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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27196: Manuscrito(s) (Luís Graça) (272). Erguemos a taça à tua, / Que a saúde está primeiro, / Sete sete é capicua, / Viva o nosso Zé Carneiro!


Marco de Canveses > Candoz > s/d > José Ferreira Carneiro, nascido em 8 de setembro de 1948, dia da festa de Nossa Senhora do Castelinho,  na quinta de Candoz, Paredes de pedra, Marco de Canaveses. Entre Douro e Minho, Portugal. Produtor-engarrafador de vinho verde.  Membro da Tabanca de Candoz... 



Lourinhã > Praia da Areia Branca > 18 de agosto de 2025 > O Zé na festa de aniversário da mana Chita (que fez 80). São agora os manos mais novos da família Ferreira Carneiro,



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Quinta de Candoz > 1 de setembro de 2025 > O Zé é um dos trabalhadores da "vinha do Senhor"... A 13 é já a primeira vindima. Claro que ele vai cá estar, mas só para super...visionar.



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Quinta de Candoz > 1 de setembro de 2025 > Rio Douro, a albufeira da barragem do Carrapatelo, Porto Antigo, serra de Montemuro, já no distrito de Viseu...

Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




É o nosso mano querido, José Ferreira Carneiro, o nosso Zé, 
faz anos hoje, 8 de setembro,
 77 anos, uma capicua. 

Nasceu em 1948, na festa da Senhora do Castelinho (padroeira da cidade, hoje é feriado no Marco).
Tem um filho, Pedro, e um neto, Diogo.  
A primeira esposa morreu, cedo, 
Carmen, mãe do Pedro. 

Voltou a casar, agora com a Teresa Mesquita.
Vive com ela (e a sogra, a Dona Olinda, e o enteado Luís) em Matosinhos.
São Mamede de Infesta, Padrão da Légua.

Trabalhou nos seguros. 
Está agora reformado. 
Também foi técnico de gás, como trabalhador independente. 
É um jeitosinho, um homem dos sete ofícios.
Ainda aprendeu, com o pai, a arte de ramadeiro.
Mas não ficou na terra, 
o apelo da cidade, a Invita, o Porto, era maior.
Lá podia estudar e fazer-se homem.
Hoje já tem Gmail, 
como qualquer português que se preze.
Mas não faz parte da Tabanca Grande,
até porque não esteve na Guiné.

Foi às sortes,  fez a tropa.
Foi parar ao Norte de Angola, em 1970/72, 
como 1º cabo de transmissões, 
numa companhia mista, de metropolitanos e angolanos. 

Não fala da guerra colonial. 
Não fala com emoção. 
Passou, passou, o tempo da tropa e da guerra.

Gostou de Camabatela e de Luanda. 
Andou na região do café, com a sua companhia 
a guardar as costas dos grandes fazendeiros do café. Se

O que ele mais adora é vir trabalhar na Quinta de Candoz, 
onde nasceu.
Duas vezes por semana.
Trabalhar é limpar bordas,
é podar videiras,
é sulfatar,
é aparar carvalhos e castanheiros,
é sachar, é cavar, 
é tratar da horta, dos tomates aos pimentos,
é regar,
é rachar lenha,
é abrir buracos,
é limpar as minas,
é manter o sistema de rega,
é fazer o vinho,
é cuidar das cubas de inox,
é engarrafar,
é pôr, com muito carinho, o rótulo "Nita" nas garrafas...
é tudo isto e mais outras mil e uma coisas,
que ele não é de home de capinar sentado.
E é legalmente o produtor-engarrafador do nosso vinho "Nita".


Adora os manos (Tó e Manel, mais velhos,
o Tó, o "brasileiro", DAF - Deficiente das Forças Armadas),
e as manas, Rosa (a mais velha), Chita e Nita (que já faleceu). 
Ele é o mais novo de seis.  
O caçula.
É trabalhador, é leal, é alegre, é efusivo, é generoso. 
Tem às vezes azar com o "esqueleto". 
É "accident-prone", 
propenso a videntes...
Já foi operado à coluna. 
Devia ter mais cuidado com os trabalhos pesados... 
Mas é um "mouro de trabalho". 
Não pode estar parado. 
Anda agora com um colete, porque partiu uma vértebra. 
Estar parado não é com ele. 
Está infeliz porque agora vão ser as vindimas, 
e o médico não o deixa fazer disparates. 
Os mais novos que trabalhem, resigna-se ele.
Daqui as duas semanas estará pronto para outra. 

Fizemos  umas quadras, uns versinhos. 
De parabéns. 
Que ele bem precisa,  para levantar o ânimo. 
E bem merece. 
Afinal, ele é o melhor de todos nós.
 
Aqui vai, com todo o carinho, umas quadras para o nosso Zé,
que tem direito a festa, alegria, rancho melhorado
... e ânimo no dia dos seus 77 anos 
(para mais,   uma capicua!):


José Ferreira Carneiro,
setenta e sete a contar,
és mano, és companheiro,
sempre pronto a ajudar.

Na guerra foste valente,
calhou-te Camabatela,
nunca estiveste doente,
nem lá partiste a costela.

Homem bom, leal e forte,
não querias ser lavrador,
não te podes queixar da sorte,
tens família, tens amor.

