Foto nº 1 > Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) > Canhão s/r, vendo-se ao fundo uma das célebres colinas do Boé que rodeavam o aquartelamento.
Foto nº 2 > Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) > Abrigo
[Duas das 38 fotos de Madina do Boé com que o Manuel Coelho nos brindou em 2011 e que já publicámos no nosso blogue, sendo até agora o melhor registo fotográfico que conhecemos deste mítico aquartelamento. Justifica-se a republicação, um dia destes, do conjunto, por temas. (LG)]
Fotos: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas]
Portimão, Grupo Lusófona.
1. INTRODUÇÃO
Dando continuidade ao projecto de investigação que tem por título «d(o) outro lado do combate», seguimos com mais algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.
No poste anterior, iniciámos a entrevista ao médico militar Virgílio Camacho Duverger [1934-2003], a terceira no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação [Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
Dando continuidade ao projecto de investigação que tem por título «d(o) outro lado do combate», seguimos com mais algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.
No poste anterior, iniciámos a entrevista ao médico militar Virgílio Camacho Duverger [1934-2003], a terceira no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação [Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
Uma vez que se trata de uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net.
Por outro lado, este segundo poste, referente ao médico Virgílio Camacho Duverger, irá ter, certamente, comentários de grande valor histórico por parte dos bravos camaradas, ex-combatentes, onde os factos relatados estão prestes a completar cinquenta anos. É muito tempo… mas acredito que os episódios marcantes para aqueles que os viveram em Madina do Boé (ou na região do Boé), e foram muitos e dramáticos, nem todos são conhecidos. Eis uma oportunidade…
2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [II]
Virgílio Camacho Duverger, cujo nome de guerra era "Vítor Córdoba Duque”, nasceu a 29 de novembro de 1934, em Guantánamo, chegando à Guiné-Conacri nos primeiros dias de junho de 1966, a seis meses de completar trinta e dois anos de vida e sete anos após ter ingressado no Exército Rebelde como técnico de saúde.
Concluiu o curso de medicina em Havana em dezembro de 1960, incorporando-se como médico militar. No dia seguinte a obter o seu diploma foi mobilizado para Mariel, seguindo-se, depois, a transferência para La Limpia del Escambray como médico militar.
Poucos meses depois é designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural. Seguiu-se Minas de Frio, uma localidade existente na Serra Maestra, aonde funcionava a escola de recrutas [cadetes] que Ernesto Che Guevara [1928-1967] havia fundado em 1958.
Como era militar, enviaram-no para o acampamento Pino del Agua, na província de Oriente, para depois rumar ao Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Central Dr. Carlos J. Finlay como especialista.
Em janeiro de 1966, durante a 1.ª Conferência Tricontinental, é lhe colocada a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro e que no seu caso seria a Guiné-Bissau, que aceita. Faz, então, parte do primeiro contingente de trinta elementos, entre médicos, artilheiros e motoristas-mecânicos, a chegar em missão de ajuda ao PAIGC.
Seguem-se mais alguns desenvolvimentos dessa missão, revelados durante a entrevista dada pelo cirurgião cubano Virgílio Camacho Duverger ao jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, 10 meses antes de morrer.
[A nota introdutória é da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando, pelo desenlace à posteriori, o titulo dado à entrevista: «testemunhos antes da morte». As perguntas vão numeradas, em romano, opção nossa. Optámos também pelo itálico na transcrição da respostas do entrevistado. Os parêntes retos são nossos].
A entrevista ao médico Virgílio Camacho Duverger [1934-2003] foi realizada pelo jornalista e historiador cubano Hedelberto Blanch numa tarde de janeiro de 2003, num pequeno gabinete do Hospital Hermanos Ameijeiras, aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras. Viria a falecer dez meses depois, vítima de enfarte do miocárdio.
Virgílio Camacho Duverger, cujo nome de guerra era "Vítor Córdoba Duque”, nasceu a 29 de novembro de 1934, em Guantánamo, chegando à Guiné-Conacri nos primeiros dias de junho de 1966, a seis meses de completar trinta e dois anos de vida e sete anos após ter ingressado no Exército Rebelde como técnico de saúde.
Concluiu o curso de medicina em Havana em dezembro de 1960, incorporando-se como médico militar. No dia seguinte a obter o seu diploma foi mobilizado para Mariel, seguindo-se, depois, a transferência para La Limpia del Escambray como médico militar.
Poucos meses depois é designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural. Seguiu-se Minas de Frio, uma localidade existente na Serra Maestra, aonde funcionava a escola de recrutas [cadetes] que Ernesto Che Guevara [1928-1967] havia fundado em 1958.
Como era militar, enviaram-no para o acampamento Pino del Agua, na província de Oriente, para depois rumar ao Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Central Dr. Carlos J. Finlay como especialista.
Em janeiro de 1966, durante a 1.ª Conferência Tricontinental, é lhe colocada a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro e que no seu caso seria a Guiné-Bissau, que aceita. Faz, então, parte do primeiro contingente de trinta elementos, entre médicos, artilheiros e motoristas-mecânicos, a chegar em missão de ajuda ao PAIGC.
Seguem-se mais alguns desenvolvimentos dessa missão, revelados durante a entrevista dada pelo cirurgião cubano Virgílio Camacho Duverger ao jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, 10 meses antes de morrer.
Entrevista com 22 questões [Parte 2 > da 8.ª à 12.ª]
“Testemunhos antes da morte” [Cap. XII, pp. 154-165]
[A nota introdutória é da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando, pelo desenlace à posteriori, o titulo dado à entrevista: «testemunhos antes da morte». As perguntas vão numeradas, em romano, opção nossa. Optámos também pelo itálico na transcrição da respostas do entrevistado. Os parêntes retos são nossos].
