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sexta-feira, 12 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19973: Memórias de Gabú (José Saúde) (85): "Exército" de abelhas (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

As minhas memórias de Gabu 

A mata e os seus mistérios
“Exército” de abelhas

Num esmiuçar de imagens que nos transportam aos tempos da guerra, viajo por terras de Gabu e recordo aquelas horas passadas no mato em que o perigo espreitava e o pessoal era, num outro prisma, também fustigado por um “exército” de abelhas que não davam tréguas ao mais resistente combatente.

Caminhando à toa e sempre pensando no IN que poderia “andar ali perto”, ainda que por outro lado a mensagem passada assentasse basicamente por não descuidar os princípios que a guerrilha impunha, a mata escondia mistérios que muito surpreendia o previdente caminhante.

O habitual camuflado que transportávamos no corpo no interior declarava-se, também, como uma peça fundamental que nós não dispensávamos perante as adversidades que a dureza do matagal envolto em segredos impunha a cada momento.

Procuro o significado de camuflado, melhor, recorro à definição do verbo camuflar, sendo a resposta que aquele usual fardamento era um investimento para “disfarçar ou encobrir” as nossas presenças perante a minuciosa miragem de um IN sempre atento às movimentações das nossas tropas.

Hoje, traga-vos como recordação os austeros momentos em que os enxames de abelhas colocavam o pessoal num autentico frenesim. Sabeis, por certo, que as suas picadas não eram, e nem tão-pouco o são, “coisa” meiga de aguentar, logo as suas surpreendentes “emboscadas” impunham respeito.

Resguardadas em refinadas “trincheiras” de defesa, espreitavam o inimigo que, naquele caso, se julgava imune a eventuais ciladas destes laboriosos “bicharocos”, uma vez que depois de incomodadas soltavam os seus ferrões em direção a um prossuposto adversário que se via completamente desorientado face ao mordaz ataque do tão nefasto e émulo “opositor”.

Este pequeno introito esbarra numa situação em que assisti a um “ataque” de abelhas na região de Gabu. Íamos no mato, há um camarada que inadvertidamente tocou numa árvore e num repente tínhamos em cima de nós um batalhão destes perniciosos “bichos”.  

Os zumbidos eram assustadores, houve camaradas com o ferrão destes maliciosos “insetos” cravados na pele, a malta correu desalmadamente por tudo o que era sítio, existiu, evidentemente, uma momentânea dispersão, seguindo-se o toque a reunir mas com os olhos bem abertos não fosse o diabo tece-las.

Após reunir as tropas a malta comentou o sucedido, houve quem se divertisse com a marosca e outros queixosos pelo então infeliz ataque. Tudo, porém, se enquadrava com o teor do terreno pisado. 

Nas minhas memórias de Gabu guardo, religiosamente, situações em que também fui um agente que interveio nas mais diversificadas situações, sendo que os meus neurónios, não adormecidos, ainda conseguem relatar nacos de um passado distante mas sempre atuais e essencialmente de acordo com as lembranças de todos os meus caríssimos camaradas. 


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________

Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

29 DE JUNHO DE 2019 > Guiné 61/74 - P19930: Memórias de Gabú (José Saúde) (84): Rapaz franzino, de reposta fácil e acertada. O Dias e sua rebeldia. (José Saúde)

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19021: Os nossos capelães (8): Adelino Apolinário da Silva Gouveia, do BCAÇ 506: "Os filhos da p... matam-me!"... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)


Lista dos capelães militares que serviram no CTIG, de 1961 a 1974: excerto, os primeiros vinte nomes da lista (de 1961 a 1966), de um total de 102 (Exército) (a Força Aérea e a Armada tiveram 7 e 4, capelões militares, no CTIG, respetivamente) (*)


1. Texto de Alcídio Marinho, inserido como comentário ao poste P16636:

[Foto à esquerda: Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65): vive no Porto; é membro da nossa Tabanca Gande; tem cerca de 20 referências no nosso blogue; foto atual, à direita]



Na lista [, dos capelães militares que serviram no CTIG, de 1961 a 1974], está o Padre Adelino Apolinário da Silva Gouveia, que eu conheci: pertenceu ao BCAÇ 506.

Acompanhou o pessoal da CCAÇ 412 em muitas operações e deslocava-se aos vários destacamentos no mato, para rezar missa e dar apoio religioso e psicológico a todo  o pessoal. Era como um irmão nosso. Tive algumas conversas com ele.

Era madeirense. Mais tarde, saiu de padre e casou, morava em Lisboa. [Foi assesssor da Estação Agronómica Nacional.] O episódio mais caricato a que assisti, passado com ele, foi o seguinte:

A 27 de fevereiro de 1964, foi lançada a "Operação Marte" à Ponta de Inglês [, subsetor do Xime], onde a nossa companhia sofreu três emboscadas. Na primeira ficou ferido um soldado da minha secção, com um tiro de pistola, pelas costas. Ele que seguia pelo interior do mato, deu a correr para a estrada [Xime-Ponta do Inglês], apesar de lhe ter recomendado que,  em caso de ataque, enfrentasse o mesmo que eu iria socorrê-lo. Quando olho para o lado, está ele deitado, dizendo:
– Marinho, estou ferido.

Verifiquei onde estava ferido e sosseguei-o, dizendo:
– Ó pá,  isso não é nada, tem calma, eu vou chamar o enfermeiro.

Tinha levado um tiro de pistola. Só se via nas costa do seu lado esquerdo, na direcção do baço, uma pequena roseta, por onde tinha entrado o projéctil e veio alojar-se na frente, onde se via uma pequena mancha escura. Nunca foi retirada e ainda, actualmente, se apalpa o projéctil, na sua barriga.

Na segunda emboscada eles atacaram mesmo junto á estrada, e um dos turras viu o capelão Apolinário meter-se atrás da roda traseira dum Unimogue e toca de fazer fogo com uma PPSH (costureirinha).

Então só se ouvia uma voz que gritava:
–  Filhos da pu...ta, mer...da, cara..lho! Quem me acode? Os filhos da puta... matam-me!

Começamos a atacar o local donde vinha o fogo, afastando o perigo do Unimogue. Eis, quando vimos sair,  debaixo do Unimogue, o Padre Apolinário, branco como a cal, com a pistola Walther na mão, tremendo todo como varas verdes. Começamo-nos todos a rir.

Diz ele:
– Se alguém disser o que ouviu e viu, eu juro, a pés juntos, que é tudo calúnias e participo do engraçadinho.

A malta ainda mais se riu. ontinuamos a marcha, e sofremos a terceira emboscada. Fomos atacados por enxames de abelhas.

Naquele pedaço de estrada, nas árvores das bermas, tinham colocado, lá no alto, uma espécie de cortiços, pareciam melões, feitos de barro, onde estavam as abelhas. Quando começou a emboscada, atacaram-nos e, ao mesmo tempo, atiraram aos cortiços, que caíram e partiram, destruindo o habitat das abelhas.

Estas, furiosas, atacavam tudo e todos. Um motorista, o Cândido, caiu e as abelhas atacaram-no e. coitado, acabou por falecer. Tinha em cima dele mais de um palmo de abelhas.

Tirei do meu bornal um volume de tabaco , que distribui pelo pessoal, indicando que metessem nos lábios três ou quatro cigarros e os acendem-se e soprassem para fora, fazendo fumo. Também cortamos capim e toca a fazer archotes para fazer fumo e afastar as abelhas, pois elas eram aos milhares.

Fui picado por uma abelha, na orelha direita que,  passado pouco tempo, ficou dura como uma tábua e do tamanho duma mão.

Entretanto, na refrega da emboscada, ouvimos e vimos o capitão Braga, descalço, tinha tirado as botas e tentava despir-se, parecia um louco e berrava muito.

Os pés já estavam todos queimados, eram duas horas e meia da tarde, o sol queimava e as areias da estrada torravam, de quentes que estavam (52º,  ao sol).

O furriel enfermeiro Silva teve que sedar o capitão. Aí acabou a operação. Toca a voltar para Xime e Bambadinca. (**)

Abraços

Alcídio Marinho
CCaç 412

[Revisão / fixação de texto: LG]

________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16636: Os nossos capelães (5): Relação, até à sua independência, dos Capelães Militares que prestaram serviço no Comando Territorial Independente da Guiné desde 1961 até 1974 (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série >  15 de setembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19018: Os nossos capelães (7): o 1º curso de formação de capelães militares foi em 1967, na Academia Militar

segunda-feira, 13 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17130: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVII Parte: Cap IX - Guerra 2: Em pleno Cantanhez, relembrando o meu companheiro, o meu avô materno, que dizia, quando o almoço se atrasava: "Doze horas é meio dia, / Quem não almoça enfraquece! / Já a água não me mata a sede, / Já o meu amor não me esquece!"


