compridas. Épico o nascimento do quartel e a 26 de julho o aquartelamento de Bissum foi entregue ao PAIGC, o mesmo acontecendo no dia 31 com o aquartelamento de Inquida. O que se entregou estava limpo e arrumado. A 7 de setembro entregou-se Biambe. "O único acontecimento digno de relevo foi o desgosto demonstrado pela população que se manifestou ruidosamente no adeus aos militares. Estavam apreensivos e temerosos porque não sabiam como seria o dia seguinte"

O trabalho de Manuel Costa Lobo incentiva-nos a repensar nos benefícios historiográficos que era coligir outras histórias, de molde a angariarmos testemunhos dos antigos combatentes, os que escreveram e os que porventura terão orgulho em serem convocados para dar o seu contributo.

Um abraço do
Mário


Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (2)

Mário Beja Santos

Por uso e costume, o antigo combatente fala da sua experiência, comenta o lugar ou lugares em que permaneceu, fala do quotidiano, a guerra está sempre presente. Há também as histórias de unidade, passadas todas estas décadas ainda há quem as esteja a cotejar, é um dever de memória que mais cedo ou mais tarde nos abala a consciência. 

A raridade de haver narrativa de como se constituiu um aquartelamento e fazer figurar todos os que lá estiveram, honrar o esforço, homenagear o heroísmo, abraçar quem figurou na gesta coletiva, naquele lugar e por todo o tempo da guerra. "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo, 5livros.pt (telemóvel 919 455 444), 2019, é um documento exemplar, uma faina de coligir a implantação de um aquartelamento em 1966, numa das regiões mais ásperas da luta armada, nas fímbrias do Morés, ali ganhou esporas de valentia a CCAV 1485, seguir-se-ão outras unidades até se chegar à missão final, que marcará a partida das forças portuguesas na região. 

Não é literatura memorial, é um registo dos dados disponíveis destas unidades envolvidas a que se vão averbar testemunhos e ilustrar com imagens, muitas delas pessoais. Biambe era lugar estratégico para evitar infiltrações do PAIGC na ilha de Bissau.

Está feito o registo da CCAV 1485 e da CART 1688, chegou a hora de pôr em cena mais unidades militares, logo a CCAÇ 2464 que permaneceu em Biambe de 15 de fevereiro a 8 de junho de 1969, teve pois uma curta estadia, o treino operacional foi feito em sobreposição com a CART 1688, um dos seus pelotões foi para o destacamento de Encheia, destacamento que também era reforçado com um outro pelotão da CCAÇ 2444. Não para a via-sacra das flagelações, as minas antipessoal fazem vítimas, responde-se bem aos ataques, fez-se um golpe de mão a uma base de guerrilha conhecida por Biambinho ou Biambifoi, os guerrilheiros tinham retirado deixando lá apenas velhos, doentes e feridos, na última retirada foram colhidos por uma tempestade de fogo, segue-se outra emboscada já perto de Biambe, só com a chegada dos Fiat é que findou o tiroteio. 

É neste contexto que surge um problema de desobediência ao Capitão Prata levou a um pelotão a ter-se negado a sair, acusando-o de incompetente. 

Escreve-se na obra que “Durante a permanência em Encheia, do Capitão Prata e sua comitiva, houve muitas atuações que ultrapassaram os limites da falta de segurança, nas operações efetuadas em locais muito perigosos houve atuações junto das populações das tabancas limítrofes detestadas pelos residentes, em suma houve uma atuação que saía fora de todas as normas de um correto comando e de uma normal convivência com as populações nativas”

E, mais adiante: 

“Deste facto resultou que, no dia seguinte, o Comandante-Chefe, General António de Spínola, tenha visitado Encheia com uma mensagem apaziguadora, enaltecendo as qualidades dos soldados açorianos e sobrepondo a coragem do capitão às suas falhas nas questões de segurança, dando o assunto como encerrado sem punições para ninguém”

Mas o sarrabulho não ficou por aqui, houve queixa da população civil, no dia seguinte chegou um major como instrutor do auto de averiguações ao capitão e a outro réu. No dia seguinte, em plena manhã, uma flagelação com quatro morteiradas, Encheia é flagelada dois dias depois. Sabe-se, entretanto, o resultado das averiguações, o pelotão desobediente da CCAÇ 2444 fora castigado.