A entrevista ao médico Virgílio Camacho Duverger [1934-2003] foi realizada pelo jornalista e historiador cubano Hedelberto Blanch numa tarde de janeiro de 2003, num pequeno gabinete do Hospital Hermanos Ameijeiras, aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras. Viria a falecer dez meses depois, vítima de enfarte do miocárdio.
(viii) Após a chegada para onde o destinaram?
Em Conacri estivemos pouco tempo. Uma vez reunimo-nos com Amílcar Cabral [1924-1973]. Do grupo de nove médicos, o dr [Pedro] Labarrere e eu [Virgílio Duverger] éramos os únicos especialistas, alguns eram internos e outros com muito pouco tempo de graduados.
[Guiné > c. 1966//67 > s/l > Provavelmente base de Sambuia, em 1967... Da direita para a esquerda, os médicos Pedro Labarrere (falecido), Domingo Díaz Delgado e Teudy Ojeda... O primeiro da direita era o chefe do grupo cubano da Frente Norte, o tenente Alfonso Pérez Morales (Pina). Foto anexa ao livro de H.L. Blanch (2005). Reproduzida com a devida vénia.]
Na capital da Guiné-Conacri já estavam os que tinham viajado de avião [em março de 1966]. Eu fui para Boké, uma localidade situada perto da fronteira com a Guiné-Bissau, aonde havia um hospital de rectaguarda do PAIGC para a Frente Sul. Naquele tempo, na Guiné-Bissau existiam três frentes de guerra: Leste, Sul e Norte.
Para a Frente Norte, que teriam que passar pelo território do Senegal, vão três médicos: Pedro Labarrere, especialista em medicina interna; Domingo Diaz [Delgado], que tinha pouco tempo de graduado, com alguma experiência em cirurgia [o primeiro entrevistado deste projecto – P16224] e Teudi Ojeda [Suárez], com conhecimentos em ortopedia [Vd. foto acima].
Para a Frente Sul vão três cirurgiões: Rómulo Soler Vaillant, Luís Peraza [Cabrera] e o Bebo [Julio García Olivera], que era cirurgião em Santiago de Cuba.
Em Boké, ficou o Raúl Currás [Regalado], especialista em medicina interna, Jesús Pérez, que fazia ortopedia, e eu [Virgílio Duverger], que era especialista em cirurgia geral [, mais tarde irá especilizar-se em cirurgia cardiovascular].
Ali já se encontrava um médico [italo-]panamiano, de nome Hugo Spadafora [Franco] [1940-1985], que esteve connosco cerca de dois meses e depois não sei para onde foi.
[Segundo José Macedo (DFE21), Hugo Spadafora chegou a Conacri em 10 de fevereiro de 1966, seguindo para Boké, onde recentemente o PAIGC tinha aberto um hospital. (…) Spadafora saiu de Boké para as matas da Guiné-Bissau em julho de 1966, aí permanecendo durante nove meses. Regressou ao Panamá em maio de 1967 (comentário ao P9070)].
Na capital da Guiné-Conacri já estavam os que tinham viajado de avião [em março de 1966]. Eu fui para Boké, uma localidade situada perto da fronteira com a Guiné-Bissau, aonde havia um hospital de rectaguarda do PAIGC para a Frente Sul. Naquele tempo, na Guiné-Bissau existiam três frentes de guerra: Leste, Sul e Norte.
Para a Frente Norte, que teriam que passar pelo território do Senegal, vão três médicos: Pedro Labarrere, especialista em medicina interna; Domingo Diaz [Delgado], que tinha pouco tempo de graduado, com alguma experiência em cirurgia [o primeiro entrevistado deste projecto – P16224] e Teudi Ojeda [Suárez], com conhecimentos em ortopedia [Vd. foto acima].
Para a Frente Sul vão três cirurgiões: Rómulo Soler Vaillant, Luís Peraza [Cabrera] e o Bebo [Julio García Olivera], que era cirurgião em Santiago de Cuba.
Em Boké, ficou o Raúl Currás [Regalado], especialista em medicina interna, Jesús Pérez, que fazia ortopedia, e eu [Virgílio Duverger], que era especialista em cirurgia geral [, mais tarde irá especilizar-se em cirurgia cardiovascular].
Ali já se encontrava um médico [italo-]panamiano, de nome Hugo Spadafora [Franco] [1940-1985], que esteve connosco cerca de dois meses e depois não sei para onde foi.
[Segundo José Macedo (DFE21), Hugo Spadafora chegou a Conacri em 10 de fevereiro de 1966, seguindo para Boké, onde recentemente o PAIGC tinha aberto um hospital. (…) Spadafora saiu de Boké para as matas da Guiné-Bissau em julho de 1966, aí permanecendo durante nove meses. Regressou ao Panamá em maio de 1967 (comentário ao P9070)].
(ix) Passou todo o tempo em Boké?
Com cerca de três meses de estadia em Boké, o dr. Jesús Pérez teve uma icterícia violenta e regressou a Cuba. Ficámos ali só os dois: o Raúl Currás e eu [Virgílio Duverger].
Mais tarde [agosto de 1966?] mudaram-me para a Frente Leste, cujo objectivo principal, do ponto de vista militar, era o quartel de Madina do Boé [onde esteve instalada, entre maio de 1966 e abril de 1967, a CCAÇ 1416, comandada pelo Cap Mil Jorge Monteiro].
Fizemos um "hospitalito" [enfermaria de campanha] no interior da República da Guiné, perto da fronteira com a Guiné-Bissau, para apoiar os combatentes da Frente Leste, cujo chefe era o cmdt Domingos Ramos [nome de guerra “João Có”] do PAIGC .
(x) Em que consistia esse hospital de campanha?