Guiné > Região de Tombali > Cufar >  CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67 > Golpe de mão em que aprisionaram o Calaboço (p. 42)  > Mário Fitas, Gibi Baldé e srgt Jata.

Foto: © Mário Fitas (2016). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto abaixo à esquerda, março de 2016, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais.]

 
Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVII Parte > Cap IX  - Guerra 2 (pp. 53-58)

por Mário Vicente 

Sinopse:

(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante  militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o periquito fur mil Reis, que é devidamente praxado.

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno... 


Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XVII Parte: Cap IX: Guerra 2 (pp. 53-58)

Havia apenas oito dias sobre a varredela em Cabolol, e eis que o 2º Grupo de combate tem de partir para Catió e levar o pelotão de Artilharia. Nessa noite, o grupo da milícia do João Bacar Jaló, estacionado em Priame, detecta que a estrada foi minada, pelo que temos de voltar ao sistema de picagem da mesma. Sorte!...

Mesmo ao cimo da leve subida, quando a estrada entra no túnel da mata, após o vale de capim que separa aquela do cruzamento do Cabaceira, foram detectadas duas “meninas simpáticas, blenorrágicas prostitutas anti-carro” que por nós esperavam, para nos fornicarem o corpo. Que grande porra!... As viaturas e os obuses no vale, se somos emboscados, estamos com as calças na mão. Há que deitar mãos à obra rapidamente e rebentar as minas, coisa que ainda dá problemas, pois  o maluco do Chico Zé as quer levantar em vez de rebentar. Não pode ser!... E se estão armadilhadas? Felizmente que ele é o único com essa ideia, e o Almeida não autoriza. Vagabundo brinca com Chico Zé:
– Oh pá, Zé, porra!... estás farto da malta? Queres-te ir embora já?...

E era verdade, porque estavam armadilhadas.

Depois de rebentadas, deixaram uma cratera que cabia lá um unimog! Toca a tapar o buraco para as viaturas avançarem. Trabalho efectuado, viaturas passadas, pessoal em segurança, vai um minutinho para fumar um cigarrito. Em todos os trabalhos se fuma, como se diz na minha terra, costumava Vagabundo dizer.

Vamos então verificar como funciona a guerrilha, altamente organizada e eficiente contra a nossa ainda ingenuidade. Fumando o cigarro, juntaram-se em amena cavaqueira de guerra nada menos nada mais que: três alferes, três furriéis milicianos e um milícia, Zé de nome e libanês de nacionalidade, sendo de alcunha portanto, o Zé Libanês e que também ninguém sabia porque é que aquela espécie aparecia fazendo a guerra.

Conversa animada no grupo quando, num repente, um clarão chama aflorou da terra, secundado de um grande estrondo e o grupo foi atirado cada um para seu lado. A meio da picada, Chico Zé de gatas em frente de Vagabundo, dizia para este:
– Estou ferido!… Estou ferido!...

Vagabundo vergado, apalpando-se todo dos pés à cabeça, sem olhar para o seu companheiro e tendo em atenção apenas a confirmação da apalpação que a si próprio fazia, e só com o sentido em si, respondia ao companheiro:
– Não, não estás!

Por momentos a mente de todos entrou no vazio. Um gemido levou-os a voltarem à realidade. Olharam na direcção do gemer agora mais forte, e todos viram o alferes de Artilharia estendido na berma. Perna direita levantada, onde apenas uma óssea forca tíbio-perónia aparecia por entre a chamuscada calça camuflada, pois o pé direito tinha desaparecido. Porra!... uma mina anti-pessoal.
– O enfermeiro depressa!–  gritou Almeida.

O artilheiro, que em princípio não ia p’ró mato nem andava no duro e na dança, ali estava agora a receber os primeiros socorros, com esfacelamento total do pé direito, fractura do terço inferior na mesma perna, queimaduras na coxa esquerda e nos braços. Mais um inválido com vinte e quatro anos!

O cabo de transmissões entra em contacto com o aquartelamento que, de imediato, pede evacuação a Bissau que será depois feita de avião. Mas agora como vai ser? Há que levar o camarada para Cufar. Mais outra loucura. Mas a guerra é isto!... Chico Zé, cara toda chamuscada, camuflado cheio de terra, oferece-se:
– Eu levo o Évora para Cufar!

Todos conhecemos a perícia do Zé, autêntico condutor de ralis, mas é perigoso voltar só. Almeida decide rapidamente, acede e manda subir para o unimog o enfermeiro entregando-lhe uma G3 e nomeia outro soldado, que também salta para a viatura. Chico Zé dá a G3 ao condutor que cede o lugar. Com o ferido esticado na caixa, o enfermeiro e soldado segurando o infeliz, Chico Zé, conduzindo o unimog, arranca direito a Cufar. É assim a guerra, ou ficamos todos ou salvamos um!...

Almeida manda o cabo transmitir para Cufar, de onde saem uma auto-metralhadora e o piquete para vir ao reencontro.

O enfermeiro depois contou que nunca tinha andado assim de carro.
–  Aquela “merda” até andava só sobre duas rodas!

Quando a auto-metralhadora e o unimog do piquete faziam a aproximação para entrar na estrada Cufar-Catió, o Chico Zé entrava no fundo da pista a alta velocidade deixando os outros para trás, fazendo a inversão de marcha.

Primeira vítima da estrada maldita! Eles não perdoam!...

Cufar informa e continuamos para Catió. Chegados a Catió não dá para mais nada, é largar os obuses e correr para o cais, aproveitando a maré, pois há que embarcar para o Cachil, na ilha do Como. Temos de fazer a segurança àquele desterro, enquanto os sacrificados vão efectuar uma operação ao Tombali. É chegarmos nós e saírem eles.

Ficam o primeiro sargento e os cozinheiros, para nos darem as explicações sobre a defesa deste forte Apache. Também não tem explicação plausível pois, é já lugar comum que só quem passou por terras da Guiné e pelos diversos aquartelamentos pode aquilatar do poder de adaptação do valoroso soldado português. Desfalcados, com cozinheiros e outros pobres de Deus, defender um aquartelamento daqueles?!... E se o IN soubesse, e fosse lá? Escaqueirava aquela merda toda e os que não morressem seriam apanhados à mão. Vagabundo confirma “in loco” as descrições do Cachil feitas pelo Fernando, homem dos morteiros. Já não vale a pena comentar pois, por vezes, sente-se mesmo a tristeza e a impotência de uma tropa tipo pé descalço.

Quero antes Cufar onde há ar e espaço, quero ir para a estrada, prefiro morrer nas matas de Cabolol do que aqui entoupeirado neste pequenino murado quintal.

A CCAÇ  continua imparável, há que aproveitar o desempenho e moral desta gente. As operações sucedem-se, é a hora certa para dar um salto ao outro lado do Cumbijã, à quinta do Nino, e verificar como estão as coisas por lá. A 8 de Julho de 1965, a Companhia embarca em Impungueda a fim de levar a efeito a operação Satan. Pelas quatro horas da madrugada as três LDM que transportam a CCAÇ encontram-se frente a Caboxanque. Detectados, as forças do PAIGC abrem fogo contra as NT, as lanchas conseguem acostar e o primeiro grupo de combate a desembarcar contra-ataca, desalojando os guerrilheiros.

Conseguindo progredir através de Caboxanque e depois Flaque Injã, pelas 7h00 consegue-se detectar e assaltar um acampamento, o  qual foi destruído bem como várias instalações e uma grande escola do PAIGC, onde é apreendido bastante material e documentação. Entre a documentação são encontradas várias fotografias, uma das quais do nosso amigo Nino em Pequim.

Na descida de Flaque Injã para Caboxanque somos emboscados. Reagindo bem, a Companhia consegue abater seis guerrilheiros, capturar uma espingarda automática e diverso equipamento. No cais de Caboxanque onde se nos juntara a 4.ª CCAÇ  de Bedanda, enquanto se aguardava o embarque, fomos de novo fortemente atacados, mas o IN foi repelido. Sofremos um ferido grave que foi evacuado de helicóptero para Bissau. Já desflorámos o Cantanhez, dizia Jata, e era verdade…Caboxanque e Flaque Injã ficaram a conhecer os “Lassas” na operação Satan.

