Guiné > CCAÇ 2317 (1968/69) > Ponte Balana > "O pequeno destacamento foi um bastião na defesa de uma ponte que a engenharia militar recuperaria, mas que também acabaria por ruir" > Álbum fotográfico de Idálio Reis > Foto 422 > "Aproveitando os restos da antiga ponte, davam-se belos mergulhos para banhos retemperadores"
Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Mais fotos do álbum de Idálio Reis (**)...
Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Última parte (Canto IV) de "Os Gandembéis", poema de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso camarada e amigo Idálio Reis [, foto atual, à esquerda], engenheiro agrónomo reformado, residente em Cantanhede, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317, no seu livro A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Balana / Ponte Balana, edição de autor, 2012 (il, 256 pp.).
Este livro é mais uma peça (fundamental) para a historiografia da guerra colonial na Guiné; o seu lançamento será feito no Palace Hotel, no próximo dia 21, no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.
Sinopse: Depois de sair de receber ordens para abandonar Gandembel, em 28 de janeiro de 1969, a CCAÇ 2317 passa por Aldeia Formosa e fixa-se em Buba, sede do COP 4 (comandado na altura pelo major Carlos Fabião). Em 14 de maio de 1969, deixa Buba e segue, de avião, para Nova Lamego, região do Gabu, onde irá terminar a sua comissão sete meses depois. Ali foram, finalmente, "gente feliz, sem lágrimas"... E ai tiveram tempo e talento para escrever Os Gandembéis.
(...) "A Companhia sai para a Guiné, com 158 homens: 5 oficiais, 17 sargentos, 35 cabos e 101 soldados. A bordo do Uíge, a 10 de Dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial [, o Alf Mil Idálio Reis,] , chegam à unidade mobilizadora, o RI 15 de Tomar, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados; ficaram na Guiné, para a entrega do material, 1 alferes e 3 sargentos" (...).
Balanço das baixas: (...) "Há as perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa (7 feridos graves, 5 por doença e 6 feridos menos graves), e 4 não regressam por mudança de Companhia. Há ainda 2 elementos, que saem antecipadamente: 1 cabo — o nosso Lamego — e o Comandante de Companhia, para continuar a sua carreira militar como oficial superior de Infantaria" (...)" [Os feridos evacuados para o HM 241, em Bissau, ao longo de 23 meses de comissão, são estimados em cerca de 40].
2. Sobre a autoria desta genial paródia aos Lusíadas, o Idálio já nos revelou aqui um segredo, no 1º poste desta série: (...) "É uma obra que o apaziguador tempo de Nova Lamego proporcionou. Os seus autores, são anónimos e humildes. De todo o modo, faço-te a revelação: um deles, foi o malogrado e inesquecível João Barge (***), um filólogo de escol, e que decerto seria a única pessoa capaz de emprestar tanta arte e sensibilidade à sua pena. Ainda que tivesse surgido em Gandembel, nos finais de outubro/princípios de novembro [de 1968], e num período em que se vivia já numa situação de mais alívio, teve a ajuda de um dos pioneiros da Companhia, um ex-furriel que ao tempo já era professor primário"... Falta-nos, a ele, Idálio, revelar o nome do segundo autor, o furriel da CCAÇ 2317 que já na altura era professor primário... (LG)
Canto IV
I
E tomando a mala já arrumada
Fizemos desta terra certo desvio.
E para evitar qualquer cilada
O Dakota tomámos, suave e frio,
Fazendo boa viagem e descansada:
Melhor é fazer uma viagem de avião
Que andar a pé de arma na mão.
II
Gabú se chama a terra aonde o trato
De melhor alimento mais florescia
De que tinha proveito grande e grato
O soldado que esse reino possuía.
Daqui à Metrópole, por contrato,
Não falta muito tempo à Companhia.
Por toda a parte um grito se apregoa:
“D´ora a sete meses estamos em Lisboa”.
III
Aqui, sublime, o descanso estava em cima,
Que a nenhuma parte se sustinha;
Daqui o fim da guerra sempre anima
O soldado que Nino, furtado tinha.