Era muito rudimentar: umas palhotas de colmo com três ou quatro camitas. O médico tinha uma cubata independente, perto da enfermaria, com um rio [Corubal] a cem metros que era necessário para a higiene da instalação.
Depois vieram outros dois médicos cubanos de cirurgia, o dr. [Santiago] Milton Echevarria [Ferrerá] (faleceu em Cuba em 2003) e o dr. Ibrahim [Fernández] Rodriguez, que actualmente é [tenente-coronel, ] professor consultor de cirurgia do Hospital Militar Central Dr. Carlos J. Finlay [com vários artigos publicados na Revista Cubana de Medicina Militar].
Milton Echevarria chega ao nosso hospital de forma indirecta, porque saiude Cuba para cumprir a sua missão em Moçambique, mas por não existir um coordenador naquele país, não pôde ficar, seguindo para integrar esta nossa missão [na Guiné-Bissau].
[O dr. Ibrahim Fernández Rodriguez fez parte da equipa de sete especialistas cubanos que trataram o presidente da Venezuela Hugo Chávez (1954-2013) durante a sua estadia em Cuba. Por esse motivo foram condecorados pelo Governo Venezuelano com a «Ordem dos Libertadores e Libertadoras da Venezuela de 1.ª Classe e Espada», conforme consta no Decreto 9419, publicado no Diário Oficial n.º 40130, a segunda mais importante do país. A primeira é a “lança” e a terceira é a ”flecha”].
(xi) Participou em acções de guerra?
A missão militar mais importante em que participei foi num reconhecimento ao quartel de Madina [do Boé]. Em novembro de 1966, na companhia dos exploradores, o dr. [Santiago] Milton Echevarria [Ferrerá] e eu [Virgílio Duverger] fizemos uma caminhada que durou perto de cinco horas até que chegámos ao local previsto.
Regressámos, e em poucos dias preparou-se o ataque ao quartel, não para o conquistarmos, mas tão só para causar baixas e para dar conta que a guerrilha estava activa.
Guiné > Região de Boé > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento. Foto atribuída a Manuel Domingues, s/d, inserirda no poste P238 (**)
Antes do ataque, fizemos um posto avançado. Comigo ia um enfermeiro anestesista do Hospital Dr. Carlos J. Finlay [Havana] que se havia incorporado. Este enfermeiro estivera inicialmente em Boké [hospital de rectaguarda] na companhia do dr. Noronha, de um clínico de radiologia e de um clínico de laboratório.
Entrámos em território da Guiné-Bissau para estar mais perto do combate, de modo a facilitar a assistência médica aos combatentes que ficassem feridos. Essa foi uma experiência repetida nas Frentes Norte e Sul do país, aonde as distâncias eram grandes e às vezes os feridos demoravam vários dias para chegar ao hospital.
A primeira morteirada lançada pelos portugueses [da guarnição de Madina do Boé, a CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local aonde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos [foto ao lado com Amílcar Cabral – P16246]. Os estilhaços atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta, não lhe tendo dado tempo para o levar até ao hospital, situado na fronteira, e para o poder operar. O posto sanitário avançado era só para prestar os primeiros socorros. Durante a evacuação a caminho do hospital, Domingos Ramos faleceu [em 10 de novembro de 1966].
Embora médico, eu ia armado pois em algum momento poderia ter de combater. Do lugar aonde estávamos ouvia-se perfeitamente o ruído das viaturas dos portugueses, assim como dos disparos de artilharia: obuses [, granadas de canhão s/r, não havia obuses] e morteiros. O posto médico estava a cerca de três quilómetros do combate.
[Este episódio é descrito pelo “internacionalista” cubano Ulises Estrada Lescaille, Ulises, só com um "s", nome de guerra de Dâmaso José Lescaille Tabares (1934-2014), chegado à Guiné-Bissau na sequência do contacto que estabelecera com Amílcar Cabral durante a Primeira Conferência Tricontinental, realizada em Havana em janeiro de 1966, nos seguintes termos:
“Eu encontrava-me ao lado de Domingos [Ramos], em que metade do seu corpo cobria o meu para proteger-me, coisa que não pude evitar, e abrimos fogo com um canhão B-10 colocado numa pequena elevação situada a cerca de seiscentos metros do quartel. Os portugueses [CCAÇ 1416] tinham montado postos de vigia na zona e responderam com disparos certeiros de morteiro, embora nós continuássemos a disparar com o canhão sem recuo, metralhadoras e espingardas.
Pouco tempo depois de iniciado o combate, senti que corria pelo lado direito das minhas costas um líquido quente e pensei que estava ferido por uma das morteiradas que caíam ao nosso redor. Era Domingos [Ramos], sangrava abundantemente. Peguei no seu corpo com a ajuda de outro companheiro e o conduzimos ao posto médico, situado a cem metros da zona do combate. O médico cubano [?, pois havia mais do que um] informou-me que havia falecido.
Não podíamos deixar o cadáver do dirigente guineense nas mãos dos portugueses. Pegámos no seu corpo e num camião nos deslocámos pelos campos de arroz até à fronteira com Conacri. Chegámos a Boké, aonde se encontrava o posto de comando fronteiriço e entregámos o seu cadáver ao companheiro Aristides [Maria] Pereira [1923-2011], para que pudesse fazer o funeral e render-lhe as honras que merecia este combatente, que foi um dos primeiros grandes chefes do PAIGC a morrer em combate”].
[tradução de JA, do castelhano: «Recordando Amílcar Cabral, líder anticolonialista da Guiné-Bissau», em: http;//45-rpm.net/sitio-antiguo/palante/cabral.htm].
(xii) Esteve até ao fim da missão no Leste da Guiné ?