Há um caso que nos preocupa. Capturar o Alfa Nan Cabo. Já fizemos três golpes de mão para o apanhar e nada. O gajo parece uma enguia. De etnia balanta, cuja religião reside no respeito e obediência ao espírito dos antepassados, já que têm a experiência vivida em dois mundos, vivos e mortos, por consequência com dupla experiência da vida vivida nessa dualidade, estão em melhores condições de orientarem os que andam por cá. A vida é movimento, movimento é vida.

O soprar do vento, o ondular das águas, as chuvas fustigando, o enfurecimento do mar, os rios de maré na sua maravilhosa dualidade, de corrida para a foz ou para montante, o relâmpago rasgando o céu, todas as forças que se manifestam animando os corpos são espíritos que tudo controlam do além.

Voltamos a Cabolol. O guia vindo do Batalhão garante-nos haver um novo acampamento, mas não encontramos nada. Leva-nos ao antigo acampamento que verificamos continua destruído. Divergimos para a tabanca de Cantumane que verificamos encontrar-se deserta. Procedimento normal em termos de anti-guerrilha, proceder à revista de todas as moranças e depósitos de arroz.

Quando o grupo destinado executava essa tarefa, a CCAÇ  foi violentamente atacada por um numeroso grupo IN que se encontrava emboscado na mata a norte. Três ataques sucessivos com armas ligeiras e RPG,  verifica-se a impossibilidade de utilização de morteiros, resultante da proximidade em que as forças se encontram. No entanto é-nos dada a oportunidade de contactarmos com um novo, para nós, método de emboscada, a utilização de abelhas. Os cortiços são postos em pontos estratégicos e, ao desencadearem a emboscada, fazem fogo sobre os referidos cortiços.

As abelhas “lassas” saem lançando-se enfurecidas sobre os nossos homens, desarticulando completamente o dispositivo dos grupos de combate, ficando muita gente incapacitada para combate, e para responder à emboscada. Com algum esforço, consegue-se fazer o envolvimento do IN provocando-lhe várias baixas confirmadas. Pela nossa parte sofremos mais um ferido grave que não viria a resistir, o nosso Madeira, sargento Leandro Vieira Barcelos, é atingido no fígado por uma bala depois de lhe ter perfurado o rádio. O Barcelos não se aguentou e fina-se no dia seguinte, no HM de Bissau. A CCAÇ sofre mais três feridos graves por picadelas de abelhas, que foram também evacuados para o Hospital. Limpeza feita, Cantumane mais uma vez destruída, assim termina a denominada operação Trovão.

O célebre e avidamente tão procurado Alfa Nan Cabo,  de etnia balanta, apresenta-se no aquartelamento de Cufar, entregando-se às nossas forças, passando a colaborar connosco. Irá ser um elemento extraordinário com grande influência na prestação dos Lassas, os quais lhe ficarão a dever o safanço de um morticínio, no outro lado do Cumbijã, que mais tarde contaremos.

Alfa Nan Cabo, balanta, desertor do PAIGC
Alfa Nan Cabo, meu irmão, tens por de trás de ti toda uma história que não vale a pena entrar aqui.

Quero só descrever-te agora, correndo uma cortina sobre a tua vida de menino, blufo e homem. Basta recordar aquele lagarto parecido com uma iguana. Ali nas brasas e a malta toda enojada, verificando aquele manjar, cobiçando apenas a pele do lagarto para curtir. Belo petisco! Apenas uma pequena homenagem, meu irmão, à tua compleição física: muito próximo do metro e noventa de altura, com noventa quilos de peso, anda descalço saltando aos pés juntos para cima de um unimog, levanta o dedo grande do pé direito, dá um chuto na bola de futebol a dez metros do varandim do Comando, e esta rebenta contra o muro.

Cheira o IN à distância. Calcula-se que aqui no sul, o exército popular do PAIGC com maioria de guerrilheiros balantas, cinquenta por cento será formado por indivíduos cuja compleição física será como a do Alfa. Já verificámos isso nos que abatemos e fizemos prisioneiros. Estamos feitos!

Voltamos a caminhos de Cabolol mas seguindo a estrada, passamos nas bordinhas da mata e vamos até à tabanca de Cobumba, numa acção punitiva, por a sua população dar guarida a um grupo de guerrilheiros, que teria causado várias baixas à 4.ª CCAÇ  estacionada em Bedanda, entre as quais se contava um sargento.

Entramos no turbilhão da mata de Cufar com o Torcásio a borrar-se todo e a vomitar, não sabemos se foi qualquer estragada que se lhe deu, ou se o medo que ingeriu, pois quem tem mulher e filhos sempre o “cu” lhe traz a recordação. Já parámos três vezes e com o barulho das descargas e ânsias dos vómitos, de certeza não tardará a nossa posição a ser detectada. Noite de breu… não chove… assim será melhor.

Pára novamente a coluna.
– Que porra!...

Passamos a noite nisto e não tardará que estejamos a levar nos cornos em vez de atingirmos o objectivo, o furriel liga o rádio banana, mas desliga imediatamente, o Fumaça que seguia na sua frente vira-se e sussurra:
– Furriel,  formigas das grandes numa abatis!
– Porra!... Só faltava esta!...

Toca a despir, se estas gajas se pegam à roupa estamos fodidos. Bonito!... O furriel sorri perante o imaginável espectáculo, se fosse noite desse maravilhoso luar africano. Uma centena e tal de cus em movimentação pela picada fora. Trampa de guerra!

Mesmo com todos os contratempos, o objectivo é atingido sem problemas. Cobumba é cercada e a população é apanhada de surpresa. Começa a limpeza com um certo alarido entremeando algumas rajadas sobre alguns fugitivos. Como habitualmente é dirigida à população uma prelecção sobre a guerrilha. É feito prisioneiro o guerrilheiro Malan Cassamá que irá para Cufar com mais uns elementos da população, para averiguações. Assim a operação Vindima termina.

Época de chuvas. Vagabundo deveria estar a caminho de férias, para na sua Planície apadrinhar o casamento de sua irmã Adelaide mas… sai tudo furado. A morte do pobre sargento Madeira, alterou a escala das férias. Faça-se o casamento sem o padrinho, haverá sempre alguém que honrosamente faça a substituição. O furriel Vagabundo tem outras festas a realizar.

E temos mais uma surpresa: Tui Na Defa, ex-guerrilheiro do PAIGC, apresenta-se em Cufar, e passa a fazer parte da Companhia de Milícia 13. Meu bom Tui, como eras simpático e que grandes amizades tinhas com todos os Lassas. Soubemos já em Lisboa que também tinhas ficado na estrada maldita. Que o teu iran te dê o respectivo valor, porque para as pátrias a quem serviste, apenas foste um objecto. Apenas os amigos que criaste, se lembraram de ti.

É-nos dada uma rara oportunidade para observar as maravilhas da natureza e seus elementos nas suas mais extraordinárias facetas incluindo as mais violentas e destruidoras. Saída nocturna na mata de Cufar Nalu, para em patrulhamento visitar o velho Acampamento do PAIGC, não vá ter inquilinos novos!

O céu pode considerar-se como uma tela da Natureza, sendo a base de todos os fenómenos atmosféricos correntes que nele se reflectem. Seguindo na célebre bicha de pirilau, somos surpreendidos ainda escura madrugada, no labiríntico carreiro dentro da mata por selvagens sons esquisitos. Babuínos, aves, toda a espécie animal ali vivente se ouve num estranho ruído de aflição, que nos transmite também uma sensação algo estranha. Que se passará? Eis que em segundos a selva é violada por um clarão de deflagração cósmica e imediatamente, o ribombar de enorme trovão ressoa até aos confins das mais ignotas matas. Aí está! Produzindo um dos fenómenos meteorológicos mais espectaculares e violentos resultantes de apenas três ingredientes: ar, água e calor.

Uma trovoada tropical! Quase diárias nesta época, não tínhamos apanhado nenhuma assim nocturna isolados na mata, sendo envolvidos no seu turbilhão de água, caindo em cascata. A sua mais perigosa manifestação, os raios, colossais descargas eléctricas podendo atingir potências inacreditáveis de volts, aquecendo a milhares de graus centígrados, próximo da velocidade da luz, provocando uma explosão sob a forma estrondosa ecoante, o trovão. A energia é tal que ilumina toda a mata e que nos deixa mais cegos por momentos, na escuridão já existente. Depois da cegueira resta-nos a sorte divina de não sermos alvejados, porque o esgaçar das monstruosas árvores, parece som de papel rasgado por nervosas mãos, elevado a milhões de decibéis. Ficamos completamente desnorteados, como formigas saídas do carreiro por entre manada de elefantes. Encharcados até aos ossos, mãos dadas para não nos perdermos, vamos andando devagar com o pensamento não se sabe onde (nem querendo saber de momento). Assim vamos ao encontro do nosso destino…

Vagabundo confirma que o homem se descobre, quando se mede com o obstáculo. Como chega rapidamente sem nos apercebermos, assim se dissipa o tornado deixando apenas o seu rasto devastador.

