sábado, 22 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10422: Notas de leitura (408): O conflito político-militar na Guiné-Bissau (2) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 11 de Setembro de 2012:

Meus caros amigos,
Esta é a segunda parte da minha análise ao livro "O conflito político-militar na Guiné-Bissau (1998-1999)" de Guilherme Zeverino*.

Com cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva


O conflito político-militar na Guiné-Bissau (2/2)

Retomando as teses de Guilherme Zeverino, para quem conhece a Guiné-Bissau, é quase uma verdade lapaliciana o dizer-se que a introdução do multipartidarismo não veio resolver, antes avivar os problemas internos no seio do PAIGC, gerando uma situação politicamente insustentável, mas, que, em nosso entender, “Nino” Vieira e a sua clique pensavam frivolamente poder controlar. Bom seria que o autor tivesse dedicado algum espaço às eternas lutas entre personalidades e facções, bem como, à permanente dança de cadeiras no seio do antigo partido do Poder. Regista e é digno de nota que nas demais formações partidárias locais, apenas com duas excepções, a liderança coube a dissidentes do PAIGC.

Não sabemos até que ponto o multipartidarismo veio reforçar a sociedade civil bissau-guineense. Para além de uma certa secundarização do PAIGC – perdeu o estatuto de partido único - houve de facto uma saudável abertura aos media, às ONG’s, à igreja e, hoje, dada a virtual inexistência no país de meios de comunicação social de massas independentes, à Internet e aos blogues. Todavia, o Poder continuou – e continua - a estar nas mãos dos militares, cabendo-lhes sempre a última palavra. Digamos que estamos perante uma porta entreaberta que se pode fechar a qualquer momento.

No que concerne a interdependência entre a crise no PAIGC e a crise nas Forças Armadas, devemos assinalar que, efectivamente, essa correlação existe. Mais. O Partido no seu último Congresso (o VI, nas vésperas do conflito), optando por uma estapafúrdia e absurda política de avestruz, não abordou as questões mais candentes das Forças Armadas ou o problema “escaldante” de Casamansa, nem sequer aflorou o tema dos veteranos de guerra. Os militares verificaram, assim, que a solução dos seus problemas devia ser resolvida por eles próprios, à semelhança aliás do que “Nino” Vieira fizera em 1980. Se a interdependência entre as duas crises parecia ser patente, não obstante, a resolução dos problemas seria estritamente militar e não tinha nada que ver com as questiúnculas internas do PAIGC. É aqui que se separam as águas. Há quem queira ver no levantamento de 7 de Junho de 1998, uma questão interna partidária com expressão castrense, a inversa assume, a meu ver, foros de maior verosimilhança. O fulcro do problema estava em “Nino”, o grande régulo – Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas e Presidente do PAIGC – e, bem entendido, no seu “núcleo duro”. Em suma, e para não nos perdemos noutras considerações, a interdependência entre as duas crises existe, mas não foi a causa principal do confronto (foi tão-somente uma das causas, porque outras houve de dimensão semelhante). Logo, a questão tem de ser relativizada.

Desconhecemos em que medida a rivalidade cultural Portugal-França e as respectivas políticas de cooperação terão levado a posicionamentos divergentes na crise bissau-guineense. Estes factores contribuíram, seguramente, para o reforço dessas posições, mas não as engendraram Todavia, os dados essenciais do problema eram, a nosso ver, do foro estritamente político: para Paris, tratava-se de um motim contra a autoridade legítima estabelecida – ou seja, uma rebelião contra um presidente eleito - , logo tinha de ser debelado e, ao longo do tempo, esta posição não oscilou; para Lisboa, partindo inicialmente do mesmo pressuposto, assumiu, de seguida, uma “política essencialmente realista”, como refere Zeverino (vd. p. 87), tendo em conta a situação no terreno, a problemática dos refugiados e a mediação entre as partes em conflito e, há que sublinhá-lo com toda a frontalidade, aproximando-se das posições rebeldes, até porque o regime “ninista”, apesar da democraticidade aparente, era, sob múltiplos aspectos, condenável. Logo, oscilou. Consequentemente, os factores apontados por Zeverino contribuem apenas para alicerçar opções e posições políticas de fundo pré-existentes ou em fase de formação.

A adesão precipitada da Guiné-Bissau ao franco CFA, sem medidas de acompanhamento macro-económicas, foi, como releva Zeverino, nefasta. A má gestão, a inépcia, o sobre-endividamento, o sufoco financeiro, a manifesta incapacidade para debelar a pobreza endémica do país, o ciclo impiedoso do sub-desenvolvimento sem solução de saída, que caracterizaram os governos de Saturnino Costa e de Carlos Correia (deste em menor medida), faziam igualmente parte da receita para o desastre e contribuíram com a sua quota-parte para o levantamento militar. A problemática económico-financeira é, porém, tratada com alguma ligeireza. A nosso ver, merecia maior atenção por parte do autor. Por outro lado, não se pode meter no mesmo saco as adesões à zona franco e à Francofonia, bem como, as pressões externas dos países limítrofes francófonos, ou seja no capítulo das causas económicas (ou económico-financeiras) do levantamento. A adopção do franco CFA insere-se claramente nesta esfera, a francofonia no âmbito politico-cultural, as pressões externas no contexto das relações externas. Misturar alhos com bugalhos induz-nos em erros e confusões desnecessárias.

Estamos inteiramente de acordo que a intervenção militar estrangeira, do Senegal e da Guiné-Conakry, suscitou uma espontânea e muito viva reacção nacionalista por parte da população da Guiné-Bissau. Trata-se, sem sombra para quaisquer dúvidas, de uma questão sócio-política de primeira grandeza e que marcou de forma perene a guerra civil naquele país africano. Todavia, no âmbito social outras questões de grande relevância deveriam ter sido abordadas, pois constituíam problemas estruturais que estão na raiz do levantamento militar e que continuam, ainda hoje, por resolver. Referimo-nos às clivagens entre as velhas e novas gerações de militares (os que fizeram a “luta” e os que não lutaram porque eram ainda crianças ou nem sequer eram nascidos), aos veteranos de guerra, abandonados e votados à marginalização social; e last but not least ao problema étnico, que o autor, de todo em todo, não aborda (sabendo-se, por exemplo, que o grosso dos contingentes das fileiras das Forças Armadas é constituído pela etnia balanta – cerca de 2/3 – um grupo relegado a um estatuto subalterno na sociedade e que “Nino” Vieira, na fase final da guerra, em desespero de causa foi recrutar jovens papeis e bijagós, os “aguentas” , como guarda pretoriana do regime). Aliás, retomando o tema da fissura entre velhas e novas gerações entendemos que se trata de um problema sociológico de fundo e que não se circunscreve apenas ao âmbito castrense, pois afecta horizontalmente toda a sociedade bissau-guineense. Ora, tudo ponderado, para uma obra com pretensões académicas, estas omissões no capítulo social são graves. Finalmente, o autor não aborda e devia ter abordado como causas próximas do conflito as razões de ordem pessoal que levaram Ansumane Mané a revoltar-se contra o seu amigo de sempre e companheiro de luta “Nino” Vieira. E esta questão não é despicienda, como se sabe.

Como tese de dissertação possui alguns méritos, mas com a devida vénia, em nossa opinião, fica aquém das naturais expectativas que se depositam num projecto desta natureza. Mister é reconhecer, porém, que foi escrita e apresentada escassos 4 anos após os acontecimentos, portanto, de certo modo, ainda “a quente.” De qualquer forma apresenta alguns factos marcantes do período em causa e algumas pistas interessantes que permitem interpretar a história recente da Guiné-Bissau.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste anterior de 20 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10411: Notas de leitura (406): O conflito político-militar na Guiné-Bissau (1) (Francisco Henriques da Silva)

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10416: Notas de leitura (407): O Corredor de Lamel - 68 Guiné 69 - de Guilherme Costa Ganança (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10421: Passatempos de verão (15): Os Soldados Desconhecidos; A Chama da Pátria e O Cristo das Trincheiras (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 13 de Setembros de 2012:

Boa noite, senhores editores
Tenho um texto "na gaveta" que, mesmo polémico vai avançar.
Há muito tempo que o tinha em mente, mas apareceram na pesquisa a referência a documentos dos anos 60 que quero consultar. Como não os encontrei, ao procura-los, pedi auxilio e estou a aguardar uma indicação, para ser mais preciso na exposição do mesmo.
Entretanto, para ilustrar o texto referido, ao procurar imagens para o ilustrar surgiu um relato que, além do texto, valia pelas imagens, imagens essas do inicio dos anos 20 do século passado. Como disponho de elementos sobre o/os factos, deitei mãos à obra, e por isso terminei há pouco um texto sobre "Os Soldados Desconhecidos", a "Chama da Pátria" e o "Cristo das Trincheiras".
Nada tem a ver com a Guiné nem com a Guerra Colonial. Apenas a diferença. O que revelo neste texto, vai de 1920 a 1858, ou seja 38 anos, tantos como tem a nossa democracia.
Diferenças? Muitas.

Um abraço
José Martins


OS SOLDADOS DESCONHECIDOS 
A CHAMA DA PÁTRIA 
O CRISTO DAS TRINCHEIRAS

O mundo conheceu, entre 28 de Julho de 1914 e 11 de Novembro de 1918, uma guerra que, a pouco e pouco, envolveu quase todos os países de mundo, ficando conhecida como a Grande Guerra, ou a Guerra das Guerras porque se julgava que, depois de tamanha catástrofe, não mais haveria guerras.

