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sábado, 19 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23010: In Memoriam (427): Notícia do falecimento do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, PilAv da BA 12 (Bissalanca, 1968/70 e 1972/74)

IN MEMORIAM

PilAv Alberto Roxo Cruz
BA 12 - Bissalanca, 1968/70 e 1972/74

********************


1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69, com data de 18 de Fevereiro de 2022:

Caro Carlos Vinhal:

Envio-te desta vez uma notícia triste, uma vez que noticia o desaparecimento de um camarada que cumpriu duas Comissões de Serviço na antiga Província da Guiné.


Partiu o Pil/Aviador Alberto Roxo Cruz.

Cumpriu a 1.ª Comissão de 1968 a 1970 e a 2.ª entre 1972 e 1974.

Piloto de Fiat G-91, foi também Comandante da Esquadra de RONCOS (T-6).

Escapou a uma ejecção de Fiat, quando em voo de bombardeamento no Tancroal se soltou um dos Painéis de Metralhadoras. (*)

Foi um bom camarada, homem de grandes princípios, simples, e amigo do seu amigo.


Que a sua alma descanse em paz.

Agradeço a publicação. (**)
Abraço,
Mário Santos
********************

2. À família do nosso camarada Alberto Roxo Cruz, os editores e a tertúlia deste Blogue de antigos Combatentes da Guiné, enviam o seu mais sentido pesar pela perda do seu ente querido.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22313: FAP (124): Memórias de lugares da guerra... A Base Aérea 12 de Bissalanca (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)



1. Em mensagem de 22 de Junho de 2021, o nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69) fala-nos das suas memórias na BA 12 de Bissalanca


MEMÓRIAS DE LUGARES DA GUERRA...
A BASE AÉREA 12 - BISSALANCA


Embora tenha noção de que tudo isto é parte de um passado longínquo, ele será sempre parte intrínseca de todos nós e da nossa história, que perdurará não só enquanto vivermos, mas também para além da vida, consubstanciado nos nossos contos e narrativas. Esse passado sofrido e glorioso, que são pedaços das nossas vidas....

Foi assim, historiando um pouco... que decidi narrar-vos o início atribulado da minha viagem para a Guiné; recordo-me que na escala pela Ilha do Sal, o C-54 H - Skymaster parecia uma lata velha, com o pessoal assustado com a turbulência, a pista transformada em lago e depois o dilúvio, numa terra onde há muitos meses não chovia uma gota.

Ainda recordo o banho de chuveiro no "Hotel abarracado" ... de água salgada... e depois, o arrastar de camas a tentar fugir das goteiras que caíam dos tectos esburacados. Acabei na rua em cuecas a tirar do corpo a água salgada com água da chuva... e a fugir dos percevejos que se passeavam pelos lençóis... e que tinha visto pela primeira vez na vida.

Depois, já no dia seguinte na BA12, quando abriram a porta do avião, aquela sensação de ar rarefeito, desagradávell quente e húmido, bafiento, pegajoso... e o pensamento de que tínhamos chegado a um local amaldiçoado... e tudo isto, aos 18 anos, ainda com a personalidade e experiências de vida apenas na fase de formação.

Alguns dias depois, já na linha da frente da Esquadra de Fiat G-91 onde fui colocado, a famosa 121... tive o bizarro conhecimento de que vários camaradas de outras Esquadras que tinham sido companheiros de Liceu, Escolas Comerciais e Industriais, alguns até colegas de turma nos mesmos estabelecimentos de ensino, eram, pasme-se: Furriéis, Sargentos e Alferes Milicianos.
Alguns de nós com habilitações académicas para Sargentos ou Oficiais, éramos simples 1.°s Cabos... Especialistas...

O clima, quente e húmido, a má qualidade da água, comida e sofriveis instalações, completaram o quadro de tudo com que não sonhávamos ou desejávamos...

As grandes amizades, companheirismo, convivência, solidariedade, cumplicidade, começaram a tomar conta de todos nós... Começámos a perceber que nos 2 anos seguintes, estes eram os valores a que nos teríamos de agarrar para conseguirmos passar pela missão o melhor possível...

A responsabilidade e o espírito de missão foi-se enraizando e pouco tempo passado, já faziam parte do grupo. Aos poucos, fomo-nos familiarizando também com os nossos chefes, que nos introduziram nos procedimentos técnicos de manutenção e apoio de voo. Inspecções, segurança, procedimentos pré e pós voo...

A vida na Guiné não era para ninguém uma pera-doce... contudo a nossa irreverência era uma arma poderosa.

As linhas da frente da BA12, em placa de cimento, chegavam fácilmente por volta do meio-dia, bem acima dos 40° graus centígrados... Não havia sombras, água... e o protector solar ainda não era uma opção.

Eu, e os meus camaradas da Linha dos G-91, tínhamos todos terminado o Liceu ou Escola Técnica e este era o nossa primeira actividade... como especialistas FAP. Todos entre os 18 e 20 anos de idade, com excepção do Chefe de Linha, o 1.° Cabo Especialista R/D Fernando Vilela, que tinha sido nomeado a partir da Linha da Frente dos T-33 na BA2, e era o único já com alguma experiência na manutenção e apoio de voo. Todos os Sargentos, tal como outros 1.°s Cabos mais antigos, permaneciam no "conforto" do hangar onde se efectuavam as inspecções programadas, ou se resolviam reparações mais complexas.

A expectativa dos primeiros voos era enorme, tal como a curiosidade em conhecermos os nossos Aviadores a quem nos dois anos seguintes iríamos dar a nossa imprescindível colaboração...
Não houve qualquer apresentação formal, chegavam de Jeep, vindos das Esquadras, cumprimentavam, fazíamos a inspecção prévia juntos, retirando as cavilhas de segurança do Trem de aterragem, subíamos a escada, eram amarrados à Martin Baker e depois de retiradas as seguranças, estavam prontos para partir...

Foi assim que as minhas rotinas diárias, no G-91, com o Ten Cor Costa Gomes, Capitão Vasquez, Capitão Costa Pereira, Tenentes Vasconcelos, Nico, Balacó e Neves se iniciaram no último trimestre de 1967. Mais tarde, com o decorrer da Comissão, os mais antigos, como o Capitão Costa Pereira e Tenente Vasconcelos, foram respectivamente rendidos pelo Capitão Amílcar Barbosa e Tenente Roxo da Cruz, tal como o Coronel Manuel Diogo Neto, futuro Comandante da Zona Aérea Cabo Verde/Guiné, (CZACVG).

Como tudo na vida, todos nós desenvolvemos personalidades, maneiras de ser e actuar diferentes. Foi assim também relativamente aos nossos Pilotos da Esquadra de Tigres. Havia a classe mais extrovertida e faladora, assim como os economizadoras da palavra, que só diziam o que era absolutamente indispensável...

Os G-91 eram entregues, diáriamente,  ao mesmo Mecânico, até por uma questão de responsabilização... Já com os Pilotos creio ser sido diferente, uma vez que chegavam do GO (Grupo Operacional) com missões já atribuídas...