Entrámos em território da Guiné-Bissau para estar mais perto do combate, de modo a facilitar a assistência médica aos combatentes que ficassem feridos. Essa foi uma experiência repetida nas Frentes Norte e Sul do país, aonde as distâncias eram grandes e às vezes os feridos demoravam vários dias para chegar ao hospital.
A primeira morteirada lançada pelos portugueses [da guarnição de Madina do Boé, a CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local aonde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos [foto ao lado com Amílcar Cabral – P16246]. Os estilhaços atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta, não lhe tendo dado tempo para o levar até ao hospital, situado na fronteira, e para o poder operar. O posto sanitário avançado era só para prestar os primeiros socorros. Durante a evacuação a caminho do hospital, Domingos Ramos faleceu [em 10 de novembro de 1966].
Embora médico, eu ia armado pois em algum momento poderia ter de combater. Do lugar aonde estávamos ouvia-se perfeitamente o ruído das viaturas dos portugueses, assim como dos disparos de artilharia: obuses [, granadas de canhão s/r, não havia obuses] e morteiros. O posto médico estava a cerca de três quilómetros do combate.
[Este episódio é descrito pelo “internacionalista” cubano Ulises Estrada Lescaille, Ulises, só com um "s", nome de guerra de Dâmaso José Lescaille Tabares (1934-2014), chegado à Guiné-Bissau na sequência do contacto que estabelecera com Amílcar Cabral durante a Primeira Conferência Tricontinental, realizada em Havana em janeiro de 1966, nos seguintes termos:
“Eu encontrava-me ao lado de Domingos [Ramos], em que metade do seu corpo cobria o meu para proteger-me, coisa que não pude evitar, e abrimos fogo com um canhão B-10 colocado numa pequena elevação situada a cerca de seiscentos metros do quartel. Os portugueses [CCAÇ 1416] tinham montado postos de vigia na zona e responderam com disparos certeiros de morteiro, embora nós continuássemos a disparar com o canhão sem recuo, metralhadoras e espingardas.
Pouco tempo depois de iniciado o combate, senti que corria pelo lado direito das minhas costas um líquido quente e pensei que estava ferido por uma das morteiradas que caíam ao nosso redor. Era Domingos [Ramos], sangrava abundantemente. Peguei no seu corpo com a ajuda de outro companheiro e o conduzimos ao posto médico, situado a cem metros da zona do combate. O médico cubano [?, pois havia mais do que um] informou-me que havia falecido.
Não podíamos deixar o cadáver do dirigente guineense nas mãos dos portugueses. Pegámos no seu corpo e num camião nos deslocámos pelos campos de arroz até à fronteira com Conacri. Chegámos a Boké, aonde se encontrava o posto de comando fronteiriço e entregámos o seu cadáver ao companheiro Aristides [Maria] Pereira [1923-2011], para que pudesse fazer o funeral e render-lhe as honras que merecia este combatente, que foi um dos primeiros grandes chefes do PAIGC a morrer em combate”].
[tradução de JA, do castelhano: «Recordando Amílcar Cabral, líder anticolonialista da Guiné-Bissau», em: http;//45-rpm.net/sitio-antiguo/palante/cabral.htm].
(xii) Esteve até ao fim da missão no Leste da Guiné ?
Não. Como aí estava já há um ano, em junho de 1967, o dr. Rómulo Soler Vaillant, que estava na Frente Sul com Bebo [Julio García Olivera] e Luís Peraza [Cabrera], adoeceu e enviam.-no para Madina do Boé, aonde o trabalho era menos intenso, e a mim transferem-me dali com destino ao Sul [Frente].
Nessa altura já aí se encontrava o comandante Victor Dreke [Moya] como chefe da Missão Militar Cubana, e também começámos a receber aprovisionamento logístico (viveres) de Cuba, que anteriormente não tínhamos. No hospital do Sul tínhamos um caçador nativo, que era combatente, e que assegurava a proteína dos feridos e do pessoal do hospital.
Quando substitui o dr. Rómulo [Soler Vaillant], sou nomeado chefe do Hospital Militar de Boké que, como disse, estava em território da Guiné-Conacri.
(Continua) (***)
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Notas do editor:
(**) Vd. poste de 25 de outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P238: Antologia (22): Madina do Boé, por Jorge Monteiro (CCAÇ 1416, 1965/67) (Luís Graça)
(***) Último poste da série > 17 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16608: Notas de leitura (891): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (2) (Mário Beja Santos)
16 comentários:
Jorge, pelo que leio este Duverger, médico militar, cirurgião, mais velho do que os outros médicos "internacionalistas", foi mais "fino", puxou dos galões e ficou na retaguarda, à frente do "hospital" de Boké, ao abrigo dos ataques da nossa artilharia, dos Fiat G-91 e das nossas emboscadas...
Ele próprio considera que a aua missão militar mais importante foi o reconhecimento do quartel de Madina do Boé, em novembro de 1966, com 5 horas a andar no mato, desde a fronteira com a Guiné-Conacri... Essa missão irá custar a vida ao Domingos Ramos...
De qualquer modo, ele devia ser o médico mais qualificado da missão...É parco em (in)confidências...
Quanto ao Ulises Estrada (só com um "s"), conheci-o no Simpósio Internacional de Guileje, em março de 2008, em Bissau, tal como ao embaixador Oramas... Este muito mais aberto e afável... O Ulises (nome de guerra) pareceu-me doente, com alguma crise de paludismo,,, Não deu para conversar muito, e menos ainda para criar alguma empatia... Foi pena, afibal estivemos na mesma guerra, se bem que em lados diferentes...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Ulises%20Estrada
O Ulises Estrada, um "negão", fora combatente da Sierra Maestra, o que em Cuba dava lugar a epiteto de herói e promoção a comandante... Mas a paixão da sua vida terá sido a famosa Tânia, a "passionária" guevarista, artgentina, de de origem judaicao-alemã, sobre quen escreveu dois livros... Mesmo o mais empedernido revolucionário é capaz de esconder um coração romântico...