Para tal, foi assinado o Tratado de Versalles, em 28 de Junho de 1919, que impunha à Alemanha, pelas nações vencedoras mas principalmente a Inglaterra e a França, sanções politicas, económicas e militares. O tratado foi ratificado pela Liga das Nações em 10 de Janeiro de 1920. No final do conflito, seriam contadas cerca de 19 milhões de mortes, entre as partes em confronto e contando militares e civis. Passada a euforia da vitória, celebrada com desfiles para que as tropas pudessem ser ovacionadas, havia que honrar os que tinham tombado em combate.

Em França, Francis Simon e Maurice Maunoury, “repescam” a ideia de François Ferdinand Philippe Louis Marie d'Orléans, Príncipe de Joinville, (Neuilly-sur-Seine, 14 de Agosto de 1818 - Paris, 17 de Junho de 1900), de trasladar o corpo de um soldado não identificado na Guerra franco-prussiana de 1870/1871. Assim, a França inumou, no Arco do Triunfo (11 de Novembro de 1920), o seu Soldado Desconhecido.

No ano seguinte, ano de 1921, foi a vez da Itália, Portugal, Bélgica e Estados Unidos da América e no ano de 1922, a Grécia, Checoslováquia, Jugoslávia e a Polónia.

O féretro do soldado tombado em França, transportado por soldados de infantaria 

Na 41ª Sessão da Câmara dos Deputados, realizada em 18 de Março de 1920, o Governo decide fazer trasladar dois corpos de soldados portugueses, um da Flandres e outro de Moçambique. Os Soldados Desconhecidos seriam inumados na Sala do Capítulo, no Mosteiro da Batalha, e as cerimónias teriam início no dia 9 de Abril de 1921, devendo esse dia ser considerado feriado nacional.

Nesse mesmo mês, Março de 1920, o Governo deu instruções ao seu adido militar em Paris, para iniciar o processo de trasladação do corpo de um militar, não identificado, para Portugal. O corpo foi exumado do cemitério na Flandres e transportado para o Havre, ficando em câmara ardente no quartel do Regimento Francês nº 129. Daí foi transportado, no navio de transporte “Porto”, para Portugal sendo, a partir do Cabo da Roca até ao cais de Santos, escoltado pelo Contratorpedeiro “Guadiana”, onde desembarcou a 6 de Abril de 1921.

O féretro do soldado tombado em Moçambique, transportado por marinheiros

No cais de Santos estava postada uma força para prestar Honras Militares ao féretro, que era transportado por seis soldados de infantaria, para o Arsenal da Marinha, sendo depositado na Casa da Balança. Das honras militares prestadas, constaram o hino da “Maria da Fonte”, executado pela Banda da Marinha, enquanto os navios de guerra fundeados no Tejo, fizeram uma salva de vinte e um tiros.

Na cerimónia estavam presentes: o Presidente da República António José de Almeida, o Ministro da Guerra Álvaro de Castro, além de outros representantes do Governo e do Parlamento. A Igreja estava representada por D. José do Patrocínio Dias, Bispo de Beja e Chefe do Corpo de Capelães do CEP.

Entretanto, a bordo do navio de transporte inglês “Briton”, da Union Castle Mail, já se encontrava em viagem, desde a África Oriental Portuguesa (Moçambique), a urna contendo os restos mortais do “Soldado Desconhecido” tombado em combate perante os alemães, nos combates que nunca foram objecto de declaração de guerra, por parte daquele país.

O navio foi, na parte final da viagem, sobrevoado por um hidroavião até ao cais da Pontinha, na ilha da Madeira, onde é desembarcado o esquife com os restos mortais cerca das 20 horas do dia 30 de Março de 1921.

No dia seguinte, ainda na Madeira, pela uma hora da tarde, o féretro foi conduzido em cortejo no qual se incorporaram as autoridades civis e militares, o corpo consular, alguns oficiais ingleses, representantes das diferentes escolas e agremiações, contingentes das forças militares da guarnição do Funchal, desde o Posto de Desinfecção Marítima, onde tinha sido recolhido após o desembarque, até aos Paços do Concelho, onde ficou em câmara ardente até ao dia 3 de Abril, data em que foi embarcado no cruzador “Republica” para ser conduzido até Lisboa, onde chegou no dia 6 de Abril de 1921 para ser conduzido para a Casa da Balança, onde se encontrava o corpo do militar tombado em França.

As autoridades que estiveram na recepção ao corpo do militar vindo de França, também estiveram presentes à recepção do soldado vindo de África.

Para as cerimónias de inumação dos Soldados Desconhecidos, e que se iriam desenrolar em Lisboa, Leiria e Batalha, diversos países fizeram-se representar pelas seguintes entidades oficiais e representações militares:
• Marechal Joffre, da França, e o cruzador francês “Jeanne d’Arc”;
• Marechal Diaz, da Grã-Bretanha, e o cruzador inglês “Cleópatra”;
• Contra-almirante Hughes e o cruzador USS “Olympia”:
• General Smith Dorien, Governador de Gibraltar
• Almirante Pedro Zofia, de Espanha, e o cruzador D. Afonso XIII”.

No dia 7 de Abril, as urnas contendo os restos mortais dos "Soldados Desconhecidos", foram transportados em armão militar desde a Casa da Balança, nas instalações da Marinha, até ao Palácio do Congresso, hoje Assembleia da Republica, seguindo pela Rua do Arsenal, Rua do Ouro, Rossio, Avenida da Liberdade, Rua Alexandre Herculano, Praça do Brasil (actualmente Largo do Rato), Rua de São Bento e Largo das Cortes. O Presidente da República e as entidades oficiais estrangeiras, assistiram à passagem do cortejo das janelas da Estação do Rossio.

O cortejo transportando os corpos dos Soldados Desconhecidos. 

Integraram-se no cortejo a representação da Câmara Municipal de Lisboa, as Bandeiras de todos os regimentos do país com a respectiva escolta, as Universidades, Corporações de Bombeiros, contingentes militares estrangeiros, soldados da Infantaria Portuguesa, Guarda Nacional Republicana, Escuteiros e mulheres cujos filhas foram dados como desaparecidos na guerra. Ao chegarem ao palácio, foram as urnas colocadas em câmara ardente, veladas pelas forças de Terra e do Mar, em permanência, até serem transportadas para o local de repouso final: a Sala do Capítulo do Mosteiro Santa Maria da Vitória, na Batalha.

A Câmara dos Deputados realizou uma sessão de homenagem aos Soldados Desconhecidos, no dia 8 de Abril de 1921.

Quiseram os governantes deste país que, três anos após o “desastre de La Lys” fosse um dia de glorificação para os Combatentes que lutaram e tombaram na Grande Guerra em África a na Flandres, a que o povo aderiu. Afinal estavam a glorificar os seus filhos, os seus rapazes que, deixando tudo, partiram ao para a guerra, tendo tombado por lá ou regressado com mazelas no corpo e na alma.

Porque “Homenagear as cinzas desses Heróis Anónimos, é homenagear as relíquias da Raça lusa, é homenagear os seus irmãos, que, feita a guerra e despidas as fardas de gloriosos combatentes, se espalharam pelas províncias de Portugal, depondo as armas e empunhando o arado, para continuarem as suas vidas tão anónimos e desconhecidos como aqueles que ali dormem…” [texto parcial da homenagem prestada pela 5ª Divisão de Coimbra, no 6º aniversário da Batalha de La Lys – separata do “Correio de Coimbra” – 1924].

As urnas em câmara ardente do Palácio do Congresso

Os esquifes que continham os restos mortais dos Soldados Desconhecidos foram transportados para a Basílica da Estrela, para a cerimónia solene das exéquias fúnebres, que seria celebrada pelo Cónego Anaquim, o Arcebispo de Évora D. Manuel Mendes da Conceição Santos teve a seu cargo a homilia, sendo a absolvição proferida pelo Bispo de Beja D. José do Patrocínio Dias que, Cónego da Sé da Guarda em 1915, se ofereceu para voluntariamente servir no CEP na assistência aos soldados portugueses em França, tendo sido nomeado Capelão Chefe. À cerimónia, preparada pelo Bispo de Beja e o Ministro da Guerra Álvaro Xavier de Castro - para serem dignas dos soldados tombados em combate - assistiram o Chefe de Estado, as delegações estrangeiras da Itália, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e Espanha, e altas dignidade civis e militares.

Finda a cerimónia, o cortejo saiu da Basílica descendo a Calçada da Estrela, Avenida Presidente Wilson (actual D. Carlos I), 24 de Julho, Cais do Sodré, Rua do Arsenal, Rua Augusta, em direcção à estação do Rossio, onde aguardava um comboio especial para transportar o féretro sob escolta de honra, e as demais entidades para estação de Leiria, estando as ruas ladeadas pelo povo em sentida homenagem aos Heróis da Pátria.

O Cardeal-patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo, o Presidente da República Dr. António José de Almeida, e o presidente do Ministério Dr. Bernardino Luís Machado Guimarães, seguiam a pé, nas ruas de Lisboa, os dois ataúdes que continham os restos dos Soldados Desconhecidos.