Em boa verdade, começaram a haver preferências de quem dava saída a quem... Nenhum de nós gostava de apanhar o nosso Ten Cor, era antipático, pouco comunicativo e com uma postura de quem pertencia a um outro mundo...

Depois, havia também preconceito com alguns dos Tenentes... Porque eram empertigados, oriundos da AM, um porque se dizia que era de sangue azul e nem sequer olhava a direito para nenhum de nós... outro porque tratava todos os subordinados com afastamento e até algum desprezo... Parecia terem esquecido que estávamos todos envolvidos numa guerra terrível e de que necessitávamos da solidariedade e cooperação de todos. Eram, todavia todos bons Pilotos, apesar da inexistência da experiência de combate.

Eu, cá por mim, tinha preferência por um par de jovens Tenentes, que tinham chegado à Base no mesmo dia que eu, e a quem podia pedir para fazer umas piruetas, ou uma rapada, caso ainda chegássem com algum JP4 no Fuel Collect Tank... (reserva).


Verificação do Pylon

Bissalanca 1968

Bissalanca 1968

No final, direi que foi com grande orgulho e espírito de missão que contribuí para que a actuação da Esquadra de Intervenção Tigres de Bissalanca tivesse sido um sucesso e tivesse contribuído para a protecção dos nossos camaradas do Exército e Marinha. No final, numa guerra assimétrica, estávamos todos dependentes uns dos outros. Quem nos dera ter o poder de fazer rewind ao relógio da vida, e voltarmos todos aos bons tempos da nossa meninice e juventude...

Um lamento sincero por todos os que não foram bafejados pela sorte, e não conseguiram regressar... ou voltaram fisicamente diminuídos.

Grande abraço
Mário Santos

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22015: FAP (123): Em louvor do ex-fur mil pil av António Galinha Dias e da tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) que fizeram a evacuação Ypsilon do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, na sequência da Op Jove (Jorge Narciso / Maria Arminda)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21850: FAP (122): Memórias que o tempo não apaga ou uma crónica de bons malandros! (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)

Equipa de manutenção FIAT em 1967


1. Em mensagem de 31 de Janeiro de 2021, o nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69) fala-nos de:


Memórias que o tempo não apaga ou uma crónica de bons malandros!

A minha entrada na FAP foi registada em Maio de 1966 após rigorosa inspecção médica que me qualificou como apto para todas as especialidades da Força Aérea Portuguesa. Tinha então 17 anos de idade.
Após três meses como soldado aluno recruta, passei a integrar o GITE (Grupo de Instrução Técnica de Especialistas) que formou mais de 15.000 técnicos durante o período da Guerra do Ultramar.
A escolha de Especialidade dependia em primeiro lugar das qualificações académicas. Toda a gente tinha pelo menos o 5.° Ano do Liceu, ou o equivalente da Escola Secundária. Muitos já com o Curso Liceal concluído, o que quer dizer que em caso de "chumbo" fisico ou académico, iria tudo parar ao Exército, como Oficiais ou Sargentos Milicianos. Em caso de sonegaram habilitações académicas, era garantido que passariam ao Serviço Geral da FAP como Soldados, cumprindo apenas mais um ano de Serviço. Bastante estranho, uma vez que na FAP, todos seriam apenas e só 1.° Cabos Especialistas. A não ser que metêssem o "chico" de 1.° Cabo ninguém saía.

No meu caso, como tinha terminado recentemente o Curso Industrial na área de Tecnologia Mecânica, a escolha não foi dificil. As disciplinas eram-me quase todas familiares, exceptuando as aulas de aerodinâmica, motores, e dos sistemas hidráulicos, pneumáticos, pressurizantes etc.
Passado um ano, recebi o "meu canudo" de apto na especialidade MMA (Mecânico Material Aéreo) vulgo Mecânico de Aviões.
Como prémio pela minha boa qualificação de curso, foi-me concedida a primazia de escolher a Base Aérea onde iniciaria a minha actividade.
Como residente em Lisboa, a escolha teria que necessáriamente recair no AB1 em Figo Maduro :(Aeroporto de Lisboa)

O meu primeiro contacto com aeronaves foi assim como 3.° mecânico de bordo do DC-6.
Passados uns meses, recebi guia de marcha com destino à ZACVG (Zona Aérea Cabo Verde e Guiné)

Foi assim, que no dia 27 Setembro 1967, embarquei no DC-4 7504 Skymaster, com escala nas Ilhas Canárias e pernoita na Ilha do Sal.
A Esquadra de Tigres de Bissalanca e os Fiat's G-91 foram o meu destino a partir do inicio de Outubro 67 e até meados de 1969.
Assim, na minha curta passagem pela FAP, registei nas sucessivas décadas de operação, competentes Comandantes e Aviadores... homens de grande carácter com quem tive o privilégio de interagir.

Verificação do Pylon

Na FAP, ao contrário dos outros ramos das Forças Armadas, por força das circunstâncias, foi sempre previligiada a relação individual em detrimento do colectivo.
É, quanto a mim natural, que consoante as convivências nas diferentes décadas se tenham desenvolvido particulares simpatias e cumplicidades entre superiores e subordinados.
Nalguns casos, amizades que perduraram através dos tempos e ainda hoje se mantêm.
Como a vasta maioria, deixei a FAP, no terminus do meu contrato.
Muitos outros, com quem me cruzei, Militares de carreira por escolha e convicção prosseguiram até atingirem altas patentes e cargos de enorme relevância nos destinos do nosso país.
Mantenho contacto e amizades sólidas com alguns deles.
Cada um com a sua personalidade própria, rigorosos, todos eles! Afáveis alguns, outros nem tanto...
Afinal somos todos diferentes.

Alguns já não se encontram entre nós, como o
General Manuel Diogo Neto, por duas vezes meu Comandante na BA2 e BA12 já desaparecido.
O General Fernando Vasquez, meu Comandante de Esquadra, simbolo de correcção e tratamento tanto com os seus pares, como com subordinados, amistoso com toda a gente que com ele lidou. Um príncipe entre militares!
O General Fernandes Nico, uma amizade que perdura há mais de 50 anos. Militar e Historiador, homem rigoroso, frontal, educado e que viu sempre a FAP, como um todo, em que todos eram parte importante da instituição FAP.
Sargentos, Furriéis, 1.° Cabos Especialistas, como eu. Soldados do SG, Polícia Aérea, Enfermeiras Para-Quedistas, e Pilotos / Aviadores.



Formámos um todo, uma família unica à qual me orgulhei de pertencer!
Sentimento de contentamento, porque embora indirectamente, contribuímos com o nosso esforço para ajudar os camaradas do Exército e da Marinha, que por inerência de funções tinham a vida em risco permanente.
A todos as minhas saudações e abraço solidário.