Manuel Costa Lobo inclui o depoimento do radiotelegrafista José Maria Claro a quem foi amputada a perna esquerda decorrente do rebentamento de uma mina antipessoal, ele escreveu a um camarada, António Graça Nobre, um belíssimo depoimento, pungente, que assim termina: 

“Dia 7 de abril, dia trágico para mim, depois de estar duas horas de serviço no rádio fui tentar adormecer. Ao fim de meia hora acordaram-me para que fosse formar a coluna para sair, mas voltei a adormecer. Daí a meia hora, voltaram a acordar-me e disseram que o pelotão já estava à minha espera há uma hora. Até este dia protegi os meus camaradas, pedindo auxílio à Força Aérea, e neste dia, até pedi a minha própria evacuação, com a consternação de todos os colegas do curso, posicionados nos postos do nosso sector”

Quem está a testemunhar é o ex-Alferes António José Vale que descreve também, e com imensa intensidade, um grande ataque a Biambe em 7 de junho. Nesse mês de junho e até finais de novembro temos novo protagonista, a CCAÇ 2531. Registo de novas flagelações, há igualmente reações. É tempo de reconstrução do quartel, as casernas começavam a acusar o desgaste, foi por aqui que começaram as obras, fez-se novo edifício do comando (secretaria, gabinete do comandante, os quartos deste e do 1.º sargento, o bar, a messe de oficiais e sargentos), mais tarde os balneários. Procede-se ao reordenamento da tabanca. 

É um soma e segue de ataques e respostas, a guerrilha podia ver incendiadas as suas instalações, reinstalava-se depressa, sobretudo no Queré e no Iusse. Chegou a hora de aparecerem os foguetões, o Alferes José Manuel Guedes Freire Rodrigues foi condecorado com a Cruz de Guerra 3.ª classe.

Entra no terreno a CCAÇ 2780, chegou a hora do autor fazer jus aos seus registos, estarão no Biambe entre novembro de 1970 e agosto de 1972, terá muito para contar, ele é Furriel Enfermeiro. 

É minucioso no seu registo, terno a descrever as aflições que presenciou, as operações efetuadas, os meses passam-se, as obras continuam, abrem-se picadas, a vida é bastante dura no destacamento de Inquida, fala da sua preparação, nunca percebeu como foi selecionado para enfermeiro, fala do seu currículo, das peripécias que viveu e de como se desenvencilhava de situações melindrosas: 

“Um homem andava em cima de uma árvore no seu trabalho usando uma catana como instrumento. Por qualquer motivo imprevisto ter-lhe-á falhado o movimento e atingiu o próprio pénis. Quando chegou ao posto médico vinha com aquele órgão a pingar sangue. A solução que encontrámos foi dar-lhe uma injeção de um produto coagulante e para evitarmos ter que lhe mexer improvisámos uma lata de conserva de pêssego, enchemo-la de água oxigenada e mandámos o indivíduo mergulhá-lo ali. Assim se procedeu à desinfeção do dito".

"Noutra vez apareceu-me outro homem com um pé ao dependuro, só preso pela pele, com os ossos (tíbia e fíbula) completamente separados pela fratura. Não tivemos outra solução senão fazer uma imobilização muito cautelosa por meio de talas, chamar o meio aéreo e evacuá-lo para Bissau. Passados uns tempos regressou agarrado a um varapau com uma manifesta incapacidade de mobilização”

Narra a rendição pela CCAÇ 4610, conta a história de dois militares que foram caçar e acabaram prisioneiros do PAIGC, serão libertos após a independência da Guiné-Bissau, na troca com os prisioneiros do PAIGC que estavam detidos na Ilha das Galinhas.

E caminhamos para o fim da história de Biambe na guerra, a 3.ª Companhia do BCAÇ 4610/72 permanecerá em Biambe de agosto de 1972 a julho de 1974. Aqui se escreve que Biambe tinha pela frente uma força hostil que atuava com as secções em Biambe, Biur, Quinhaque e Quitamo, 2 grupos de infantaria, uma bateria de artilharia ligeiro e um grupo de sapadores; no Queré tinham um grupo reforçado com 1 ou 2 morteiros 82. 