Junto à estação do Rossio, que junto à fachada tinham sido colocados sacos de areia e morteiros, simulando uma trincheira, as urnas foram recebidas pelas autoridades portuguesas e delegações estrangeiras, postadas em continência.

Vagão onde foram transportadas as urnas. 

Para transportar o féretro na sua viagem para Leiria e daqui para a Batalha, foram organizados três comboios.

Os ataúdes foram, a partir de Leiria, escoltadas pelas bandeiras dos regimentos de todo o país e das legações estrangeiras, assim como por uma força militar em Guarda de Honra.

No espaço frente ao Mosteiro da Batalha, que ia ser transformado em Panteão da Pátria, duas filas de militares armados continham a multidão que se comprimia num último adeus aos seus Soldados Desconhecidos.

À passagem do féretro, seguido pelas bandeiras, os militares apresentaram armas numa eterna homenagem e num adeus derradeiro, enquanto as bocas de fogo davam salvas de artilharia.

A partir desse momento, “o Túmulo do Soldado Desconhecido no Mosteiro da Batalha passou a ter sempre uma guarda de honra e uma vela acesa como sinal do respeito perene pelos que caíram no cumprimento do dever”.

* * *

Quem segue de perto o dia a dia deste país, decerto que se vai apercebendo que, apesar dos mesmos factos nunca se repetirem, o que é certo é que a história, as várias histórias deste centenário povo acontecem, senão com certos laivos de igualdade, pelo menos com muitas parecenças.

Depois de pensada e executada a trasladação dos corpos de militares tombados no Campo da Honra em África e na Flandres, depois das cerimónias a que foram atribuídas o maior brilhantismo possível, passaram ao “esquecimento”. A distância da Batalha ao centro do poder instalado em Lisboa, a “Capital do Império”, era mais que suficiente para o esquecimento: o que tinha sido considerado o Templo da Pátria, o Panteão dos Heróis, estava ao abandono.

Um dos armões onde foram transportadas as urnas, de Leiria para a Batalha.

Esta situação era constatada, não só por quem visitava aquele templo erguido por voto de D. João I aquando da batalha de Aljubarrota, mas sobretudo por delegações estrangeiras, que lá se dirigiam, para honrar os restos mortais dos Soldados Desconhecidos de Portugal.

Nesse sentido, em 24 de Maio de 1922 [data não confirmada], o Parlamento dá conhecimento do facto ao Ministro da Guerra General António Xavier Correia Barreto do estado de abandono, pelos poderes públicos, em que encontra o Panteão dos Soldados Desconhecidos, na Batalha, a Sala do Capítulo, assim como a vergonha que representava para o país e para o Exército. Para obviar esta situação vexatória para o país, foi votado “uma verba suficiente para completar de forma condigna a homenagem aos Soldados Desconhecidos, que são o símbolo da heroicidade da raça lusitana nos campos da Europa, África, no ar e no mar, durante a Grande Guerra”.

* * *

Pela pena do jornalista Gabriel Boissy surge, em 1923, a ideia de colocar junto da tumba onde repousam os “Soldados Desconhecidos”, uma “Chama da Memória” que, uma vez acesa, permaneceria assim, perpetuando uma luz, por maior que fosse a escuridão, uma luz dizíamos, que sinalizasse o local onde jaziam os Soldados cujos corpos não identificados, representavam o sacrifício dum povo. Ainda persistia a ideia de que o mundo tinha assistido, na época de 1914/1918. à Guerra das Guerras, ou seja, a última.

Pura ilusão, sabemos hoje, e de que maneira! Assim, dando corpo à ideia da colocação de um lampadário junto dos restos mortais destes Heróis, a 5ª Divisão do Exército, sediada em Coimbra, tomou à sua responsabilidade levar a efeito esta concretização, recaindo sobre o Mestre António Augusto Gonçalves, escultor, elaborou o projecto, cuja entrega dos desenhos fez ao Presidente da Comissão da “Chama da Pátria” , em carta datada de 1 de Abril de 1961, de que se transcreve a explicação das figuras que a compõem: “Devo esclarecer que as três figuras representam combatentes, sintetizando os acontecimentos de três épocas das mais gloriosas dos feitos portugueses: 
• Fundação da nacionalidade – D. Afonso Henriques (Século XII). 
• Consolidação definitiva da nacionalidade na península e a sua dilatação pelas conquistas ultramarinas – D. João I (Século XV). 
• Confirmação dos seus destinos na revivescência das suas energias históricas na “Grande Guerra” da actualidade [Século XX].”

A execução da obra foi entregue a Lourenço Chaves de Almeida, 1º Sargento Serralheiro do Regimento de Infantaria nº 23 (Coimbra) e discípulo do autor do projecto, que enaltece no texto que escreveu e acompanhou a entrega da obra, dizendo: “Preito da Minha Gratidão ao meu Querido Mestre António Augusto Gonçalves, que depois de Meu Pai, foi quem completou a minha personalidade artística!”

Ultimo e definitivo projecto da Lampadário “Chama da Pátria” tal como se encontra no Mosteiro da Batalha velando os restos simbólicos dos Heróis portugueses na Grande Guerra.

O 1º Sargento Serralheiro Lourenço Chaves de Almeida era condecorado com a Cruz de S. Tiago da Espada – grau Cavaleiro, medalha da Vitória do CEP e medalha de Comportamento Exemplar.

A escultura, em ferro forjado, foi iniciada em 20 de Abril de 1921 e concluída em 29 de Junho de 1922, tendo sido dispendidas cerca de 4.800 horas de trabalho.

A sessão de entrega do lampadário para ser colocado junto da Campa Rasa dos “Soldados Desconhecidos”, foi efectuada em 9 de Abril de 1922, pelas 15 horas, na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha.

Foi o Ministro da Guerra, Tenente-coronel Américo Olavo Correia de Azevedo, que acendeu a “Chama da Pátria”, a ser alimentada por genuíno azeite português.

No já extinto jornal diário o “Século”, o jornalista Mário Campos escrevia, na edição do dia 9 de Abril de 1924, na página 5 na sua crónica “A jornada gloriosa do 9 de Abril”: "(...) Precisamente no momento do silêncio, o Sr. Ministro da Guerra, o Sr. Américo Olavo, acenderá, na Batalha, junto do túmulo dos Soldados Desconhecidos o «Lampadário da Pátria», devendo fazer uso da palavra nessa impressionante celebração, o general Sr. Simas Machado, comandante da 5ª Divisão militar, os representantes oficiais das Ligas de Combatentes e da Comissão de Padrões e, por último, o Sr. Ministro da Guerra".

* * *

O simbolismo da Sala do Capítulo, não estava completo. Havia “algo” que, durante a permanência das nossas tropas no seu sector defensivo, os protegia e amparava na sua dura missão na guerra e em terra estrangeira.

Dominando a paisagem entre as localidades de Lacouture e Neuve-Chapelle, pregado no seu madeiro e sujeito à chuva e ao vento que se fazia sentir, estava uma imagem de Cristo que, para os nossos avoengos camaradas de armas, representava a ligação à Terra-Mãe, a ligação à Família que, lá longe, se ajoelhava perante uma imagem semelhante, para por eles orar.

Foi sobre esse cenário de “calma e devoção” que, em 9 de Abril de 1918, o exército alemão fez cair a sua tempestade de metralha e morte, fazendo revolver a terra e incendiando-a. Neuve-Chapelle quase desapareceu do mapa, reduzida a escombros.

No terreno tombaram, no Campo da Honra, cerca de 7.500 portugueses da 2ª Divisão do CEP, agonizantes ou já mortos.

De pé no local, apenas o “Cristo Crucificado”, apesar de mutilado: os estilhaços tinham-lhe decepado as pernas e um braço e uma bala, “a lança dos tempos modernos” tinha-lhe trespassado o peito.

Para os portugueses era, e ainda é, o “Cristo das Trincheiras”.

O “Cristo das Trincheiras” derrubado da cruz.

As tropas retiraram ou foram retiradas, mas a imagem manteve-se no seu lugar em permanente vigília, na mesma forma e local em que estivera ma Batalha do Lys, durante mais quarenta anos.

Imagem de grande significado quer para os soldados do CEP quer para a generalidade do povo português, que já ouvia da boca dos combatentes o sucedido e, por esses relatos, já conhecia esse Cristo, o que acabou por ser solicitado, pelo governo de então, a sua vinda para Portugal.

A Imagem chegou a Lisboa, por via aérea, em 4 de Abril de 1958, por sinal na Sexta-feira Santa, acompanhada por uma delegação de combatentes portugueses, que tinham fixado residência em França, e por uma delegação de deputados franceses, chefiada pelo Coronel Louis Christians.

Apoteoticamente recebida pela população, foi transportada para a Capela da Escola do Exército (actual Academia Militar) nos Paços da Rainha, onde esteve à veneração até ao dia 8 desse mês de Abril, altura em que foi transportada numa viatura militar para o Mosteiro da Batalha, sem qualquer cerimónia especial. Ao chegar à Batalha, foi conduzida para o refeitório do mosteiro, onde ficou exposta.

No dia 9 de Abril de 1958, no 40º aniversário da Batalha do Lys, começaram a chegar ao Mosteiro da Batalha, pelas 11 horas, as entidades que estariam presentes na cerimónia, entre as quais o embaixador de Portugal em França e da França em Portugal, os Adidos Militares da França, Bélgica e Estados Unidos, altas patentes militares portuguesas do Exército, Marinha e Força Aérea (criada em 1 de Julho de 1952), autoridades civis, militares e religiosas.