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Nota do editor

Último poste de Mário Santos de 28 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21399: Efemérides (335): Cumpre-se hoje 28 de Setembro, 53 anos da minha chegada à Guiné no HC-54 Skymaster 7504. Uma memória com mais de meio século (Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA)

Último poste da série de 8 de Outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21431: FAP (121): Cor pilav Gualdino Moura Pinto, comandante da BA 12 (1971/73), já falecido: "um grande líder" (Victor Barata, fundador e editor do blogue Especialistas da Base Aérea 12, e membro sénior da nossa Tabanca Grande)

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21514: FAP (123): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte II (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)


Guiné > Região de Gabu > Setor e Noé > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967. As tão faladas colinas do Boé... "O resto era deserto", diz o fotógrafo...

Foto (e legenda): © Manuel Coelho  (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Madina do Boé  > CCAÇ 1790 >  1968 > Desenho com a quadrícula alfanumérica de referenciação que se sobrepunha às cartas 1:50.000 que todos os pilotos. Era da autoria do comdante da CCAÇ 1790, o cap inf José Aparício. um Um exemplar desta quadrícula [4] foi entregue a um piloto de DO-27 que passou por Madina e depois passou a ser utilizada como elemento de coordenação entre a CCaç 1790 e os pilotos dos Fiat G-91 nas acções aéreas de apoio de fogo.


Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12 > 1966 >  A nova pista 


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Madina do Boé  > 16 de julho de 1968 > "Coube-me a mim efectuar a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o ten cor pqdt Fausto Marques [, cmdt do BCP 12],  e por um feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde eu, o ten pqdt Gomes e um soldado da CCaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda tenho de que alguma vez estive  no "Algarve na Guiné”.

Fotos (e legendas): © José Nico (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É um texto notável, da autoria do José Nico, aqui publicados no nosso blogue, em 30 de abril de 2018 [e só parcialmente reproduzido no seu livro "A Batalha do Quitafine", lançado em plena pandemia de Covid-19:  esgotada a 1ª edição, tem já 2ª edição à vista (*)]. 

É a guerra, na primeira pessoa no singular, tendo como cenário Madina do Boé e as suas colinas circundantes, entre abril e julho de 1968.

Por ser demasiado extenso e ter surgido  num único poste (**),  decidimos reeditá-lo agora, por partes, com a expressa autorização do autor. 

É uma homenagem também aos bravos de Madina do Boé, tanto do Exército como da FAP. Madina do Boé que, como se sabe, viria depois a ser retirada, no ano seguinte, em 6 de fevereiro de 1969, por decisão do Com-Chefe, gen Spínola.

[Título, revisão e fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, em três partes, da responsabilidade do editor LG]


A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) 

Parte II (***)

por José Nico (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)



Como apoiámos Madina do Boé em Abril de 1968 


Por todos os motivos já indicados, o apoio de fogo a Madina do Boé pela Força Aérea, era fundamental. No entanto, a nossa eficácia nessas situações era, na generalidade, muito limitada. Isso acontecia tanto no caso de Madina do Boé como no dos outros aquartelamentos apoiados. 

É certo que,  quando os aviões chegavam ao local, os ataques terminavam porque o inimigo tinha receio de ser localizado e não se revelava mas, por outro lado, era muito difícil infligir-lhe danos dada a dificuldade de referenciar com precisão os alvos. As indicações dadas pelas forças terrestres em termos de direcção e distância eram apenas estimativas e, do ar, mesmo que a direcção fosse uma indicação satisfatória,  já a distância era impossível de medir a olho, com alguma precisão, sobre o manto verde da mata. 

 Em Madina, nas curtas visitas dos DO-27 e em conversa com os comandantes de companhia,  fomo-nos apercebendo que o inimigo utilizava repetidamente bases de fogos que já estavam bem identificadas o que correspondia às características de campo de treino de tiro que a zona tinha para o PAIGC. Foi por isso que em 10 de Novembro de 1966 a reacção da companhia CCaç 1416 fora tão certeira. (*)

No início de Janeiro de 1968,  a CCaç 1790 que na altura se encontrava em Bissau como unidade de intervenção do Comando Militar, iniciou a sua deslocação para Madina do Boé onde assumiu a responsabilidade de todo o Boé, com uma pequena guarnição destacada em Béli.

O ex-comandante da CCaç 1790 descreveu-me assim a posição que foi ocupar:

“Madina do Boé é uma pequena povoação com características físicas específicas. É rodeada por pequenas elevações (com cerca de 300 m de cota média), que são a continuação na Guiné da cordilheira do Futa Djalon da Guiné Conacri. 

Madina fica num vale fértil com muita água, tem um clima agradável, a ponto de em brincadeira os militares que ocuparam anteriormente a posição terem ali colocado uma tabuleta com a expressão “Madina do Boé, o Algarve na Guiné”, e que ali permaneceu até ao fim da presença portuguesa. 

Não havia um aquartelamento militar propriamente dito, mas antes uma dezena e meia de abrigos enterrados dispostos em círculo com um diâmetro de cerca de 1,5 kms e ocupados, cada um, por 5 a 7 militares. 

No centro da povoação havia três casas edificadas. A população que ali vivia também dispunha de abrigos junto das suas tabancas. Por razões óbvias os abrigos estavam ocupados em permanência; era ali, e em cada um, que se tomavam as refeições e se fazia a rotina dos dias. 

Os montes em redor davam comandamento e capacidade de observação contínua sobre as nossas posições. Evitávamos, por isso, ajuntamentos de pessoas que constituíssem alvos fáceis; mesmo quando se jogava futebol, fazíamo-lo junto de valas a céu aberto onde nos podíamos rapidamente abrigar em caso de ataque.

O PAIGC atacava Madina do Boé quase diariamente, normalmente com armas pesadas, morteiros de 82 mm e canhões sem recuo de 75 e de 82 mm. 

A partir dos meados de 1968 passou também a utilizar atiradores especiais ["snippers"] que,  embora fazendo tiro a grande distância, e sempre à mesma hora, acertaram algumas vezes; nunca causaram mortes, mas provocaram alguns feridos graves, e criaram uma enorme instabilidade emocional. 

O desencadear das longas flagelações com armas pesadas tinha características próprias: ocorria normalmente aos crepúsculos, especialmente no vespertino, por razões de segurança das unidades do PAIGC que realizavam o ataque. É que durante a noite não havia operações aéreas na Guiné; por isso após o pôr-do-sol, estavam seguros que só na madrugada seguinte poderiam aparecer os Fiat G91; quando atacavam ao raiar da aurora faziam-no muito rapidamente sendo esses ataques intensos, mas terminando logo de seguida para evitarem qualquer ataque aéreo de resposta.

[...] Está hoje completamente comprovado que o PAIGC teve sempre nos arredores de Madina oficiais e sargentos cubanos que regulavam o tiro das suas armas pesadas com muita eficácia; como nos montes em redor tinham excelentes postos de observação de tiro, e meios adequados para o efeito, escolhiam facilmente as zonas a bater, e faziam correr as salvas por todo o aquartelamento.”