Ulises Estrada- "Tania: Undercover with Che Guevara in Bolivia" (Paperback, June 2005).
De seu nome, Haydée Tamara Bunke Bíder, nasceu em 1937, na Argentina, sendo de origem judaico-alemã. Os pais fixaram-se, depois da guerra, na Alemanha comunista. Tânia, uma mulher inteligente, apaixonada, sedutora e controversa, aderiu à Revolução Cubana. Torna-se espia dos cubanos e faz, na Bolívia, à guerrilha de 'Che' Guevara. Morre aos 30 anos, em 1967, numa emboscada.
Deve ter sido um tempo "louco", este, o das décadas de 1960/70... Nâo sei como a história os irá tratar, a estes homens e mulheres... Santos, heróis, loucos, diabos ?... Não temos o devido distanciamento para os poder julgar... E depois não somos juízes do Tribunal da História...
Ab. Luís
.. Nada de confusões, o nosso Mário Fitas também teve a sua Tânia que lhe ia dando cabo da cabeça.... Neste caso, uma Maria de Deus que, em Lamego, o incita a desertar para terras de França... por amor:
(...) Aqui existe outra mulher especial na vida do ranger que consegue incutir força para a resistência. Apesar dos seus dezoito anos, Maria de Deus explica ao jovem militar a razão das coisas, mas não consegue influenciá-lo a fugir das terras para Norte. No entanto aqui começou uma louca doação. Ao aquartelamento de Cufar na Guiné chegarão, mais tarde, montes de cartas e aerogramas, trocar-se-ão poemas, falar-se-á da vida, da guerra e da morte. Haveria que fazer qualquer coisa!... A jovem incute no militar a aventura da fuga para França durante as férias. O militar prepara-se para a loucura, mas… há os velhotes e, nas terras para os lados do Norte, Tânia essa estranha força mais forte que o vento, não deixa voar o pensamento acorrentado de Vagabundo. Tão forte na guerra e tão frágil pela imagem de uma mulher que nunca será sua!... Uma mulher, que possivelmente até a sua existência já desconhece. (...)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2016/05/guine-6374-p16063-pre-publicacao-o.html
Jorge Araujo
18 out 2016 15:12
Luís, espero que esteja tudo bem contigo. (...)
Quanto ao modo como estes homens e mulheres vão ser entendidos/compreendidos no futuro... é, como tudo na vida, uma incógnita. Certamente que dependerá do rumo dado ao desenvolvimento da humanidade, por influência dos três poderes: político, económico e social, onde a história deverá ter um papel insubstituível.
Naturalmente que aquilo que vou escrever a seguir não acescenta nada ao que já sabes, pois é a tua área de formação... é apenas um desabafo,
Mas como é que é possível preparar o futuro, sem se conhecer o passado, as suas origens: a do próprio e a dos outros?
Se não se conhece as origens... e a história... como é possível compreender as diferentes etapas da evolução humana, dos seus itinerários e das influências que lhes estão associadas?
Por experiência feita ao longo da vida, onde se inclui a profissional, constato que a "HISTÓRIA", enquanto macro conceito, é, no presente, pouco apetecível (como outras matérias), pois implica estudo, compreensão e explicação dos diferentes fenómenos - factos e feitos ou ocorrências e resultados, todos eles, no entanto, intrinsecos à natureza humana, no domínio do pensamento, onde se alojam as crenças, as expectativas, os comportamentos, os desempenhos, em suma: a nossa vida e o que somos.
Estamos, também, a viver um "tempo louco" ainda que diferente, naturalmente, do que viveu Ulises e a sua amada Tânia.
Até breve. Um ab. Jorge Araújo.
Nota: para o processo ficar completo e perfeito, por lapso não incluiste o meu nome na etiqueta do poste.
Olá, boa tarde,
Muito breve: a Tânia "trabalhava" para os Sovéticos e, lógicamente, deixava um pouco para os Cubanos.Parece ter tido contactos com o Regis Debray, francês,que viria a ser preso pelos bolivianos, talvez devido ao que escreveu "Revolution dans la Revolution" em apoio aos mineiros bolivianos....etc. Houve grande barulho com essa prisão, o pai dele era ministro em França, e essa prisão, com o barulho internacinal, foi negativa para a imagem da Bolivia.
Dizem, eu tenho ali apontamentos (?) se ainda forem vivos, que implicavam a Tânia na ajuda na prisão do Che e, devido ao estoiro internacional ,quando da prisão do R.debray, o Che foi assassinado.Pior a emenda do que o soneto, felizmente.
A memória e a pressa podem ter falhado e isso é aborrecido.Foi assunto que me interessou outrora.Até podia escrever uma "estória" passada e Bambadinca... em Bambadica? Sim pios haviam "bufos" em toda a parte. Vidas...tantas Vidas...
Abraço ao Luis eao Jorge
Abraços á Tertúlia toda, claro;
Ab,T.
Meu camarada da Mansambo, meu caro Torcato, nosso colaborador permanente, grã-tabanqueiro da primeira hora, com quase duas centenas e meia de referências no blogue... Agora mais a retaguarda, gozando o repouso do guerreiro...
Fico feliz por ver-te por aqui, nos "bastidores" do blogue, nesta caixinha de comentários onde se escreve com todas as letras, de maneira livre e franca, mas leal, como deve ser ser, entre camaradas e amigos...
Aparece mais vezes, sempre que apetecer... Temos 656 páginas de comentários a multiplicar por 100, o que faz 65600, e alguns, bastantes, são teus. Estão disponíveis, por ordem cronológica... Precisava de um "escravo" só para os tratar... Há aqui peças notáveis, com coisas que deveriam ir para a montra do blogue...