O “Cristo das Trincheiras” reposto na cruz, à cabeceira dos “Soldados Desconhecidos”. 

Pelo meio-dia chegou ao local o Ministro da Defesa Nacional, Coronel Fernando dos Santos Costa, acompanhado do Coronel francês Louis Christians, aos quais foram prestadas Honras Militares por um batalhão do Regimento de Infantaria nº 7, de Leiria, que tinha participado no CEP com uma força a nível de batalhão.

O andor que transportou o “Cristo das Trincheiras” entre o refeitório e a Sala do Capitulo do Mosteiro de Santa Maria da Vitoria, foi levado em ombros pelos representantes da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, sendo a imagem de Cristo colocada à cabeceira da campa rasa, cuja lápide, inicialmente colocada paralelamente à parede lateral e virada para a porta, tinha sido mudada para a posição perpendicular à mesma.

Findas as intervenções militares e religiosas, o representante francês condecorou os Soldados Desconhecidos, colocando, sobre a laje tumular, duas Cruzes de Guerra.

A fanfarra do Regimento de Infantaria nº 19, de Chaves, executou os toques de ordenança, enquanto uma bateria do Regimento de Artilharia Ligeira nº 4, de Leiria, executava uma salva de 19 tiros.

Medalha da Cruz de Guerra, francesa

Desde a sua inumação na Batalha, os Soldados Desconhecidos têm sido alvo de diversas cerimónias, quer de forças militares quer de outros organizações, lembrando os combatentes que tombaram em defesa da Pátria. É normal haver referências ao “Soldado Desconhecido”, talvez por na lápide que cobre a sepultura, ter a seguinte inscrição:

PORTUGAL, 
ETERNO NOS MARES, 
NOS CONTINENTES E NAS RAÇAS 
AO SEU 
SOLDADO DESCONHECIDO 
MORTO 
PELA PÁTRIA
 _ 

GRANDE GUERRA 
1914-1918

Na realidade são dois soldados e, em nosso entender não são “desconhecidos”.
Esses militares, e todos os outros, tiveram pai e mãe, tiveram irmãos, avós e outros familiares e, possivelmente, muitos já tinham filhos. Portanto não são desconhecidos. Apenas não foram identificados e, por conseguinte, mantêm-se incógnitos, como tantos outros a quem, a História, se esqueceu de registar o Nome.

Fotos: © www.momentosdehistoria.com

José Marcelino Martins
josesmmartins@sapo.pt
13 de Setembro de 2012
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10417: Passatempos de verão (14): Composição fotográfica CCAÇ 2317 - Pioneiro de Gandembel (Joaquim Gomes Soares)

Guiné 63/74 - P10420: Meu pai, meu velho, meu camarada ( 32): Luís Henriques (1920-2012) evoca, em entrevista gravada em 10 de março de 2010, os sítios onde passou 26 meses, na ilha de São Vicente, em plena II Guerra Mundial: Mindelo, Lazareto, Matiota, São Pedro, Calhau...


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "No dia15 de Fevereiro de 1942, os três amigos íntimos [,da direita para a esquerda,] Luís Henriques, António F. Delgado e José Leonardo... os três bigodinhos querem é dizer que têm bigode... invisível!... [Eram três 1ºs cabos inseparáveis, todos da mesma companhia e


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Num dos funerais que cá se realizou , ao passar nas salinas (?) em São Vicente. 1942. Luis Henriques"




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > Parte da festa do 1º de dezembro de 1941. Corrida de cavalos. Lazareto, São Vicente, Cabo Verde. Luis Henriques"


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Uma das partes mais brilhantes do programa da festa da restauração: a ginástica. No dia 1 de dezembro de 1941. Lazareto, São Vicente, Cabo Verde. Luis Henriques"


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Duas secções em diligência. No paiol, São Vicente, novembro de 1941. Luis Henriques".



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > RI 23 > Calhau > Janeiro de 1942 > Um amigo do Fundão, no verso pode ler-se a seguinte dedicatória: "Ofereço ao meu amigo [Luis Henriques] com verdadeira amizade, esta fotografia em Cabo Verde. Seu amigo António João Abel, 1º cabo nº 267/41, RI 15"... Ao fundo, vê-se o "jardinzinho", no Calhau,  a que o Luís Henriques se refere nesta entrevista abaixo...






Lourinhã, cemitério local, 22 de setembro de 2012 > A lápide de Luís Henriques, homenagem de seus filhos, netos e bisnetos.

Fotos: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




Lourinhã > 20 de março de 2010 > Luís Henriques (1920-2012), ex-1º cabo  inf  nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5 (Caldas da Rainha). Esteve no Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, entre Julho de 1941 e Setembro de 1943. Neste episódio, evoca alguns dos sítios da ilha por onde passou ou que conheceu: Mindelo, Lazareto, Matiota,  São Pedro, Calhau, Monte Verde, Monte Cara... Na época ainda estava longe de ser mundialmente famosa a praia da Baía das Gatas... Fala também das duras condições de vida na illha, responsável por dezenas mortes entre o pessoal do RI 23...

Vídeo: 13' 02'. © Luís Graça (2012). Alojado no You Tube > Nhabijoes




Mapa da ilha de São Vicente (Cortesia de Wikipédia):   A azul, assinalam-se alguns dos topónimos aqui referidos na entrevista dada por Luís Henriques, em 10 março de 2010. Morreu em 8 de abril de 2012, sem nunca ter voltado a São Vicente, ilha de que falava com muito afeto...

(...) São Vicente (em crioulo: Sanvicente ou Soncente) é a segunda ilha mais populosa de Cabo Verde, localizada no grupo do Barlavento, a noroeste do arquipélago. O canal de São Vicente separa-a da vizinha ilha de Santo Antão. O Aeroporto Internacional Cesária Évora localiza-se a sul da cidade do Mindelo, o principal centro urbano da ilha e segunda maior cidade do país, onde se concentra grande parte da população da ilha que no seu todo conta com 74.136 habitantes. Mindelo é frequentemente considerada informalmente a capital cultural de Cabo Verde

A ilha, de aspecto seco e árido, tem na pesca, no turismo e na exploração do seu movimentado porto de mar ― o Porto Grande ― as suas principais fontes de receita.  São Vicente tem muitos pratos típicos, muitos deles tendo o marisco por base. Para além da célebre "cachupa", pontificam o "arroz de cabidela de marisco à Dadal" e o "guisado de percebes".

São Vicente é também conhecida pelo Festival de Música da Baía das Gatas ― realizado no primeiro fim-de-semana de lua cheia do mês de Agosto ― e por ser a terra natal da célebre cantora Cesária Évora " (...).


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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10284: Meu pai, meu velho, meu camarada (31): Expedicionários em Cabo Verde, mortos entre 1903 e 1946 e inumados nas ilhas de São Vicente e Sal (Lia Medina / José Martins)

Guiné 63/74 - P10419: Do Ninho D'Águia até África (11): Zarco, o combatente (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (11)

Zarco, o combatente!

O dia, é de calor infernal, húmido e abafado.
A população no aquartelamento cresceu.
Há grande movimentação de militares.

Chegam tropas da capital da província, onde vem parte de uma companhia de Pára-quedistas, onde vem o Zarco, amigo do Cifra. Um grupo de comandos especiais, que se tinha há pouco formado na capital da província, com elementos africanos, comandados por um capitão que tinha sido promovido a este posto por actos de bravura, em combate, não por frequentar a academia militar ou a universidade. O Cifra reparou neste capitão, aliás, todos repararam, pois chegou ao aquartelamento, sozinho conduzindo um jeep, quando saltou para o chão o jeep ainda rodou por uns segundos, até que parou. Trazia um camuflado, já coçado, justo ao corpo e curto, mangas muito arregaçadas, um emblema dos Comandos um pouco grande ao peito, quase em cima do bolso, o Cifra não se recorda se tinha umas luvas pretas nas mãos e um lenço amarelo ao redor do pescoço, mas parece que sim, umas botas de cabedal, pretas, altas com muitos fios de cor branca, a ataremnas, e muito bem engraxadas, luziam mesmo. O cinto caído de um lado, onde estava uma pistola, usava na cabeça uma boina vermelha de lado e uns óculos de aviador escuros, onde não se viam os olhos.

Diziam que era um puro guerreiro, talvez um louco, quem sabe. Até se dizia que esse capitão tinha apostado que, por “vinte pesos”, ou seja vinte escudos, sozinho, com um jeep com o tanque cheio de gasolina, uma pistola e uma granada no bolso, era capaz de ir até ao norte da província, até à fronteira, e regressar vivo e sem nada lhe acontecer.
Podia ser verdade, mas parecia, incrível. E alguns diziam: - Melhor que isto, só uma película do John Wayne!.

Também chegou um batalhão de artilharia que tinha chegado há pouco à província, e que faria o seu baptismo em combate.

Os helicópteros trazem pessoas importantes. Parecem importantes, pois trazem vestido camuflados novos, mas têm cara de velhos, alguns com cabelos já brancos. Também trazem preso no cinto uma pistola dentro de um coldre, e outro objecto que parece ser uns binóculos, tudo muito limpinho, um, também trás uma máquina de filmar, ou câmara fotográfica, o Cifra não recorda, mas parecia máquina de filmar, pois esse militar gesticulava com os braços, mandando as pessoas saírem da frente, e colocava-a na cara por alguns segundos, e depois dava a uma manivela falando um pouco mais alto que o normal, parecendo ser o lider.