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Carta de  Jabiá (1959) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da colina Felo Gorlige (cota 192), que circundava o quartel de Madina do Boé, a norte, enquanto Dongol Dandum (cota 171) ficava a sul.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


Quando se chegou ao final de Março de 1968,  o PAIGC começou a aumentar novamente a pressão sobre Madina do Boé mas dessa vez houve três novos factores que jogaram um papel fundamental.

O primeiro foi que face à rotina dos ataques,  o comandante da CCaç 1790 desenhou uma quadrícula alfa numérica de referenciação que se sobrepunha às cartas 1:50.000 que todos utilizavam. [Vd. imagem acima].

Quando a situação começou a ficar complicada,  um exemplar desta quadrícula [4] foi entregue a um piloto de DO-27 que passou por Madina e depois passou a ser utilizada como elemento de coordenação entre a CCaç 1790 e os pilotos dos Fiat G-91 nas acções aéreas de apoio de fogo.

O segundo factor era uma vulnerabilidade dos cubanos, que utilizavam emissores-receptores nas frequências da banda FM dos 80 Mhz que podiam ser escutadas nos rádios (transistores) do pessoal. Por essa razão, era normalmente possível ouvir-se em Madina as comunicações do inimigo, em castelhano, e por vezes deduzir onde iria caír a próxima salva, e também conhecer os resultados dos ataques aéreos quando estes se realizavam.

O terceiro factor foi a decisão de pôr uma parelha de Fiat G-91 no ar ao fim do dia e tentar o contacto rádio em rota para Madina. Se o inimigo não se tivesse manifestado, a parelha entrava em espera, por alturas de Bambadinca, na esperança de poder intervir imediatamente se o PAIGC entretanto desencadeasse alguma flagelação. 

A espera era efectuada alto para reduzir o consumo de combustível e depois, se tudo corresse de feição, bastavam apenas 6 minutos de voo a 400 KIAS [5] para atingir um alvo na zona de Madina do Boé. 

Quando os aviões iam armados com foguetes e metralhadoras (caso da parelha de alerta) o tempo de espera podia atingir cerca de 40 minutos mas, nessas condições, com tão baixa capacidade letal, era difícil provocar danos sérios no inimigo. Com bombas nas estações internas, dada a curta autonomia do Fiat G-91 sem tanques externos, a espera tinha uma janela muito estreita, no máximo 20 minutos, e portanto era necessário muita sorte.

Foi com estes preparos já em força que ao fim da tarde de 9 de abril de 1968, o PAIGC desencadeou uma flagelação com armas pesadas. Logo após caírem as primeiras salvas,  o comandante da companhia [, a CCAÇ 1790, o cap inf José Aparício ] conseguiu contacto rádio com os Fiat G-91, na frequência do apoio aéreo (FM 49.0 Mhz), e utilizando a quadrícula de coordenação indicou a localização da base de fogos do inimigo. 

Os aviões apareceram rapidamente sobre o local e atacaram com foguetes 2,75” e metralhadoras as posições indicadas o que fez parar imediatamente o ataque ao aquartelamento. 

Logo a seguir o pessoal do Exército começou a ouvir nos “transistores” vozes cubanas pedindo macas e enfermeiros para socorrerem as muitas baixas que tinham sofrido. Estes resultados foram divulgados de imediato através de uma mensagem “relâmpago” que não chegou ao meu conhecimento.

Lembro-me, no entanto, que na manhã do dia seguinte, 10 de Abril de 1968, fui escalado para uma missão com o Cap Pilav Vasquez que era na altura o comandante da Esquadra 121. A caminho da linha da frente disse-me que íamos ver se Madina do Boé precisava de apoio e que os aviões iam armados com bombas incendiárias e foguetes, para além das metralhadoras, é claro. Percebi depois que ele estava ciente do resultado do ataque no dia anterior e pretendia tentar uma segunda oportunidade.

Nem sonhava o que o destino me tinha reservado quando levantei a tampa que escamoteava o botão vermelho do STARTER e o cartucho de arranque do motor disparou. Depois, a rotina das operações aéreas não exigia grandes explicações e, que me lembre, não houve praticamente quaisquer comunicações entre os dois pilotos. 

Descolámos e eu segui o n.º 1 em escalão de combate a cerca de 300 mts de distância. O comandante da parelha voava o Fiat G-91 5403 e eu o 5427.

Ainda estávamos a subir, acompanhando o Rio Geba, quando o n.º 1 tentou o contacto rádio com Madina do Boé:

- Madina, Madina, Tigres chamam!

Mal terminara a chamada,  ouvimos imediatamente a voz do Capitão Aparício, sinal de que estava à espera que aparecessem aviões na frequência de apoio ar-solo:

- Tigres, aqui é Madina! Informo que o inimigo está a instalar-se a meio da encosta no ponto 2! - disse isto muito de seguida como se tivesse a informação presa na garganta e estivesse em pulgas para a soltar.

Acho que, embora bem sentado e amarrado, até estremeci. É desta que levam, pensei logo eu. Na quadrícula verifiquei que o ponto 2 era uma pequena elevação chamada Felo Gorlige [vc
carta de  Jabiá (1959)] que ficava mais ou menos no enfiamento da pista de Madina. 

Conhecia perfeitamente o local. A resposta do Cap Vasquez, no seu estilo peculiar que mais parecia um sussuro, foi extraordinariamente pausada e lacónica,  não deixando transparecer a emergência que subitamente nos caíra no colo:

- Madina, entendi que estão no ponto 2 a meio da encosta. Confirme!

- Afirmativo Tigres, afirmativo!

Depois destas comunicações nenhum de nós disse qualquer palavra. Cada um ficou a pensar com os seus botões. Eu pensava que,  apesar da situação parecer favorável a indicação de “a meio da encosta”,  deixava em aberto uma grande margem de erro. Além disso, se a vegetação na zona fosse relativamente densa,  a cobertura ia ser reduzida e, em consequência, a margem de erro aumentava.

Vi o avião da frente voltar ligeiramente á direita porque baixou a asa desse lado durante uns momentos e a seguir começou a descer e a afastar-se, indicação de que estava a acelerar. Calculei que fosse adquirir à volta de 400 KIAS e foi isso que aconteceu.

Estávamos nessa altura a cerca de 60 Kms em linha recta e nessas condições era impossível descortinar a zona onde se localizava Madina. Na trajectória que seguíamos passámos praticamente sobre a confluência do rio Corubal com o rio Geba e foi sempre a descer suavemente que fomos perdendo altitude. 

Aproveitei para ir ligando o armamento e certifiquei-me, por diversas vezes, que tinha os “pylons” internos ligados e os externos, que suportavam as calhas dos foguetes, desligados. Faltava apenas armar as espoletas o que normalmente se fazia já muito perto do alvo mas dessa vez resolvi deixar tudo pronto para o ataque. Não queria falhar. No visor seleccionei 140 milésimos que era a minha referência pessoal para as incendiárias em voo rasante a 400 KIAS.