Ab. grande, Luis
Caros amigos,
No periodo de 13 a 17 de Setembro 2016, em missao de servico e viajando de motorizada porque a jangada em Tchetche estava avariada, passei por Madina de Boe a caminho de Dandum. Depois da Tabanca de Madina onde estava o aquartelamento, numa distancia de mais ou menos 2/3 km, deparamos com uma placa indicativa colocada perto do caminho e disseram-nos que era o sitio onde fora sepultado (?) o Domingos Ramos. Se calhar devo ter ouvido mal ou entao sou obrigado a concluir que existe um equivoco a volta do local onde ele teria sido enterrado, depois de ler as declaracoes do Internacionalista Cubano Ulises Estrada Lescaille que diz, no texto ora traduzido e apresentado por Jorge:
"Não podíamos deixar o cadáver do dirigente guineense nas mãos dos portugueses. Pegámos no seu corpo e num camião nos deslocámos pelos campos de arroz até à fronteira com Conacri. Chegámos a Boké, aonde se encontrava o posto de comando fronteiriço e entregámos o seu cadáver ao companheiro Aristides [Maria] Pereira [1923-2011], para que pudesse fazer o funeral e render-lhe as honras que merecia este combatente, que foi um dos primeiros grandes chefes do PAIGC a morrer em combate”].
Alias, sobre a morte do Heroi Nacional Domingos Ramos existe todo um mito (propangadistico?) criado pelo PAIGC e transmitido atraves dos manuais escolares em como, antes de morrer o Domingos Ramos teria declarado, estou a citar de cor: " Caros camaradas, a luta eh assim, uns ficam pelo caminho e outros continuam para a frente, ate a Vitoria final".
Com um abraco amigo,
Cherno Balde
Caro amigo Cherno,
A situação que descreves deve estar relacionada com o narrado pelo médico Domingo Diaz Delgado [P16304] onde afirma:
[...] "Na zona de Madina do Boé morreu um companheiro cubano por uma úlcera perfurada ao comer umas folhas ácidas daquele lugar... A este companheiro se lhe perfurou o estômago e quando chega às minhas mãos [em 19 de julho de 1967, portanto oito meses depois de Domingos Ramos] está em agonia. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para lhe conter a hemorragia... Este companheiro foi sepultado ao lado da base aonde nos encontrávamos [precisamente a cerca de três quilómetros do aquartelamento de Madina do Boé].
Será que existe alguma correlação?
Um abraço,
Jorge Araújo.
Sobre o Ulises Estrada, que eu conheci em Bissau, no decurso do Simpósio Internacional de Guiledge (Bissau, 1-7 de março de 2008), escrevi um texto, que inclui a sinopse da sua comunicação (escrita)... Recordo-me de ele ter falado da morte do Domingos Ramos, tendo cadáver sido levado para Boké...
24 DE JULHO DE 2008
Guiné 63/74 - P3090: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação do cubano Ulises Estrada
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2008/07/guin-6374-p3085-simpsio-internacional.html
Sinopse:
Neste excerto, Ulises Estrada que chega à Guiné em meados de 1966 - não fazendo parte, por isso, do primeiro contingente cubano, que era composto por 3 médicos e 3 artilheiros, chegados a 29 de Abril de 1966 - relata o esforço dos voluntários cubanos na luta de libertação, ao lado dos guerrilheiros do PAIGC (...)
Faz referência a ataques em que ele próprio participou, desde o Olossato a Farim, desde Buba ao Morés, incluindo uma emboscada na estrada de Enxalé-Portugole, e um ataque ao destacamento de Missirá, no Cuor, a norte do Rio Geba (em Dezembro de 1966), a nossa conhecida Missirá onde estiveram, em épocas diferentes, os nossos camaradas Beja Santos (Pel Caç Nat 52, 1968/69) e Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1970/71).
Evoca também a figura de Domingos Ramos, chefe da Frente Leste e comissário político do PAIGC, que morre a seu lado a 10 de Novembro de 1966, num ataque de artilharia (1 canhão s/r) e infantaria ao quartel de Madina do Boé.
O Ulises disse-me pessoalmente, em Bissau, que o Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro, quando o tentava proteger (a ele, Ulises). O seu corpo foi resgatado pelo cubano, "para que não caísse nas mãos dos portugueses" (sic), e levado a seguir para a base de Boké, na Guiné-Conacri, onde foi entregue a Aristides Pereira.
Ulises diz do seu camarada guineense que era um grande homem, um grande combatente, e um grande líder político (...).
Ulises Estrada fala ainda de outros combatentes cubanos que se destacaram na luta de libertação na Guiné, incluindo o comandante Raul Diaz Arguelles que esteve ao lado de 'Nino' Vieira no cerco de Guileje, em maio de 1973 (e que viria a morrer em Angola, em dezembro de 1975, na Batalha da Ponte 14, em que o MPLA e os seus aliados cubanos foram massacrados pelas tropas da África do Sul).
Referiu ainda o nome (mal perceptível) de um tal coronel Fernandez Caturno (?), que comandava o pelotão de bazucas (RPG 7). Foi referido ainda o nome do Capitão Pedro Rodriguez Peralta, ferido e capturado pela CCP 122 / BCP 12, em 18 de novembro de 1969, no corredor de Guileje (Operação Jove).
No final, é lida a lista dos nomes dos 9 cubanos que morreram em combate na Guiné, incluindo um médico, o 1º tenente médico Angel Sequera Palácios (?). Há tempos li, noutra fonte (cubana), que teriam morrido 17 cubanos na guerra da Guiné (...)