Rebento da melhor casta,
dos Ferreira e Carneiro,
um dia passas a pasta
ao teu Pedro, "engenheiro".
 
Agora estás no estaleiro,
com o colete a apertar,
logo voltas ao terreiro,
ainda há muito p'ra vindimar.

Responde, contente, o Zé,
com o seu jeito brincalhão:
“Hei de morrer de  pé,
sou um mouro dum c*brão!"

Mouro só a trabalhar,
que no resto é azul e branco,
passa o tempo a chorar
por andar agora manco.

"Com a vindima mesmo à porta, 
e eu não me posso agaitchar,
com esta coluna torta,
nada faço, nem cantar."

Ao médico, obedece,
não nasceste p´ra morrer,
nada de freima ou stresse,
quem trabalha quer  viver.

Esta idade ninguém ta dá,
nem com brancas no cabelo,
sê feliz, agora e já,
sê Carneiro, e não... Camelo!

Erguemos a taça à tua,
que a saúde está primeiro,
sete sete é capicua,
viva o nosso Zé Carneiro!
 
 
Brinde:

Setenta e sete anos,
 uma vida cheia de trabalho, de generosidade e de amor.
De amor  à  sua família, 
e à nossa família alargada, de Candoz.

É o mais novo dos nossos manos,
mas sempre foi um exemplo de força, de alegria e de companheirismo.

Mesmo quando a saúde lhe prega partidas, 
nunca perde o sorriso  nem a vontade de ajudar.
Por isso, ao Zé e aos manos, 
mas também  ao Pedro, ao Diogo, à Teresa, à Dona Olinda, 
e a todos nós, aqui presentes,   levantemos  o copo!...

Ao nosso Zém afinal, não falta nada:
tem anos, tem família, tem alegria… 
só às vezes lhe falta juízo, 
porque o médico mandou-o descansar, por quatro semanas,
e ele já quer é ir para vindimas!

Brindemos a ele, 
que descanse muito por agora, 
que recupere a saúde, 
que beba um copo do nosso vinho
 e que dure... pelo menos até aos aos cem!

 Viva o nosso Zé!

Candoz e Matosinhos, 8 de setembro de 2025, Alice e Luís
 
________________

Nota do editor LG:

domingo, 7 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27193: No céu não há disto: Comes & bebes; sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (48): Jaquinzinhos da "arte xávega" da Praia da Vieira, azeitonas, arrozinho de tomate, pão, e vinho... Um home mata a sua fome e a sua sede...

 


Foto nº 1 > Lourinhã > Chez Alice > 28 de agosto de 2025 > Jaquinzinhos fritos. Vieram da Praia da Vieira. Captura: pesca artesanal, arte xávega...Um produto cada mais vez "gourmet", isto é, só para os ricos... Estavam há dias na praça da Lourinhã a 24 euros o quilo. Estes foi a minha "vizinha francesa", Odette,  que os trouxe da Praia da Vieira, Marinha Grande... Fizemos, lá em casa, um almoço luso-francês..


Foto nº  2 > Lourinhã > Chez Alice > 28 de agosto de 2025 >  Um "arrozinho de tpmate"... Diz a "chef": em havendo tomate, toda a cozinheira é boa...Ou como diz o ditado, "em época de tomates, não há maus cozinheiros!"...




Foto nº  3 > Lourinhã > Chez Alice > 28 de agosto de 2025 >  Em havendo azeitonas...


Foto nº  4 > Lourinhã > Chez Alice > 28 de agosto de 2025 > ... em havenod m queijinho fresco (de preferência, de cabra, ou melhor ainda, um  requeijão de Serpa (cada ada vez mais raro, que os cabrões não dão leite)...



Foto nº  5 > Lourinhã > Chez Alice > 28 de agosto de 2025 > ... em havendo um pepino, cortado aos pedaços, com sal e orégãos... 

Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mais o pão, o azeite, o tintol... um home mata a sua fome e a sua sede... Que a viagem para a "outra banda" é (in)certa, longa e dura... Os antigos egitos levavam com eles as necessárias virtualhas...

E sobretudo é uma viagem que não tem retorno. Por isso dizemos que é a última. A despedida da Terra da Alegria, Um home tem que se aviar em terra, antes de se meter a caminho pelo mar dentro da eternidade. O mar é e será sempre o apelo da sereia. A miragem. O adamastor. A negrura. A aventura. A liberdade.  A saudade. O fio de Ariadne. O mar onde a gente se perde. De vez.

Ainda anteontem, sexta, fui a Amarante ver uma exposição sobre o escritor amarantino, Teixeira de Pascoais (1877-1952). Talvez tão injustamente esquecido. O nosso poeta-filósofo da saudade.  Não sei se ele gostava de janquizinhos. Não é coisa que haja no rio Tâmega. Sei que era vitivinicultor. Da Casa Gatão. Um vinho verde que chegava à Guiné no meu tempo. Lá não havia janquizinhos. Nem choco frito. Nem enguias fritas ou de ensopado. Nem massada de navalheiras. Nem arroz de lavangante. à moda do "chef" Chico Mateus. E da gente da terra da minha bisav´´o, a Ti Augusta Maçariça. Tudo coisas de que vou sentir falta quando morrer. Saudades, muitas. No céu não há disto...