Passamos pelo destruído acampamento que continua na mesma como coisa assombrada. Ali, com certeza o espírito dos mortos vagueará e imporá o temor e a impossibilidade de reconstrução.

Rompeu a manhã e descendo pelo lado contrário, direito à picada da antiga tabanca de Cufar Nalu, vão-se os camuflados enxugando pelo calor corporal emanado, enquanto o pensamento mais tranquilizado se desprende e procura outras paragens.

Vagabundo
ligando os fenómenos da natureza, sorri interiormente e relembra os seus tempos de escuteiro, a trovoada no acampamento no eucaliptal da Fonte da Eira e os resistentes ao (bronquítico ataque). Também a chuva caía como Deus a mandava, trovejando fortemente, mas foram fortes, resistentes, verdadeiros rapazes de Baden Powell. Levantando o pano da tenda para comunicarem com os da frente, a panela de arroz com carne no meio, à vez por ordem não comandada, a colher ia entrando e enchendo aquelas bocas sem temor da trovoada.

Por onde andais vós,  meus grandes amigos? Peta, Carmélia, Casado, Pitórrela, Mochila e outros? Quem sabe não vireis aqui bater com os costados para conhecer esta bonita terra? Olhem, eu vou enxugando esta merda de roupa camuflada no corpo, só que já caminho de perna um pouco aberta pois já sinto os tomates assados. Um dia iremo-nos encontrar, se tudo correr bem e tiver a sorte de não levar um tiro nos cornos,  havemos de beber uns copos à nossa saúde. O sorriso apareceu novamente ao relembrar outras aventuras dos tempos de puto e gandulo.

Vagabundo caminhando agora, já de regresso, na leve subida de acesso ao fundo da pista de aviação na estrada Cufar /Catió, a porra do camuflado mal enxuto de água mas agora molhado pelo suor, foi atingido o fundo da pista, com o pensamento já em qualquer coisa para comer, pois o esgalgado estômago já se encontrava em vazia badalação de horas de almoço. Voltando mais uma vez à sua Planície e ao familiar convívio dos seus mais queridos, o furriel relembrou seu avô, quando a hora de almoço por vezes se atrasava, o simpático e amigo velhote recitava:

Doze horas é meio dia,
Quem não almoça,  enfraquece!
Já a água não me mata a sede,
Já o meu amor não me esquece!

Como vês,  Tânia, até o velhote traz a recordação. Adorável este sabedor avô. Parece que está aqui, nos seus segredos, fugindo ao controlo das filhas, minha mãe e de minha madrinha.
– Pst! Pst! Tens bagalhuça?

E sorrateiramente fazia o gesto,  esfregando o indicador e polegar.
–  E ela é bonita? Respeita sempre!

Simplesmente maravilhosa, esta criatura, com quem tanto convivi desde que enviuvou, eu apenas com quatro anos fiquei a ser o seu “companheiro”, pois sempre assim me tratou.
–  Por onde andará aquela alminha, meu doce companheiro?

Nunca imaginaste bom avô! Nem terás conhecimento do abutre em que se tornou o teu companheiro. Ainda bem que ignoras a guerra.

Chegados! Vamos ao duche e ao almoço que a fome é negra.
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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15062: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (18): De 8 a 21 de Julho de 1973

1. Em mensagem do dia 29 de Agosto de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 18.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

18 - De 22 a 25-7-1973 


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

JUL73/22 – Forças da 2.ª CCAÇ patrulharam a região de NHACOBÁ e LENGUEL sem terem detectado qualquer sinal da presença IN na região.


Das minhas memórias:

22 de Julho de 1973 – (Domingo) – Patrulhamento com missa. 

Caminhámos dentro da mata durante bastante tempo e julgo que a saída de Cumbijã deve ter sido bem cedo, pois que a meio da manhã tínhamos atingido o objectivo e inspeccionado a zona que me foi indicada. Eram percursos e objectivos nunca antes efectuados pelo meu grupo, e não sei se alguma vez por outros. A caminhada na mata foi normalíssima, igual a tantas outras, mas acabámos por desembocar num lugar estranhíssimo, que me causou algum desconforto, próprio da insegurança e da acuidade máxima dos sentidos. Ainda antes de atingirmos a orla da mata sentimos no ar um cheiro a maresia que nos deixou um pouco atónitos, pois na nossa frente, em campo aberto, nada indicava a proximidade de um desses braços de mar tão frequentes na Guiné, mas completamente estranhos para nós. Os odores marinhos, o dia cinzento, um chão estranho e um silêncio incomodativo, conjugavam-se para criar uma atmosfera e um cenário quase opressivos, como se indiciassem um perigo escondido ali algures. Decidi instalar o grupo na orla da mata e ir lá frente investigar sozinho. À minha frente, em campo aberto, tinha o que me pareceu uma lala, uma faixa estéril talvez com sessenta a setenta metros de largura e no limite da qual corria paralelo um cordão de pequenas árvores, a denunciar a presença de um riacho, não deixando ver nada para além dele. Havia que ir espreitar. Ao aproximar-me reparei que ao longo desta fiada de árvores havia paralelamente um uma leira muito uniforme e compacta de plantas que me davam um pouco abaixo dos joelhos e que, a uma certa distância, parecia um campo de trevo. Atravessei em direcção ao riacho por cima desse tapete muito verde e ocupei-me a observar o leito quase oculto no negrume das sombras. Para o outro lado das árvores e da vegetação cerrada, não consegui ver nada. Voltando para trás reparo, espantado, que o caminho que fiz pisando o tapete verde, parecia um corredor de um vermelho muito vivo. Fiz sinal para um dos furriéis se aproximar e partilhar comigo aquela visão estranhíssima. Ficou tão espantado como eu. Simplesmente porque aquelas plantas de folhagem miúda eram vermelhas por baixo, só se dando conta disso ao pisá-las.

Ao afastarmo-nos do riacho reparámos que à nossa direita se estendia uma bolanha com todo o aspecto de ter sido cultivada. Mas como é que, quando saí da orla da mata em direcção ao riacho, não a vi? Só percebi ao entrar na bolanha: todo o terreno tinha sido nivelado pela cota mais baixa, ficando ocultado pelo terreno poisio e irregular do lado da mata, muito mais alto. Dentro da bolanha completamente seca, chegava-nos com a aragem o cheiro a salgado com mais intensidade, mas em nenhum momento consegui vislumbrar a origem. Ao fundo da bolanha a visão era limitada pela fiada de árvores do riacho e outra vegetação de pequeno porte e nada se via para além dela. Nem eu naquela zona arriscava indagar mais longe. Até porque, em todo o tempo em que ali estivemos, tive sempre a sensação desconfortável de andar a espiolhar o quintal do vizinho. Já sozinho, ainda tentei encontrar vestígios ao longo da bolanha mas nada vi. Pelas medas pequenas de palha de arroz quase em decomposição, espalhadas um pouco ao acaso, percebia-se que tudo estava abandonado há muito.

Regressei para junto do grupo na mata decidido a pormo-nos rapidamente a milhas dali, mas encontrei no caminho um grupo de seis ou sete soldados, afastados do pelotão e sentados contra a pequena ribanceira do terreno mais elevado. À medida que me aproximava em passo acelerado, vi que estavam todos muito compenetrados e com ar solene, olhando para mim sérios mas sem intenções de se levantarem. Intrigado, só ao parar frente a eles percebi que estavam a ouvir missa – era domingo -, através de um pequeno “transístor” colocado no chão no meio deles com o som reduzido. Perguntei apenas se faltava muito para acabar, ao que um deles respondeu que devia estar quase no fim. Disse-lhes que se levantassem logo que acabasse, para eu dar ordem de marcha. E fui esperar e descansar um pouco na mata junto do grupo. Depois foi o regresso a Cumbijã, com algumas almas mais lavadas.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

JUL73/23 – Forças da 1.ª CCAÇ durante a acção “OURIQUE” patrulharam a região de SAMENAU, TUNANE e R. DÉBEL. Na região de SAMENAU ouviram umas rajadas de AAutm (armas automáticas). Dada a impossibilidade de atravessar a bolanha do R. CUMBIJÃ, bateu-se a região com Artª., cessando as rajadas.

- Realizou-se uma coluna extraordinária entre Nhala e Buba para evacuação de um ferido. (da H. U. do BCAÇ 3852).

