II. Partida de avião para Bissau, em 24 de janeiro de 1972, deixando a mulher e um filho na maternidade (**)
(...) Dia 22 de Janeiro de 1972 [, sábado,] pela madrugada fui levar a minha esposa ao hospital do Sítio da Nazaré (ao tempo a maternidade que dava apoio às parturientes da nossa terra) onde poucas horas depois viria a nascer o nosso primeiro filho, o Paulo.
E assim aconteceu, cheguei a Lisboa por volta das 14 horas. Apresentei-me no Depósito Geral de Adidos, onde me foi dito que a nossa partida estava prevista para as cinco horas da madrugada. Como não havia transportes rápidos, como acontece agora, nada mais me restava que não fosse passar esse tempo divagando pela cidade de Lisboa, tentando esquecer, esquecer tudo… creio que por momentos cheguei a esquecer-me que existia!
Fui até à rua Gama Barros, onde tinha umas pessoas de família, estive por lá até próximo da meia noite, como a viagem ia ser feita de avião, foi-me pedido por um familiar, para levar dois frangos assados para o irmão que estava a prestar serviço no Hospital Militar de Bissau, estava muito frio, (à hora da partida estavam quatro graus em Lisboa), fiz o trajecto da rua Gama Barros até ao quartel na Calçada da Ajuda a pé, levando comigo apenas os frangos que me tinha comprometido a entregar quando chegasse a Bissau.
Cerca das cinco horas da manhã [, do dia 24 de janeiro, segunda-feira,] embarquei no avião (creio ter sido um DC6) que me levou até Bissau, tendo antes feito escala em Cabo Verde no então aeroporto dos Espargos na ilha do Sal, viajou no mesmo avião uma enfermeira pára-quedista que eu desconhecia existirem, ignorância minha.
Foi para mim o primeiro grande choque de temperaturas, em Lisboa estavam quatro graus, ao chegar a Cabo Verde estavam trinta, o primeiro aviso que a partir dali tudo ia ser diferente, passado uma hora voltamos a voar até Bissau, onde à tardinha aterramos no aeroporto de Bissalanca.
Ao desembarcar foi para mim a confusão total, uma temperatura elevadíssima para quem horas antes partira de um sítio muito frio, ver os nativos das mais variadas etnias trajando de forma impensável para mim, carregados de amuletos, brincos nas orelhas, arames no nariz, nos braços, outros com a cara pintada… coisa por mim nunca antes vista, e a que eu e alguns menos esclarecidos, atribuíamos a povos primitivos (que dizer agora da nossa juventude!?).
Depois de me ter apresentado no quartel, fui levar os frangos que horas antes tivera na iminência de dar ao cão, a cada minuto que passava, a confusão na minha mente era ainda maior… para além da temperatura, os muitos negros que eu não estava habituado a ver, todo aquele movimento militar que eu também não fazia ideia que fosse assim.
António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) |
Durante cerca de um mês estive neste ambiente sem ter qualquer notícia da terra, com a agravante de não saber nada da minha mulher e do meu filho, que tinham ficado na maternidade e eu apenas tinha visto durante alguns minutos.
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24785: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte I: A porta estreita da vida
(**) 15 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9608: Tabanca Grande (325): António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74)
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