A unidade militar apanha a transição para a chegada dos mísseis Strella, uma flagelação em maio de 1973 levou à morte de sete crianças num disparo de morteiro 82. O último episódio é a presença da 3.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/73.

Na conclusão, o autor lembra o sacrifício que todos tiveram que suportar, agradece os testemunhos de quem com ele colaborou na elaboração de todo este histórico de Biambe e assim põe termo à sua iniciativa:

“Tudo aquilo que aqui foi escrito traduz a minha maneira de ver, de sentir e de interpretar. Muitos dirão que não foi bem assim, que foi mais assado. Embora a guerra fosse a mesma, cada um viveu uma experiência pessoal muito própria, com cores, cheiros e intensidades muito diversas, tenho consciência de que me dei por inteiro neste testemunho e que não ocultei o que sei”.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21507: Notas de leitura (1321): "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo; 5livros.pt, 2019 - Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15414: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os que deram, não a vida, mas uma parte do seu corpo (um pé, uma perna, uma mão, um braço, ou os olhos) pela Pátria (José Maria Claro / Francisco Baptista)


Foto nº 1 B > HMP [Hospital Militar Principa],  Lisboa, c. 1969/70 > Cinco camaradas amputados por efeito de minas na guerra do ultramar / guerra colonial



Foto nº 1 A > Foto nº 1 C > HMP [Hospital Militar Principa],  Lisboa, c. 1969/70. O José Maria Claro é o segundo a contar da esquerda.


Foto nº 1 > No HMP [Hospital Militar Principa],  Lisboa > O José Maria Claro é o segundo a partir da esquerda.


 

Foto nº 2 > CCAÇ 2464, Biambe, 1969 > O José Maria Claro, na brincadeira, "com um camarada do rolo de peso", o cilindro manual que se usava na construção e manutenção dos arruamentos dos nossos aquartelamentos...


Foto nº 3 > CCAÇ 2464, Biambe, 1969. O José Maria Claro, cheio de energia, vida e otimismo, no campo de futebol (improvisado) do quartel, antes da maldita mina A/P o ter mandado para Lisboa, para o HMP... É hoje DFA. Recorde-se, por outro lado, que a ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas comemora este ano o seu 40º aniversário.


 Fotos (e legendas): © José Maria Claro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]



1. O nosso grã tabanqueiro José Maria Claro foi soldado radiotelegrafista de engenharia, da CCAÇ 2464 / BCAÇ 2861, esteve em Biambe, setor de Bula, em 1969...

Foi curta a sua estadia no  TO da Guiné. Vitimado por uma mina antipessoal, que lhe causou a perda de um dos membros inferiores.  foi evacuado para a Metrópole, para o Hospital Militar Principa (HMP), em Lisboa. (*) 


.2. Comentário do nosso camarada Francisco Baptista [,ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]


Amigo e camarada José Maria Claro,  salta à vista a alegria com que te moves e te divertes, só tu ou com outros camaradas,  antes da maldita mina te ter roubado uma perna.

A tua última fotografia [, no HMP, em Lisboa,] depois de toda a sequência anterior,  é de um homem corajoso que não está disposto a desistir de viver seja qual for a contrariedade. O que nos ensinas é que a vida é um caminho a percorrer sejam quais forem as dificuldades do percurso.

O teu poste fotográfico diz mais do que mil palavras. (**)

Muita saúde e felicidades que bem mereces e muito obrigado pela lição de optimismo que me deste.

Um abraço. Francisco Baptista

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Notas do editor:


(*) 25 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15411: Memória dos lugares (323): Biambe em 1969, fotos de José Maria Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ 2464


(**) Último poste da série > 8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15220: Fotos à procura de... uma legenda (64): visita do gen Arnaldo Schulz e do brig Reimão Nogueira a Porto Gole, em fevereiro de 1967... O insólito: (i) duas caixas de cerveja (Cristal e Sagres) no banco traseiro do helicóptero; (ii) um comandante-chefe, de máquina fotográfica a tiracolo, com ar de turista...

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15411: Memória dos lugares (323): Biambe em 1969, fotos de José Maria Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ 2464

 

1. Fotos enviadas ao Blogue pelo nosso camarada José Maria Claro, DFA, (ex-Soldado Radiotelegrafista de Engenharia da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe, 1969) referentes à sua curta estadia na Guiné. 
Lembremos que o José foi evacuado para a Metrópole por ter sido vitimado por uma mina antipessoal, que lhe causou a perda de um dos membros inferiores. Vd. última foto.