JUL73/25 – Forças da 2.ª CCAÇ durante a acção “ORIUNDO” patrulharam a região do R. GONHEGEL sem contacto.

- Pelas 17h30 GR IN não estimado flagelou o Destacamento de CUMBIJÃ durante 10 minutos com 9 granadas de canhão S/R 82, sem consequências.


Das minhas memórias: 

25 de Julho de 1973 – (quarta-feira) – Flagelação a Cumbijã: minha 1.ª vez aqui e 4.ª ao todo.

Cumbijã, tanta vez alvo de flagelações, foi flagelada nesta data e outra vez no dia 30. Pela hora referida na História da Unidade, julgo ser a data em que, pela 1.ª vez, fui apanhado no aquartelamento durante uma flagelação. Era o 4.º ataque para o meu registo “curricular”. Mas o que ficou para sempre na minha memória, não foi a flagelação em si, mas um episódio um pouco bizarro e enigmático, que me deixou assim numa espécie de desconsolo piedoso.

Conversávamos despreocupadamente encostados ao balcão do bar, julgo que se chamava “Flor do Cumbijã”, cada um com o seu copo na mão, quando caiu a primeira granada, lá para os fundos do aquartelamento e longe do arame farpado. A primeira reacção foi largar o copo e correr para a vala mais próxima, sem medo nem precipitações, ainda duvidoso de que fosse mesmo um ataque. Mas não tardou a segunda granada, a terceira e as seguintes, cada vez mais próximas do arame farpado, para um lado e para o outro do aquartelamento. Saltei para dentro da vala, creio que era quase no meio aquartelamento, junto ao Comando e outras dependências, e já lá estava o Major D. M. com o Capitão de Operações e outros. Já dentro da vala e ao virar-me para a frente, o lado do bar, fiquei estupefacto ao ver ainda encostado ao balcão o Cap. B. C. com o seu copo de gin na mão, como se não fosse nada. Surpreso, por momentos alheei-me dos rebentamentos e a minha mente vagueou à procura de uma explicação para aquela atitude, recusando a ideia de uma bravata despropositada, que não condizia com a personalidade que lhe reconhecíamos, ou de uma postura suicida, mas não encontrando mais nenhuma explicação. Fiquei meio sem reacção, podia ter tido alguma iniciativa mas estava bloqueado. Porquê aquilo? Não lhe conhecia problemas que merecessem um tal despreendimento da vida, ainda mais na frente de todos. Mas, o que sabemos nós do foro íntimo dos outros? E de nós mesmos? Vamo-nos revelando conforme o meio e as circunstâncias inusitadas, ao ritmo em que as vamos ultrapassando. Que sei eu?

Despertou-me do devaneio, o berro do Major, “Capitão B. C. venha imediatamente para a vala!”. Ele, impávido, fitava-nos de lá onde estava, enquanto levava o copo à boca, com uma expressão que não era de desdém nem superioridade, mas de uma serenidade que não batia certo com o momento. Pareceu-me ver-lhe aflorar um sorriso mas, por certo, foi impressão minha. Entretanto o Major insistiu para que saísse dali e ele, aos poucos, foi-se aproximando de nós, sempre com uma expressão natural, nem apática nem enfática. Não estava a desafiar nem a provocar, apenas mostrava desprezo pela vida, com naturalidade.

Não recordo se chegou a entrar na vala, até porque uma das últimas granadas caía agora do lado da estrada, fora do arame farpado, e tudo acabava por essa tarde sem que houvesse sequer feridos. Entretanto os camaradas da artilharia, que haviam começado a resposta à flagelação quase no início desta, continuaram a disparar o obus por mais algum tempo e o último disparo foi também o ponto final naquela tarde de sobressalto.


Histórias marginais (1): Abelhas assustadoras. 

Por um destes dias saímos pela estrada nova, não asfaltada ainda, em direcção a Nhacobá para depois nos embrenharmos na mata num patrulhamento que já não recordo. Era apenas o meu grupo de combate e caminhávamos em fila indiana, guardando grandes distâncias, pelo meio da estrada. A via paralela à estrada, mais baixa e de terra batida, só se podia usar após picagem e nessa ocasião não era necessária. A tarde estava tão amena e solarenga que a disposição de todos era óptima, parecia até que íamos para um passeio. Uma grande recta com a mata alta de ambos os lados e próxima da estrada. Parecia que estávamos no Bussaco. A verdade é que, desde o princípio, tivemos a percepção de que tudo iria correr bem, e quando isso acontecia, tudo corria bem mesmo. Excluindo os percalços...

Indo entre os primeiros homens, vi que o da frente parou, recuou uns passos e o segundo fez o mesmo. Depois viraram-se para trás e, hesitantes, fizeram-me sinal. Apreensivo, fui à frente saber o que se passava mas, ainda distante, comecei a ouvir uma zoada intensa e que aumentava à medida que me aproximava dos dois homens da frente. Chegado junto deles, de novo virados para a frente e muito temerosos, vi com espanto uma nuvem de abelhas tão compacta e volumosa, que fazia uma grande sombra na estrada a cerca de dois metros do chão. A nuvem de abelhas, - não lhe posso chamar enxame porque seriam muitos enxames -, cobria quase toda a largura da estrada e, embora fervilhassem em reviravoltas loucas fazendo uma zoada de meter respeito, mantinham-se estáticas em relação à estrada. Nunca tinha visto nada assim nem voltei a ver, embora tropeçasse muitas vezes ainda em enxames de abelhas. Estávamos a vinte ou trinta metros das abelhas e recuámos um pouco mais para aguardar a evolução daquele imprevisto, ou eu ter de decidir o que fazer.

Nesse compasso de espera fui avaliando as hipóteses e, uma a uma, fui-as descartando. Estava a ficar num impasse e elas continuavam ali. Mesmo que tivesse uma granada de fumos, não a utilizaria naquelas circunstâncias, pois isso poderia desencadear o ataque delas em vez de as afugentar. Ocorreu-me a história que me contaram em Nhala do único burro que lá havia e que morreu com um ataque de abelhas. Acho que tive um estremecimento. Mas também não podia comunicar ao Comando que estava bloqueado com uma nuvem de abelhas, por parecer ridículo e porque eles não compreenderiam. Passar na faixa de terra batida adjacente à estrada estava fora de questão porque teríamos de fazer uma picagem à minha responsabilidade e, ainda assim, não teria garantia de passar ao lado das abelhas sem que nos atacassem. Juntei o grupo e decidi o seguinte: vamos passar um a um, lentamente, o mais agachados possível e sem movimentos bruscos. Os que aguardam mantém-se quietos assim como os que passam para o outro lado. Se as abelhas atacarem durante a passagem, deitar de barriga para baixo, imóveis e com a cara protegida. A distância segura manter a vigilância para a mata.

Pela reacção da maioria do grupo, nada convencidos, pareceu-me que com melhor ânimo aceitariam a ordem para um golpe de mão. Sentindo que era meu dever passar à prática as instruções que lhes comunicara, avancei eu para aquele turbilhão vivo e aterrador, que persistia ali. Quico enterrado na cabeça até às orelhas, golas para cima e mangas para baixo, avancei. Não tenho vergonha de confessar que, já sob a nuvem de abelhas e com aquela zoada de entontecer, embora calmo, levava o sangue gelado. Mas não aconteceu nada e eu afastei-me, sempre na defensiva, até quase as deixar de ouvir. Virei-me para trás e fiz sinal para que avançasse o seguinte. Passámos todos, embora a operação demorasse mais do que eu supusera.

A descompressão que se seguiu foi tal que parecia que caminhávamos para uma festa, mesmo se quase em silêncio. De tal modo que, já não muito longe de Nhacobá, encontrámos uma granada do nosso morteiro 60 por rebentar na berma da estrada e eu, com alguma irresponsabilidade tendo em conta a zona em que estávamos, pu-la de pé com “pinças” num monte de terra da berma e tentei acertar-lhe de longe com dois tiros de G3, falhados, quem sabe se para meu bem... O problema é que eu sabia como era delicado manusear aquele tipo de granada na situação de encravamento do dispositivo de percussão: falara-se disso quer em Mafra, quer em Tancos. Já não recordo bem mas suponho que me resignei a deixá-la assinalada na berma para, numa oportunidade melhor, a accionar com um petardo. Também já não recordo o nosso destino nesse patrulhamento, nem o regresso a Cumbijã mas, tenho a certeza, não voltámos a ver as horríveis abelhas em tal situação. Tivemos outros casos, - que mais tarde talvez conte -, mas nunca mais vimos nada parecido. Felizmente.