Quando cruzámos novamente o rio Corubal, a cerca de 15 kms de Madina, começámos a perceber os contornos do terreno e pensei então que o melhor seria largar as bombas no seguimento do impacto das do n.º 1 para tentar aumentar a extensão da zona coberta. Estas conjecturas foram interrompidas porque entrámos em voo baixo e deixámos de ver a zona do alvo. 

De Madina, no prolongamento da pista, o terreno eleva-se ligeiramente para Oeste e os aviões vinham a voar abaixo dessa lomba. Foi bom porque isso iria garantir uma surpresa total e, apesar de por alguns momentos não vermos o objectivo, sabíamos que os aviões voavam alinhados com ele. 

A partir desse momento entrámos numa final longa e alucinante, característica dos ataques a muito baixa altitude, em que o terreno parecia escorregar freneticamente por debaixo da barriga do avião. Só quem passou por situações como esta poderá entender o que senti naqueles momentos porque eu não sou capaz de o reproduzir por palavras com a eficácia merecida. Os dados estavam lançados e a expectativa do que estava prestes a acontecer devia estar a injectar-me “toneladas” de adrenalina no sangue.

Concentrado no controlo do voo e no seguimento do avião da frente,  vi de repente o n.º 1 desaparecer quando passou a pequena lomba antes da pista e continuou rente ao solo. Segundos depois foi a minha vez e nessa altura já vi o outro avião parecendo trepar a encosta do Felo Gorlige  [vd. carta de Jabiá, 1959, escala 1/50 mil]. De repente vi o clarão das bombas a explodir mas, à distância, pareceu-me que o espalho não tinha sido grande coisa.

Focado na encosta onde ia largar o armamento e com a velocidade que levava, não via mais nada. Não vi sequer as casas e abrigos do aquartelamento que ficaram á minha direita, mesmo ali ao lado.

Naqueles poucos segundos de acção o meu Mundo encolhera-se espantosamente e resumia-se ao Felo Gorlige.

Foi então que passei por uns momentos de confusão porque, de repente, apercebi-me que não era seguro entrar na fumarada que alastrava sobre a zona do alvo. Não podia largar mais acima como queria e só me restava a possibilidade de largar mais curto e foi o que fiz. Foi tudo muito rápido. Depois entrei na nuvem de fumo do lançamento anterior e limitei-me a puxar o nariz do avião para cima para ter a certeza que não colidia com o solo.

Ainda estava a subir voltando apertado pela direita, todo torcido e comprimido na cadeira de ejecção, a tentar localizar visualmente o avião do Cap Vasquez, quando a voz do Cap Aparício me encheu o capacete:

- Em cheio,  Tigres, em cheio. Era mesmo aí!

De seguida detectei o n.º 1 já a voltar sobre o Dongol Dandum numa trajectória que só podia ser para lançar os foguetes no alvo. Armei também os meus e executámos depois 4 circuitos de tiro em que fomos disparando os foguetes aos pares procurando bater a zona envolvente ao redor da mancha de fogo. 

Depois, como o combustível não dava para mais, o n.º 1 entrou em contacto rádio com Madina para nos despedirmos ao mesmo tempo que iniciámos uma subida para os 20.000´ de regresso a Bissalanca. 

Ainda me parece, ao recordar este episódio, estar a sentir a intensa calma que, depois daqueles minutos esfusiantes, pareceu inundar-me o espírito. Como de costume nestas missões entrámos numa inicial curta com o COLLECT TANK a debitar e o respectivo indicador a mostrar menos de 250 lbs de combustível remanescente.

Duas horas depois, descolei numa segunda parelha de G-91, armada com foguetes e metralhadoras, que bateu outros pontos nas imediações do aquartelamento, segundo a orientação dada pelo comandante da CCaç 1790. Dessa vez levei o G-91 5401 mas já não consigo determinar quem foi o outro piloto.



O que disseram os cubanos naquele dia


As comunicações rádio dos cubanos escutadas em Madina, na sequência deste ataque, prolongaram-se por várias horas. No essencial pediam apoio para a evacuação da enorme quantidade de feridos que tinham sofrido e referiam também a existência de cerca de 30 mortos. O tom de aflição e a insistência nos pedidos de socorro reflectiam claramente uma situação de extrema gravidade. 

Foi um apanhado dos indicadores recolhidos nessas escutas que o capitão Aparício plasmou pormenorizadamente numa nova mensagem “Relâmpago” e que eu tive oportunidade de ler no dia seguinte de manhã. Foi com alguma surpresa que tomei conhecimento dos resultados pois nada me indicava com segurança que tinhamos atingido o alvo e que as consequências tinham sido tão devastadoras para o PAIGC  [6]. 

A única informação que podia ter algum significado fora a dada pelo comandante de Madina quando largámos as bombas no Felo Gorlige mas essa era uma avaliação visual a uma distância de 3 Kms, portanto pouco fiável.

Não é pois de estranhar que este momento me tenha marcado e se tenha somado aos instantâneos que, passados quarenta e seis anos, ainda perduram na minha memória.

Nos dias 12, 14, 16 e 17 de Abril continuámos a efectuar saídas com os G-91 em apoio de Madina de Boé. 

A partir de 16 de Abril desistimos da configuração com foguetes e metralhadoras e passámos a levar os aviões armados com duas bombas de 200 kgs nos “pylons” internos e mais duas de 50 Kgs nos “pylons” externos. Só não os levámos à carga máxima (2 bombas de 200 Kgs e 4 de 50 Kgs por avião) por causa da resistência ao avanço provocada pelos suportes que tinham de ser montados nos “pylons” externos com o consequente aumento do consumo de combustível e redução da autonomia.

A actividade da Força Aérea em apoio da CCaç 1790, durante o período mencionado, e que na prática se manteve com menor intensidade até à desactivação de Madina [, em 6 de fevereiro de 1969], acabou por dar resultado e o inimigo,  se não “encolheu as unhas”,  teve que passar a empregar tácticas menos favoráveis. 

Mais do que isso não seria nunca possível, nem em Madina do Boé, nem em qualquer outra posição periférica dado que o PAIGC e os seus reforços internacionalistas beneficiavam do santuário proporcionado pelas Repúblicas da Guiné-Conacri e do Senegal. Nunca abandonou a zona mas as flagelações diminuíram de frequência e de intensidade. 

Foi certamente para compensar esta quebra nas suas acções ofensivas que passaram a utilizar uma táctica que escapava completamente à acção punitiva dos aviões: os franco-atiradores [, "snippers"], como referiu o ex- comandante da CCaç 1790 no seu testemunho, atrás reproduzido.

(Continua)



Guiné > BIssau > Bissalanca > BA 12 > 1968 > A Frente dos "Tigres", os Fiat G-91.