Biambe, 1969 - À entrada da Tabanca

Na fonte do Biambe

Biambe, 1969 - No campo de futebol

Biambe, 1969 - Com camaradas

Biambe, 1969 - Junto à pista dos aviões

Na parada do Biambe

 Biambe, 1969 - Com um camarada do rolo de peso


Biambe, 1969 - Com o Xico

Biambe, 1969 - Na bananeira

Biambe, 1969 - A ler a correspondência

Biambe, 1969 - Ao "telemóvel"

Biambe, 1969 - Na parada com o portátil

Parada do Biambe

No HMP de Lisboa (Claro, o segundo a partir da esquerda)
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 11 de setembro de 2014 Guiné 63/74 - P13601: Tabanca Grande (444): José Maria Pinto Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista de Eng.ª da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861 (Biambe, 1969)

Último poste da série de 11 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15233: Memória dos lugares (322): Porto Gole: mulheres balantas apanhando "cacri", na bolanha, junto ao rio Geba. O "cacri" (espécie de bocas) era, também para nós, um petisco saboroso que acompanhávamos com a célebre cerveja São Jorge (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, 1966/68)

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13624: Estórias avulsas (79): A melhor coisa que me poderia acontecer, uma viagem sem pressa que até parecia que estava no país das maravilhas (José Maria Claro)

1. Mensagem do nosso camarada José Maria Claro, DFA, (ex-Soldado Radiotelegrafista de Engenharia da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe, 1969), com data de 15 de Setembro de 2014:

Caro camarada
Segue em anexo mais uma pequena memória bem como mais algumas fotos.

Cumprimentos
José Claro


Depois de ter sido capa de jornal do Diário Popular do dia 6 de Maio (Segunda-feira) na entrada da porta de armas do Campo de Tiro da Serra da Carregueira, foi constituído o pelotão dos tipógrafos e fotógrafos que tinham por destino o RT1 no Porto (foto que apresento nas aulas de morse).
Daí, feito o curso, ida para BC10 (Chaves), que foi uma das melhores e mais bonitas viagens que fiz em toda a minha vida (até aí).

 Nas aulas de Morse

Estive recentemente na Régua e andei a bisbilhotar se via a linha estreita que ia para Chaves(*) (não a encontrei, para me recordar), pois foi a melhor coisa que me poderia acontecer, uma viagem sem pressa que até parecia que estava no país das maravilhas.

Rio Corgo - 1978 (Rui Morais)

Uma paisagem de sonhos numa linha que fazia que tudo abanasse, com o andamento lento das carruagens, uma linha cheia de curvas, altos e baixos curvas e contracurvas, vales profundos e serras enormes. As pessoas que já a conheciam saltavam das carruagens em andamento e daí a um bocado o comboio passava junto à via no outro lado e apanhavam outra vez o comboio, foi uma viagem de sonhos, com maravilhosas e lindas paisagens.

Sem outro assunto aqui envio mais umas fotos, como me pediste, mas vê se têm interesse, se vires que não têm não vale a pena repetir.

Mais não digo.
Do amigo Claro

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Nota do editor:
(*) A Linha de comboio a que o camarada Claro se refere é a Linha do Corgo que ligava a Régua a Vila Real.
Aceder a Movimento Cívico pelo Linha do Corgo - MCLC
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12967: Estórias avulsas (78): O meu amigo cigano Zé Beiroto (Francisco Baptista)

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13612: (Ex)citações (237): Li a versão do António Nobre onde está referenciado o meu acidente. Não havia ninguém até agora que se tivesse lembrado de mim (José Maria Claro)

1. Mensagem do nosso camarada José Maria Pinto Claro(1), Deficiente das Forças Armadas (ex-Soldado Radiotelegrafista de Engenharia da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe, 1969), com data de 10 de Setembro de 2014:

Boa tarde camaradas
No decorrer do Post colocado pelo camarada António Nobre (2), reuni alguns dados e fotos que seguem em anexo.
Disponham das informações e fotos que considerem relevantes.

