Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > "Eu, dentro do possível, fazendo psico"...
Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Seleção de comentários a propósito da foto acima, inserida no poste P24579 (*). Oportunidade para os nossos leitores acrescentarem algo mais â(s) legenda(s) possível(eis) (**):
Como lisboetas, eu nem tanto, mas nem se notava os vincos da escorregadela na tábua, e o Duarte andávamos muitas vezes juntos, e grande parte das fotografias a ele próprio são tiradas por mim. Julgo que a da messe é uma delas.
Há muito poucas fotos tiradas em operações, ninguém se lembraria de levar ou nem sequer haver máquina.
Lembro-me daquela foto tirada no mato, o meu Pelotão também foi naquela Operação e eu estou numa imagem na distribuição de rações de combate.
Havia a moda dos slides com belas fotografias que ficaram por ser reveladas para papel. O Duarte tinha um slide extraordinário dum fim de tarde quente e poeirento em Canquelifá, ao vê-lo só falta ouvir algumas palavras em panjadinca que com este calor de agora até isso estamos a sentir.
Uma rectificação, uma das máquinas de fotografias existentes era do 1º. Cabo Pais de transmissões, já falecido, e não fur mil Pais de Sousa, mecânico.
Na bela fotografia do Duarte com uma criança ao colo, parece ser una menina (brincos e roncos) nas nossas acções de psico 'por uma Guiné melhor', talvez na pequena tabanca de Fasse (Paunca).
Esta menina devia ter sido uma bonita bajuda e agora mais de cinquenta anos deve ser uma bela avó que está numa fotografia ao colo de um tuga nos tempos da guerra.
Saúde da boa (,,,)
23 de agosto de 2023 às 14:50
Saúde da boa (,,,)
23 de agosto de 2023 às 14:50
(ii) Cherno Baldé:
Se algum dia tivesse que falar ou escrever sobre uma determinada tipologia ou classe do soldado português que nós admirávamos, essa seria a dos Furrieis, não porque os tivesse conhecido ou convivido de perto, mas porque, no ambiente que conhecemos, na altura, no seio de uma companhia de quadrícula, eles se destacavam por certas características (juventude, empatia, boa disposição, garbo militar, sobriedade, entre outros) que os faziam parecer distintos e, certamente, mais simpáticos que o resto da Malta, era como se tivessem sido especialmente escolhidos a dedo.
É verdade que não se pode generalizar, mas era a impressão com que, na altura, nós ficávamos e, assim como no futebol todos queriam ser o Eusébio e do Benfica, também o Furriel era o nosso modelo preferencial nos momentos das brincadeiras a imitar os adultos.
Em contrapartida, ninguém queria fazer o papel do velho e "rabugento" Sargento da companhia, cuja figura se situava nas antípodas dos Furríeis. Se calhar era o resultado dos conflitos próprios inerentes às suas funções no seio das corporações que fazia com que não fosse muito apreciado dos restantes soldados da companhia.
No entanto, ainda me lembro da parte de uma canção que as bajudas da minha terra, mais discretas e criativas, inventaram para fazer eco destas imagens recriadas a partir das observações sobre os soldados metropolitanos, mostrando o quão a nossa comunidade apreciava os nossos jovens e irrequietos soldados portugueses durante a guerra na Guiné (traduzido da língua fula):
"O Capitão bem que pode ser o chefão cá do sítio, mas é o Furriel que me dá a picadela (injecção) no sitio".
Confesso que, ainda hoje, não consigo vislumbrar o significado desta estrofe da canção, mas nunca mais desapareceram do meu espírito as vozes ritmadas das meninas a cantar nas nascentes e lagoas, enquanto batiam com toda a sua força os pesados camuflados nas pedras de lavar a roupa, tendo como fundo o espaço verde e límpido da nossa bolanha no rio Suncujuma, em Fajonquito.