Sim, no céu não há disto. Também é verdade que me esforcei pouco para merecer o céu. Talvez aprenda a lição quando voltar para viver a minha segunda vida. Quando voltarmos. Acho que mereço uma segunda oportunidade.Está a ouvir, ó "vagomestre" ?!... Eu e os meus camaradas da Guiné...  Oiu talvez náo, dirão os meus inimigos. Os nosos inimigos. 

Que tenham um bom resto de verão, os "vagomestres" da Tabanca Grande!.. Para  semana temos as vindimas. Há menos uvas do que o ano passado. Coisa de uma pipa, diz o "engenheiro". Mas a qualidade parece ser ótima. A tia Nita vai velando por nós. É o nosso bom irã.

2. As azeitonas, o pão, o vinho... estão no nosso imaginário. Só os portugueses, "petisqueiros",  comem azeitonas, dizem os italianos. O nosso hábito de comer azeitonas curtidas (ou temperadas, nuns sítios com orégãos, noutras com laranja, ) como entrada, petisco ou acompanhamento,  é muito antigo e está muito enraizado na cultura popular, de Norte a Sul..  Servem-se em tabernas, casas de pasto, restaurantes e em casa, antes da refeição, com pão e vinho.

A Itália tem muita oliveira, produz muitas variedades de azeitona (para azeite e mesa), mas não há tanto o  hábito de comer azeitionas, com pão e vinho,  em casa ou servidas no prato antes da refeição. O uso é mais "culinário" (na "pizza", por exemplo).

E a propósito de pão, lembro-me sempre de uma das quadras mais célebres do "marafado" do António Aleixo: “O pão que sobra à riqueza, /distribuído pela razão, /matava a fome à pobreza /e ainda sobrava pão.”

E já que estamos em maré de provérbios populares, fiquem com mais estes:

  • "Com pão e vinho se anda o caminho"...  (leia-se:  o essencial da vida está nestes dois alimentos; dão sustento e energia.
  • "Pão com azeite e vinho, fazem bom vizinho"... (leia-se: partilhar comida simples fortalece laços comunitários, de amizade e bioa vizinhança).
  • "Onde entra o vinho e o pão, pouca coisa falta não"... (leia-se:  se há o básico, não falta quase nada para viver; ou como diza o velho Zé Carneiro, em Candoz: "cá em casa nunca faltou o pão e o vinho"...)

quinta-feira, 27 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26623: No céu não há disto: Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (47): Um prato duriense, que se comia na Quaresma, "sável frito com açorda de ovas" (e que vai bem com o "Nita", da Quinta de Candoz, um DOC verde, branco, colheita selecionada, 2023, diz a "Chef" Alice)




Alfragide > 23 de março de 2025 > Um prato duriense, "sável frito com açorda de ovos", que vai bem com o "Nita", branco, verde, da Quinta de Candoz, colheita selecionada (2023)... A sugestão é da "Chef" Alice...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Caros leitores: dou conta que desde maio do ano passado que não têm aparecido no blogue as tradicionais sugestões gastronómicas dos nossos vagomestres (*)...

 E, a propósito, por onde é que eles andam ? Há tempos pusemos um anúncio: "Vagomestres, precisam-se!"... Só apareceu um, o Aníbal José da Silva (**)...

Mas todos os dias a malta  tem de comer, mal ou bem... Nas nossas "messes" e "ranchos"... Cada vez pior, diz o povo...E ele há coisas que vão desaparecendo das nossas mesas: caça, peixe, marisco, vitela, queijo e requeijão de Serpa... Quem é que lhe chega ? 

O vagomestre, com a pandemia de Covid-19, habituou-se aos enlatados: atum com grão de bico, cavalas em óleo de girassol,  sardinha em óleo picante com pickles, etc. E aos congelados... 

Mas, feitas as contas ao quilo, até o raio das conservas de peixe estão pela hora da morte... E até os petiscos dos pobres passaram para o cardápio dos ricos, do bacalhau ao polvo, do berbigão à sapateira, do sável à lampreia...

 Será que ainda se fazem as "iscas com elas" ?  E ainda há quem faça "tomates de carneiro com ovos mexidos" ?...

O que desapareceu, do nosso tempo, foram também as tascas, com serradura no chão e pipos de tinto carrascão na parede, mesas de tampo de mármore e mochos de madeira em vez de cadeiras de plástico...

Mas estamos numa época boa para certos "petiscos" como as favas suadas, as casulas com butelo ou o sável frito com acorda de ovas... Foi o que a nossa "chef" Alice fez para celebrar os dois mesinhos da segunda neta, a Rosinha (nascida a 23 de janeiro)... Dizem os comensaios que foi comer e chorar por mais (o sável foi generoso, tinha dois quilos e meio e trazia as ovas...). 