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 28 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15050: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (17): De 8 a 21 de Julho de 1973

sexta-feira, 13 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14355: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXIX: Quando falhava o abastecimento, ainda havia o recurso à "bianda com marmelada"...


Beldade... de Canjambari [Fotógrafo desconhecido]


Canjambari... Um bar ou cantina onde podia faltar muita coisa, até o feijão mas não a cerveja... "estupidamente gelada", como na letra da célebre canção de Chico Buarque, de 1977 (*) [Fotógrafo desconhecido]


1. Continuação da publicação das "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (**)

Hoje reproduz-se  mais dois textos deliciosos, da autoria do ex-alf mil Timóteo Rosa, do 4º pelotão : (i) o cardápio do rancho da CCAÇ 2533, planeado para o mês de jullho de 1969 (p, 94); e (ii) o "apicultor" da companhia, o srgt Félix (p. 97)...

Quem disse que a malta rapava fome no CTIG e não tinha sentido de humor ?... Por outro lado, nunca será de mais recordar, como facto digno de nota, que esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da CCAÇ 2533 (oficiais, sargentos e praças), num louvável esforço  de partilha de memórias comuns...

A brochura, com cerca de 6 dezenas de curtas histórias, de uma a duas páginas, e profusamente ilustrada (cerca de meia centena de fotos), chegou  às mãos dos nossos editores, em suporte digital, através do Luís Nascimento, que vive em Viseu, e que também nos facultou um exemplar em papel. para consulta. Até ao momento, e com muita pena nossa, ele é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande, apesar dos convites, públicos, que temos feito aos autores cujas histórias vamos publicando.

Temos autorização dos responsáveis pela edição e pelos  autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as aventuras e as desventuras vividas pelo pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras (Farim, 1969/71). O primeiro excerto destas histórias foi publicado em 16 de abril de 2014, com um texto do ex-comandante da companhia, o cap inf Silvino R. Silva, hoje cor ref.


P. 94

p. 97

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Notas do editor:

(*) Feijoada completa 
Chico Buarque/1977
Para o filme Se segura malandro de Hugo Carvana

[Letra, reproduzida aqui, com a devida venia... da página oficial do cantor]


Mulher
Você vai gostar
Tô levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem
Eles vão com uma sede de anteontem
Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão

Mulher
Não vá se afobar
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar
Ponha os pratos no chão, e o chão tá posto
E prepare as linguiças pro tiragosto
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão

Mulher
Você vai fritar
Um montão de torresmo pra acompanhar
Arroz branco, farofa e a malagueta
A laranja-bahia ou da seleta
Joga o paio, carne-seca, toucinho no caldeirão
E vamos botar água no feijão

Mulher
Depois de salgar
Faça um bom refogado, que é pra engrossar
Aproveite a gordura da frigideira
Pra melhor temperar a couve mineira
Diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão
E vamos botar água no feijão


1977 © Marola Edições Musicais
Todos os direitos reservados. Copyright Internacional Assegurado. Impresso no Brasil


14 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13893: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXVI: O finório e o 1º sargento (José Luís Sousa, ex-fur mil, 1º pelotão)

6 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13854: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXV: (i) o final da comissão em Farim, com os últimos mortos e feridos na zona de Lamel;: (ii) humilhados e ofendidos: regressados á Pátria, somos obrigados a ir a Chaves, num comboio ronceiro, entregar meia dúzia de trapos desfeitos, os restos das nossas fardas ! (Agostinho Evangelista, 1º pelotão)

8 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13709: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXIV: o Artur, que arranjava sempre desculpas para se baldar... ao mato. Porque, afinal, na guerra e noutras situações-limite em que se arrisca a vida, "quem tem cu tem medo"... (Agostinho Evangelista, ex-sold inf, 1º pelotão)

24 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13642: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXIII: O quotidiano em Canjambari...(Agostinho Evangelista, 1º pelotão)

16 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13614: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXII: No T/T Niassa,, em 24/5/1969, a caminho do "desterro"... (Agostinho Evangelista, 1º pelotão)

28 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13542: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXI: Lembranças de Chaves (Agostinho Evangelista, 1º pelotão)

10 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13481: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XX: a festa dos meus 25 anos, em Farim (Carlos Simões, ex-fur mil op esp. 1º pelotão)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 24 de Janeiro de 2011:

Caros Luís Graça, Vinhal, Briote, Magalhães Ribeiro e Humberto Reis:

Recebam um grande abraço e doses de energia para manter o Blogue no seu grande nível.

Aqui vai o meu trabalho (Abelhas – IV) na sequência do meu trabalho sobre “Doenças e outros problemas de saúde…”

Até sempre!
Rui Silva


2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)

(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga” (P7342)
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono

Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.

Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.


ABELHAS - IV

ABELHAS!!!... era este o grito, o grito de alerta, uma espécie de “passe palavra” em tom aflitivo. Era este o grito que fazia o pessoal da Companhia correr a sete pés e a esquecer todo o mais.
Assustava mais este grito, que o grito”Aí estão eles!” grito que acontecia no milésimo de segundo imediato a um tiro do inimigo.

O inimigo contava muitas vezes com a colaboração deste temível exército natural e assim muitas vezes fazia as emboscadas em sítio em que houvesse um enxame ali perto da passagem da tropa. Um tiro no enxame compacto, na altura da passagem da tropa, iniciava a emboscada e ao mesmo tempo o ataque desenfreado das abelhas a quem andava por ali perto.
Contava-se assim esta habilidade inimiga, pois não me lembro da minha Companhia ter sido vítima deste expediente inimigo. Não terá calhado, certamente.

Mas há histórias para contar sobre abelhas na 816…

Certa vez, vinha a Companhia de regresso ao aquartelamento de Olossato e, como sempre, extenuada, e depois de uma operação muito perto da base de Morés.
A certa altura retomamos um carreiro, já não muito longe do Olossato. O pessoal, em fila indiana, vinha com a atenção redobrada, pois vinha a ver onde o da frente punha os pés para pôr os dele também, pois assim julgava livrar-se ou defender-se melhor das minas anti-pessoais, já que naquela zona havia fama de aparecerem com frequência. Esta atenção obrigava a Companhia a deslocar-se com alguma lentidão. Chegou-se a fazer o levantamento de uma mina.

De repente, e bem perto de mim, atrás, alguém grita: ABELHAS!!!...

Foi como o tiro de pistola numa prova de 100 metros nas Olimpíadas.
Toda a gente enceta uma correria (que me fez lembrar o filme “A Revolta dos Cossacos” onde estes em frente alargada corriam para o inimigo) em direcção ao aquartelamento que já estava perto. Esqueceram-se as minas, os cuidados com emboscadas e… foi, mas, um “ver se te avias”. Nunca se chegou tão rápido ao quartel… e, nem minas nem emboscadas.

Um nativo, ao arrancar num arbusto um ramo para fazer uma rodilha para pôr as granadas de morteiro ou bazooka à cabeça, não reparou que estava ali perto um enxame, daí…

Lembro-me que um pouco depois, já no quartel, vi o “Flector” do morteiro, irreconhecível. As pálpebras de tal modo inchadas e os lábios mais grossos do que os de um nativo, aí bem dotado, a cara toda inchada, se não me dissessem que era o Flector eu julgaria que estava ali um extra-terrestre. Pelo menos um oriental bem inchado.
Mas não passou do susto… e das consequências para o “Flector”. As abelhas, parecia, que faziam pontaria a um e não mais o largavam e julga-se que o ataque tinha um efeito simpatia porque se no caminho da revolta, houvessem mais enxames, estes solidarizavam-se com as que estavam em guerra aumentando assim o efectivo da nuvem assassina.

Houve mais alguns casos com as abelhas (casos pontuais), mas tudo passava algumas horas depois e com tratamento na enfermaria.
Contaram-me, mais tarde, de um caso passado noutra Unidade, que um soldado foi vítima de tal ataque das abelhas, que praticamente o cobriram, e que ele num acto desesperado matou-se com a sua própria G3. Poderá alguém contar isto com mais pormenor?

O Martins (Fur Mil da minha Companhia), também tem uma história para contar, quando foi mordido por grande quantidade de abelhas, quando foi pôr abaixo, julgo com TNT ou qualquer outro explosivo, uma árvore de grande porte, junto ao aquartelamento de Olossato, do lado de Bissorã e perto da Tabanca do Olossato e que vinha servindo de abrigo ao inimigo sempre que este nos vinha “visitar”. O Capitão resolveu nomear um grupo para pôr abaixo aquela árvore pondo assim fim aquele escudo inimigo. Deu-se o estoiro (ouvimos na messe) e passados alguns minutos aparece-me o Martins todo sarapintado, tipo rubéola. “Foram as abelhas”, diz ele em tom desapontado. Estava lá um enxame. Dá-se o rebentamento e logo de seguida, um enxame, que até estava sossegado na árvore, sai ao ataque, e… escolhe o desafortunado Martins.

