Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007) Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem. com data de 19 do corrente, do Virgínio Briote: (i) nosso coeditor jubilado; (ii) ex-alf mil cav, CCAV 489 (Cuntima) e ex-9alf mil comando, cmdt do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67); (iii) frequentou a Academia Militar (1962/64); (iv) autor do blogue, desativado (a partir de 2009), Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas (recuperado pelo Arquivo.pt em 25/9/2009).
Comecei ontem a limpeza e arrumação e foi durante esta operação que encontrei um escrito do Torcato Mendonça, nosso saudoso Camarada. Este breve escrito, que é talvez mais um desabafo, foi-me enviado pelo correio pela Ana Mendonça, sua Mulher, que ainda hoje, fala com muita saudade do seu Torcato. Não sei mas imagino que a Ana M. deve ter encontrado este rascunho nalguma limpeza que tenha estado a fazer.
Segue-se o texto, tal como está, sem qualquer correcção da minha parte. Vb
Foto nº 12 |
É um rapaz que se deixa fotografar e fotografa aquela loucura ou, porque não, a loucura dele a aparecer. Melhor, se houvesse uma listagem cronológica.
Mansambo era mato e, aos poucos, foi sendo um aquartelamento. Quadrado com, mais ou menos, cem por cem metros, oito casernas, abrigos e mais uns edifícios sem qualificação de nome, mais tarde onde era a cozinha, a arrecadação disto ou daquilo, a enfermaria, ou os abrigos dos obuses 10.5 (Foto nº 9), atrás da tabanca com uma dúzia de
moradores.
Aquilo ficou fortemente gravado e não passou. Éramos, meu caro Virgínio, uns rapazes na força da nossa juventude (Fotos nºs 1, 3, 6, 8). Hoje já batemos os 70 e tentamos ir saltando um, dia de cada vez (Foto nº 5).
E, já num tom intimista, só para ele mesmo (**): começo a ficar farto da “guerra” aonde participei e que outros participaram. Parece-me qua andaram por lá e só hoje vão compreendendo o que era aquela Guerra.
(Transcrição: VB / Revisão e fixação de texto: VB / LG)
2. Comentário do Virgínio Briote ao poste P15299 (*)
Torcato:
Das inúmeras imagens que vi daqueles anos da guerra, em Angola, na Guiné, em Moçambique, as que mais me despertaram a atenção até hoje foram as que te pertencem.
E se me pedissem para dar um título a esse álbum, eu escolheria "Apocalipse". Porquê? Porque, tal como no filme 'Apocalipse Now". de Coppola, vejo um mundo do "outro mundo". Loucura, inocência, violência, rostos falsamente alegres de jovens sorridentes, um mundo surreal.
28 de outubro de 2015 às 21:48
(...) "Sim, mudei muito"! Digo-te porquê. Antes de ser militar, fui estudante e nalguns intervalos fiz 'diversos'. Caçado, sem esperar, pela tropa, aí talvez na especialidade comecei a sofrer uma metamorfose. Aos poucos, e já mais na Guiné, o rapaz alegre e 'bon vivant' foi-se ou, porque não, apagou-se mesmo. (...)
Quando vim, nada ou muito pouco restava do outro. Deram-me várias opções de escolha de vida.
Fui sentindo os anos passarem por mim, os meus filhos crescendo. A guerra estava guardada e, de quando em vez, saltitava para o presente e depois de amansada ia-se. Tratava-a com cuidado e sentia que nunca mais voltara de todo, em grande parte talvez. Nem isso. Fisicamente fui envelhecendo, como é natural. Apressado por “aquilo” e pelas cicatrizes físicas.
Optei, já o tinha feito em parte, e deixei a adaptação correr. O meu mentor, o meu companheiro- amigo, esse meu melhor amigo, esse homem que me deu o ser e muito saber, um dia morreu-me. Chorei nesse dia e compreendi que ainda sabia chorar. Mas tinha mudado muito.
Mais forte, a parte psicológica foi de certeza a de estabilização mais difícil. Nunca estabilizará. Por isso hoje, velho aos 70 anos, com a saúde (ou falta dela) a mostrar os rombos na carcaça nada tem a ver com a hipotética entrada normal na velhice. (...)
4. Comentário do editor LG (a propósito do Poste P15299 (*) e deste "segredo póstumo" do nosso muito querido e saudoso Torcato Mendonça (****):
É material, de grande interesse documental, não só para alimentar e desenvolver as nossas memórias como para enriquecer o acervo dos que hão de fazer, com rigor, honestidade, isenção e objetividade, a história daquele período de Portugal (bem como da Guiné-Bissau)...
Enfim, a par das nossas memórias escritas, é um material que andamos, há anos, desde pelo menos 2004, a tentar salvar das garras do esquecimento, do abandono, da destruição, dos alfarrabistas, da incineradora e do caixote do lixo...
Um desses álbuns, que veio enriquecer a fototeca da Tabanca Grande foi o do Torcato Mendonça (1944-2021), ex-alf mil art, CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), senador da nossa tertúlia, e um dos mais ativos e produtivos colaboradores do nosso blogue (com cerca de 265 referências). Foi também, de há muito, e enquanto vivo, um dos nossos conselheiros e colaboradores permanentes.
Foi autor de várias séries:
- Pensar em voz alta;
- Ao correr da bolha;
- Estórias de Mansambo, I e II
- Nós da memória
Há muitos camaradas, mais novos, "periquitos" no blogue, que não puderam na devida altura acompanhar a sua vasta produção (postes, fotos, comentários), sempre de grande qualidade e autenticidade. São hoje uma referência incontornável...
(...) Sabemos que não é "confortável" para os ex-combatentes falar, para os seus "pares", num blogue como o nosso, com a audiência que o nosso tem, sobre as "questões do foro íntimo", "ver-se ao espelho", e devolver, sob a forma de escrita, os seus "selfies", os seus "autorretratos... Ou partilhar fotos mais íntimas, retratos em grande plano, que mandávamos às esposas, às namoradas, aos pais, à família, às madrinhas de guerra... De um modo geral, preferimos as fotos de grupo... Estamos a falar dos nossos "verdes anos", à distância de meio século..
De qualquer modo, e de acordo com o subtítulo deste poste (*), quem vê caras, (nem sempre) vê corações... Daí a razão de ser desta seleção de retratos do nosso querido amigo e camarada que vivia no Fundão (embora tivesse nascido no sul, sendo de origem algarvia e alentejana). São fotos da sua coleção "Fotos Falantes II"... A numeração, arbitrária, foi nossa. Bem como a sua edição... E intencionalmente não lhe acrescentámos legendas...