Era um "prato" que se comia à mesa dos pobres, na Quaresma, por várias razões que se podem enumerar pelos dedos:

  • era a altura do sável (e da lampreia) subir o rio Douro para desovar (ainda não havia barragens); 
  • os pobres não compravam a bu(r)la ao senhor abade;
  • os "rendeiros" não podiam comer carne mas precisavam de proteína para trabalhar os socalcos do seu "senhor e amo";
  • o sável vendia-se de porta em porta, uma fiada enorme de peixe enfiado num longo varapau às costas do pescador de rio; 
  • tinha muitas espinhas, era preciso engenho, arte e paciência para o saber cortar fininho e fritá-lo em azeite...

Ele há coisas que não há no céu... E que não têm preço. E que, por isso, não passam pelo estreito dos bilionários... E uma delas é, para além do "cebolinho do talho",  seguramente a açorda de ovas com sável frito, com um toque muito especial do alho e do coentro (que era do Sul, dos ganhões, e que por isso não ia à mesa do rei)... 

Tudo à moda da "Chef" Alice, segundo uma receita antiga da família da Quinta de Candoz, que ainda é do tempo do extinto concelho de Bem Viver e das pesqueiras do rio Douro que tinham foral do senhor Dom Manuel , o Venturoso.

_________________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 13 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25517: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (46): Viva o po(l)vo... da Lourinhã!

(**) Vd. poste de 18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26259: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte IV: Um dos santuários do PAIGC (1966-1972)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Madina do Cantanhez, perto da "barraca" (acampamento) Osvaldo Vieira (que eu visitei em 2 de março de 2008) > 10 de Dezembro de 2009 > 7h32 >  A silhueta de um "dari" (chimpanzé) descendo uma árvore ... 

Este grande símio (o mais aparentado, do ponto de vista genético, ao ser humano) é muito difícil de observar e fotografar... Contrariamente a outros primatas que existem no Parque, ainda com relativa abundância como o macaco fidalgo ("fatango", em crioulo). O Cantanhez ainda era, em 2009, uma das últimas florestas primárias do planeta. É imperioso que os guineenses e todos nós as saibamos proteger e salvar. O João Graça que esteve cinco dias como médico, voluntário,  em Iemberém (a nossa antiga "Jemberém"), teve o privilégio de observar "in loco"  um chimpanzé do Cantanhez (depois de se levantar muito cedo e caminhar um bom par de horas, com um guia). Outro habitat do "dari é o Boé (agora ameaçado com a prospeção e eventual exploração da bauxite, entregue a uma empresa chinesa).

Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Farim do Cantanhez > 9 de Dezembro de 2009 > 17h06 >  Resto de mangas de um ou mais "daris"...

Com mais de 100 mil hectares (mil quilómetros quadrados), este parque é muito importante, segundo o IBAP - Instituto da Biodiversidade e das Areas Protegidas, com sede em Bissau:

"Grande diversidade da fauna e da flora com a existência de várias florestas húmidas onde se destacam sobretudo as essências raras e únicas, tais como: copaifera, salicaunda, 'pau' miseria, mampataz, 'pau' de veludo, tagarra, faroba de 'lala' e outras. Ainda alberga diferentes espécies de fauna (elefante, búfalo, baca branco, sim-sim, chimpanzé, macaco fidalgo, porco de mato), entre outros: é reconhecido por WCMC como um dos 9 sitios importantes do ponto do vista da bioiversidade. Cantanhez é igualmente uma das 200 eco-regiões mais importantes do mundo identificadas pela WWF."

Fotos (e legendas): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Península de Cubucaré / Cantanhez > Carta de Cacine (1960) (Escala 1/50 mil)  > Durante 6 anos, de 1966 a finais de 1972, o Cantanhez foi um "santuário" do PAIGC. O único destacamento das NT era Cabedu (parte do setor S3, Catió) (e Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine). Depois da Op Grande Empresa (dez 72 / jun 73), vão ser instalados aquartelamentos das NT em Jemberém, Cafine, Cafal, Cadique, e outros (que este excerto do mapa não mostra, como Caboxanque, Chugué e Combumba)  (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


1. Antes da Op Grande Empresa (*), houve outras operações de envergadura, com tropas terrestres, marinha e força aérea... Mas a verdade é que o PAIGC encontrou na península de Cubucaré condições ideais para construir um dos seus santuários, no interior da Guiné... 

Sabemos que a reivindiação de 2/3 de áreas libertadas foi sempre "show-off" do Amílcar Cabral para impressionar os seus financiadores externos e fornecedores de armas, bem como reforçar a "moral" da sua tropa, militantes e simpatizantes... Nunca correspondeu à verdade... Não havia recanto da Guiné onde a tropa portuguesa não pudesse chegar, com maior ou menor dificuldade... 

Isso não nos impede de reconhecer, também por mor da verdade, que  o Cantanhez , o Oio e o Boé foram três santuários do PAIGC: o primeiro , de 1966 a 1972, o segundo, durante toda a guerra, o terceiro. depois do abandono de Béli,  Madina do Boé e Cheche, em 6 de fevereiro de 1969... 

Mas a população que lá podia viver no Cantanhez era, afinal,relativamente  escassa: no final da Op Grande Empresa, as NT  conseguiram recuperar não mais do que 3,5 mil habitantes, sobretudo  mulheres, velhos e crianças, que foram "reordenadas"...