“Eh pá deves estar cheio de dores”, perguntamos logo. “Não, não me dói”.

As ferroadas eram tantas que acabaram por criar um efeito anestesiante. Terá sido assim? Os leigos diziam que sim.


Um cacho de abelhas.  Foto, reproduzida da Net que pode muito bem ter sido tirada na Guiné. Nem era preciso tocar no cacho, bastava barulho inusitado.


AS ABELHAS


Abelhas (Apis mellifera) são insectos himenópteros (com 2 pares de asas membranosas) que polinizam as plantas, produzem mel … e também picadas mortais.
Há cerca de 20.000 espécies de abelhas no mundo. O seu tamanho varia de 2 mm. a 4 centímetros. Algumas são pretas ou cinzentas, mas há as de cor amarelo brilhante, vermelhas, verdes ou azuis metálicas.


Apis mellifera scutellata (abelha africana ou “assassina”) Esta era a espécie de Apis mellifera que nos consumia na Guiné o corpo e também a alma.

As abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) ou “abelhas assassinas”, são originárias do Leste da África e são mais produtivas e muito mais agressivas.
São menores e constroem alvéolos de operárias menores que as abelhas europeias. Sendo assim, suas operárias possuem um ciclo de desenvolvimento precoce (18,5 a 19 dias) em relação às europeias (21 dias), o que lhe confere vantagem na produção e na tolerância aos ácaros.

Possuem, visão mais aguçada, resposta mais rápida e eficaz ao fenómeno de alarme. Os ataques são, geralmente, em massa, persistentes e agressivos, podendo estimular a agressividade de operárias de colmeias vizinhas.

Ao contrário das europeias que armazenam muito alimento, elas convertem o alimento rapidamente em cria, aumentando a população e liberando vários enxames reprodutivos.
Migram facilmente se a competição for alta ou se as condições ambientais não forem favoráveis.
Essas características têm uma variabilidade genética muito grande e são influenciadas por factores ambientais internos e externos.

O ferrão da abelha, que se situa na extremidade posterior do abdómen da abelha fêmea, é um sistema complexo compreendendo uma parte glandular, na qual se produz o veneno, e uma estrutura quitinosa e muscular, que serve par ejecção do veneno e profusão e introdução do ferrão. Apresenta rebarbas na sua superfície que dificultam sua saída, de tal sorte que, após a ferroada, todo o sistema é destacado, permanecendo na vítima. E a abelha morre logo a seguir. Geralmente, a profundidade de inserção é de 2 a 3 milímetros. No local movimentos reflexos de sua estrutura muscular fazem com que o ferrão se introduza cada vez mais.

Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.


MORFOLOGIA e BIOLOGIA das ABELHAS (Apis mellifera)
(Extraido com a devida vénia do site “sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br”)

Aspectos morfológicos das Abelhas (Apis melllifera)

As abelhas, como os demais insectos, apresentam um esqueleto externo chamado exoesqueleto.
Constituído de quitina, o exoesqueleto fornece proteção para os orgãos internos e sustentação para os músculos, além de proteger o inseto contra a perda de água. O corpo é dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen (fig. 1). A seguir, serão descritas resumidamente cada uma dessas partes, destacando-se aquelas que apresentam maior importância para o desempenho das diversas atividades das abelhas.

Fig. 1 - Aspectos da morfologia externa da Apis mellifera


Cabeça

Na cabeça, estão localizados os olhos -simples e compostos- as antenas, o aparelho bucal (fig. 2) e, internamente, as glândulas.
Os olhos compostos são dois grandes olhos localizados na parte lateral da cabeça. São formados por estruturas menores denominadas omatídeos, cujo numero varia de acordo com a casta, sendo bem mais numerosos nos zangões do que em operárias e rainhas. Possuem função de percepção de luz, cores e movimentos. As abelhas não conseguem perceber a cor vermelha, mas podem perceber ultra-violeta, azul, verde, amarelo e laranja.

Fig. 2- Aspectos da morfologia externa da cabeça da operária de Apis mellifera

Os olhos simples ou ocelos são estruturas menores, em número de três localizadas na região frontal da cabeça formando um triângulo. Não formam imagens. Têm como função detetar a intensidade luminosa.
As antenas, em número de duas, são localizadas na parte frontal mediana da cabeça. Nas antenas encontram-se estruturas para o olfato, tato e audição. O olfacto é realizado por meio das cavidades olfativas, que existem em número bastante superior nos zangões, quando comparados com as operárias e rainhas. Isso se deve à necessidade que os zangões têm de perceber o odor da rainha durante o voo nupcial.

A presença de pêlos sensoriais na cabeça serve para a perceção das correntes de ar e protegem contra a poeira e água.

O aparelho bucal é composto por duas mandíbulas e a língua ou glossa. As mandíbulas são estruturas fortes, utilizadas para cortar e manipular cera, própolis e pólen. Servem também para alimentar as larvas, limpar os favos, retirar abelhas mortas do interior da colmeia e na defesa. A língua é uma peça bastante flexível coberta de pêlos, utilizada na coleta e transferência de alimento, na desidratação do néctar e na evaporação da água quando se torna necessário controlar a temperatura da colmeia.

No interior da cabeça encontram-se as glândulas hipofaringeanas, que têm por função a produção da geleia real, as glândulas salivares que podem estar envolvidas no processamento do alimento e as glândulas mandibulares que estão relacionadas à produção de geleia real e feromônio de alarme (fig. 3).

Fig. 3 – Aspecto da anatomia internada operária Apis mellifera


Tórax

No tórax destacam-se os órgãos locomotores – pernas e asas (fig. 1)- e a presença de grande quantidade de pêlos, que possuem importante função na fixação dos grãos de pólen quando as abelhas entram em contacto com as flores.

As abelhas, como os demais insetos, apresentam 3 pares de pernas As pernas posteriores das operárias são adaptadas para o transporte de pólen e resinas. Para isso, possuem cavidades chamadas curvículas, nas quais são depositadas as cargas de pólen ou resinas para serem transportadas até a colmeia. Além da função de locomoção, as pernas auxiliam também na manipulação da cera e própolis, na limpeza das antenas, das asas e do corpo e no agrupamento das abelhas quando formam “cachos”.

As abelhas possuem dois pares de asas de estrutura membranosa que possibilitam o voo a uma velocidade média de 24 Km/h

No tórax, também são encontrados espiráculos, que são órgãos de respiração, o esófago, que é parte do sistema digestivo e glândulas salivares envolvidas no processamento do alimento.


Abdómen

O abdómen é formado por segmentos unidos por membranas bastante flexíveis que facilitam o movimento do mesmo. Nesta parte do corpo, encontram-se órgãos do aparelho digestivo, circulatório, reprodutor, excretor, órgãos de defesa e glândulas produtoras de cera (fig. 3).

No aparelho digestivo, destaca-se o papo ou vesícula nectarífera, que é o órgão responsável pelo transporte de água e néctar e auxilia na formação do mel. O papo possui grande capacidade de expansão e ocupa quase toda a cavidade abdominal quando está cheio. O seu conteúdo pode ser regurgitado pela contração da musculatura.

Existem quatro glândulas produtoras de cera (ceríferas), localizadas na parte ventral do abdómen das abelhas operárias. A cera segregada pelas glândulas se solidifica em contacto com o ar, formando escamas ou placas que são retiradas e manipuladas para a construção dos favos com auxílio das pernas e das mandíbulas.

No final do abdómen, encontra-se o órgão de defesa das abelhas -o ferrão- presentes apenas nas operárias e rainhas. O ferrão é constituído por um estilete usado na perfuração e duas lancetas que possuem farpas que prendem o ferrão na superfície ferroada, dificultando sua retirada. O ferrão é ligado a uma pequena bolsa onde o veneno fica armazenado. Essas estruturas são movidas por músculos que auxiliam a introdução do ferrão e injeção do veneno. As contrações musculares da bolsa de veneno permitem que o veneno continue sendo injectado mesmo depois da saída da abelha. Desse modo, quanto mais depressa o ferrão for removido, menor será a quantidade de veneno injectada. Recomenda-se que o ferrão seja removido pela base, utilizando-se uma lâmina ou a própria unha, evitando-se pressioná-lo com os dedos para não injetar uma maior quantidade de veneno. Como, na maioria das vezes, o ferrão fica preso na superfície picada, quando a abelha tenta voar ou sair do local após a ferroada, ocorre uma rotura de seu abdómen e consequente morte. Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.