Mas, colocando à parte o imaginário infantil que nos habitava, na altura, os meus verdadeiros amigos eram os condutores e mecânicos auto entre os quais fiz amizades que perduraram no tempo. Infelizmente, pela lei da vida, estão a partir pouco a pouco para a outra dimensão. No ano passado partiu o Elsa (Oliveira) que, pela primeira vez na vida me entregou o volante do seu Unimog para uma experiência única inesquecível.
Assim, também, apetece dizer que "os Furríeis podem ser os mais garbosos, mas quem me trazia as sobras eram os da Ferrugem".
23 de agosto de 2023 às 20:24
(iii) Carlos Vinhal:
Caro amigo Cherno, o "furriel" Vinhal agradece a tua apreciação sobre a sua classe.
Dizes muito bem, os nossos homens da "ferrugem" eram diferentes para melhor. Lembro-me de o pequeno Salifo, cuja mãe tinha sido morta num golpe de mão a uma tabanca "inimiga", ter sido trazido para o quartel e ficar ao cuidado dos nossos mecânicos.
Às vezes era nosso convidado na messe, onde lhe dávamos-lhe lições de "etiqueta", ensinando-o a comer com talheres, o que para ele era muito difícil. De vez em quando, fazíamos de conta, olhávamos para o lado para ele comer como lhe dava mais jeito, com as suas mãozitas.
Pessoalmente, não convivi muito com a população de Mansabá, apesar dos 22 meses de quadrícula: primeiro por me sentir um "invasor" e me achar porventura mal recebido; segundo porque tinha muito trabalho no quartel, além da actividade operacional; e terceiro ser pouco sociável, fruto talvez do facto de ser filho único e estar habituado a estar só e a não sentir necessidade de conversar.
No entanto, nos momentos de contacto social, fui sempre cortês e respeitador para com aquelas pessoas que eram diferentes de mim porque eram diferentes os seus usos e costumes. Não sendo os africanos, nem mais nem menos do que nós europeus, porque carga de água haviam de ser "convertidos" ao cristianismo? (...)
23 de agosto de 2023 às 22:13
(iv) Valdemar Queiroz:
Tens razão, Cherno Baldé, os Furriéis milicianos eram uns bacanas. Poderia haver um ou outro palerma mais a maioria eram uns gajos porreiros.
Repara como o ex-Furriel miliciano Abílio Duarte pega ao colo a criança-bebé, repara no seu braço esquerdo que a envolve, a segura com todo o cuidado para não cair e aconchegando ao mesmo tempo para não chorar com um "chiu" sorridente para não a assustar.
Esta fotografia é uma obra d'arte, repare-se no braço que segura a menina.
Como não sabemos a patente do militar fotografado, podemos catalogá-la : "Furriel com um bebé ao colo".
Julgo que a fotografia foi tirada pelo furriel mil Càndido Cunha que era do Pelotão do Abílio Duarte.
Saúde da boa (...)
23 de agosto de 2023 às 23:56
(v) Eduardo Estrela:
Subscrevo por inteiro os vossos comentários mas retenho o do Carlos que diz...." Aquelas pessoas que eram diferentes de mim por serem diferentes os seus usos e costumes ".
Em suma, a sua cultura que era tão ou mais valiosa do que a nossa.
Os furriéis milicianos tinham que gramar com os seus superiores e ouvir e conciliar os seus subordinados.
Para além de que, duma forma menos direta, contribuíram para que o 25
de Abril fosse em 1974 e não em data posterior.
Abraço fraterno. (...)
24 de agosto de 2023 às 13:16
(vi) Luís Graça:
Dizes muito bem, os nossos homens da "ferrugem" eram diferentes para melhor. Lembro-me de o pequeno Salifo, cuja mãe tinha sido morta num golpe de mão a uma tabanca "inimiga", ter sido trazido para o quartel e ficar ao cuidado dos nossos mecânicos.
Dormia nas suas instalações e eram eles que também lhe proporcionavam roupa e comida, além de lhe ensinarem português em troca de ele ensinar crioulo. Era muito pequenino, teria uns 5 anos.