No ReI Ac Psic n° 4/72 (citado, pela CECA, 2015, pág. 186), e no que diz respeioto à "População", escreve-se:

(...) "O aspeto mais significativo no período foi a recuperação de cerca de 3.500 elementos da população balanta em Caboxanque e Cadique que após a implantação das NT naqueles locais, franca e abertamente, se acolheram à nossa proteção, colaborando na construção dos aldeamentos locais imediatamente iniciados.

"Esta atitude, manifestada por uma população há anos sob controlo IN, para além de revelar um fraco índice de contaminação subversiva, confirma o quadro de desequilíbrio psicológico a nosso favor vindo há muito manifestar-se pela generalidade da população controlada pelo inimigo em consequência dum cansaço de guerra, pesadas exigências do Partido e precárias condições da vida no 'mato'. " (...)

Onde estavam, afinal,  os  trezentos e tal mil habitantes  da Guiné, que o PAIGC controlaria nos tais 2/3 do "território libertado" ? 

Na altura,em 1970,  a Guiné tinha c. de 595 mil   habitantes; na melhor das hipóteses, o PAIGC controlava, direta ou indiretamente,  dentro e fora do território, 15% a 20% da população, incluindo a população refugiada dos dois países vizinhos, o Senegal e a Guiné-Conacri.

Recorde-se aqui os números apurados pelo jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues,  em meados de 1972, aquando da sua visita à Guiné em missão de reportagem, a convite pessoal de Spinola:

(i) "Bissau afirma controlar 487 448 habitantes (foram os que se deixaram recensear em 1970)",

(ii)  "mantendo-se outros 27 174 em 'zonas de duplo controle' ".

(iii) "no Senegal vivem 60 000 refugiados, e na Guiné (Conacri) 20 000, segundo informa o Comando-Chefe, apoiando-se em  dados da Comissão de Refugiados da ONU";

(iv) "a ser assim, 89,5 por cento dos guinéus viveriam no interior do TO (teatro de operações) e 82 por cento do total estariam sob controle português."

(v) "numa população que em 1970 era de 594 622 habitantes";

(vi) "os dois mil combatentes que (...) actuam dentro das fronteiras, manobram a partir das 'zonas sob duplo controle' (...), situadas ao longo do corredor florestal e particularmente nas proximidades de Bissorã / Mansabá / Canjambari, confluência do Geba/Corubal, e sobretudo na zona ao sul do rio Buba, à volta de Catió".

(vii) "outra zona 'quente' situa-se perto do Cacheu, junto ao rio do mesmo nome, alastrando pelas florestas ao norte do Bachile e do Pelundo";

(viii) "calculam-.se em 7 000 os combatentes do PAIGC atuando a partir de 25 bases da fronteira senegalesa e de 8 da República da Guiné, incluindo aqueles que se encontram dentro do TO" (**)


2.Reveja-se, aqui, em síntese, o que foi, no sector Sul 3 (S3), a Op Safari, em 3 e 4 de janeiro de 1966:
 
(...) "Teve como finalidade, aniquilar e destruir os grupos inimigos e as suas instalações localizadas nas regiões do Cantanhez, entre os rios Ualche e Macobum, particularmente as de Calaque, Cafine e Cafal. 

"Executaram a operação forças da CCaç 728, 763(-), 1423, 1424 e 1427(-), CPara, 4 DFE, 5° e 6° Pel / BAC (4 obuses), com apoio aéreo e apoio naval.

"As NT atacaram a 'Base Central', a sul do cruzamento de Cafal, tendo-a destruído.

Em Missida Jauiá foi assaltado um acampamento; o lN sofreu 1 morto e 1 prisioneiro, tendo-lhe sido apreendidas I metralhadora pesada e outra ligeira, 1 espingarda, 1 carabina e 1 pistola metralhadora, além de outras baixas não confirmadas. Foi apreendida documentação diversa. Foram destruídas grandes quantidades de arroz e de gado.

"As NT sofreram 4 mortos e 14 feridos."

 Comentário à Op Safira (Fonte: Relatório de Comando do CTIG n'º 1/66, pp. 109-110):.

(...) "Ressalta no período, pela sua importância, quanto a efetivos empenhados, meios de apoio de fogos, apoio aéreo e naval, pela duração e pelo prazo e, especialmente, pelo valor atribuído ao lN na zona de ação escolhida, a operação 'Safari'.

O Cantanhez é uma área de densa arborização e difícil acesso às NT, onde o lN mantém uma liberdade de ação quase absoluta, sofrendo apenas esporádicas ações de flagelações da FA, Artilharia e de curtas incursões por elementos combatentes.

"A Op Safari teve o condão de levar a essa área importantes efectivos das NT, que percorreram distâncias apreciáveis, causando ao lN baixas e danos materiais que não estão, ainda hoje, avaliados. As NT permaneceram na zona de ação durante a noite de 4/5 de janeiro, período que era considerado crítico, sem que o lN tivesse comprometido a sua segurança. 

"Desta operação colheram-se bons ensinamentos para futuras ações na mesma área e verificou-se a viabilidade de ali se levarem a efeito ações de desgaste do lN. "(...)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pp.  387/388 (Negritos nossos) (Com a devida vénia...).