Ulises Estrada e Oscar Oramas foram os únicos cubanos que participaram no Simpósio Internacional de Guileje, como oradores. Tal como os restantes convidados estrangeiros, incluindo os portugueses, estiveram hospedados no Hotel Azalai (antigo 24 de Setembro).
À hora das refeições, nas idas e vindas de autocarro, e nos programas sociais, tivemos oportunidade de conviver um pouco mais com estes cidadãos cubanos que, durante a guerra colonial/luta de libertação, desempenharam papéis diferentes. Objectivamente eram nossos inimigos. Em Bisssau (e na visita ao sul da Guné) comportámo-nos como velhos combatentes que o passado de guerra aproximou, em vez de separar. (...)
Olá, Cherno.
No livro "Crónica da Libertação", Luís Cabral escreveu (pag. 272) que os companheiros do Domingos Ramos não se mostravam seguros dele chegar com vida ao posto médico, perto da fronteira e que ele pedira um papel e escrevera, antes de expirar:
- "Camarada Cabral.
A luta é assim. Tem de haver sacrifícios. Para a frente. A vitória é nossa. Viva o PAIGC. Viva o Povo da Guiné e de Cabo Verde".
Abraço
Manuel Luís Lomba
Ver o vídeo que publiquei no blogue, com um excerto da comunicação do Ulises Estrada... Essa história das últimas palavras escritas ao Amílcar Cabral deve ser treta, para consumo interno e externo... Ulises Estrada também podia ter "composto o ralhete" mas não o fez, o que só abona a sua honestidade intelectual... Muito provavelmente não conhecia o livro do Luís Cabral, "Crónica da Libertação"... Atenção que o 'Nino' Vieira não compareceu a nenhuma das sessões do Simpósio... Apareceu, no fim, na sessão de encerramento., rodeado de guarda-costas, e fez uma intervenção" para a História... Não tenho a certeza se gravei essa cena... Sobre o Ulises, aqui vai:
Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Terça-Feira, 4 de Março de 2008 > Painel 1 > Guiledje e a Guerra Colonial/Guerra de Libertação (Moderador: João José Monteiro, Universidade Colinas de Boé) > Comunicação: 11h30 – 12h00: Ulisses Estrada (Ex-Militar, diplomata, jornalista e escritor cubano) – Internacionalismo cubano e a participação de Cuba no esforço da guerra de libertação da Guiné-Bissau.
Vídeo (5' 49''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
A referência ao Domingos Ramos aparece logo por volta dos primeiros 60 segundos...onde ele diz taxativamente que o corpo do Domingos Ramos foi levado para a base de Boké e entregue ao Aristides Pereira.
O depoimento do dr. Duverger também não deixa dúvidas sobre a gravidade do ferimento (mortal) do Domingos Ramos: uma ruptura hepática violenta causada por um estilhaço de morteiro... Não terá sido imediatamente socorrido (o médico cubano estava a 3 km do local), e o desfecho foi fatal... Quanto tempo poderá ser aguentado ? Os nossos camaradas médicos que nos ajudem a calcular o tempo da agonia...
(...) "A primeira morteirada lançada pelos portugueses [da guarnição de Madina do Boé, a CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local aonde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos (...). Os estilhaços atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta, não lhe tendo dado tempo para o levar até ao hospital [de Boké], situado na fronteira, e para o poder operar. O posto sanitário avançado [, a 3 km de Madina do Boé, onde estava a equipa médica...] era só para prestar os primeiros socorros. Durante a evacuação a caminho do hospital, Domingos Ramos faleceu [em 10 de novembro de 1966]." (...)
... Atenção, até à fronteira foram a penantes, com o corpo do Domingos Ramos já, seguarmente, cadáver... Só depois, já na Guiné-Conacri, é que apanharam um camião, e foram, "por campos de arroz" (?), até à base de Boké...
O Ulises Estrada está a seu lado quando é ferido mortalmente, leva-o até ao posto médico avançado, na fronteira (onde está o Duverger)... São 3 km (?) com uma maca, improvisada, com um corpo pesado de um atleta, na região do Boé, levaria bem uma hora a fazer, mesmo com gente experiente... Aliás, não são 3 km, são 9 ou 10, em linha reta (!), de Madina do Boé até à fronteira (vd. a carta de Madina do Boé)...
Não estou a imaginar o Domingos Ramos, com uma grave hemorragia interna, e em estado de choque, a mandar parar os seus companheiros, pedir papel e lápis e escrever: "Camarada Cabral. A luta é assim. Tem de haver sacrifícios. Para a frente. A vitória é nossa. Viva o PAIGC. Viva o Povo da Guiné e de Cabo Verde"...
É bonito (e bonito demais...), para a posteridade, para o líder Amílcar Cabral, para os militantes, para os países amigos, para a História..., mas muito provavelmente não passa de um mito...
Usa-se e abusa-se dos desgraçados que estão a morrer, nomeadamente em situações-limite como a guerra, atribuindo-se- lhes a autoria de palavras, as últimas, que só podem ser, não de heróis, mas de super-heróis...
Com um estilhaço de aço a perfurar a barriga a alta velocidade, qualquer homem é um pedaço de merda...Depois, sim, podem transformá-lo em santo ou herói...Os que vão morrer a seguir é que precisam do exemplo dos santos e dos heróis... Sempre foi assim, com os nossos "mártires"... Precisamos de santos e de heróis para exorcizar o nosso medo da morte...
Estes testemunhos cubanos, vão ajudar a explicar um pouco o que foi o PAIGC, e o fracasso crónico e histórico (já lá vão 50 anos) para governar uma nação.
O PAIGC, que ficou sempre dependente dos vizinhos e de amigos para combater o colonialismo português, ao serviço de uma ideologia que não dizia nada ao povo guineense, nunca permitiu uma verdadeira emancipação dos guineenses.