Anda pó no ar, respira-se o ar quente e húmido que entra nas narinas, e faz as pessoas, transpirarem e molharem o camuflado.

Os militares de acção andam aflitos e na expectativa, não há alojamento para tanta gente, ocupam quase toda a área do aquartelamento, dão-se dois passos e tropeça-se em qualquer coisa. Há muito lixo pelo chão. O cheiro a gasóleo, dos motores das viaturas, que não param de trabalhar, sufocam. Há outro cheiro esquisito, que deve ser das fardas de camuflado novas, dos soldados do batalhão de artilharia.

Enfim, é um pandemónio nesse fim de tarde, que se prolonga por toda a noite.

O Zarco pede água ao Cifra, talvez lembrando a água pura e cristalina que bebia na montanha, donde era oriundo em Portugal.
- Por favor, dá-me água, só água, mais nada.

Os lábios estão secos, os olhos fixos em qualquer coisa que ninguém sabe o que é. Naquele momento o Cifra não reconhece o amigo, alegre e descontraído, que costumava ser o Zarco, quando o visitava na capital da província, e até recordou uma dessas visitas em que se juntou um grupo de amigos, num sábado à tarde, e se bebeu um barril de vinho, roubado no quartel que no final, para não haver vestígios, foi queimado.

O Cifra caminha por entre todo este pandemónio, que neste momento é o seu aquartelamento, cheio de receio, pois vê tantos militares, tantas armas e outro material bélico, que até lhe dão umas náuseas, que deve ser do receio que sente, e tem que por as mãos na boca algumas vezes, para não vomitar, pois, como os leitores já sabem, o Cifra é um razoável militar, mas um fraco guerreiro e nunca se sentiu confortável em zona de conflito.

Na madrugada do dia seguinte começam a sair do aquartelamento. Todas as unidades militares abandonam a área do aquartelamento, quase ao mesmo tempo, é um comboio de viaturas. Os helicópteros fazem um ruído ensurdedor, levantando pó, folhas e lixo.

(O relato de acção que se segue, foi descrito por alguns intervenientes, principalmente o Zarco, amigo do Cifra, e confirmado pelos relatórios que chegavam à mão do Cifra, passou-se mais ou menos isto, poderá haver erros de descrição, o que, se alguns intervenientes, ainda vivos, souberem, por favor expliquem com mais pormenores, esta operação decorreu na região do Oio, em princípios de 1965, talvez Fevereiro ou Março, e o objectivo creio que era base de “casas mato”, em Morés, ou nas proximidades de Morés, e sairam do aquartelamento de Mansoa).

Avançam no terreno por algum tempo da manhã.

Deixam os militares no local, que entendem que é ideal, e as viaturas regressam, com algumas forças, só para manterem segurança, ficando a uns quilómetros do aquartelamento onde existe um pequeno posto avançado, junto a uma ponte de um pequeno rio. A missão deste conjunto de tropas era a destruição de uma importante base de guerrilheiros que controlava, há já bastante tempo, determinada zona.

Quando estão próximo do que julgam ser o objectivo, um avião, vindo da capital da província, passa rasteiro, largando umas bombas que normalmente continham napalme, o pelotão de morteiros, já posicionado, lança algumas granadas.

Não se ouve um só tiro de resposta.

Os guerrilheiros do acampamento inimigo, a tal base, que normalmente era um acampamento disfarçado de aldeia, a que os informadores dos militares chamavam “casas de mato”, por vezes com vários túneis, onde até havia compartimentos, e onde normalmente todo este cenário estava localizado debaixo de frondosas árvores para não se ver do ar. Os guerrilheiros, avisados de todo aquele aparato militar, tinham abandonado essa base, com quase todo o equipamento, e tinham-se deslocado para outro local, um pouco mais ao sul, cobrindo diferentes áreas, no terreno, próximo e por trás de onde se encontravam neste momento as forças militares.

Passado pouco tempo de o avião passar, largando as bombas, e de o pelotão de morteiros ter lançado algumas granadas, a retaguarda das forças militares posicionadas no terreno, começam a ser flagelados por granadas de morteiro, em diversas direcções.

Enquanto as forças militares se posionam de novo, sofrem pelo menos dois mortos, nos soldados do batalhão de artilharia, que por alguma inexperiência se expuseram. Pedem ajuda do avião que demora uma eternidade, pois tinha que ser de novo abastecido na capital da província.

Os guerrilheiros, com experiência em guerrilha, disparavam granadas de morteiro de diferentes direcções, assim como rajadas de metralhadora. Era um ataque às forças militares de pura guerrilha, género de dispara e foge, mas de diferentes áreas ao mesmo tempo.

Os comandos, do tal capitão, as tropas pára-quedistas e alguns militares de acção, já com alguma experiência e mais corajosos, avançam de arma em punho, tentando abrir algumas clareiras, fazer algumas baixas nos guerrilheiros, ou fazendo-os recuar, mas era difícil, mesmo muito difícil, pois não os viam, nem sabiam onde estavam localizados. Os guerrilheiros conheciam o terreno, disparavam de diferentes direcções e movimentavam-se rápido, com eficácia. Tinham também alguma organização, eram muitos, tinham boas armas, conheciam a área onde actuavam e usavam o género de guerrilha traiçoeira de dispara e foge, cobrindo-se sempre uns aos outros.

Os oficiais, no terreno, sabiam que era uma questão de tempo, sabiam o género de guerrilha que o inimigo usava e sabiam que passado pouco tempo, iria recuar para outras áreas. Os militares já tinham algumas baixas. Os helicópteros tinham regressado ao aquartelamento com as tais pessoas importantes, pois só deviam ter ido à zona do conflito, talvez para analizarem o local, ou tirarem fotografias, e estavam estacionados no aquartelamento, com as hélices a trabalhar em movimento lento, mas a levantarem algum pó e lixo, e não deslocariam tão depressa, pois o tiroteio continuava intenso no local do conflito.

Mas voltando à zona de combate, o Zarco, num ascesso de fúria e raiva, sai com o seu grupo em direcção a certa área de onde vinham constantes disparos que já tinham feito um morto. Vai de arma em punho, disparando debaixo de fogo. Três elementos do seu grupo são atingidos e caiem. Ele ainda não foi atingido, atira-se ao chão, o fogo é cerrado, não o deixa levantar. Um do seu grupo grita com dores, com parte do estômago destroçado por rajadas de metralhadora.

Os tiros abrandam.

O Zarco rasteja até ao colega do seu grupo com o estômago destroçado, que lhe pede, aos soluços, deitando algum sangue pela boca:
- Por favor, Zarco dá-me um tiro na cabeça e termina comigo, pois não suporto mais a agonia destas malditas dores. Pega nele conforme pode, corre para trás, onde pensa que se encontra a barreira das tropas, anda por algum tempo sem orientação, com o corpo do companheiro ferido às costas, que continua a pedir-lhe para o matar e acabar com aquela agonia insuportável. Por fim chega junto da tropa, com os olhos chorosos e vermelhos de fúria e raiva, a boca seca, o corpo curvado com o peso do companheiro nas costas, banhado em sangue e sem vida. Quando poisou o corpo do companheiro no chão, verificou que este lhe tinha salvo a vida, pois estava com várias balas de metralhadora, alojadas nas costas, servindo-lhe de escudo durante a fuga para junto das forças militares.

Chega o avião de novo, que orientado por alguém com poderes para isso, usa o telefone do Trinta e Seis, o tal soldado telegrafista, baixo e forte na estatura, a quem o Curvas alto e refilão obedecia e não refilava, que com uma calma fora do normal, diz, referindo-se à área onde pensa que se encontram os guerrilheiros:
- Larga as bombas, aí, incendeia essa área, onde estão esses filhos da puta, que isto vai terminar já!

Tal como ele disse, passado uns minutos, deixou de se ouvir tiros, tudo isto, muito antes do anoitecer, pois os guerrilheiros, possívelmente, com algumas baixas, deslocaram-se para outras áreas. As forças militares recolheram os mortos, chamaram os helicópteros para transporte dos feridos mais graves para o hospital da capital da província, e as viaturas regressaram ao aquartelamento antes da noite.

A base foi destruída, tendo sido capturado algum material bélico dos guerrilheiros. Soube-se mais tarde que as forças militares fizeram dezenas de mortos nos guerrilheiros e que estes os vieram buscar ao terreno durante a noite. O batalhão de artilharia, que tinha chegado há pouco à província, teve o seu baptismo em combate, com alguns mortos, que era um dos principais objectivos dos guerrilheiros, para desmoralizar os restantes militares do referido batalhão.

Diziam, mas não fazia parte de qualquer relatório, que foram os comandos do tal capitão e as tropas para-quedistas, juntamente com alguns militares de acção, mais corajosos, que salvaram o batalhão de artilharia, de não ter dezenas de mortos. Até diziam que o tal capitão, debaixo de fogo, falava em código e por sinais para os seus comandos e que tinha um sangue frio e eficácia nos movimentos, como se estivesse num ambiente calmo, e não no meio de um terrível conflito.

Talvez não fosse verdade, mas dizia-se.