Segue: Lepra - V
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7454: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (11): O PAIGC que nos saiu na rifa, a Portugal e à Guiné: Cumbe di Baguera / Ninho de abelhas

1. Texto do nosso camarigo António Rosinha


Data: 15 de Dezembro de 2010 23:20


Assunto: O PAIGC que saiu a Portugal e à Guiné - Cumbe di Baguera


Quando se fala que Portugal não preparou elites africanas a quem entregar a governação das suas colónias, partimos do princípio que franceses, ingleses e belgas criaram essas elites.


Não pretendo contrariar ou desmentir quem assim pensa, porque tudo é relativo, conforme quisermos ver esta questão, até podemos dizer que os movimentos MPLA, FRELIMO e PAIGC tinham muita gente bem preparada para governar, tanto nos seus quadros efectivos, como no seio dos seus muitos simpatizantes.

Simplesmente Salazar jamais entregava as colónias fosse a quem fosse, e duvido que outros políticos portugueses que estivessem no governo o fizessem. Pelo menos naqueles anos 50/60 do século passado.

Se atentarmos em Amílcar Cabral, Vasco Cabral etc., e toda a burguesia guineense, (auto-intitulada), e toda unida e acreditando, tipo Yes, We Can, à volta do PAIGC, porque haveremos de afirmar que não havia uma elite para governar a Guiné? 


Se olharmos para Cabo Verde vemos que era viável tal governação, e o Luís Cabral chegou a dar mostras de ser possível governar a Guiné.


Em Angola, essa burguesia era descomunalmente superior em número à da Guiné. Qualquer cidade angolana tinha angolanos na chefia de todos os organismos públicos, exceptuando os governadores gerais, e de distrito, e mesmo assim muitos já eram descendentes de africanos.


Tal como na Guiné, também havia em Angola muitos funcionários oriundos de Cabo Verde, que se viam nos Notários, Câmaras, Caminhos de Ferro, Portos, Obras Públicas, etc.


Sobre Moçambique não me pronuncio, mas penso que a FRELIMO tinha também nos seus quadros gente muito capaz.  


Mas, apesar de haver muita gente nas colónias que almejava libertar-se de Portugal, pouca gente em Portugal, e alguma em Angola, mesmo os anti-salazaristas, achavam normal uma independência porque já havia muita confusão na anglofonia e francofonia.


Nos outros movimentos pouco se sabe, porque de uma maneira geral ficaram muito ofuscados, quando não mesmo desaparecidos, caso da Guiné. Embora parecessem desactivados aos olhos de Spínola e de Amílcar, talvez existissem devidamente camuflados, e é de supor quem devia saber falar sobre esses hipotéticos movimentos camuflados, são os juizes que julgaram os assassinos de Amílcar.


Alguns desses juízes ainda estão vivos, podiam falar e escrever como foi, antes que desapareçam com a idade. Sem dúvida que havia muitos africanos, em que se podem abranger também lusodescendentes e caboverdeanos que possuiam o liceu ou tinham sido universitários ou estudaram em missões, estavam bastante preparados para governar as colónias portuguesas em 1960. O grande problema dessas elites é que, ao recorrerem a certos processos de luta, alguns desses processos nunca chegaram a ser compreendidos pelo povo, e afastaram a maioria dessas mesmas elites, que gostariam de se ligar activamente à luta de libertação, ou seja, lutar pela independência da sua terra. E, ao contrário, muitos até chegaram a lutar contra esses movimentos ao lado do exército português. 


E o que se seguiu à desistência da luta da parte do exército português com o 25 de Abril, aconteceu o que todos temiam, foi a guerra total, em Angola e Moçambique e, embora sem guerra declarada na Guiné, a mesma guerra esteve sempre latente até há poucos anos. 


Essa guerra latente, não seria perpetrada pelos tais movimentos camuflados a que me refiro atrás, que podiam existir bem disfarçados debaixo do emblema do PAIGC?


E, debruçando-nos apenas à Guiné e ao PAIGC, não teria Amílcar Cabral cometido um erro enorme, quando, com a sua reconhecida eficácia política e capacidade de persuasão, fez desaparecer todos os movimentos guineenses tipo FLING e outros? Em que estes movimentos, insidiosamente acabariam por se organizar sob a bandeira do PAIGC, e aí continuam até aos dias de hoje, dividindo em facções o partido e que teem provocado todos os acontecimentos nefastos, desde o assassinato de Amílcar, até ao fim de Nino Vieira?


Enquanto o MPLA tinha facções, em que até houve massacres que fazem esquecer o ques passou com PAIGC, toda a gente sabia quem era quem e de que lado estava, no PAIGC, mata-se e morre-se e tem sido tudo tão internamente que até hoje nem aparece nada escrito nem julgado, isto desde os tempos de Conacri.


O PAIGC criou uma constituição depois de 1981 (?), em que era vedado a cidadãos como Amílcar Cabral, com ascendentes estrangeiros, serem candidatos a presidentes da República. Este assunto era discutido publicamente em Bissau e não sei se ainda é assim.

 

Ao contrário do que se passa em Angola, os detratores de José Eduardo dos Santos [JES], (ou este próprio) fazem correr que ele é filho de sãotomenses. JES aproveita a embalagem para criar uma imagem de neutralidade tribal, o que é positivo; no caso de Amílcar é acusado que não é fidju di terra, e é criada uma imagem negativa.

E aqui entra o ninho de abelhas, Cumbe di Baguera, que em Canjadude, capital do mel, os apicultores colocam bem no alto de grandes árvores. Tal como o Cumbe de Baguera, o povo guineense viu sempre o PAIGC bem lá no alto, com as abelhas a picar os diversos apicultores, (Amilcar, Luís, Nino). E tal como o Cumbe di Baguera, impõe um certo afastamento a tudo o que o rodeia.

E o grande criador desse ninho de abelhas, foi Amílcar Cabral, (mesmo depois do multipartidarismo, continuou o ferrão pronto, ou seja, o dedo no gatilho). 

 

Houve muito entusiasmo nos primeiros anos de independência da parte dos jovens guineenses, mas prudentemente, uma faixa etária mais antiga, que assistiu à luta de libertação desde o início, ficou olhando sempre para o PAIGC com distanciamento, e o partido retribuia na mesma moeda.   Se o sonho de Amílcar Cabral era uma Bandeira e um país independente,  o sonho foi realizado. [Foto à esquerda, Domingos Ramos, empunhando a bandeira do PAIGC]


Se todos os meios para atingir os fins eram lícitos, também tinha razão, mas da parte do Estado português fosse qual fosse o governo, cairia muito mal perante a sociedade guineense se apadrinhasse uma independência a figuras como os fundadores do PAIGC, aliás, a outros quaisquer pois já estavam outros com apoios dos vizinhos.

 

E perante a política internacional daquela guerra fria daquele tempo, não seria um país como Portugal que teria hipóteses de proteger um governo apadrinhado, como faziam ingleses com uma Gâmbia, ou a França com um Senghor. Entregar à ONU? Sabemos o que se passava e passou onde essa entidade entrou. Aliás, na Guiné, desde a FAO, UNICEF, OMS, todos estes anos ajudaram àquilo que resta.

 

Como através do Blog e dos anos que vivi na Guiné, criei uma ideia do que se passou e podia ter passado neste país, e como vi em Angola, o papel de MPLA, da UNITA e da UPA (FNLA), e tambem criei ao fim destes anos uma ideia sobre Angola, transmito o que me pareceu ser o desempenho daqueles que aqui tratamos de IN.

 

Sobre o papel daqueles que por lá andámos, só espero que aquelas fronteiras nunca desapareçam, que será o mínimo dos mínimos que merece a memória daqueles que lá ficaram, porque se não fossem aqueles treze anos, nem as velas como as que arderam por Timor as salvavam.

Mas, como neste blog contamos a nossa história para que ninguém a conte por nós, é apenas e só o meu ponto de vista que aqui está. E ninguém me pergunte onde me documentei. Pode contestar e contradizer. Porque neste blog, cada um dá os tiros com a sua própria mauser.


Um abraço para a tertúlia, Antº Rosinha


[ Revisão / fixação de texto / título / fotos: L.G.]


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Nota de L.G.: 


Último poste da série > 23 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7321: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (10): As desilusões históricas ou Portugal não é para levar a série