Pelo céu cinzento...
Voam alto pelo céu cinzento,
Três corvos negros, à minha frente.
Vão decididos.
Alheios ao silêncio dormente da cidade.
E eu, aqui, aconchegado,
Debito teclas pretas com letras brancas, indefinidas.
Minhas ideias quentes
Vêm dos ares, saltitam
E as tocam notas
Como as dum piano preto.
Minha pauta se enche e esborda
Numa alegre festança de versos livres.
E, no horizonte azul, cintilam as estrelas
Que, de luz de prata, me iluminam.
Que deliciosa sinfonia!...
ouvindo a sexta sinfonia de Beethoven
Berlim, 16 de Outubro de 2016
9h1m
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Flor perfumada...
Quem não levanta do chão
Uma linda flor, esquecida?
A tomei na mão.
A levei para casa.
Ajeitei uma jarra
E a guardei para mim.
Seu perfume se espalhou
E inundou minha casa.
Ao cabo de dias, murchou.
Ficou a tristeza.
Voltei a sair pelo mesmo caminho
Decidido a comprar.
Qual não foi meu espanto,
Uma outra flor se encontrava caída,
No mesmo lugar.
Peguei-a.
Voltei para casa.
Arranjei-lhe a jarra.
Pu-la ao sol.
O perfume voltou.
Ficou a brilhar.
Berlim, 15 de Outubro de 2016
19h45m
JLMG
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Poisei meus pés em África...
Foi há tanto,
Mas bem lembro.
Um Agosto quente. Era rapazote.
O futuro à frente
Que ficou travado.
Parti de Alcântara.
Larguei o Tejo.
Naveguei no mar.
Caravela em ferro.
Levava tanta tropa.
Marinheiro à força.
Cada vez mais longe.
Para lá do trópico.
Entrei no Geba.
Cinzento e largo.
Tempo sombrio.
Dum outro mundo.
Não se via a terra.
Só havia verde.
Apareceu sorrateira.
Aquele chão vermelho.
Num cais distante.
O casario chão.
Uma avenida longa.
A sair do cais.
Uma igreja branca.
Mesmo ali à direita.
O sinaleiro impante,
Num poleiro ao centro.
A limpar desordem.
Que formigueiro escuro.
Mais a tropa branca,
A correr pela rua.
Onde havia cafés,
Em convívio pleno.
Ali era Bissau.
Onde mora a guerra
De que falavam tanto?...
Se não fosse o cheiro,
Nem parecia África!
Berlim, 11 de Outubro de 2016
18h44m
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16581: Blogpoesia (474): "E do uníssono do piano e violino..."; "Semeio para colher..." e "Desço às minhas profundezas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
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