3. Da leitura do livro da CECA,  6.º Volume (Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa, 2015), abrangendo o período de 1967 a 1970, vai-se percebendo que para o então Com-Chefe, gen Schulz, o Cantanhez é um osso duro de roer e não há condições para uma grande contra-ofensiva das NT... Vem o Spínola, em meados de 1968, e só quatro anos e meio depois (!), é que é possível planear e executar a Op Grande Empresa.

Temos de recuar no tempo, ao princípio da luta armada  (ou início da subversão, como diziam as autoridades portuguesas) para perceber por que razão só muito tardiamente as NT conseguiram pôr algumas bandeirinhas no mapa do Cantanhez: Jemberém, Cafine,Cafal,Cadique, Caboxanque, Chugué e Cobumba...


Vídeo nº 1  (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. 

Alojado em: You Tube >Nhabijoes



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (*) > 


Neste vídeo (nº 1), um dos homens grandes da região conta como foram "os primórdios da luta"...  Era de etnia nalu, a  "dona  do chão". Chamava-se 
Mussá Camará  (e irá morrer uns meses mais tarde).

Entrou no mato, como ele diz, logo em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir ao PAIGC. 

Estava convencido que a designação deste acampamento ("Osvaldo Vieira") não tinha nada a ver com a verdade fática, histórica, que seria apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (não de todo consensual...) do PAIGC, cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional.. Mas não, o  Osvaldo Vieira atuou no Oio (Frente norte), mas também ao que parece no Cantanhez (Frente sul). 

Abramos aqui um parênteses, para dizer que já em 2008 eu tinha dúvidas (eu e outros participantes portugueses no Simpósio) sobre o seu papel no complô contra Amílcar Cabral de que resultara o seu miserável assassinato em 20 de janeiro de 1973.  Osvaldo Vieira e o executante do crime, o Inocência Cani,  eram próximos e críticos do líder histórico e da tese da unidade Guiné-Cabo Verde. Mesmo assim foi dado o seu nome ao Aeroporto Internacional de Bissau. Também tinha relações de parentesco com 'Nino' Vieira. De qualquer modo, repousam lado a lado no panteão nacional, ele e o Cabral, o " pai da Pátria".

Mas voltando ao vídeo (nº 1): o antigo guerrilheiro  fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o antigo guerrilheiro...

"Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"... 

E a narrativa continua: Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto.  Esse Cap Curto ficou com a fama de mandar cortar cabeças. .. No filme-documentário "As Duas Faces da Guerra", de Flora Gomes e Diana Andringa, um dos entrevistados, antigo combatente do PAIGC, também evoca esse  Cap Curto... A crer no depoimento do antigo guerrilheiro, o Cap Curto cortava as cabeça dos seus prisioneiros e, depois ia apresentá-las às mães das vítimas, nas suas tabancas... (o que nos parece macabro e fantasioso demais).

Enfim, não tive, no Cantanhez, oportunidade de confirmar esta história nem saber mais pormenores sobre eventuais métodos de trabalho sujo, resultantes da colaboração entre Exército, PIDE, polícia administrativa, etc., nos "anos de chumbo" que antecederam a guerra... 

Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, para falar deste e de doutros homens que, a ser verdade o que deles se contava,  não podem ser tomados como representativos do exército português, e muito menos dos militares portugueses que fizeram a guerra, entre 1963 e 1974... Mas é importante ouvir as diferentes narrativas da guerra, que ajudam a compor o "puzzle" das histórias de um lado e do outro...

Na mesma altura apareceu o 'Nino' Vieira. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça… (Esta história já parece bater certo com outras que temos ouvido da atução do cap José Curto, cmdt da  CCAÇ 153, e carrasco do comandante do PAIGC, Vitorino Costa, formada na academia chinesa de Nanquim.) 

Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… O 'Nino' ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o "Mão de Ferro", com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. 

“Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze atuais matos do Canhanez)…


 

Vídeo nº 2 (0' 55''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijões


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (*) 


"Cabral fala sábi"...A memória de Cabral (que, dizem, conheceu bem a região de Tombali, como engenheiro agrónomo, antes de se ter tornado o fundador e o líder histórico do PAIGC) bem como as marcas da luta de guerrilha estão ainda bem vivas entre as mulheres e os homens do Cantanhez... Uma das mulheres, presentes nesta visita, canta uma das canções revolucionárias da época, dando vivas à Guiné e ao... Partido (vídeo nº 2).

 Mas será que alguma vez  elas o viram ao vivo  a a cores por estas paragens  durante a "guerra de libertação" ?  Duvido.  

Contrariamente ao ' Nino', o Cabral nunca foi um comandante no terreno, não era um "cabra-matcho"  como os guineenses gostavam. Era um bom teórico, estratega, político, diplomata ( e poderia ter sido um grande estadista, ou não ?)... Mas nunca foi um com-chefe, um general,  como o Spinola,  próximo dos seus homens no mato, na guerra.  


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guileje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (***) 

"A unidade foi a melhor arma nos momentos difíceis dos camaradas" - pode ler-se num pequeno monumento, tosco, de cimento, encimado pela estrela negra, erguido na antiga barraca da guerrilha, o acampamento "Osvaldo Vieira" (agora reconstituído)... 

