Caros editores
Junto um artigo sobre a portugalidade que encontrei na Guiné-Bissau.
O texto já foi publicado na Tabanca de Matosinhos, mas creio que tem interesse ser divulgado pela Tabanca Grande.
Junto também uma foto minha para ser colocada nos temas escritos por mim para me identificar.
Abraço fraterno
Após umas horas de merecido repouso, na sequência de uma noite em viagem de Lisboa para Bissau*, eu e os meus filhos Joana e Tiago, deixamos o Bairro de Quelelé para uma visita à cidade histórica de Bissau.
O Antero, condutor da viatura que a AD nos disponibilizou para as nossas deslocações em Bissau que é um excelente conversador, fazia de cicerone, explicando-nos que estávamos a atravessar o bairro a que foi dado o nome de Bissau Novo, ainda no tempo do colonialismo. De repente ouvem-se os acordes do hino A Portuguesa ou seja o Hino de Portugal. Era o telemóvel do Antero que tocava accionado por alguém que lhe queria falar.
Exclama o Tiago: - Estou a ouvir o Hino de Portugal!
Diz-lhe o Antero um tanto atrapalhado: - Eu gosto muito de ouvir o hino nacional!?
E… deixou tocar para que pudéssemos saborear este momento de portugalidade.
Depois, timidamente pergunta; - Posso atender?
Várias vezes nesse dia e seguintes pudemos ouvir o “hino nacional” como o Antero tinha o prazer de lhe chamar.
A conversa foi então desviada para a sua meninice. Viera, muito pequeno, de Encheia com os pais e radicalizara-se ali no Bairro de Bissau Novo.
Manhã cedo corria para a Praça do Império e para o QG para ouvir o toque de hastear bandeira e comunicar com os militares portugueses. Sobretudo gostava de ao domingo ver a parada militar que se desenrolava na Praça do Império. Deste modo foi cultivando o seu sentido de filho de Portugal como os nossos políticos e militares de então tão bem semeavam.
Hoje, o seu maior prazer é ser condutor dos portugueses que vão a Bissau, comunicar, conversar, contar histórias da sua meninice. O seu herói é o tabanqueiro Nuno Rubim, o Capitão Fula, tão querido em Guiledje e grande dinamizador do Museu que se está a construir nesta Tabanca com objectivo de deixar aos vindouros um pouco da realidade histórica da guerra colonial ou da Independência que acabou por unir de forma indelével os combatentes de ambas as frentes.
Antero, o guineense que gosta de ouvir o Hino Nacional
No dia seguinte ao chegar a Mampatá Forreá, recebo um aperta-costelas bem apertado do Puto Reguila. Outro menino que parava à porta do quartel de Quebo (Aldeia Formosa). Transporta na sua mente um grupo de amigos, que nunca esquecerá, tais como o Lobo, de Matosinhos, e o Carmelita, de Vila do Conde. É um gosto ouvi-lo cantar a Mariquinhas, da Amália Rodrigues, com letra adaptada às colunas que se faziam de Aldeia Formosa para Buba e vice-versa. Mas tem muitas mais canções que ficaram gravadas na memória.
O Puto Reguila sempre pronto a cantar mais uma cantiga.
Andando mais um pouco, paramos em Faro Sadjuma para almoçar. Eis que a nossa anfitriã, a cozinheira do excelente petisco que saboreamos, ao ver a viola e o cavaquinho do Luís e do João Rebola, logo os desafia a tocarem o Malhão, que ela tão bem cantou. Claro que não nos fizemos rogados e logo ali o Eduardo Moutinho Santos demonstrou os seus dotes de cantor, formando-se uma tertúlia com a senhora aficana a dar o tom.
Ali mesmo, conhecemos a filha do já conhecido tocador de gaita-de-beiços, também chamada harmónica de boca, que se prontificou a ir a Medjo convidá-lo para se apresentar nessa noite em Iemberém para nos deliciar com as suas tocadas do Vira do Minho e outras músicas tradicionais dos ranchos folclóricos portugueses.
Em Faro Sadjuma cantou-se o malhão
Apareceu-nos no outro dia de manhã, a pedir “discurpa” por não ter vindo à noite, devido a falta de transporte. Foi de Medjo até Iemberém a pé, para nos ver e poder tocar as nossas músicas. Infelizmente, estávamos de abalada, pelo que tocou duas gaitadas e foi embora. Triste ficou, com certeza, porque estes tugas foram uns ingratos. Mandaram-lhe um convite e depois deixaram-no a tocar sozinho, quanto ele veio com tanto gosto, sabendo quanto é apreciado pela sua arte que não é mais nem menos que a arte que um camarada nosso levou para a Guiné. Por lá deixou a gaita, nas mãos o nosso tocador guineense que a guarda religiosamente na caixa de origem e cultiva os acordes que aprendeu com todo o carinho.
Foram estes, entre tantos outros, bocados de portugalidade, semeados por simples homens do povo, soldados de Portugal que demandaram às terras da Guiné, forçados pelas circunstâncias de um tempo em que os senhores deste nossos País, remando contra os ventos da história, sonhavam com um Portugal, uno e indivisível, do Minho a Timor, quando lhes restava, historicamente, apenas o velho cantinho europeu.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8186: Missão na Guiné no século XXI (José Teixeira)
Último poste da série > 15 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7789: Portugalidade(s) (4): Os nossos mútuos estereótipos lusófonos (Cherno Baldé / Antº Rosinha)