O Zarco foi condecorado com a medalha de cruz de guerra, por valentia em zona de combate, por altura do dia dez de Junho, no Terreiro do Paço, em Lisboa.

O Curvas, o tal soldado alto e refilão, foi ferido com estilhaços de granada de morteiro numa perna, de um lado, mas recusou-se a ser evacuado para o hospital da capital da província, recebeu tratamento no aquartelamento, vindo a tirar os estilhaços só quase no final da comissão.

Mais tarde foi louvado e condecorado, juntamente com o Setúbal, no meio do aquartelamento, perante todos os militares, numa história, que mais para a frente contaremos.

Às vezes o Curvas alto e refilão, dizia, referindo-se a esta operação de destruição, da base dos guerrilheiros:
- Pareciam o diabo, pareciam fantasmas, estavam sempre por trás, ou onde nós não os podíamos ver, porque se eu os visse, matava-os a todos!

O Cifra não mais teve notícias do tal capitão, chefe do grupo de comandos especiais, mas pelo desenvolvimento que a guerra tomou, na referida província, ou morreu em combate, ou deve ter chegado a general.
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Nota de CV:

Vd. postes anteriores da série de:

21 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10177: Do Ninho d' Águia até África (1): Mobilização e partida para um Comando de Agrupamento (Tony Borié, ex-1º cabo cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

 24 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10190: Do Ninho d'Águia até África (2): Montando o Centro de Cripto (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

 31 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10212: Do Ninho d'Águia até África (3): Uma pausa para reflectir, guerra é guerra (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10225: Do Ninho d'Águia até África (4): No aquartelamento, quase em final de construção (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

13 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10260: Do Ninho d'Águia até África (5): Em cenário de guerra deixas de ser tu (Tony Borié)

21 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10285: Do Ninho d'Águia até África (6): Apanhado pelo clima (Tony Borié)

6 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10336: Do Ninho d'Águia até África (7): O abastecimento ao aquartelamento (Tony Borié)

11 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10365: Do Ninho d'Águia até África (8): O "Arroz com pão" (Tony Borié)

 15 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10388: Do Ninho d'Águia até África (9): Orquídea Negra da lama da bolanha (Tony Borié)
e
18 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10403: Do Ninho D'Águia até África (10): Minas na estrada (Tony Borié)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10418: Blogoterapia (217): Mário Tito, aliás, Mário Serra de Oliveira, camarada da diáspora, está disponível, em 27 de outubro, no lançamento do seu livro, ou então na 1.ª quinzena de novembro, para estar com os camaradas de cá, para "papiar crioulo" e "parti mantenha e lembra tempo di tuga"

1. Comentário do Mário Tito, aliás, Mário Serra de Oliveira (, camarada da diáspora, que vive nos EUA), ao poste P10376:

Amigos Guineenses e Camaradas ex-combatentes:

Com um abraço fraterno a todos, gostaria de solicitar "dicas" de locais onde poderei confraternizar com o pessoal da Guiné, durante a minha curta estadia em Portugal - 25 de Outubro a 20 de Novembro - durante a qual terei alguns dias ocupados mas na maioria livres.

Vejamos:

(i) Chego a Lisboa a 25 de manhã;


(ii) seguirei para a minha aldeia  o Alcaide (Fundão);

(iii) regresso a Lisboa no dia seguinte para ultimar pormenores com editora do meu livro - PALAVRAS DE UM DEFUNTO, ANTES DE O SER - cujo lançamento será dia 27;

(iv) Dia 28 vou ao Luxemburgo e regresso dia 31, seguindo novamente para a minha aldeia;

(v) Depois disso, sou "todo vosso" e do pessoal da Guiné que acaso estejam disponíveis para "papiar crioulo" e "parti mantenha e lembra tempo di tuga";

(vi) até dia 14 de Novembro...

(vii) porque, dia 16-17-18, é a festa dos míscaros (cogumelos) na minha aldeia onde vou estar novamente a tentar vender alguns livros;

(viii) convido a todos que possam visitá-la, porque segundo consta é muito bonito; eu nunca lá estive; só consta que, no ano anterior, visitaram a aldeia cerca de 30 mil pessoas.

Assim, aqui fica o convite. Mário.


2. Mensagem, de hoje, do Mário Tito, a propósito de comentário do editor L.G. ao poste P10413, sobre os topónimos da Guiné do nosso tempo com mais "marcadores" no nosso blogue (Guileje e Bambadinca, à cabeça, com mais de 350, à frente de Bissau (270), Mansoa (270), Nhacra (220), Bafatá (190),Nova Lamego/Gabu (190), Mampatá (190), Gadamael (180), Mansambo (180), Bula (180), Buba (170), Xime (170), Teixeira Pinto/Canchungo (170) Guidaje (160), Bissorã (160), Mansabá (160), Catió (160), Galomaro (150), Gandembel (140), Missirá (120), Xitole (110), Farim (100)...

Prezado Camarada L. Graça:

Ainda bem que a frase final, ilumina a questão que se me pôs na minha c.c.c., quando li Bissau na lista dos "top ten".


Não dei um salto mas tive um sobressalto, assim como que uma reacção de antecipação - coisa que tem faltado há muitos anos - aos jogadores do Sporting, clube do qual o meu infortúnio de inclinação desportiva me condenou até à morte. Raios partam a minha sorte!... Não me poderia ter calhado pelo menos o Sporting da Covilhã - a 17 Km da minha Aldeia mas a milhas do meu coração?

(...) Bem, já (...) me desviei do que ia a dizer sobre Bissau: Então se eu estive ali quase 15 anos e nunca senti o "quentinho" dos "gafanhotos" tracejantes e luminosos durante a noite... como é que Bissau figurava (essa era a minha questão inicial, quando me sobressaltei, ao fim destes anos todos, quando, só por ler, uma referência a Bissau estar) entre os 10 mencionados locais.

Bem me parecia que era só por uma questão de estatística do que de outra coisa.

Verdade se diga, há que delimitar um perímetro de efectividade de zonas "quentes"... diria eu que... durante a maior parte do tempo, teria que se considerar mais uma meia-lua circular à volta de "Biombo Cumerú", como zona mais ou menos segura na parte interior da meia-lua e, a partir dali, no lado exterior da meia-lua, já "cheirava a cacimbo".

Honra seja feita a todos os que estiveram na parte de fora da "meia-lua".

Bem, não levem a mal pela "laracha". É só para tentar divertir-me, tal como me tenho divertido - hoje mais uma vez - com os resultados do Sporting. Aleluia... que não perderam!

Abraço a todos.
Mário Oliveira.

1.º Cabo Amanuense 262 da BA12 - 67/68 (residente em Bissau até Agosto de 1981).
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Nota do editor;

Último poste da série > 12 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10372: Blogoterapia (216): As amizades são para serem vividas (José Câmara / Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P10417: Passatempos de verão (14): Composição fotográfica CCAÇ 2317 - Pioneiro de Gandembel (Joaquim Gomes Soares)

1. O nosso camarada Joaquim Gomes Soares (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel / Ponte Balana, 1968/70), em mensagem do dia 19 de Setembro de 2012, mandou-nos esta composição fotográfica para publicação no nosso Blogue:


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10407: Passatempos de verão (13): Lorde Byron e o cerco de Missilonghi (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10416: Notas de leitura (407): O Corredor de Lamel - 68 Guiné 69 - de Guilherme Costa Ganança (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Julho de 2012:

Queridos amigos,
Aqui temos o segundo ano da comissão de Gabriel Silva, o alter-ego de Guilherme Costa Ganança, que andou por Contuboel, Bula, Cabedú, Catió e Farim.
Guarda recordações impressivas dessa região próxima do Cantanhez e do corredor de Lamel. Paira sobre a narrativa o espectro de um comandante de companhia profundamente estimado e morto em combate. Atravessa toda a sua prosa as cartas para a madrinha de guerra, os seus sonhos, uma profunda inocência. Quem previu que a literatura da guerra colonial se finara, exausta, tem aqui a prova em contrário, os sexagenários revelam uma impressionante capacidade para pôr a limpo as suas memórias. E Guilherme Ganança está longe de ser um escritor solitário.

Um abraço do
Mário


O Corredor de Lamel

Beja Santos

Guilherme Costa Ganança combateu na Guiné entre 1967 e 1969. No ano passado editou “Do Cacine ao Cumbijã, 67 Guiné 68” (Chiado Editora 2011). Escreveu-se na oportunidade que se tratava de um livro autobiográfico, narra a vida de Gabriel Silva a chegar ao Funchal, já promovido a aspirante, da Madeira irá para o campo de instrução militar de Santa Margarida para formar uma companhia de intervenção com destino à Guiné. Em 28 de Outubro de 1967, vindo de Tomar, embarca no Uíge, Gabriel Silva faz parte da companhia 78081 comandada pelo capitão Germano Neves. Segue-se o período de adaptação, Silva começa a escrever às madrinhas de guerra, precisa febrilmente de companhia. Faz o batismo de fogo na região de Caresse, uma operação que moralizou a sua unidade. Findo o treino operacional seguem para Bula onde participam na operação Bolo-Rei, na região de Choquemone.