Foto (e legenda): © Mário Santos (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
____________

 Notas do autor

[4] - Esse exemplar da quadrícula para o apoio aéreo a Madina do Boé ainda existe.

[5] - KIAS – Knots Indicated Air Speed (velocidade ar indicada em milhas náuticas por hora)

[6] - Testemunho do ex comandante da Ccaç 1790, actual Tcor Inf (R) José Aparício após uma visita à Guiné em 1994:

“Regressados a Madina visitámos os montes circundantes de onde éramos atacados. Constatei que a quadrícula alfa numérica que utilizávamos estava correcta, e os vários pontos eram efectivamente as bases de fogo que referenciámos na quadrícula.

Um dos elementos que nos acompanhava, e que desempenhava as funções de governador do Gabu, mas que nos tempos da nossa permanência pertencia às forças do PAIGC estacionadas na zona, pediu-me para o seguir sozinho, que me queria mostrar um local; pediu-me para não tirar fotografias e não falar do assunto aos jornalistas e operadores de imagem que nos acompanhavam, o que cumpri, 
naturalmente. 

Chegados ali, na contraencosta de um dos montes à volta de Madina, na direcção (E), mostrou-me o local onde foram enterrados os mortos do PAIGC na zona, descrevendo-me a maneira como enterraram os corpos. Quem ficou constrangido e embaraçado pela situação, fui eu, e por respeito não ousei voltar a olhar com insistência para o espaço e estimar o número de sepulturas, mas que eram muitas. 

Na longa conversa que ali mantivemos, referiu-me os ataques aéreos de 9 e 10 de Abril de 1968 confirmando o juízo que ao tempo tínhamos formulado das circunstâncias de então. Falou-me também das dificuldades que tinham nas evacuações de feridos, já que os hospitais de que o PAIGC dispunha na região com médicos cubanos, se encontravam longe, em Boké a (S) e Kundara a (N). As forças do PAIGC à volta de Madina tinham enfermeiros cubanos, que nos dias dos citados ataques se viram ultrapassados pela situação, passando toda noite a pedir auxílio para transportar os muitos feridos existentes, o que foi ouvido em Madina.”
 _____________

Notas do editor;


terça-feira, 3 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21510: FAP (122): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Madina do Boé  > 16 de julho de 1968 > "Coube-me a mim efectuar a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o ten cor pqdt Fausto Marques [, cmdt do BCP 12],  e por um feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde eu, o ten pqdt Gomes e um soldado da CCaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda tenho de que alguma vez estive  no "Algarve na Guiné”.



Foto (e legenda): © José Nico (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O José Nico, ten gen pilav ref, publicou recentementee, em plena pandemia de Covid-19, um livro de  memórias,  "A batalha do Quitafine: a contraguerrilha antiaérea na Guiné e a fantasia das áreas libertadas" (edição de autor, Lisboa, 2020, 384 pp.) (*)... 

Profusamente ilustrado, com cerca de 120 fotografias, infografias e mapas, o livro esgotou-se, num ápice, sem qualquer promoção (a não ser talvez no nosso blogue e no boca a boca de camaradas e amigos...).

O autor vai fazer uma reimpressão (, tiragem de 500 exempales), havendo já um número razoável de pedidos de encomenda.  Entre esses pedidos, já está o nosso, já que o livro não chegou às nossas mãos, na primeira hora, com muita pena nossa.  

Conforme acordado com o José Nico, vamos publicar um poste a chamar a atenção para essa reimpressão e para novos pedidos de encomenda do livro.

O José Nico, mesmo não sendo formalmente membro da Tabanca Grande, tem mais de vinte referências no nosso blogue e frequenta com regularidade os convívios da Tabanca da Linha, também ela, "fechada", por causa da pandemia em curso.

Graças ao Mário Santos, mas também ao Miguel Pessoa, tem-nos chegado alguns textos notáveis do José Nico, ex-.ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70.

O nosso grã-tabanqueiro Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA, BA 12, Bissalanca, 1967/69) apresenta o autor do livro, seu contemporâneo, camarada e amigo,  nestes termos:

(...) "O General Nico iniciou a sua carreira como cadete na Academia Militar em 1960, sendo brevetado em 1964, após 3 anos de tirocínio...

Voou depois em Tiger Moth, Piper Cub, Chipmunk, C-45, Broussard, Alouette III, Puma SA 330, DO27, T6, T-33, T-37, F-86, Fiat G-91, DC-6, C-130H e Boeing 707.

Dedicou toda a sua vida ao ideal da Força Aérea e cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1967 e 1970.

O então Tenente Piloto Aviador José Nico era um Oficial rigoroso e dedicado. Em combate, mostrou sempre bravura, coragem e serenidade, apesar do perigo constante da reacção do inimigo; tudo isto, aliado ao seu porte correcto e disciplinado... actuou em missões de reconhecimento fotográfico e visual, bombardeamento, apoio de fogo e escolta de protecção às nossas tropas de superfície e da Marinha.

Este livro é um documento histórico de uma grande riqueza analítica, que relata sem subterfúgios um pedaço indelével das nossas vidas." (...) (**)


José Nico, ten gen
pilav ref
2. Um dos textos notáveis, da autoria do José Nico, aqui publicados no nossoblogue, e 30 de abril de 2018 (e também parcialmente reproduzido no seu livro, acima citado), tem a ver com outra batalha, não a de Quitafine (, contra as antiaéreas do PAIGC, )  mas a de Madina do Boé, entre abril e julho de 1968.

É texto demasiado extenso mas de leitura empolgante que surgiu num único poste (***)... e que merecia muito mais comentários do que aqueles que teve (, quatro na altura).

Vamos reeditá-lo agora, por partes, com a devida autorização do autor, com quem falámos ao telemóvel. É uma homenagem também aos bravos de Madina do Boé, tanto do Exército como da FAP.  Madina do Boé, como se sabe,  viria depois a ser retirada, no ano seguinte, em 6 de fevereiro de 1969, por decisãodo Com-Chefe, gen Spínola.

[Título, revisão e fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, em três partes, da responsabilidade do editor LG]


A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (***)

por José Nico (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)

 

A imagem que perdura é clara. Vejo-me no espaço que existia entre os pré-fabricados onde estava instalado o Grupo Operacional 1201 da Base Aérea n.º 12, com a sala de equipamentos e as Esquadras de um lado e a sala de briefings, o bar e sala de estar, gabinete do comandante do Grupo e a Secretaria, do outro. 

Sei que foi ao começar o dia de trabalho, pouco depois de ter chegado à Base, vindo de Bissau. Alguém que passa por mim, entrega-me um papel com uma mensagem rádio e é esta mensagem que me vejo a ler com alguma surpresa e ao mesmo tempo com satisfação porque, finalmente, tínhamos conseguido desferir um rude golpe nas forças com que o PAIGC matraqueava, há anos, a companhia do Exército instalada na isolada posição de Madina do Boé, no Leste do território. 