Logo após ele leve se sublima
A feliz mudança, que mais azinha
Tomou lugar junto do Batalhão
Mas continuamos a dormir no chão.
IV
Fulas são todos, mas parece
Que com gente melhor comunicavam:
Palavra alguma dele se conhece
Entre a linguagem sua que falavam,
E com pano delgado, que se tece
De algodão, as cabeças apertavam;
Com outro que de várias cores se tinge,
Cada um as vergonhosas partes cinge.
V
Já néscios, já da guerra desistindo
Uma noite, de amor prometida,
Nos aparece de longe o gesto lindo
Da negra Bajuda, única, despida.
Como doidos corremos, de longe abrindo
Os braços para aquela que era vida
Deste corpo, e começámos os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.
VI
Formosas são algumas e outras feias
Segundo a qualidade for das chagas,
Que o veneno espalhado pelas veias
Curam-no às vezes ásperas triagas.
Ao pescoço e nos braços trazem cadeias
De contas feitas com sábias magas.
Elas, que vão do doce amor vencidas,
Estão a seu conselho oferecidas.
VII
Alguns, por outra parte, vão topar
Com bajudas despidas que se lavam;
Elas começam súbito a gritar,
Como que assalto tal não esperavam.
Umas, fingindo menos estimar
A vergonha que a força, se lançavam
Nuas por entre o mato, aos olhos dando
O que às mãos cobiçosas vão negando.
VIII
Todas de correr cansam, bajuda pura,
Rendendo-se à vontade do inimigo;
Tu de mim foges para a mata escura?
Quem te disse que eu era o que te digo?
Deixa-me ir contigo nesta aventura
E no capim vem sentar-te comigo.
Já que desta vida te concedo a palma
Espera um corpo de quem levas a alma.
IX
Já não foge a bela bajuda tanto,
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto já sereno e santo,
Toda banhada em riso e alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.
X
Oh! Que famintos beijinhos na testa,
E que mimoso choro que suava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que amor com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
XI
Ao fim de tanto amor e falsas guerras
Finalmente chegou a hora desejada;
Das gentes nos despedimos e destas terras
Com furiosos gritos e alegria desusada,
Por voltarmos às metropolitanas serras,
Pois temos a comissão terminada.
Não se indigne o herói nem a Pátria querida
Que por seu nome, aqui muitos deram a VIDA.
Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 (Gandembel, Ponte Balana, Buba e Nova Lamego, 1968/69) > Julho de 1969 > Foto do álbum de Idálio Reis: "Foi na fonte de Semba Uala, que os nossos corpos se retemperaram de energias abaladas. Também, com exasperados desejos, se buscavam encontros de encantos (...) Junto à parte oriental da povoação, situava-se a fonte de Cam-Sissé (Semba Uala), com data de construção de 1959. Era conhecida vulgarmente pela Fonte dos Fulas. (...)" (****)
Foto (e legenda): © Idálio Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:
(*) Vd. último poste da série > 12 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9735: O Cancioneiro de Gandembel (6): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VI) (Idálio Reis)
(**) 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)
(...) Vd. postes anteriores desta série (Fotobiografia da CCAÇ 2317):
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.
(...) A CCAÇ 2317 chega a Bissau a 24 de Janeiro de 1968. Uma aclimatação de 2 meses, o quanto bastou para enveredar por um sinuoso rumo, a uma fatídica zona do Sul da Província. Aí, num local estranho da região do Forreá e apenas no efémero prazo de 11 meses, houve lugar às facetas mais pérfidas da guerra, em que do mito e do mistério sobrou só o nome: Gandembel/Ponte Balana (...).
9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo
(...) Após o Treino Operacional, a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana Em Guileje, a guerra não se fez esperar, e dolosamente começou a insinuar as suas facetas mais pérfidas, com as ocultas ciladas montadas na vastidão dos nossos olhares e a espreitarem o horror a todo o instante (...).
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.