O primeiro ano da comissão passa-se essencialmente em Cabedu, entre Cacine e o Cumbijã, estão perto do Cantanhez onde o PAIGC se posiciona nos locais de Catifine e Cafal, Cabanta e Catesse. Gabriel Silva está à frente de um pelotão que dispõe de uma maior capacidade ofensiva, “os corsários”. Em 16 de Fevereiro de 1968, tem lugar uma operação fatídica, Germano Neves morre em combate. A apreciação então feita é de que se tratava de uma obra asseada, marcadamente autobiográfica, com descrições minuciosas, via-se claramente que o autor reposicionava a sua prosa pela inocência do seu olhar a partir da Madeira, servia-se das suas madrinhas de guerra como confidentes da sua vivência em Cabedu.

Acaba de ser editado “O Corredor de Lamel, 68 Guiné 69”, romance histórico, por Guilherme Costa Ganança (Chiado Editora, 2012). A companhia 78081continua em Cabedu, companhia órfã, entrega aos alferes, sargentos e furriéis, em finais de Março retoma-se a atividade operacional, volta-se ao Cantanhez e arredores, são patrulhamentos sem danos, não se encontra o inimigo. O alferes de minas e armadilhas vai colocando engenhos explosivos e instala uma rede de minas e armadilhas nos acessos. E fica provado que grupos inimigos acionaram tais engenhos, deixam marcas eloquentes de sangue. No aquartelamento processa-se a construção de novos abrigos e a reparação dos existentes. Também em Abril terá lugar um patrulhamento até à Península de Cassacunda, haverá troca de tiros quando se detetou um grupo de guerrilheiros, capturou-se um guerrilheiro, uma mulher, uma espingarda e objetos que o inimigo abandonou na sua retirada apressada. O guerrilheiro foi levado prontamente para Bissau, tratava-se de alguém que tinha recebido instrução militar na Argélia e era responsável pela logística do Cantanhez.

Gabriel Ganança optou por uma prosa muito sóbria, terra a terra, é uma linguagem descarnada, não há perdas de tempo para descrições opulentas, só cede à emoção quando narra acidentes brutais, caso de uma descarga que eletrocutou o soldado Nestor Pimenta, aí a descrição aviva-se dá-se corpo aos sentimentos dos camaradas que estão em profunda mágoa, consternados. Spínola visita estas tropas que continuam metodicamente a patrulhar à volta do Cantanhez e por vezes com sucessos. Determina a sua transferência para Catió: “Ali, era apenas mais uma companhia no meio do batalhão comandado por um tenente-coronel, a quem eram devidos todos os agradecimentos (…) a vila de Catió, plana e bem desenhada, albergava 5 mil habitantes. A zona central, onde se encontravam os estabelecimentos comerciais que abasteciam a região, era constituída por edifícios sólidos, caiados de branco e aspeto razoável. Em volta da vila, existiam núcleos dispersos de gente nativa. As tabancas de Cudocó, Cubaque e Canchumane, encontravam-se arrasadas pela guerra. Pouco tempo depois, Spínola havia de engendrar um plano de reordenamento do território. Visava concentrar recursos e melhorar a sua eficácia. A tabanca de Cumebú, que ficava perto do rio Ganjola, seria transferida para junto da vila e a de Quibil anexada ao ilhéu de Infanda. A 78081 tinha de contar com o perigo das matas de Cubaque, Canchumane, Cufar e Camaiupa, atravessadas pelas estradas que ligavam Catió a Cufar. Era um território apetecido para atividade inimiga”. O comandante do batalhão entregou-lhes um mapa de circuitos que deviam ser patrulhados diariamente. São patrulhamentos por vezes muito duros, como uma ida à mata de Cabolol onde conheceram uma sede tremenda, como o autor explica: “A chuva parou, de súbito, e as pequenas poças que se criaram no chão pareciam limpas, quase transparentes. Gabriel olhou-as, ávido, e sentiu as securas de uma sede insaciável. Eram toalhas finas de água, tão delgadas que não podiam recolhe-las com a concha da mão. Teve sorte. O ramo mais baixo de uma árvore estendeu-lhe as folhas verdes, bem na frente do seu rosto. Pegou numa delas, curvou-a, e de joelho no chão, foi recolhendo pequenas porções do líquido precioso”.

Gabriel Silva vai conhecer o tenente João Bácar Djaló que vivia em Príame, descreve-o como um nativo de porte arrogante, senhor de muitas mulheres e de muitas bolanhas. Em Julho chega o novo comandante da companhia, Luciano Barbosa. Cedo há de perceber que a sombra de Germano Neves ainda paira sobre a companhia, pretende impor-se através do seu estilho, dar-se-ão choques, nem sempre fáceis de amortecer. Depois vão à ilha do Como, o comando-chefe decidira o abandono do aquartelamento de Cachil, a brigada de sapadores fará explodir tudo que não pudera ser retirado. Seguem-se férias na Madeira. No regresso, apercebe-se que Luciano Barbosa pretende punir dois soldados do seu pelotão, Gabriel procura negociar e garante contrapartidas, os soldados pedirão desculpas. Gabriel começa a escrever à irmã do padre Honório, o capelão de Catió, o leitor será inteirado do conteúdo destas missivas, o alferes está profundamente só, quer companhia a todo o custo. “Os corsários” estão numa grande exaustão, são transferidos para Cabedú, é quase um tempo de pasmaceira. Em Fevereiro, a 78081 recebe ordem de marcha para a zona de Farim, acabou-se o tempo entre Cacine e Cumbijã, vão conhecer o corredor de Lamel, a importância do corredor deve-se à utilização feita pelos guerrilheiros que o utilizam a partir do Senegal até às suas bases que ficam a Sul do Rio Jumbembem. Ali à volta estão os quartéis de Jumbembem, Cuntima, Binta e Guidage. É nesta altura que Gabriel toma a decisão de estudar matemática e física, quer ingressar no curso de engenharia, aspira ser engenheiro eletrotécnico. Aliás, passará as suas segundas férias em Bissau dedicado ao estudo. Em Farim, o capitão Barbosa quase que será linchado por soldados, depois de ter usado uma linguagem insultuosa. A companhia está instalada em Nema, não muito longe do Oio. Serão flagelados, a companhia anda desatinada, o fim da comissão nunca mais chega. Estamos em Junho de 1969, a atividade no corredor de Lamel entrara numa rotina enfadonha, as brigas repetem-se, ameaças de levantamento de rancho, de punições. Aqui e acolá, há mortes por acidente ou em combate.

E chega o anúncio da partida. Em fins de Agosto, chegam a Lisboa, vão até Tomar, a unidade mobilizadora, a guerra acabou, fica a nostalgia das últimas despedidas. Vai até ao Funchal, consegue uma bolsa de estudo, cumpre o sonho da sua vida, entra no Instituto Superior Técnico, toda aquela ansiedade descrita abundantemente na correspondência com as madrinhas de guerra vai-se extinguindo. Gabriel faz-se engenheiro, muitos anos mais tarde sente o impulso de passar a escrito aqueles tempos da Guiné. Ao fim de mais de 40 anos, publicou as suas memórias. Gabriel Silva agora é mesmo Guilherme Costa Ganança. Sente-se feliz por relatar episódios determinantes da sua vida, vivências de uma idade em que os seus sonhos correram risco de não se concretizar. Temos aqui obra asseada, despretensiosa, alguém que se sentiu impelido a partilhar a sua inocência e até a sua comunicação com as madrinhas de guerra. E não esquece a sua padroeira a quem sempre pediu proteção e que o premiou com a vida e a realização pessoal e profissional.
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Notas de CV:

Guilherme Gabriel da Costa Ganança foi Alf Mil da CCAÇ 1788/BCAÇ 1932, Cabedú, Catió e Farim, 1967/69 e faz parte da nossa tertúlia desde 22 de Julho de 2012

(*) Vd. poste de 3 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8850: Notas de leitura (282): Do Cacine ao Cumbijã, 67 Guiné 69, de Guilherme da Costa Ganança (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 20 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10411: Notas de leitura (406): O conflito político-militar na Guiné-Bissau (1) (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P10415: Agenda cultural (214): O festival Todos'12: Este fim de semana, no eixo Poço dos Negros: Os sabores, os cheiros, as cores, as gentes, a música da Guiné-Bissau, Cabo Verde e outros países lusófonos



A quarta edição do festival Todos' 12  – Caminhada de Culturas (*) começou a 14 de setembro e acaba este fim de semana, no domingo,  23. Este ano, e  pela primeira vez, centrou-se no eixo Intendente-Poço dos Negros, duas zonas da cidade marcadas, ao longo da história, pela coexistência das mais desvairadas gentes.. Esta semana, as actividades (culturais, incluindo a gastronomia, a fotografia e a música) concentram-se nas ruas de S. Bento,  dos Poiais de S. Bento e da Cruz dos Poiais, no eixo do Poço dos Negros (**). 


Foto (da autoria do grande fotógrafo português Luís Pavão) e elementos informativos retirados do cartaz e programa do Todos'12... (Com a devida vénia)

Dia 22 de setembro de 2012, sábado [, destaques da responsabilidade do editor L.G.]