Depois de muita pesquisa e com o apoio do ex-comandante da CCaç 1790 [, hoje cor inf ref José Aparício],  cheguei à conclusão que este flash da minha memória respeita ao dia 11 de Abril de 1968, uma quinta-feira.


Madina do Boé – O alvo para a estreia dos cubanos 
em combate

Desde o início da luta que o PAIGC escolhera o aquartelamento de Madina do Boé como um alvo preferencial. Terá sido até esta a primeira posição do Exército que o inimigo pensou aniquilar ou, pelo menos,  forçar o seu abandono, muitos anos antes de tentar o mesmo com o Guilege. 

Com essa finalidade criou uma base dedicada em território da Guiné-Conacri, junto à fronteira e a curta distância de Madina do Boé, numa povoação chamada Kambera. Era ali que se organizava para as incursões e era para ali que retirava depois das flagelações.

De facto, Madina era uma posição em que o apoio de outras unidades terrestres não era viável e o apoio de fogo da Força Aérea, além de só ser possível durante o dia, só era imediato em termos relativos, dada a distância. A posição estava isolada e só podia contar com os seus próprios meios.

As limitações no apoio a Madina do Boé, a que se somavam outras vulnerabilidades,  como era o facto de estar rodeada de pequenas elevações [1] , são a justificação para que a zona tenha sido escolhida para uma espécie de campo de exercícios e carreira de tiro do PAIGC. 

Era ali que os quadros, regressados dos países onde recebiam formação militar, se exercitavam e ganhavam experiência. A ideia de que a zona era difícil de proteger,  levou mesmo a então URSS a prometer ao PAIGC construir uma pista para aviões de transporte Antonov para apoio logístico directo, assim que conseguissem desalojar os portugueses daquela posição. 

Esta ideia era inexequível enquanto a Força Aérea mantivesse a superioridade aérea mas o PAIGC, segundo declarações de 'Nino' Vieira, acreditou durante muito tempo nela.

Foram essas vulnerabilidades que também justificaram o facto de Madina do Boé ter sido o alvo escolhido para a primeira acção de combate com o envolvimento dos cubanos. Amílcar Cabral,  que estava nessa altura muito preocupado com a segurança dos seus novos apoiantes internacionalistas [2], enviados por Fidel de Castro na sequência da Conferência Tricontinental de Havana, em Janeiro de 1966, escolheu Madina para fazer uma demonstração das capacidades dos seus guerrilheiros. 

Esta decisão, em princípio acertada, não evitou porém o desastre que, por acaso, foi relatado por uma testemunha privilegiada, o cubano Oscar Oramas, que foi o embaixador de Fidel em Conacri e simultaneamente o executivo para o apoio ao PAIGC. É assim que ele descreve essa acção no seu livro“Amílcar Cabral para além do seu tempo” [Lisboa, Editora Hugin, Lisboa, 1998] [3]:

(...) “A primeira operação militar de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efectuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de Novembro de 1966 [, ao tempo da CCAÇ 1416]:

Esta instalação militar conta com uma edificação na sua superfície, a partir da qual combatem os guineenses fulas incorporados no exército colonial, enquanto os Portugueses se mantêm em trincheiras e refúgios subterrâneos, onde instalam a sua artilharia.

O comando guerrilheiro  situa-se para esta operação, a uns 500 metros do quartel, instala um canhão B-10 junto de uma grande árvore, com a ideia de o proteger do fogo inimigo. A operação é dirigida pelo Comandante Domingos Ramos, um dos principais dirigentes do PAIGC. 

Pela parte cubana encontra-se o tenente Artémio, chefe dos assessores cubanos, com umas dezenas de combatentes guineenses e cubanos, e Ulises Estrada, Chefe da 5ª Direcção do Ministério do Interior cubano. 

Junto deles, encontra-se a operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que participa na operação com o fim de filmar um documentário que sirva para propagandear, principalmente na Europa, a luta que o PAIGC está a liderar.

Domingos dá ordem para o início das acções e o canhão B-10 começa a disparar acompanhado pelo fogo de espingardas dos guerrilheiros. A resposta dos Portugueses não se faz esperar; têm coberta a pequena elevação [, a colina de Dongol Dandum,] de onde ataca a guerrilha e as suas granadas de morteiro começam a produzir impactos certeiros sobre o comando guerrilheiro, provocando a confusão e a desorganização.

Domingos, atrás da árvore onde está situado o canhão, atira-se para cima do corpo de Ulises com a clara intenção de o proteger, quando é atingido por um estilhaço de morteiro, que lhe provoca uma ferida que sangra copiosamente. Ulises, ajudado por outro cubano, transporta-o para o posto médico, situado a uns 100 metros na retaguarda, mas o seu corpo chega a este já sem vida.

O grupo guerrilheiro dispara todas as munições que em Boké haviam decidido utilizar neste combate e empreende uma retirada desorganizada, a qual é aproveitada pelos Portugueses para lançar uma salva de morteiros para os atingir.

Ulises considera que o mais importante nesse momento é evitar que o cadáver de Domingos caia nas mãos do Exército português, e, acompanhado por outro cubano, toma um camião e condu-lo até Boké, República da Guiné, entregando-o a Aristides Pereira para que seja enterrado com todas as honras que merece como um dos fundadores da luta do PAIGC”. (...)  

[A versão de Oscar Oramas é tirada a papel químico do depoimento de Ulises Estrada...]

Depois deste episódio,  que naturalmente abalou a direcção do PAIGC, as acções contra Madina do Boé só voltaram a intensificar-se novamente em Outubro de 1967 (na época das chuvas,  quando todo o Boé ficava completamente isolado). 

Dessa vez, durante 13 horas consecutivas,  a posição foi violentamente bombardeada, e os combatentes do PAIGC conseguiram mesmo aproximar-se das redes de protecção. Logo às primeiras horas do dia seguinte, com a chegada do apoio aéreo e o bombardeamento da zona envolvente pelos Fiat G-91, o ataque cessou imediatamente.

(Continua)

 José Nico, ten gen pilav ref

___________

Notas do autor {, complementadas pelo editor LG]:

[1]-  O próprio aquartelamento ficava no sopé de uma elevação chamada Dongol Dandum com cerca de 100 metros de altura. [Vd. carta de Madina do Boé, 1958, escala 1/50 mil: a colina Dongol Dandum, a sul do antigo aquartelamento de Madina do Boé, está na cota 171].

[2] - Testemunho de Ulises Estrada Lescaille: “Recordando a Amílcar Cabral, líder anticolonialista de Guinea Bissau, "La Fogata", 21 de maio de 2003
http://lafogata.org/003oriente/oriente5/or_record.htm

(...) “Cubanos em Guiné:

Oramas fue designado posteriormente embajador de Cuba en la República de Guinea con la tarea principal de atender las relaciones con el PAIGC, mientras que a mí, como oficial de la Inteligencia cubana vinculado al apoyo a movimientos de liberación nacional, el comandante Manuel Piñeiro me asignó la misión de llevar en abril de 1966, en la motonave cubana Uvero, la ayuda solicitada por Amílcar y otras prometidas por el Che a diferentes movimientos de liberación nacional.