Um abraço
José Claro


Claro, o Radiotelegrafista

Camaradas de Guerra 
BCAÇ 2464/BCAÇ 2861:
Biambe 1969

Ao camarada António Nobre

Camarada,
Sou o radiotelegrafista Claro que no dia 7 de Abril de 1969 foi ferido com gravidade ficando com amputação da perna esquerda, no rebentamento de uma mina antipessoal.

Amigo, por curiosidade estive a ver e a ler situações referentes à Guerra na Guiné e li a tua versão onde referenciaste o meu acidente, pois até este dia não havia ninguém que se lembrasse do Claro, por isso, meu amigo, um muito obrigado, por me fazeres chorar.

Amigo, como deves saber, eu fui formar e completar a companhia tudo à pressa e neste caso não tive convivência nem grandes amizades convosco, tinha sempre muito trabalho de rádio. Ninguém sabia o que eu passava, estava de 2 em 2 horas no rádio, noite e dia, dormia de 2 em 2 horas, nem tinha tempo de jogar umas cartadas.
Por isso te digo, ninguém da companhia sabia que em todas as operações que tivemos e que aparecia a Força Aérea, era sempre a meu pedido, nunca por ordens superiores, e não nos demos mal Graças a Deus. As preocupações que tive por não termos rádios operacionais, com avarias por vários dias enquanto todos dormiam… E às 3 da madrugada agarrei-me ao portátil e vim para o meio da parada fazer alto sarrabulho, que até acordei o Pratas, a pedir auxílio, também correu bem.

No levantamento de rancho, a meu pedido, também correu bem, pois como sabíamos para o soldado era, ao almoço, bianda com duas rodelas de chouriço e ao jantar, duas rodelas de chouriço com bianda, e se cheirava bem para os lados dos nossos queridos oficiais, até cabrito assado com batatinhas faziam…

Tive várias ocasiões em que a minha intervenção foi crucial, como aquela da saída dos pelotões em que intervieram os T6 e o capitão Pratas indicou--me que a situação da coluna se encontrava a Norte e os aviões lá foram. Não era para Norte, era para Sul que a coluna se encontrava. Tentei contacto com os T6, indiquei-lhes a rota correcta com panos reflectores no chão em forma de seta. Resultou.

A emboscada que tivemos na bolanha com a nossa companhia e outra posicionada no lado esquerdo em que pedi auxílio à FA pela outra companhia não ter transmissões apropriadas para a situação e terem feridos e apareceu o FIAT, correu tudo bem.

Os arranjos nos rádios, porque o furriel não percebia nada daquilo, ou não se estava para ralar, enfim, etc. etc. etc., era eu que os fazia.

Amigo e camarada, estou a desabafar para contigo e estou com a lágrima no canto do olho, porque os camaradas não sabem o que os RTs têm na memória, e digo-te que todos os RTs, estejam onde estiverem sabem, por informações dadas por todos os outros RTs as situações presentes.

Dia 7 de Abril, dia trágico para mim, depois de estar 2 horas de serviço no rádio fui tentar adormecer. Ao fim de meia hora acordaram-me para que fosse formar a coluna para sair, mas voltei a adormecer. Daí a mais meia hora voltaram a acordar-me e disseram que o pelotão já estava à minha espera há uma hora, até parecia que não havia mais operadores.

Até este dia protegi os meus camaradas, pedindo auxílios via FA e outros, e neste dia, até pedi a minha própria evacuação, com a consternação de todos os colegas de curso de Radiotelegrafista de Engenharia, posicionados nos postos do nosso Sector.

O Claro
Radiotelegrafista de Engenharia.
Soldado RT


Biambe, 1969

Biambe, 1969

Biambe, 1969

No HMP de Lisboa
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Notas do editor

(1) Vd. poste de 11 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13601: Tabanca Grande (444): José Maria Pinto Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista de Eng.ª da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861 (Biambe, 1969)

(2) Vd. poste de 4 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9853: Breve historial da CCAÇ 2464 / BCAÇ 2861 que esteve em Biambe, Encheia, Buba, Nhala e Binar (António Nobre)

Último poste da série de 9 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13381: (Ex)citações (236): O horror e a beleza: Buba, meados de 1971 [ Francisco Baptista, mil inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]