Testemunho do passado, recado para o presente, pensa a Alice que, como muitos portugueses e portuguesas, não fazia a mínima ideia das reais condições do terreno (e do clima) onde se operava a guerrilha e a contra-guerrilha na Guiné.... São florestas-galeria onde mal entra o sol...

Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

O que pensarão estes miúdos ? Quais são os seus sonhos ? Para onde estão a olhar ? O que serão daqui a 15/20 anos ? O que sabem da luta pela independência, levada a cabo pelos seus avós ? Quem serão hoje os seus ídolos, os seus heróis ? E estas mulheres grandes ? Que recordações têm da luta armada ? E da dor, do sofrimento e da tragédia que foi toda aquela guerra estúpida e inútil ? Qual é a sua situação hoje, do ponto de vista social, económico e sanitário ? O que poderão ainda esperar do futuro ?

Foto nº 3 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje> Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Sabotagem ? Provocação ?... Não, é apenas uma camisola do craque do Manchester United e da Selecção Nacional de Futebol de Portugal, Cristiano Ronaldo, um "herói' do mundo global e mediatizado de hoje... 


Foto nº 4 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

À esquerda, o prof  Luís Moita  (1939-2023) e o Paulo Santiago seguem com atenção, desvelo e carinho, o inédito espectáculo de representação teatral que nos ofereceram, a todos, os antigos guerrilheiros e a população local do Cantanhez...

Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)


Um dos antigos "combatentes da liberdade da pátria", um antigo comandante,  explica, em crioulo (com tradução para português, feita pelo Pepito) como é que os guerrilheiros do PAIGC se apoiavam em (e articulavam com) a população local...

Com um brilhozinho nos olhos, fala das 3 fases da organização político-militar do PAIGG...  (Á esquerda, sentados, e de máquina fotográfica em punho, o Paulo Santiago e o Silvério Lobo.)


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

... Tem um papel, sabe ler...  Insiste em afirmar, perante os convidados estrangeiros, que aqui nunca se lutou com o povo português, mas sim contra o colonialismo de Salazar e de Caetano de acordo com a retórica do Partido.

Fotos nº 7 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Um verdadeira lição, ao vivo, de história, de antropologia, de ciência política, de arte da guerra, de gestão, de humor, de humanidade, de sobrevivência, de dignidade, de amizade, de esperança no futuro... 

Fotos nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Osvaldo Vieira, de origem cabo-verdiana,  foi dos que morreu justamente na reta final, a um mês do fim das hostilidades...   Os antigos guerrilheiros do Cantanhez também quiseram dar a esta 'barraca'  (acampamento temporário) o seu nome... 

Segundo me dirá o Manecas Santos outro lendário combatente do PAIGC, o homem dos Strela,  o Osvaldo nunca terá andado muito pelo sul... Fico na dúvida se o nosso homem esteve realmente aqui, neste sítio... Mas, para o caso, também não interessa. Os seus antigos camaradas tentaram, de maneira didática, simples, autêntica, reconstruir as condições em que se vivia e lutava durante os difíceis tempos da luta de libertação... (E tiveram que limpar aquele mato!)

Não sei se alguma vez foi identificado, atacado e destruído pelas NT este acampamento... Sabe-se que, desde 1966 até finais de 1972  as NT não ousaram penetrar, a pé, no coração do Cantanhez, com o claro objetivo da sua reocupação. No final do consulado de Spínola, aí sim, vai haver uma grande contra-ofensiva contra este santuário do PAIGC, a Op Grande Empresa.

O Pepito garantiu-me,  uns meses mais tarde, desfazendo as minhas dúvidas,, que  "o Osvaldo foi um combatente que viveu naquela 'barraca' (acampamento) e fez dela ponto de partida para numerosas acções de guerrilha".

Além disso, "as estórias dele naquele local são mais do que muitas, algumas até divertidas: quando lhe dava a sede, mandava um dos seus guerrilheiros comprar vinho no Quartel de Cacine. Uma vez o mesmo saboreado e estalada a língua de satisfação, recostava-se e dizia: ' 
Um dia ainda vamos chorar a partida dos portugueses, nunca mais beberemos bom vinho'  "… (Se calhar dizia "água de Lisboa", como os meus soldados, que não bebiam...)

Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Um grupo de antigos guerrilheiros encenaram a sua atuação no tempo da guerra... Ei-los aqui vestidos de caqui e gorro, e empenhando imitações de madeira da famigerada Kalashnikov... Pertenciam ao Exército, já na 3ª fase da luta...

Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Nalguns casos recorreu-se mesmo a restos de armas que ficaram por ali, como por exemplo o cano do temível LGFog RGP-7....


Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

O grande terror dos guerrilheiros e da população do Cantanhez não eram os paraquedistas, ou o helicanhão, mas sim os Fiat, os aviões a jacto da Força Aérea Portuguesa... O aparecimento dos mísseis terra-ar Strela vieram dar outra confiança e ânimo aos homens do PAIGC...

Foto nº  12 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

 O papel das mulheres na guerrilha foi aqui ilustrado, exemplificado, exaltado...