(...) Em Gandembel, vinga a insensatez, a obrigarem-nos a penar um inextinguível tempo de arrastados sacrifícios. Do período mediado entre o início da construção do aquartelamento e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio (...) O dia 8 de Abril de 1968 alvoreceu para um conjunto de homens inquietamente sós, desunidos de um futuro confiante, porque, por mais que se procurasse predizer, não lhes era possível reconhecer se se podia atingir. Um imenso manto de silêncio ali estava especado, com secretas sombras negras a envolver-nos (...).
2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.
(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel. Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968 (...).
9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.
(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel (continuação) > Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968 (...).
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.
(...) A generosidade de um punhado de gente jovem, onde os ecos dos seus ais de desespero e dor, não ressoavam para além da região do Forreá. Gandembel/Ponte Balana, de 9 de Maio a 4 de Agosto. (...) A época plena das chuvas aproximava-se, começava a fazer surtir os seus benéficos efeitos, o que para nós incidia muito especificamente na água que o rio Balana pudesse debitar. Este, logo que retomasse alguma capacidade de vazão, significaria que a tão ansiada água já abundaria, e as restrições ao consumo que tinham prevalecido até então, evolavam-se no tempo (...).
21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.
(...) Os ataques e flagelações mantinham-se a um ritmo praticamente diário, a que nos íamos habituando, pois que a generalidade das detonações era resultado da acção de morteiros 82, e a maioria das granadas continuava a deflagrar na periferia. Os morteiros ainda não estariam devidamente assestados, e tornava-se necessário e urgente ter que acabar as obras do aquartelamento, com condições mínimas de segurança (...).
8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.
(...) Uma longa vida em Gandembel suspensa da decisão do Comandante-Chefe. E ante tantas adversidades, num ápice tudo se esfuma da forma mais indigna: o abandono. Gandembel/Ponte Balana, de 4 de Agosto às vesperas do Natal de 1968. (...) A catástrofe de 4 de Agosto foi demasiado punitiva e voraz, criando um profundo sentimento de perda. E, atendendo às circunstâncias com que nos deparávamos no quotidiano, reconheci na pungente dor do luto, que a Companhia perdia temperamento e vivacidade, com as vontades a fenecerem. (...) A deslocalização de um permanente efectivo de pára-quedistas foi fundamental para o surgimento de uma fase de muita maior tranquilidade, que resultou numa acentuada diminuição belicista por parte do PAIGC (...).
19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques
(...) Seria uma lembrança do Natal, que se aproximava? Não o foi, pois que até lá não recordo qualquer confronto, mínimo que seja. Pelo Natal, dada a solenidade do dia, chegam 2 helicópteros: um trazendo o bispo de Madarsuma, vigário castrense das Forças Armadas e um repórter do extinto Diário Popular, de nome César da Silva; outro, com Spínola e elementos do Movimento Nacional Feminino. (...) À alvorada do dia 28 [de Janeiro de 1969], o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa. (...)
18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)
(...) As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados (...).
(...) As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.
(...) Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969 (...).
(***) Sobre o nosso camarada João [Paiva Rodrigues] Barge (Aveiro, 2/4/1944-Leiria, 5/12/2010) sabíamos pouco:
(i) Aveirense de nascimento, já tinha publicado em 1964 o livro de poesia "Para lá do teu silêncio" (Aveiro, Livraria Borges, 54 pp).
(ii) Foi professor efetivo da Esc Sec Francisco Rodrigues Lobo, em Leiria;
(iii) Foi também docente, da área de Ciências Sociais, na Escola Superior de Educação / Instituto Politécnico de Leiria;
(iv) Vi algures por aí também um outro título, de poesia, "A Gramática do Sossego" (desconheço o ano de edição, e a editora);
(v) É autor de "Registos", juntamente com Miguel Homem e Orlando Cardoso (Leiria, Gato Preto, 1981).
Vd. também poste de 7/12/2010, P7399 [ Guiné 63/74 - P7399: In Memoriam (66): A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel, o ex-Alf Mil João Barge (1944-2010)]
(
****) Vd. postes sobre a estadia do grupo de combate do Idálio Reis, em Cansissé, no Gabu:
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio R
2317, Julho de 1969)
2 de agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)