O povo da Guiné, só teve algum respeito pelo PAIGC, o respeito que as "armas vindas do mato" impõem.
Ainda nestes dias, o PAIGC, vem nos jornais, foi a Conacry, a verdadeira sede histórica do PAIGC, tentar junto do Presidente da Guiné Conacry, um entendimento político naquele saco de gatos que é o partido.
De certeza que não aproveitaram o momento para um minuto de silêncio, no lugar onde se ouviram os três tiros que liquidaram o Pai da Pátria.
Cumprimentos
Jorge:
Se tiveres tempo, dá uma vista de olhos a este documento sobre a morte do Domingos Ramos. É da autoria do Amílcar Cabral, vem no Arquivo Amílcar Cabral, é de novembro de 1966 (e não fevereiro...).
Ele cita as "últimas palavras" que o Domingos Ramos terá proferido antes de expirar, fala em 30 mortos "tugas" no ataque a Madina do Boé, e aproveita, habilmente, este trágico acontecimento (a morte de umm comandante com a estatura, a popularidade, a experiência e o prestígo do Domingos Ramos, um dos seus "generais") para fazer dele um herói nacional...
Nada que não se tenha visto noutros tempos e noutros lugares. Também fabricámos os nossos heróis assim, e havia o ritual do 10 de junho...
Não vou poder, por estes dias, pegar nisto... São 5 paginas, podes reproduzir e comentar as duas últimas. Enfim, queria aproveitar as interessantes intervenções / comentários da malta ao teu artigo, que dão "pano para mangas"...
A célebre frase "Camarada Cabral. A luta é assim. Tem de haver sacrifícios. Para a frente. A vitória é nossa. Viva o PAIGC. Viva o Povo da Guiné e de Cabo Verde", só pode ser da autoria do Amílcar Cabral... São palavras que vêm nesta carta, de 5 pp., e que é um notável político de um grande líder que faz de um desastre uma ocasião para reforçar o moral dos seus seguidores...
Ele, Cabral, de resto, não estava lá... E se o Domingos Ramos teve tempo (?) de segredar alguma coisa aos seus companheiros, terá sido em crioulo, e o Ulises Estrada não devia perceber ainda o crioulo, ao fim de escassos meses de Guiné... Mas dúvido que o Domingos Ramos tenha dito o que quer seja...
Não há, de resto, nenhum papel com a letra do Domingos Ramos e as suas últimas palavras disponível do Arquivoo do Amílcar Cabral, a menos que tenha desaparecido ou sido destruído...
Enfim, não fiz uam pesquisa exaustiva... Há erros no tratamento de algumas documentos. datas, nomes... Confunde-se, por exemplo, o Domingos Ramos e o Domingos Cá... Em 1970 não pode haver documentos atribuídos ao Domingos Ramos... Enfim, pequenos lapsos que os competentes serviços da Fundação Mário Soares estão sempre em tempo de corrigir. E não é demais salientar a importância que têm este e outros arquivos disponíevis na plataforma Casa Comum.
De qualquer modo, saibamos honrar e respeitar os mortos de um lado e do outro.
Citação:
(1966), "Mensagem aos responsáveis e militantes do PAIGC e aos
combatentes das Forças Armadas por ocasião da morte de Domingos
Ramos", CasaComum.org, Disponível HTTP:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42298 (2016-10-19)
Um traumatismo abdominal provocado por estilhaço(s)....
Se atingir o fígado e se não tiver tratamento imediato (cirurgia)...morre-se em 15 a 20 minutos devido à hemorragia.
C.Martins
Caros camaradas grão-tabanqueiros:
Rectifico:A morte do Domingos Ramos está grafada na pag. 277 do aludido livro e não na 272.
Luís Cabral escreveu que a sua mensagem começara com letra firme, continuou em tremida "mas a última frase em letras irregulares, desceu em oblíquo na pequena folha de papel" e que ele a escrevera por não querer morrer "sem dizer alguma coisa ao Secretário-Geral" (!!!). E também escreve "Do posto onde se encontrava, protegido pelo tronco de uma grande árvore, Domingos Ramos inclinava-se ligeiramente para ver o quartel. Segundos depois dos nossos primeiros tiros, o inimigo (...).
Participamos em operações no Gabu com a Caç 1416 - era malta valente, o seu capitão era miliciano - , antes de render a CCav 702, do nosso BCav 705 e, talvez há 10 anos, um camarada ex-furriel da CCaç 1416, não me lembro do seu nome, contou-me: Haviam ajustado o tiro do morteiro 81 e do canhão s/r 10,7 a um grande poilão, o ataque calou-se aos primeiros tiros, sem ter provocado qualquer baixa, souberam mais tarde que tinham "lerpado" o seu comandante e da Frente Leste, que gostava de calçar botas de cano alto da Cavalaria, quando este observava com binóculos os impactos das suas armas pesadas, à Rommel, sob esse poilão.
Do que foi dito e escrito, há dois indícios da verdade de facto: a árvore grande, referida pelo Luís (os manos Cabral não combatiam de armas na mão) e pelo nosso camarada, creio que fora o comandante da secção de armas pesadas daquela sub-unidade) e que Domingos Ramos utilizava binóculos (observava de cima e, como estes não se curvam, curvou-se ele). Quanto ao Ulises Estrada haver posicionado o seu corpo em escudo de protecção ao Domingos, a bravata é óbvia: escolheram ambos a melhor protecção...
Quanto ao nosso ex-camarada Domingos Ramos, desertara para o PAIGC, não por ideologia, mas como sujeito de uma flagrante injustiça praticada pela a hierarquia. E este blogue registou para a história o patético encontro, entre ele e o seu ex-camada Mário Dias.
Paz à sua alma.
Manuel Luís Lomba
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