GASTRONOMIA

[Timor / Guiné-Bissau / Cabo Verde / São Tomé e Príncipe]

Preço: 6€ | sujeito a inscrição prévia para festival.todos@gmail.com ou 96 637 4388/ 91 414 4311

(i) O GOSTO DE TIMOR com Dina

22 e 23 de Setembro, das 12h00 às 15h00

Biblioteca Municipal Por Timor, Rua de São Bento 182-184

Uma mostra de gastronomia timorense, onde é apresentada uma refeição para dias especiais. Dina, timorense de alma e de coração, desde cedo defendeu o seu país na procura de um futuro melhor. Esteve à frente da Organização Popular de Mulheres Timorenses e sofreu na pele as agruras da sua luta pela liberdade. Foi prisioneira das forças indonésias e vive hoje em Portugal, sonhando com um Timor-Leste novo, cheio de futuro. Neste dia partilhará connosco uma das riquezas do seu país – a gastronomia.

(ii) COZINHA DA GUINÉ BISSAU com Nina Codé

22 de Setembro, das 13h00 às 15h00

Centro InterculturaCidade, Travessa do Convento de Jesus, 16 A

Nina escolheu o Caldo de Chabéu (fruta, óleo de palma, beringelas, tomates, cebolas, alhos, quiabos e galinha) para este almoço Guineense.
(iii) CACHUPA E CONVERSAS com Domingos de Brito

22 de Setembro, das 20h00 às 21h30

Restaurante Tambarina, Rua Poiais de São Bento 85

A Cachupa será servida com um acompanhamento especial: a companhia de um caboverdiano, um amante do encontro entre pessoas.

(iv) COMIDA LEVE-LEVE com Sofia Pinto

22 de Setembro, das 20h00 às 21h30

Centro InterculturaCidade, Travessa do Convento de Jesus, 16 A

Calulu de peixe e Angú de banana farão as delícias desta refeição cheia de explicações sobre a culinária de São Tomé e Príncipe.

CONCERTOS ÍNTIMOS

(v) OFICINA DE MÚSICA DE MOÇAMBIQUE Projecto Kudonde

22 de Setembro, das 19h00 às 20h00

Centro Interculturacidade, Travessa do Convento de Jesus, 16A

Dirigida por Malenga, instrumentista e compositor moçambicano, esta oficina funciona em regime aberto e nela participam músicos de vários países.

(vi) CONCERTOS ÍNTIMOS DA ORQUESTRA TODOS

BE|BEL

22 de Setembro, às 21h30, às 22h00 e às 22h30

Rua de São Bento, 107

Com Max Lisboa (voz e guitarra – Brasil), Gueladjo Sané (dunduns e djembé, Guiné Bissau) e Johannes Krieger (trompete – Alemanha) 


(viii) RESTAURANTE TAMBARINA

22 de Setembro, às 21h30, às 22h00 e às 22h30

Rua dos Poiais de São Bento, 85

Com Danilo Lopes da Silva (voz a guitarra – Cabo Verde), Susana Travassos (voz – Portugal)  e João Gomes (teclados - Portugal/Moçambique)

 OUTRAS ATIVIDADES

(ix) RETRATO CRIOULO EM MOVIMENTO

Exposição de fotografia de João Freire pela Rua de Todos

22 de Setembro pelas 11h30, 15h00, 19h00, 22h00

23 de Setembro, pelas 11h30, 15h00, 19h00

Procure-a na Rua de TODOS (Ruas de São Bento, Poiais de São Bento e Poço dos Negros).

Encontro com o fotógrafo João Freire no dia 23 de Setembro, pelas 19h30, no Centro InterculturaCidade (Travessa do Convento de Jesus, 16 A)

Imagine que vai na rua e de repente se depara com uma fila de pessoas que se aproxima de si e lhe traz uma exposição de fotografias belíssimas a preto e branco. Estas fotografias falam de um povo e de um país que existe no meio do oceano atlântico, onde as árvores são deitadas pelo vento… os seus olhos vão aumentar e a sua lembrança da rua em que isto aconteceu não mais será a mesma. Essa rua é a rua de TODOS.


(x) DJUMBAI DJAZZ (***)

22 de Setembro, entre as 23h00 e as 24h00

Centro Interculturacidade, Travessa do Convento de Jesus, 16A

Formação incontornável na História da Música Guineense em Portugal. Na sua música cruzam-se as matrizes tradicional e contemporânea com o som afro-mandinga e a canção urbana de José Carlos Schwarz.

Vd. aqui o programa completo do festival Todos'12.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10376: Agenda Cultural (213): Festival Todos 2012: Do Intendente ao Poço dos Negros... Viajar pelo mundo sem sair de Lisboa: de 14 a 23 de setembro)



(**) Possível origem do topónimo::

(...) Rua do Poço dos Negros: fica entre a avenida Dom Carlos I e o largo Doutor António de Sousa Macedo (antigo largo do Poço Novo). 


De acordo com Júlio de Castilho, a origem deste topónimo pode encontrar-se numa carta régia de Dom Manuel I -13 de Novembro de 1515 -, pela qual o rei pedia à cidade de Lisboa que construísse um poço para colocar os corpos dos escravos mortos, sobretudo na época das epidemias. Diz a carta que os escravos chegavam a ser lançados «no monturo que está junto da Cruz [de Pau a Santa Catarina] q[ue] esta no caminho q[ue] vai da porta de santa C[atari]na p[ar]a santos,» para a praia. Para evitar as consequências dos cadáveres insepultos, o rei considerava «q[eu] ho milhor remedio sera fazer-se huu[m] poço, o mais fumdo que podese ser, no llugar que fose mais comvinhauel e de menos imcomvyniemte, no quall se llãçasem os ditos escravos» e que se deitasse «alguma camtidade de call virgem» de quando em quando para ajudar à decomposição dos corpos. A Câmara de Lisboa teria cumprido a ordem do rei construindo um poço no caminho para Santos, também conhecido como Horta Navia.

Gustavo de Matos Sequeira, em “Depois do Terramoto”, colocou ainda outra hipótese para a origem deste topónimo, associada à proximidade do Convento de São Bento (actual Parlamento), também conhecido por São Bento dos Negros, devido à cor dos hábitos dos frades. Assim, um poço pertencente à Ordem dos frades negros de São Bento seria a verdadeira origem do topónimo. Mais, de acordo com este autor, no século XVIII, uma designação bairrista chama a esta artéria “rua de São Bento dos Negros”.

Freguesia: Santa Catarina (...)


Fonte: Sítio Espaço e Tempp: Revelar Lx [Lisboa].

(***)  Quem são o Djumbai Jazz [clicar aqui para ouvir um dos ficheiros áudio].

(i) O projecto Djumbai Jazz surge 1999, sob a liderança do guineense Maio Coopé;

(ii) Um projecto musical, de matriz afrmandinga, formado por 4 pessoas;

(iii) Maio Coopé, cantor, músico e compositor, remete este projeto, para as suas próprias vivências de infância: “ No meu País, sobretudo nas zonas suburbanas, antes das crianças irem dormir, há uma reunião junto dos mais velhos, ao redor da fogueira, contam-se histórias e há sempre uma pessoa para cantar, trata-se de um costume da Guiné-Bissau e que esteve sempre bem próximo de mim”;


(iv) Filho de pais músicos, começou a cantar em festas tribais; com a independência do seu pais (1974), desabrochou o seu talento e abriram-se outras portas;

(v) Em setembro de 1975, venceu o Festival de Mandjuande para Musicas Tradicionais cantadas em crioulo.

(vi) No inicio, Maio Coopé procurou sempre estar bem próximo da Música Tradicional do seu País, trabalhando a sua voz junto à percussão e com repertório de canções populares;

(vii) Começa a tornar-se conhecido também no estrangeiro: Europa ocidental e ex-União Soviética;

(viii) Com os Gumbezarte, trabalhou a sua música depois de uma extensa pesquisa sobre a cultura musical das várias etnias do seu País e com Canadiano
 Silvam Panatom, registou as suas canções;

(ix) Maio Coopé foi vencedor de vários festivais na Guiné-Bissau, entre 1984 e 1988; 

(x) Durante a década de 80 fez várias tounées pelo Pais: Bafatá,  Gabu, Bissorá , Sonako, Pirada, Boé, Farim, Manssoa, Cacheu, Cachungo, Buba, Catió, etc. 

(xi) Nos anos 90 faz também apresentações na Alemanha (Berlim), durante o Festival Lusomania; grava o disco “Camba Mar” com o seu grupo Gumbezarte, disco editado pela Lusafrica e saudado pela crítica internacional; 

(xii) Maio inicia uma extensa tournée pela Europa, por vários festivais conceituados como:  La Villete ( França), Sfinks (Bélgica), Rambout Festival e Nordezem na Holanda, Expo 98 (Lisboa), etc. 

(xiii) Em 2000 é convidado para a feira/festival de músicas do mundo Strictly Mundial em Zaragoza ( Espanha), onde a música “Pelele” é seleccionada para participar na compilação do Forum Europeu de Festivais de World Music; 

(xiv) Em 2004 volta ao Brasil com os Djumbai Jazz no âmbito do projecto “Na Ponta da Lingua” onde actua em várias cidades do Estado de Minas Gerais;

(xv) Tem colaborado com vários artistas lusófonos , e gravou com vários artistas de Cabo Verde na compilação “Ayan”, da editora Praia Records;

(xvi) Composição do grupo::

Mayo Coope – Voz Principal
Sadjo – Guitarra Acústica Ritmo
Galissa – Kora
Mateus – Baixo Eléctrico
Djabate – Guitarra Solo
Cabum – Percussão
Tony – Bateria
Ana Cabi – Dançarina
Miriam Cabi - Dançarina