Às vezes era nosso convidado na messe, onde lhe dávamos-lhe lições de "etiqueta", ensinando-o a comer com talheres, o que para ele era muito difícil. De vez em quando, fazíamos de conta, olhávamos para o lado para ele comer como lhe dava mais jeito, com as suas mãozitas.
Um dia o avô, que vivia na tabanca, exigiu o menino de volta, o que foi para nós um desgosto. Mas compreendemos.
Pessoalmente, não convivi muito com a população de Mansabá, apesar dos 22 meses de quadrícula: primeiro por me sentir um "invasor" e me achar porventura mal recebido; segundo porque tinha muito trabalho no quartel, além da actividade operacional; e terceiro ser pouco sociável, fruto talvez do facto de ser filho único e estar habituado a estar só e a não sentir necessidade de conversar.
No entanto, nos momentos de contacto social, fui sempre cortês e respeitador para com aquelas pessoas que eram diferentes de mim porque eram diferentes os seus usos e costumes. Não sendo os africanos, nem mais nem menos do que nós europeus, porque carga de água haviam de ser "convertidos" ao cristianismo? (...)
23 de agosto de 2023 às 22:13
(iv) Valdemar Queiroz:
Tens razão, Cherno Baldé, os Furriéis milicianos eram uns bacanas. Poderia haver um ou outro palerma mais a maioria eram uns gajos porreiros.
Repara como o ex-Furriel miliciano Abílio Duarte pega ao colo a criança-bebé, repara no seu braço esquerdo que a envolve, a segura com todo o cuidado para não cair e aconchegando ao mesmo tempo para não chorar com um "chiu" sorridente para não a assustar.
Esta fotografia é uma obra d'arte, repare-se no braço que segura a menina.
Como não sabemos a patente do militar fotografado, podemos catalogá-la : "Furriel com um bebé ao colo".
Julgo que a fotografia foi tirada pelo furriel mil Càndido Cunha que era do Pelotão do Abílio Duarte.
Saúde da boa (...)
23 de agosto de 2023 às 23:56
Subscrevo por inteiro os vossos comentários mas retenho o do Carlos que diz...." Aquelas pessoas que eram diferentes de mim por serem diferentes os seus usos e costumes ".
Em suma, a sua cultura que era tão ou mais valiosa do que a nossa.
Os furriéis milicianos tinham que gramar com os seus superiores e ouvir e conciliar os seus subordinados.
Para além de que, duma forma menos direta, contribuíram para que o 25
de Abril fosse em 1974 e não em data posterior.
Abraço fraterno. (...)
24 de agosto de 2023 às 13:16
Querem história mais linda do que a do nosso camarada e amigo Manuel Joaquim, ex-fur mil armas pesadas inf da CCAÇ 1419 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), hoje professor do ensino básico reformado, que trouxe para a sua casa e educou, como padrinho, o "nosso minino Adilan", o Zé Manel, o José Manuel Sarrico Cunté...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2015/12/guine-6374-p15500-decaras-26-os-homens.html
Mais do que ser furriel, sargento, alferes ou capitão, miliciano ou do quadro, é(era) a formação humana e moral de cada um de nós que conta(va)... no trato com a população da Guiné... E, claro, a liderança, a orientação superior, o exemplo que vem de cima...
Eu posso dizer que, no geral, tive orgulho nos camaradas que me couberam em sorte (praças, graduados, especialistas, europeus e africanos). Claro, como em todos os rebanhos, há sempre uma "ovelha ranhosa"...
24 de agosto de 2023 às 15:15
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24579: Por onde andam os nossos fotógrafos ? - Parte IIB: Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11, “Os Lacraus” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)
(**) Último pposte da série > 10 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24546: Fotos à procura de... uma legenda (176): A "rainha de Catió", fotografada em 1964/66 (pelo João Sacôto) e em 1972 (pelo Mário Arada Pinheiro)