Paralelamente se unen al PAIGC los primeros tres médicos y asesores militares cubanos, quienes participan en el primer combate contra el ejército portugués el primero de mayo de ese año.

Una vez concluida la misión en el Uvero, en noviembre de 1966, a pesar de la preocupación de Amílcar - que no se encontraba en el país, por temor a la muerte o captura de uno de nosotros en los frentes de batalla, me uno a las guerrillas comandadas por Domingo Ramos, comisario político del PAIGC, en la primera operación militar de envergadura en la que participan los instructores militares cubanos, bajo el principio de convertir el combate en una escuela.” (...)

Já agora, aqui fica o resto do depoimento do Ulises Estrada, publicado em "La Fogata", em 21 de maio de 2003 [, e onde diz do Amílcar Cabral: "Aunque no era comunista, tenía vastos conocimientos del marxismo- leninismo"]:


(...) Así, en el Frente Este, atacamos el cuartel de Madina Boé, una fortaleza muy bien protegida por los tugas (portugueses) con el apoyo de miembros de la tribu fula, que eran los que estaban en la superficie, ya que los soldados estaban en trincheras bien cubiertas o bajo tierra.

Me encontraba al lado de Domingo, quien con la mitad de su cuerpo cubría el mío para protegerme, cosa que no pude evitar, y abrimos fuego con un cañón B-10 desde una pequeña elevación situada a unos 600 metros del cuartel. Los portugueses tenían colimada la zona y respondieron con certeros disparos de mortero, mientras nosotros continuamos haciendo fuego con el cañón sin retroceso, ametralladoras y fusiles.

Un rato después de iniciado el combate, sentí que corría por el lado derecho de mi espalda un líquido caliente y pensé que estaba herido por uno de los morterazos que caían a nuestro alrededor. Era Domingo, sangraba copiosamente. Tomé su cuerpo en unión de otro compañero y lo condujimos al puesto médico, situado a unos cien metros de la zona de combate. El médico cubano me informó que había fallecido. No podíamos dejar el cadáver del dirigente guineano en manos portuguesas. Tomamos su cuerpo y en un camión nos trasladamos a través de sembrados de arroz hacia la frontera con Conakry.

Llegamos a Boké, donde se encontraba el puesto de mando fronterizo y entregamos su cadáver al compañero Arístides Pereira, para que pudieran darle sepultura y rendirle los honores que merecía este luchador, que fue uno de los primeros altos jefes del PAIGC en caer en combate.

Los cubanos continuaron combatiendo junto al PAIGC en numerosas acciones militares. Nueve de ellos entregaron allí su sangre generosa: Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro LLopins, Radamés Sánchez Bejerano, Eduardo Solís Renté, Felipe Barriendo Laporte, Radamés Despaigne Robert y Edilberto González. (...)

[3] - Note-se como Oramas, numa lógica de culto da personalidade, tradicional nas ditaduras comunistas, fantasia sobre a acção do chefe guerrilheiro [, Domingos Ramos.] para a acomodar ao seu estatuto de herói nacional, apesar do desaire sofrido. 

Não me parece nada credível que o movimento de Domingos Ramos tenha sido para cobrir o Ulises que é um preto matulão. Era mais digno e honroso que se atirasse para cima da Isabel. O mais provável é que Domingos Ramos que estava de pé, pois era o chefe e só assim conseguia ver os impactos do B-10, tenha sido atingido e desfaleceu caindo sobre o Ulises que estava ao seu lado.

[Vd. também postes de:


18 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo) ]

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Notas do editor :

(*) Vd. postes de:

25 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21293: Bibliografia de uma guerra (97): "A Batalha do Quitafine", de José Francisco Nico, Ten-General PilAv. O livro pode ser adquirido através do endereço "batalhadoquitafine@sapo.pt" (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21399: Efemérides (335): Cumpre-se hoje 28 de Setembro, 53 anos da minha chegada à Guiné no HC-54 Skymaster 7504. Uma memória com mais de meio século (Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69) com data de 22 de Agosto de 2020:


UMA MEMÓRIA COM MAIS DE MEIO SÉCULO!

Cumpre-se hoje 28 de Setembro, 53 anos da minha chegada à Guiné no HC-54 Skymaster 7504.
Guardei para sempre a recordação da abertura da porta de cabine dos passageiros e da baforada de ar quente rançoso e húmido, proveniente de águas paradas e dos muitos rios lodosos existentes no território.
Esta foi a antevisão desagradável do que nos esperava: um clima doentio e que marcaria indelevelmente para sempre as nossas vidas.

Para além de muitos outros de quem não guardo memória, chegaram no mesmo voo os Tenentes Pil./ Aviadores José Nico e Rui Balacó.
Com eles convivi na Esquadra de Fiat's até ao fim da comissão.

Foram cerca de 22 meses em que interagimos diariamente na Esquadra de Tigres, eu como Mecânico na Linha da frente e eles Pil./Aviadores.
Pragmaticamente todos aceitámos o drama de guerra, irregular, assimétrica e mortífera que enfrentaríamos no futuro imediato, lutando para tentar preservar um legado deixado pelos nossos antepassados. A guerra na Guiné teve características muito diferentes da que se travava em Angola e Moçambique.
A elevada organização da guerrilha e a forma como a sua luta se iniciou, através de acções de combate e não com massacres como em Angola, eram reveladores das dificuldades que as FA iriam ter neste território. O movimento de gerrilheiros contra o qual iríamos lutar, era o Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC).

Na Guiné, não só os factores históricos e a hostilidade da geografia e do clima tornaram difícil a actuação das FA.

Para piorar a situação militar portuguesa, em termos de apoio aéreo, fundamental para a nossa defesa, devido a pressões exercidas pelos EUA, a FAP foi obrigada a retirar da Guiné os oito F-86F, a principal arma de ataque aéreo de que dispunha. Desde a retirada destes, em finais de Outubro de 1964, e a chegada dos seus substitutos, os novos caças FIAT G-91 R4 adquiridos à Alemanha Ocidental. As missões de apoio aéreo próximo às forças no terreno foram entretanto garantidas pelas aeronaves T-6G. Este era um avião que estava longe de possuir o mesmo poder de fogo do anterior F-86F ou do posterior FIAT G-91 R4.

Aqui deixo o meu abraço de grande estima ao General J. Nico e ao Coronel R. Balacó (que felizmente ainda se encontram entre nós) assim como a todos os companheiros de todas as Esquadras e que contribuíram com o seu esforço e as suas vidas para Portugal poder ter orgulho nos seus filhos que lutaram com honra e dignidade para preservar o que nos tinha sido legado!

Um abraço,
Mário Santos

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21295: Efemérides (334): O Dia do Combatente Limiano, em 24 de agosto de 2020, foi partilhado com um "anjo da guarda", Rosa Serra (Mário Leitão)