Foto nº  13 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

As mulheres do Cantanhez exemplificaram como cozinhavam no mato, sem fazer fumo, iludindo a observação aérea das NT... Os combatentes tinham apenas direito a uma refeição por dia... Ainda hoje será difícil comparar a sua à nossa fome... Nas unidades de quadrícula ou nas operações no mato, o tuga sonhava com comida e sobretudo com bebida... Muita, fresca.

Foto nº  14 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Um grupo de mulheres, camufladas com folhas de arbustos, mostrando como se deviam agachar e esconder quando no céu se ouvia o baralho de aeronaves...

Foto nº 15 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Atores, figurantes, assistência... Nos bastidores ou no palco.... As mulheres são parte fundamental da luta do povo da Guiné, ontem como hoje: pela paz, pela liberdade, pela democracia, pelo desenvolvimento, pelo direito à história....

Os tempos hoje são outros... As populações do Cantanhez, e nomeadamente as que apoiaram abertamente a luta de libertação (os nalus e os balantas), parecem assumir o seu passado, com orgulho, com dignidade, sem arrogância, sem ódio....

Claro que a narrativa é heróica... Em dia de festa, e para mais à frente de estrangeiros (e alguns antigos inimigos) não houve ocasião para se lembrar a violência que também se abateu do lado dos " libertadores", sobre a população mais vulneráveis, as crianças, as bajudas, os adolescentes, as mulheres, os idosos...que tinham de alimentar a guerrilha, garantir grande parte da logística, cultivar as bolanhas, sofrer as prepotências dos comandantes e comissários políticos, etc. 

Foto nº 16 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Uma guerra de libertação (ou subversiva, como diziam as nossas chefias militares...) não se faz sem as mulheres, como a antiga enfermeira do PAIGC, Francisca Quessangue, que participou na batalha de Guileje....

Francisca, uma mulher doce e tranquila... E no entanto  tinha todas as razões para ter ódio no seu coração: o pai foi morto, com três tiros, friamente, por tropas africanas, por se recusar a denunciar os camaradas da guerrilha do PAIGC... Uma tia dela que estava grávida e que assistiu, aterrorizada, a esta cena, escondida por detrás de uma árvore, teve um aborto espontâneo. 

O pai da Francisca era papel, da região de Bissau. Viveu no mato, onde ela cresceu. Tinha responsabilidades políticas, não era combatente. A Francisca estudou enfermagem na ex-União Soviética. Estava num hospital de retaguarda, na fronteira, aquando do ataque a Guileje. Hoje é enfermeira no Hospital Regional do Gabu. 

Foi uma das oradoras do Simpósio. Fez uma comunicação sobre os aspectos sanitário-logísticos do PAIGC no assalto ao quartel de Guileje, no dia 6 de março. (...)

Foto nº 17 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Um antigo comandante da guerrilha conduziu-nos, a mim, ao cor art ref Nuno Rubim, o "capitão-fula",  e a esposa, ao longo de uma das linhas de fuga que partiam do centro do acampamento, em plena floresta do Cantanhez, até ao tarrafo... Fortemente apoiados pelos nalus e pelos balantas, o PAIGC movia-se como peixe dentro de água nesta floresta-galeria, um emaralhado de lianas e vegetação perene, com árvores de alto porte, centenárias, uma amostra ainda riquíssima do que resta das florestas primárias do planeta...

Foto nº 18 >  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Paisagem de tarrafo...na maré vazia.


Foto nº 19 > 
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

De acordo com as coordenadas do GPS do N  caor art ref Nuno Rubim (1938-2023), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém (antiga Jemberém) para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso (vd. infografia, ao alto do poste)... 

Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar diretamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iríamos almoçar nesse domingo).

Foto nº 20 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...) 

À entrada para o acampamento Osvaldo Vieira, junto a poucos quilómetros de Imberém, a sul... Na foto, a Alice Carneiro com o antigo guerrilheiro Dauda Cassamá, sob o olhar do catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa...


Foto nº 21 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

Um grupo de jovens, rapazes e raparigas, que cantaram o Hino da Guiné-Bissau no início da cerimónia ... O que será feito deles, hoje (2024) ?

Foto nº 22 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)

O Pepito, nosso anfitrião (infelizmente iria desaparecer 4 anos depois, deixando órfão a sua ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, e fazendo falta a este povo e que ele tanto adorava) ,  aqui servindo de tradutor (do crioulo para o português)... Foi o génio organizativo e a alma deste Simpósio Internacional, que juntou os "inimigos de ontem" (faltaram apenas os cabo-verdianos, que ainda tinham um ódio de estimação ao 'Nino' Vieira e vice-versa)...

Concentraram-se, neste antigo acampamento do exército do PAIGC, naquela manhã de domingo, dia 2 de março, algumas centenas de pessoas, entre comitiva (participantes do Simpósio Internacional de Guileje, nacionais e estrangeiros) e população local...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > d7 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26242: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte III: Dois amargos Natais, em Caboxanque (1972) e Cadique (1973) (Rui Pedro Silva, ex-cap mil, CCAV 8352, Caboxanque, 1972/74), 14 de março de 2024

(**) Vd. poste de 3 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23224: A nossa guerra em números (16): A "força africana" em 1972: mais de 20 mil homens em armas, segundo o enviado especial do "Diário de Lisboa" ao CTIG
 
(***) Vd. postes de: