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quinta-feira, 2 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24112: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte IV: a visita da delegação militar da OUA, em 1965, às bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari, na região Norte do PAIGC




Três fotogramas do documentário de Piero Nelli (1926-2104),

"Labanta, Negro! " (Itália, 1966, 38' 43'').

Edição (e legendagem): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de n
otas avulsas de leitura do livro  "Crónica de Libertação", de Luís Cabral (*):

Visita da missão militar da OUA em 1965 (pp. 287 –297)


Que fique claro: desde sempre falámos aqui, neste blogue, do PAIGC, da sua história, dos seus dirigentes e combatentes, da sua organizaçãoo, do seu armamento, das suas bases ("barracas") e linhas de infiltração, das suas operações, das sus baixas, dos países que o apoaivam (incluindo a Suécia), da sua propaganda, dos  livros e dos filmes que falam deles, etc... 

Sempre falámos sem quaisquer complexos. O nosso tom é  necessariamente  crítico: afinal somos um blogue de antigos combatentes e não combatemos contra fantasmas... ou extraterrestres... Esses fantasmas ou extraterrestres tinham um rosto e nome: Amílcar Cabral, Luis  Cabral, 'Nino' Vieira, Domingos Ramos, etc. , figuras que já nem sequer estão vivas.... 

Nunca os exaltámos mas também nunca escondemos  que não os podíamos ignorar.  A guerra (que foi um sangrento jogo de xadrez)  já acabou há meio século e é natural que haja memórias que se cruzam, quer gostemos ou não...  Mário Dias, por exemplo, fez a tropa, o 1ºCSM,com o Domingos Ramos... Já escreveu aqui, em tempos, um poste memorável sobre os seus encontros e desencontros... E, de um modo geral, todos temos alguma curiosidade em saber como era o inimigo de ontem, por onde andava, o que se escrevia sobre ele, etc. 

Feita esta prevenção pedagógica, a título meramente introdutório,  voltamos a dizer que um dos problemas com que se depara o leitor, desapaixonado. atento e crítico, da "Crónica da Libertação", de Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984) (*), é a oum ralidade da narrativa: o autor segue um fio condutor temporal, desde o início da criação do PAI (e depois PAIGC), passando pelo desenvolvolvimento da luta e acabando no assassinato do Amílcar Cabral em janeiro de 1972. Mas nem sempre (ou raramente) há datas precisas.

Sabe-se,por outras fontes, que a primeira visita da missão militar da OUA - Organização da Unidade Africana, criada em 1963, em Adis Adeba, ocorreu em 1965, com início em 23 de julho: em 20 de agosto a comissão militar da OUA dá por findos os seus trabalhos, tendo consegudo visitar instalações do PAIGC mas não as da FLING. Temos de reconhecer, em todo o caso, essa não era a melhor altura do ano , pro se estar em plena época das chuvas, para visitar um território como a Guiné.  

É possível que a delegação se tenha desdobrado, com uns observadores a visitar o Norte e outros o Sul. Por outro lado, sabe-se que Amílcar Cabral escreveu   em julho de 1965,   um "projecto do programa de trabalho da Comissão Militar da OUA incluindo a visita ao Secretariado Geral e às instalações civis do PAIGC em Conakry, bem como às bases militares em Boké e Koundara", visita essa que seria feita, obviamente,  de carrro...

Em 1965 o PAIGC ainda se procurava legitimar, aos olhos de África e do Mundo, que era o único representante dos povos de Guiné e Cabo Verde. Nomeadamente no Senegal, havia (e era tolerada) a presença de representantes de outros movimentos nacionalistas, nomeadamente da FLING. Amílcar Cabral tinha já preocupações hegemónicas (para não dizer totalitárias), não admitindo que houvesse rivais, para mais "oportunistas" (sic) na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde. 

Por outro lado, a intenção do PAIGC (ou do seu estratega, Amílcar Cabral) era também a de convencer os membros da OUA, de que precisava de mais e melhor armamento para poder combater, com eficácia, a tropa portuguesa (incluindo a marinha e a aviação).  

Daí a visita da missão militar da OUA, há muito pedida, com uma delegação  que, no Norte, e segundo o Luís Cabarl (LC), era composta por representantes (todos oficiais subalternos) de 4 países: Guiné Conacri (tenente Djarra), Senegal (capitão Tavares), Marrocos (um tenente) e Mauritânia (um outro tenente) (pág. 288).  Naturalmente, uma missão militar, com postos de baixa patente, como está,  vale o que vale...

Curiosamente, a visita realizou-se, segundo o autor, numa altura de crise política entre estes países, entre Marrocos e a Mauritânia, por um lado, e entre o Senegal e Guiné-Conacri, por outro.  Mas o Amílcar Cabral pôs todo o empenho em que a visita decorresse da melhor maneira e com toda a segurança. 

Há instruções escritas  por ele para o 'Nino' Vieira que estava no Sul. Mas, no Norte delegou no seu meio-irmão, o LC, o acompanhamento da missão. Fala-se na chegada da missão militar (de 3 elementos) da OUA  a Conacri a 15 de junho, mas a carta, manuscrita, de 5 páginas não tem indicação do ano: "É muito possível que o Luís os acompanhe. Depois de visitarem o Sul, irão ao Norte, onde temos de acabar para sempre com as mentiras dos oportunistas" (sic) (referência à FLING):

A delegação da OUA, no Norte,  terá percorrido, durante quase uma semana, cerca de 250 quilómetros, o que nos parece exagero (no caso de o trajeto ter sido feito sempre a pé). Partindo do Senegal, começaram pela base de São Domingos, no noroeste do território, sendo armados (sic) pelo ‘comandante’ Lúcio Soares. O LC e o o seu protegido Xico Mendes acompanharam toda a missão que visitou também a bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari.

Esclarece-nos o LC, que a entrada principal para a Frente Norte, passando pela fronteira com o Senegal, durante muito tempo, situava-se no sector de Sambuiá (pág. 288).

A força do PAIGC ali estacionada tinha como missão assegurar a passagem de homens e material, da fronteira ao rio Farim.

A base situava-se “a pouco mais ou menos três horas de marcha da fronteira” (sic). A vegetação era exuberante, devido à elevada humidade da região. A base era, por isso, das mais frias da Frente Norte, sobretudo no final e princípio do ano . (A referência de LG ao frio que se fazia sentir logo de manhã, leva-nos a pensar que a visita tenha ocorrido em finais de 1965.)

O comandante da base de Sambuiá era então o Bobo Queita, antigo jogador de futebol.  A base tinha abrigos, estando ao alcance da artilharia de Farim. Daqui a missão seguiu em direção da cambança da margem direita do rio Farim, onde uma canoa devia transportá-los a Jagali (lê-se: Djagali) (pág. 289).

Entre a mata de Sambuiá e o rio Farim há uma “larga e descampada planície”, uma enorme lala em que se fica a descoberto.

“Nô pintcha!”, dizia-se então. A expressão tinha vários significados, segundo o autor: 

”Era a chamada para a guerra para a marcha, para a comida, talvez até para o amor” (…) Ou seja: “chamava à realização de algo que exigia a participação de mais de uma pessoa” (pág. 289). 

A expressão não se sabe onde nasceu, durante a guerrilha, se no Norte, no Sul ou no Leste, di o LC.

“A imensa lala de Sambuiá, que se atravessava sem um suspiro de descanso, devido ao perigo que representava ser-se ali surpreendido pela aviação inimiga, ia-se tornando cada vez mais pesada à medida que se aproximava do rio” (pág. 289).

O rio Farim era navegável. Os barcos das companhias comerciais (Gouveia, Ultramarina, etc.) iam a Bigene, a Binta e mesmo até Farim para trazer a mancarra, o coconote ou a “maalira” (que eu não sei o que é, mas presumo que seja uma corruptela de “madeira” ).

O LC aproveita para descrever a paisagem:

“A paisagem que se desfrutava da cambança era de uma beleza impressionante. O rio estenda-se em curvas sinuosas ao longo da sua bacia, bordada nas duas margens pelo verde exuberante das matas de tarrafes, com os seus ramos e raízes emaranhados, donde se destacavam troncos esguios de altura surpreendente (pág. 290).

As populações da margem direita “cedo aderiram à luta de libertação” (sic) (pág. 291), e por isso aquela era uma zona de guerra. Para a guerrilha era um risco permanente atravessar o rio. Sabemos que as NT (sobretudo os fuzileiros) montavam emboscadas em pontos de cambança já conhecidos. Será aqui que morreram em 1972 a Titina Silá.

Feita a cambança, em canoa, a missão dirigiu-se para Djagali, reconstruída pela população (pág. 292). Aquando da receção da comissão da OUA , um navio da marinha flagela Djagali (pág.293).

Mas eram “raras as pessoas” (sic) que se apresentaram para saudar os visitantes. Explicação do LC:

“Havia algum tempo que as populações abandonavam as suas habitações, depois do bombardeamento da tabanca, antes do romper do dia, para só regressarem depois do sol posto, quando a aviação já não podia trazer à tabanca a morte ou a dor com as suas bombas criminosas” (pág. 292).

Os combatentes das FARP eram jovens cuja idade média não ultrapassava os 20 anos” (sic). Trajavam uniformes “muito variados”, com “calças e camisas muito diferentes umas das outras” (pág. 292).

Uma hora depois LC e os seus convidados estavam em Maqué. O comandante era o Quemo Mané (pág. 294). À noite ouviu-se uma explosão, ali perto. Um jovem auxilitar de enfermagem tinha accionado uma mina A/P, que lhe provocou a morte.

“Elementos das milícias coloniais africanas de Bissorã tinham-se infiltrado na área, certamemte no começo da noite, para colocar a mina antipessoal (…) no caminho que ligava a antiga base à fonte de Maqué” (pág. 294).

Os militares da OUA ainda visitaram as bases de Morés e Canjambari. Sabemos, pelo que conta LC, que produziram um relatório. Eu gostaria de o ler e confrontar com o relatondo do LC. Mas onde encontrar, na Net, esse relatório da OUA de 1965?

Parece que as relações do PAIGC com o Senegal de Senghor melhoraram um bom bocado, a partir daí, autorizando o governo senegalês o trânsito de homens e mercadorias pelo seu território. Mas não autorizava ainda que o PAIGC dispusesse de depósitos de armas e munições. Foi um passo: a partir daqui começaram a aparecer, cremos  que em 1967,  os primeiros “armazéns do povo”  (nome algo pomposo...para abastecimento de víveres e outros artigos não só à guerrilha como às populações da linha fronteiriça sob controlo do PAIGC (pp. 296/297).

Sabe-se que em outubro de 1965 , o Amílcar Cabral tinha marcado mais uns pontos: o seu partido fora reconhecido pela OUA como "o único movimento de libertação" da Guiné. No mesmo mês em que Portugal conseguia obter o fornecimento de 40 Fiat-G 91 R/4 por parte da Alemanha, fora dos acordos da NATO.

(Continua)


Guiné > Região do Oio >  Localização aproximada de algumas das "barracas" (ou bases...) do PAIGC  por onde terá passado, em visita, em 1965, a primeira missão militar da OUA:  Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari... Não consta que tenham os homens da OUA tenham ido com o lC do a Sará, que era mais longe e arriscado...

Infografia: Jorge Araújo (2018)
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Nota do editor:

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23928: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XV: Op Ebro, março de 1965, ajudando o BCAV 490 a reocupar Canjambari


Guiné > Região do OIo > Farim > Canjambari > c. 1969/71 > Foto do Carlos Silva, publicada a preto e branco no livro do Amadu Djaló, na pág. 115. O Carlos Silva foi fur mil arm pesa inf,  CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71).

Foto (e legenda): © Carlos Silva (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um excerto das memórias do nosso camarada Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), membro da nossa Tabanca Grande desde 2010, terá sido o único, até agora dos nossos camaradas guineneses, que deixou em vida um livro com as suas memórias:  "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).

O Virgínio Briote (foto à direita), um histórico do nosso blogue, nosso coeditor jubilado, disponibilizou-nos o manuscrito da obra, em formato digital, no qual trabalhou, com o autor, durante cerca de um ano, com infinita paciência, generosidade, rigor e saber. Na prática, ele exerceu aquilo a que se chama nas editoras as funções de "copydesk" (editor literário). O livro nunca teria sido escrito, tal como o conhecemos em papel sem esse contributo essencial do Virgínio Briote: nascido em Cascais, frequentou a Academia Militar, foi alf mil cav em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (Jan-Mai1965);  fez o 2º curso de Comandos do CTIG; comandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966); regressou em jan 1967; casado com a Maria Irene, professora do ensino secundário ref., foi quadro superior da indústria farmacêutica.



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.

A edição de 2010, da Associação de Comandos, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está infelizmente há muito esgotada. E não é previsível que haja, em breve, uma segunda edição, revista e melhorada. Entretanto, muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


Amadu Djaló (1940-2015)

Recorde-se, aqui, o último poste desta série (*): O Grupo de Comandos "Fantasmas", da Companhia de Comandos do CTIG, comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva, nascido em Angola,  faz uma rápida incursão nas matas do Oio, a norte de Bissorã... Estamos agora en finais de março de 1965,  o Grupo vai participar na Op Ebro, destinada a recuperar o controlo de Canjambari, nas mãos do PAIGC,


A luta por Canjambari (pp. 115/118)

por Amadu Djaló 

Em Março [1] de 1965, saímos para o Norte, para Farim. Estavam a decorrer operações do Batalhão de Cavalaria 490, com o objectivo de ocupar a povoação de Canjambari, que até àquela altura era uma zona onde a guerrilha andava à vontade.

Saímos do aeroporto de Bissalanca num Dakota que nos levou para Farim. Daqui partimos em coluna, primeiro até Jumbembem e depois virámos à direita, até ao cruzamento de Canjambari, onde já estava uma companhia do batalhão a ocupar a povoação. Era só tropa, população não tinha nenhuma. Os únicos vizinhos que eles tinham eram os guerrilheiros do PAIGC.

Eram aproximadamente 13 ou 14h00, quando lá chegámos. A coluna não se demorou, deu logo a volta, de regresso a Farim. Entrámos na povoação fortificada e ali nos mantivemos até à hora de saída, que estava prevista para o anoitecer.

Não tínhamos que andar muito, o nosso objectivo era o acampamento de Tite Sambo, situado muito perto do quartel das nossas tropas.

Por volta das 20h00, arrancámos directos a Canjambari lojas. Eu era o primeiro homem do grupo. O alferes Saraiva mandou cortar à esquerda, para deixarmos a estrada que divide a pequena povoação ao meio. Desconfiávamos que a guerrilha tinha sentinelas na área das lojas de Canjambari.

Para a esquerda, para onde o alferes nos tinha mandado seguir, era só capim seco. Progredir num terreno assim era quase impossível manter o silêncio. Espaçámos os intervalos entre nós, sempre com a preocupação de caminharmos com o mínimo de barulho. Atrás da primeira loja, estava a travessia de um pequeno curso de água[2]. A ponte era uma prancha e no outro lado do riacho calculávamos estar o quartel-general de Samba Culo.

Quando cortámos à esquerda, redobrámos ainda mais os cuidados. A noite estava muito escura, não havia luar e o capim seco estava a dificultar-nos a marcha. Ainda não tínhamos acabado todos de entrar no capim, ouvimos uma sentinela, em crioulo, a perguntar alto:

- Quem está partir capim ali?

Parei logo e abaixei-me de vagar, até os meus joelhos tocarem no chão. Fui continuando a deslizar para o chão, até ficar de gatas. O alferes fez a mesma coisa, depois apoiou a G-3 nas minhas costas, apontando para a frente. A sentinela voltou a falar alto com alguém, que lhe perguntou o que se estava a passar. Ouvimos a resposta da sentinela. Que alguém estava a fazer barulho ali à frente, no capim. O outro, que estava na outra margem do riacho, disse para ele não fazer fogo ainda.

O alferes é que não obedeceu, disparou logo uma rajada e nós recuámos, a correr, atravessando a estrada para o outro lado.

Logo de seguida, começámos a ouvir tiros e rebentamentos na área do quartel. Estavam a atacá-lo. Mas o PAIGC não podia demorar, já sabia que havia militares fora do quartel, e poderia ter problemas no regresso. A flagelação não demorou muito, retiraram rapidamente, a correr, para irem receber os visitantes, que éramos nós e que também não os encontrámos em casa.

Passámos a noite ali. Por volta das 06h00, começámos a andar até ao local onde tinha havido o contacto com a sentinela. Atingimo-lo, havia ali vestígios de sangue, até na prancha da travessia do riacho.

A guerrilha devia estar, calculámos nós, a mais ou menos 200 metros. Ouvíamos a fala deles. O alferes disse que eles não sabiam que nós andávamos por perto e que era boa ideia ir ter com eles.

Então deu-me ordem e ao Cabo Cruz para nos mantermos ali em vigilância, no próprio local da travessia. Havia duas árvores de grande porte, a que nós na Guiné chamamos bissilão[3], uma atrás da outra.

Não sabíamos que o pessoal do PAIGC estava a observar os nossos movimentos. Eles estavam à espera que nós atravessássemos, tinham preparada uma emboscada do outro lado do ribeiro. A conversa em voz alta que eles estavam a ter, era de certeza um chamariz para nós atravessarmos e cairmos na emboscada.

A certa altura, deviam ser 07h00, fomos surpreendidos com rajadas. Um dos tiros bateu na árvore onde eu estava abrigado. Atirei-me para o chão e meti-me entre as raízes do bissilão. O fogo estava bem forte e eu interrogava-me como é que íamos agora sair dali.

Quando os tiros abrandaram, o alferes correu para junto de nós e deu-nos ordem de retirar daquele local. Corremos para junto do grupo, debaixo de fogo.

Os Comandos são treinados para não fazerem fogo à toa, cada bala é para abater um. Mas, desta vez, abrimos mesmo fogo de qualquer maneira, para tentar abrir o nosso caminho. Entretanto, o alferes pediu reforço à companhia. Não demoraram, chegaram em viaturas e o fogo abrandou, sem nós termos ido ter com eles e eles também não quiseram vir ter connosco. Abandonámos Canjambari Lojas e de seguida retirámos para o quartel.

Depois de dois dias de descanso em Canjambari, por volta das 20h00, saímos em direcção a Cunacó. Não tínhamos desistido da visita. O nosso objectivo era o mesmo. Nesta saída [4], com o Kássimo à frente, andámos a noite quase toda, mas atrasámo-nos muito. Como fomos sempre pelo caminho, a progressão teve que ser muito cautelosa por causa das minas.

Por volta das 06h00, fomos detectados mesmo à entrada da tabanca. Fugiram todos e nem tempo tiveram de soltar as cabras. Nós entrámos por um lado e saímos pelo outro, sem encontrarmos ninguém.

Trouxemos as cabras todas connosco e nesse dia tivemos ao jantar caldeirada de cabras.

Não descansámos muito. Na saída seguinte, saímos mais cedo do quartel de Canjambari, levávamos um prisioneiro cabo-verdiano, já idoso, amarrado como uma corda pela cintura. Marchava à minha frente, ligado a mim.

Fomos andando até às 02h00, mais ou menos, que foi quando atingimos o rio Canjambari. Quando parámos, o alferes deu-me instruções para eu atravessar primeiro e só depois de eu estar na outra margem, o grupo passava todo. Passei a corda do prisioneiro já não me lembro a quem e entrei na água do rio, cauteloso, a apalpar com os pés o lodo do fundo.

Quando estava quase a meio, não sei que bicho [5] foi que saltou com grande estrondo para a água. A maré que ele levantou molhou-me a cara. Passada a surpresa, comecei a movimentar-me para o lado contrário de onde eu vira a sombra do bicho a saltar para a água. Vi uma pequena clareira e só respirei fundo quando a atingi.

Ao meu sinal, o grupo entrou na água e veio ter ao local onde eu me encontrava. Nem deu tempo para sacudir a água do camuflado. Começámos logo a andar, até que por volta das 08h00, com o sol já muito alto, sem termos visto nada que nos desse uma indicação, o alferes resolveu retirar.

Foi uma saída, para deixar as nossas marcas na zona e para eles ficarem a saber que nós íamos aonde queríamos, disse o alferes. Durou uma noite inteira, muita água e um susto que apanhei com um bicho que ainda hoje não sei qual foi.

Regressados ao quartel de Canjambari, apanhámos lugar nas viaturas até Farim e daqui regressámos a Bissau, de avião.[7]


Notas do autor ou editor literário (VB)

[1] 26 Março de 1965.

[2] Rio Canjambari.

[3] A madeira do bissilão é uma espécie de mogno avermelhado.

[4] Nota do editor: 31 de Março 1965.

[5] Nota do editor: Jacaré? OU antes pequeno crocodilo, não há jacarés na Guiné [LG]

[6] Nota do editor: 11/12Abril de 1965.

[7] Nota do editor: 

A ocupação de Canjambari, operação "Ebro",  foi iniciada em 22 de Março de 1965.

“Os relatórios referem terem sido feitas várias acções no itinerário Jumbembem-Canjambari e na própria região de Canjambari. Apesar de levantadas numerosas abatizes, o referido itinerário ainda se encontra com algumas árvores de pequeno porte nas imediações da bolanha que dá acesso ao pontão danificado sobre o rio Tufili (dados obtidos através do reconhecimento aéreo de 17Mar65). Parece, este pontão, de fácil transposição desde que se utilizem pranchas adequadas.

Dos contactos com o IN a reacção deste tem-se limitado a flagelações de longe, não sendo de desprezar a possibilidade de o mesmo dispor, na região, de forças importantes e, eventualmente, colocar minas nos itinerários de acesso.

O objectivo das NT é proceder à ocupação permanente de Canjambari. Elaborado o plano para a acção, foram constituídas as forças executantes, comandadas pelo próprio Cmdt do BCav 490, Ten. Cor. Cavaleiro. Às 03H00 de 22Mar65 iniciou-se o movimento, a partir de Farim. Atingido Jumbembem às 04H20, a força executante prosseguiu, rumo a Canjambari.

À passagem por Sare Tenen, um Gr Comb da CCav 488 apeou-se, emboscando-se de seguida junto ao caminho que cruza o itinerário. A partir daqui a equipa de sapadores encarregada da detecção de minas passou a picar a estrada nos locais mais suspeitos. Apesar das precauções, às 06H15 e a cerca de 9 kms de Jumbembem, a GMC da frente da coluna calcou um engenho explosivo, ficando a parte posterior da viatura enfiada na cratera aberta pelo engenho. Os dois homens que nela se deslocavam foram projectados, não tendo sofrido ferimentos de maior.

Passados cerca de 500 metros encontrou-se a 1.ª de uma série de cerca de 30 abatizes, algumas de grande porte, que se espalhavam numa extensão de quase 4 kms, até 1 km e meio de Canjambari Morocunda, que só foi atingida já passava das 12H00. O esgotante trabalho de levantamento de abatizes durou cerca de 5 horas e meia, sob constantes flagelações do IN, que utilizou metralhadoras pesadas e morteiros. As medidas de segurança adoptadas, apesar da extensão da coluna de 30 viaturas pesadas, revelaram-se eficazes, porquanto o IN nunca conseguiu aproximar-se de modo a causar baixas às NT”.

 (…). Ultrapassada a zona das abatizes, a coluna prosseguiu deixando um GrCombate emboscado a dois quilómetros do cruzamento de Canjambari Morocunda. Atingiu-se a povoação de Canjambari, com o IN a assinalar a entrada das NT com tiros à distância, disparados da margem sul do rio Canjambari.

Tabanca revistada, os indícios apontavam para uma retirada apressada. As casas comerciais deixaram indícios de movimento recente, praticamente até momentos antes da entrada das NT. Pelas 15H00, a coluna regressou ao cruzamento de Canjambari Morocunda. Deu-se então início aos trabalhos de instalação e organização do terreno em volta do edifício do Posto de Socorros aí existente.

Informações posteriores revelaram que o IN tivera conhecimento antecipado da acção e que tivera mesmo tempo para receber reforços de Morés e de Mansodé, que se mantiveram na zona dois dias à espera das NT, regressando mais tarde às suas bases, por coincidência no mesmo dia do início da operação das NT.” (**)
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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23517: Notas de leitura (1474): "Histórias da C. CAÇ. 2533" - Os belos testemunhos da gentes da CCAÇ 2533 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Mais vale tarde do que nunca, mesmo em edição de reprografia. Combateram e construíram bem-estar para a população, marcaram presença em Canjambari e noutras paragens. O Capitão Sidónio (hoje coronel) teve um papel fulcral na coesão, no sentido de ver que soube imprimir à sua unidade militar. Recebeu-se um quartel em estado de lástima, legou-se obra asseada, não se virou a cara aos corredores de infiltração, aceitou-se o trabalho dos reordenamentos. Transferidos para Farim, não desapareceu a aspereza operacional, há testemunhos a recordar o que era ir até à ponte de Lamel. Não esquecer a série de corredores de pontos de passagem regularmente utilizados pelo PAIGC entre o Senegal e o interior da Guiné. Agora, décadas depois, exulta-se com bom convívio as penas do passado. E o documentário fotográfico aqui fica, em substituição das palavras.

Um abraço do
Mário



Os belos testemunhos das gentes da CCAÇ 2533 (2)

Mário Beja Santos

A curiosidade desta obra é que não é uma história de uma unidade militar, trata-se de um punhado de testemunhos com uma boa articulação de imagens, é claramente trabalho de reprografia e o seu destinatário também não deixa ilusões, é todo aquele que andou a combater em Canjambari e na região de Farim entre 1969 e 1971, a malta da CCAÇ 2533. Testemunhos pessoais, umas vezes intensos, outras vezes eivados de humor ou de boas ou más recordações nas situações vividas. É o caso de José Tomás Costa que escapou por pouco a uma mina antipessoal:
“Em 17 de novembro de 1969, eu ia na frente do pelotão e pareceu-me ver uma tábua velha no chão da picada. Pensei dar-lhe um pontapé, mas fez-se luz no meu espírito e mandei parar o grupo. O Furriel Sousa, depois de analisar a situação, disse-me que se tivesse dado aquele pontapé teria dado no mínimo sem um pé. Tratava-se de uma mina antipessoal. Fiquei aliviado e agradeci a Deus. No dia seguinte, ao chegar ao quartel, recebi um telegrama com a notícia de que era pai de mais um rapaz”. O mesmo José Tomás Costa confessa que gostava de voltar a Canjambari, para percorrer alguns daqueles carreiros e bolanhas com paisagens de sonho, e desabafa: “Hoje, doente com problemas psicológicos cujas consequências sofrem a mulher e filhos, reconheço que tirei algum proveito da minha ida à tropa. Fui incorporado como analfabeto, fiz a instrução primária na tropa e isso foi muito bom para mim, pois como veem tenho muito gosto e orgulho em colaborar nesta escrita”.

Há quem recorde que alguém a seu lado puxou o gatilho e disparou a arma, podia ter sido grave, tudo operação de rotina a puxar a culatra da G3, há recordações de festas de aniversário, há quem nunca esqueceu o embarque para a Guiné naquele dia 24 de maio de 1969, e depois a viagem de Bissau para Farim e depois Canjambari, no meio do mato a cerca de 16 quilómetros a Sul de Jumbembem. Há também quem não esqueça que deu o corpo ao manifesto para construir ou reconstruir abrigos, trincheiras e vales. Havia quem tivesse sofrido de problemas do foro mental. E há também quem venha debitar que em Farim nem tudo era fácil, montar proteção às operações de campinagem na zona da ponte de Lamel tinha muitos riscos.

O Capitão Sidónio não transigia na disciplina mas embarcava numa boa brincadeira, como alguém conta a história da distribuição de isqueiros oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino em 1970, alta madrugada por ali andava o corneteiro a acordar muita gente e o capitão, prestimoso, a entregar as ofertas contendo o riso.

Há igualmente quem não esqueça que andou perdido, não faltam histórias de abelhas e o Corredor de Lamel é motivo de várias histórias. O Furriel Tavares recorda a picagem da estrada numa coluna de reabastecimento, as viaturas vinham de Cuntima, Jumbembem e Canjambari até Farim. Minucioso trabalho a picar mas já com a ponte de Lamel à vista, acionou-se um fornilho com muito fogo do inimigo. E fala de atos de heroísmo. Há as memórias de um cabo-cantineiro e de um cabo-quarteleiro.

E chega-se à história do grupo que organizou este punhado de testemunhos. Quem depõe é o Furriel Nuno da Conceição. Alguém tinha que pôr em letra de forma o que se passara com a CCAÇ 2533 que andara por Farim, Nema, Jumbembem, Cuntima e Canjambari, entre maio de 1969 e março de 1971. Ele recorda que Canjambari tinha uma área mais ou menos equivalente a dois campos de futebol, ali viviam cento e sessenta e tal militares. Havia embaraço da escolha, recordações brejeiras, outras de caráter íntimo, não se encontrava com facilidade o fio condutor. Juntou-se um grupo com a missão de dar uma estrutura a todo o material que se pretendia coligir. E após jornada chegou-se ao almoço com o plano da obra: testemunhos, imagens alusivas, relação de todos aqueles que incorporaram a CCAÇ 2533 e o documentário fotográfico. E para que a História não esqueça, abre-se com o louvor dado pelo comandante-chefe em abril de 1971:
“Colocado inicialmente em Canjambari, realizou, a par da missão de contrapenetração num dos habituais corredores de infiltração do IN, uma intensa atividade operacional, alicerçada num elevado espírito de missão e numa firme vontade de bem servir”. Recordam-se várias operações onde inclusivamente houve captura de armamento e material. E adianta o louvor:
“A par da atividade operacional, remodelou totalmente as instalações militares de Canjambari e realizou ainda tarefa de muito mérito no âmbito da promoção social das populações, na construção de reordenamentos e organizações de terreno, tendentes à defesa dos mesmos”. Louvor pelo espírito de disciplina e de corpo, pelo elevado sentido de dever. Seguramente que o capitão Sidónio estava por detrás de tão elevado feito.

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Notas do editor:

Poste anterior de 8 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23506: Notas de leitura (1472): "Histórias da C. CAÇ. 2533" - Os belos testemunhos da gentes da CCAÇ 2533 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23512: Notas de leitura (1473): Eduardo Lourenço (1923-2020): afinal, quem são os portugueses, e o que significa ser português? (José Belo, Suécia)

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23506: Notas de leitura (1472): "Histórias da C. CAÇ. 2533" - Os belos testemunhos da gentes da CCAÇ 2533 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
É uma edição de amigos, não tem data, nem o nome do organizador, nem de tipografia, terá sido obra a pensar nos elementos da Companhia, uns carolas juntaram-se para coligir texto e imagens, o resto foi trabalho de reprografia. E no entanto, que estupendo depoimento de uma Companhia de Caçadores que esteve em Canjambari e Farim entre 1969 e 1971 e que deixou legado, cimentou amizades. Um testemunho que merece a nossa reflexão, não há para ali nada de farronca nem bravura exaltada, contam-se pilhérias, bebedeiras e não se escondem saudades de casa. Que bom, ter descoberto esta pérola na Biblioteca da Liga dos Combatentes.

Um abraço do
Mário



Os belos testemunhos das gentes da CCAÇ 2533 (1)

Mário Beja Santos

Em 2016, o blogue deu notícia desta edição, publicando alguns fragmentos e imagens. Só agora, e graças à Biblioteca da Liga dos Combatentes, é que tive acesso à integralidade do documento. Toca-nos pela singeleza, são muitos os depoimentos, são muitas as ilustrações, e logo o então Capitão Sidónio Martins Ribeiro da Silva fala da sua nomeação, da preparação da companhia e não esconde as suas exigências: “Estava consciente da minha falta de experiência e de conhecimentos sobre uma guerra de guerrilhas. Capitão recém-promovido tinha, na prática, passado de comandante de pelotão para comandante de companhia em zona de guerra”. E tomou a decisão de dotar com a melhor instrução possível os seus homens: “Estava determinado em cumprir à risca a velha máxima: mais suor e lágrimas e menos sangue”. Os problemas começaram a surgir quando foi recebendo os quadros da companhia. Chegou um aspirante a oficial com a especialidade de minas e armadilhas, informou-o de que era Objetor de Consciência. “Aquando do julgamento, tive então a oportunidade de informar o coletivo de juízes da minha convicção de que o acusado agia por imperativo de consciência. Mais declarei que toda a sua conduta e por sua expressa vontade foi determinante para que a situação não transvazasse para o domínio público. Ainda hoje desconheço a decisão do tribunal militar. Pela coragem demonstrada e pela convicção das suas ideias, este episódio constituiu o exemplo de um HOMEM que não vacila perante uma lei que não reconhece a razão da consciência”.

A CCAÇ 2533 embarca no Niassa, o capitão vai mais tarde, tudo uma questão de vacinas. Vão rapidamente para Canjambari, de nome completo Canjambari Morucunda. Encontrou um quartel em estado lastimável, legou instalações completamente remodeladas, uma enfermaria para duas companhias, um heliporto e uma nova povoação constituída por vinte moranças e escola, tudo dentro de um perímetro de defesa anexo ao aquartelamento. Para além de pequenas obras que foram do matadouro aos paióis, tudo à custa de mão-de-obra do pessoal da Companhia. O estado das viaturas não era nada animador: das vinte viaturas recebidas apenas três estavam operacionais. Procurou manter do princípio ao fim hábitos assentes em disciplina e acuidade, as formaturas e toques de corneta nunca foram dispensados. Houve acidentes no percurso, ossos do ofício, um minitornado deixou o aquartelamento num estado desolador.

Quem diz Canjambari é só uma questão de olhar para o mapa e pensar nos riscos à volta. O Capitão Vasco Lourenço estava em Norte-Cuntima, havia Fajonquito, Farim e diferentes pontos de passagem utilizados pelas gentes do PAIGC. Toda esta área era coordenada por um Comando Operacional, um major, que apareceu no aquartelamento com obus e que se fartou de bombardear uma certa área, terminado o bombardeamento, despediu-se com uma certa ironia:
Agora aguenta! “Está claro que não demorou muito tempo que o nosso quartel fosse também bombardeado”. Ali estiveram catorze meses e depois foram transferidos para Farim. Recorda o malogrado alferes Ambrósio falecido em combate, durante uma interdição no Corredor de Lamel. Invoca os falecidos e contabiliza os ensinamentos: “Longe de mim a ideia de que a guerra foi um mal que veio por bem. Muitos foram os que ficaram a padecer de males físicos e psicológicos. Mas a guerra preparou-nos para enfrentar os problemas da vida. Aprendemos a graduar o nosso sofrimento. Ensinou-nos o que é a solidariedade vivida dia a dia”.

E prosseguem os testemunhos ingénuos, parece que arrancados à literatura oral, fala-se de praxes, há as recordações da chegada a Canjambari, tudo ressaltado por imagens concludentes; há as recordações também dos aniversários, das primeiras patrulhas e dos primeiros contatos. Ali relativamente perto, em Canjambari Praça, havia a presença do PAIGC; há lembranças de cobras e de um espetáculo com o artista Horácio Reinaldo, de alguém que escapou por pouco com uma mina antipessoal; há as pilhérias como o roubo de um galo do 1.º Sargento Pinheiro, até se fala de um porco que estava doente e foi enterrado e alguém da população foi desenterrar e se regalou com o repasto.

O Alferes Armando Mota agradece ao Capitão Sidónio por ter mantido, sem desfalecimentos, as preocupações com a disciplina. Há uma emotiva página dedicada ao Soldado Condutor Guilherme, com uma fotografia tirada momentos antes da sua morte, contado também pelo Alferes Armando Mota:
“Passados alguns quinze minutos chegámos ao Bolumbato, onde avistámos a equipa da picagem. Decidi que a coluna esperaria ali, pois era mais seguro do que seguir em andamento lento atrás do pelotão da picagem. Lembro-me de tirar uma fotografia ao Soldado Guilherme, condutor da minha viatura, a Berliet que seguia à frente. Seriam umas 9h20 quando se ouviu uma grande explosão seguida de vários rebentamentos. Percebi que os nossos camaradas haviam caído numa emboscada. O nosso pessoal subiu rapidamente para as viaturas e arrancámos a toda a velocidade.
Recordo-me do Guilherme às tantas me dizer que não se avistava a segunda viatura, mas dadas as circunstâncias disse-lhe para não se preocupar e acelerar, pois sabia que vinham logo atrás. Entretanto continuava a ouvir-se intenso tiroteio e rebentamentos. Disse ao Guilherme que quando o mandasse parar, metesse a viatura no mato fora da estrada, por segurança.
Só próximo do fim da reta que antecede a rampa para Lamel, avistei o último dos elementos do 3.º pelotão que nos fazia sinais para encostar. Pedi para parar e entrar no mato à direita, pois o IN estava a atacar do lado esquerdo.

Ouvi perfeitamente três ou quatro tiros na nossa direção, que não nos atingiram, saltei para o chão, atravessei a estrada e instalei-me enquanto o resto do 1.º pelotão tomava também posições. Íamos começar a avançar quando o Fonseca me disse que o Soldado Guilherme estava caído e ferido. Fui buscar o nosso enfermeiro que me confirmou que era muito grave. Decidi evacuá-lo imediatamente para Farim. Desloquei-me à segunda viatura para conseguir ajuda no transporte do ferido, mas ao aperceber-se do drama e para facilitar, o Soldado Solipa ofereceu-se, pois não tínhamos condutor, para conduzir a viatura dali para Farim, e corremos os dois para junto do grupo que protegia o ferido. Ainda debaixo de fogo o Solipa manobrou a Berliet e carregámos o Guilherme já inconsciente. Partimos, eu, o enfermeiro e mais três soldados rapidamente para Farim. Recordo-me de lhe segurar a cabeça para não se magoar no chão da viatura, enquanto com a outra mão me segurava à estrutura da viatura. No outro extremo, o Evangelista segurava-lhe as pernas, também deitado e agarrado ao banco com uma mão. Acreditávamos que ia valer a pena…

O Soldado Solipa foi louvado pela atitude de solidariedade com o camarada, debaixo de fogo. Enviei à família do Soldado Guilherme uma nota de sentimento com a foto que lhe tirei vinte minutos antes de falecer, descrevendo a ação onde caiu. Não obtive resposta e nunca mais comunicámos”.


(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23495: Notas de leitura (1471): "Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2022 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23260: Consultório militar do José Martins (73): Procura-se camaradas do 1.º Cabo Atirador do Pel Caç Nat 58, Joaquim da Silva Magalhães, ferido mortalmente numa emboscada no itinerário Canjambari-Jumbembem, no dia 30 de Agosto de 1969

1. Mensagem de Joel Magalhães, com data de 26 de Abril de 2020, sobrinho do 1.º Cabo Joaquim da Silva Magalhães, natural de Santo Tirso, caído em combate no itinerário Canjambari-Jumbembem no dia 30 de Agosto de 1969:

Olá, muito boa noite.
Meu nome é Joel Magalhães.
Com as datas do 25 de abril sempre me vem à memória o meu tio Joaquim da Silva Magalhães, natural de Santo Tirso, Primeiro Cabo, morto em combate na guerra do ultramar, mais concretamente na Guiné.
A família apenas teve a informação na altura que ele terá sido morto numa emboscada! E hoje as minhas pesquisas levou-me até si.
Chegou a conviver com ele, ou conhece alguém que tenha convivido ou presenciado o acontecimento que levou a morte dele?
Desde já lhe digo que admiro e louvo o seu excelente trabalho e arquivos que vai partilhando.

Atentamente,
Joel Magalhães


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2. Mensagem do nosso especialista em Assuntos Militares, José Martins, em 27 de Abril:

Boa tarde para os senhores administradores.
Cá recebi a incumbência, que se me afigura difícil.
Os pelotões, salvo raríssimas exceções, não têm História da Unidade, quanto mais Pelotões de Caçadores Nativos.
Parto apenas com os dados do Volume 8, portanto, muito pouco.
Na informação não tem indicação de unidade a que estava adstrita operacionalmente.
Não há mais mortos nesta operação. Nesta data só em Fulacunda, numa unidade de comandos.
Resta, com base nos meus resumos, o COP 3, um BART e respetiva CART e uma CART independente.

Hoje já não dá para ir ao AHM, veremos amanhã.
Abraços.


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3. Nova mensagem do José Martins, esta com data de 29 de Abril:

Boa tarde
Viagem, em vão, até ao Arquivo Histórico.
Junto texto sobre o que consegui, consultando os elementos que tenho disponíveis em casa, os livros da CECA.

Abraço
Zé Martins


O Pelotão de Caçadores Nativos n.º 58, do Comando Territorial Independente da Guiné, foi criado em Maio de 1967, estando dependente administrativamente do Quartel-General de Bissau e, operacionalmente, da unidade que comandava o sector em que o mesmo se integrava geograficamente.
Foi constituído em Bissau e, em Junho de 1967, foi deslocado para Cacheu, em Agosto desse ano seguiu para Teixeira Pinto onde se manteve até Agosto de 1968, altura em que regressou a Cacheu. Em Abril de 1969 foi para Canjambari e em Novembro desse ano de 1969 foi para Infandre, onde se manteve até Agosto de 1974, quando foi dissolvido.

Este texto surge por nos ter sido solicitado, pelo Joel Magalhães, informação sobre a morte em combate do seu tio e nosso camarada 1.º Cabo Joaquim da Silva Magalhães, NM 01779368, que estava no Pelotão de Caçadores n.º 58, na altura estava em Canjambari, e foi numa emboscada entre Canjambari e Jumbembem.

Numa pesquisa que efectuei nos meus arquivos, tomei nota de unidades a nível de Batalhão e Companhia que poderiam ter estado na área, e consultei as respectivas Histórias da Unidade, no Arquivo Histórico Militar. Nem sempre se tem sorte, e desta vez foi isso que aconteceu: nada encontrei, que pudesse esclarecer ou dar uma pista.
Desta forma, se algum camarada souber qual o Batalhão e/ou Companhia que tenham estado no sector onde se enquadrava Canjambari, nos informe, a fim de se tentar, como sempre fazemos, esclarecer quem se nos dirige, pedindo informações.

Odivelas, 29 de Abril de 2022
José Marcelino Martins


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4. Comentário do editor CV:

Como refere o José Martins, o Pel Caç Nat 58 esteve destacado em Canjambari entre Abril e Novembro de 1969.
Consultando o 3.º Volume da CECA - Dispositivo das Nossas Forças - Guiné, verifiquei que a CCAÇ 2533 foi deslocada para Canjambari em Junho de 1969, onde se manteve até ao mês de Novembro do mesmo ano, altura em que foi substituída pela CCAÇ 2681.
Salvo melhor opinião, é muito provável que o Pel Caç Nat 58 estivesse adstrito à 2533 e que o seu pessoal se lembre desta emboscada, ocorrida em Agosto, da qual resultou a morte do nosso camarada Joaquim Magalhães.
Talvez o nosso camarada Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2533, nos possa dar uma ajuda.

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22487: Consultório militar do José Martins (72): Quem ainda não recebeu o cartão de antigo combatente, por favor contacte o Balcão Único da Defesa... Mais de 200 mil já receberam

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22646: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VIII: Contuboel , Fajonquito e Sonaco. Gravidez da Otília (Jan - ago 1966)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > Rio Geba > 1969 > Uma belíssima foto de uma lavadeira, em contraluz. O Valdemar Queroz atribuiu os créditos fotográficos ao seu "irmão siamês" Cândido Cunha.

Foto (e legenda): © Cândido Cunha / Valdemar Queiroz (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (*).

Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).

Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (**)



Cristóvão de Aguiar.
Foto: Wook (com a devida vénia...)


Diário de Guerra


por Cristóvão de Aguiar


(Continuação)

Contuboel, 12 de Janeiro de 1966


Ontem o nosso batalhão, Sete de Espadas [,BCAV 757, Bafatá, 1965/67] , so­freu dez mortos numa emboscada [, em Sare Dicó, na estrada Fajinquito-Canjambari]  Tinha ficado com o meu pelotão na base, para montar a segurança e dar apoio logístico, quando, pouco depois de terem par­tido para uma operação no mato do Caresse, terra-de-ninguém e de muita pancada, se ou­viram grandes rebentamentos na direcção que tinham tomado. 

Uma hora e pouco mais tarde, chegou uma viatura com os mortos a trouxe-mouxe sobre o estrado da carroça­ria. Ti­nham morrido ali como tordos, de­pois de os guerrilheiros te­rem lançado algumas gra­na­das defensivas para o interior da GMC. 

Fiquei encar­regado de transportar aquela carne humana para Fa­jon­quito, sede de uma compa­nhia tam­bém pertencente ao nosso bata­lhão.



Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/599 mil > Posição relativa de Sare Dico, na estrada entre Fajonquito e Canjambari, ondee forma mortos em combatem no dia 11/1/1966, dez militares da CCS/BCAV 757 (Bafatá, 1965/67).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


Fajonquito, 13 de Janeiro de 1966


Enquanto o capelão procedia às exéquias fú­nebres e rezava missa campal por alma dos dez mortos irreconhecíveis, safei-me, re­voltado, para um canto solitário, longe de toda aquela cruel comédia desumana. E pe­guei da esferográfica e do meu caderninho e fui escrevinhando:

O VISIONÁRIO

Rasguem-se as corti­nas do sacrário,
Onde ficou Jesus aprisionado
Tal como há dois mil anos no Cal­vário
Pregado num madeiro, ensanguentado...

Era Sua Pala­vra pão sagrado
E o gentio que escutava o Visionário
De tal arte ficou maravi­lhado
Que O elegeu seu re­volucionário...

Depois, o tirano, opressor do povo,
Julgando apagar esse Sol novo
Mandou matar o vate desordeiro...

Crucificaram-no então no Calvário:
- Está agora a ferros num sacrário,
Não vá Ele tornar-se guerrilheiro...


Bissau, 17 de Janeiro de 1966

Vim ao aeroporto de Bissalanca esperar a Otília, que vem passar uns meses comigo nesta guerra. Se calhar, foi uma loucura da mi­nha parte. Sem dúvida que foi. E egoísmo. Chame-se-lhe o que se quiser, mas, an­tes de morrer, gostava de deixar descendência. Ficámos instalados no Grande Hotel de Bis­sau, que só tem grandeza no nome.


Contuboel, 19 de Janeiro de 1966


Acabámos de chegar de Bissau, eu e minha Mulher. A nossa casa é um espaço vago, quarto e corredor, que me cedeu o Chefe de Posto e que fica contíguo ao edifício. Não há água nem electricidade. Alumiamo-nos a petro­max. A água virá todos os dias do quartel, que fica a meia dúzia de pas­sos, para um barril que coloquei na extremidade do corredor oposta à porta de en­trada, onde, com um reposteiro, fiz um pequeno compartimento que vai servir de cozinha.

Antes de minha Mulher chegar, arranjei o nosso quarto o melhor que pude: consegui uma cama de casal, pus cortinas nas janelas, cujo pano comprei no comércio do libanês e que um alfaiate indígena depois talhou, acertou e coseu, mandei fazer uma mesa de boa ma­deira africana. 

Este é que é verdadeiramente o chamado amor e uma ca­bana.


Contuboel, 14 de Fevereiro de 1966

A Otília está grávida, pelo menos tem to­dos os sintomas de uma mulher nesse estado: enjoos, vómitos. Se for mesmo ver­dade, isto significa que, se me for desta para melhor com um qualquer tiro desgo­vernado, já deixo rastro atrás de mim. Um filho engendrado na guerra!

Contuboel, 16 de Março de 1966

Fomos hoje a Fajonquito, povoação a mais de vinte quilómetros de distância, onde também se encontra uma Companhia de Ca­çado­res. A Otília foi comigo, a fim de consultar o médico, meu companheiro da República Corsários das Ilhas, em Coimbra, e muito nosso amigo. 

A Otília queixa-se das pernas, parecem picadas de mosquitos, mas não são. O Ormonde de Aguiar, assim se chama o meu velho companheiro de Coimbra, disse que se tratava de uma qualquer doença de pele e deu-lhe uns medicamentos para o efeito.


Contuboel, 7 de Abril de 1966

Quando vou para o mato por dois ou três dias, a Otília não tem medo de ficar sozinha em casa. É mesmo uma mulher de armas! Fica bem guardada pelas sentinelas que os cipaios fazem dia e noite ao Posto Ad­ministra­tivo, além de ter o quartel à mão de semear. O medicamento que o Or­monde lhe recei­tou fez muito bom efeito: já não tem nada nas pernas.


Contuboel, 23 de Abril de 1966

Faz hoje um ano que desembarcámos em Bis­sau. Não me esqueci de des­carregar a cruz na casa do calendário. Esta é já a tricen­tésima, sexagésima sexta, se me não engano. Esta­mos já a dobrar o cabo tormentó­rio. A partir de agora, começa o tempo a de­s­cer. É a altura de se principiar a ter muito cuidado com a vida, que a morte gosta de pregar partidas nestas ocasiões lembra­das.

Sonaco, 30 de Julho de 1966

O meu pelotão foi finalmente destacado para aqui, que, no meio deste inferno, é um lugar sofrível. A Otília prefere aqui estar. Temos uma espécie de casa de paredes de adobes e coberta de colmo, mesmo ao lado do quartel, mais fresca do que a de Contuboel. Da porta de trás da casa, dou as minhas ordens ao pessoal da cozinha sobre a ementa do dia. Temos aqui uma pista térrea onde poisa uma Dornier com facilidade. É lá que treino a minha con­dução no jipe que per­tence ao destacamento.


Sonaco, 9 de Agosto de 1966

A Otília fez hoje anos e por isso houve rancho me­lhorado. Dormimos com as janelas das traseiras abertas por via do calor e do peso da humidade. Para evitar que os mosquitos e outra bicheza, aqui aos milhares, mordam a gente, mantemos aceso um repelente do qual se evola uns fuminhos cujo odor intenso os afugenta. 

O pior são os gatos que vêm ao cheiro da comida e fa­zem, por vezes, uma estreloiçada de me pôr maluco. Ando com os nervos em franja, por isso qualquer barulho, por mais pequeno que seja, põe-me transtornado. Uma noite destas fui acor­dado e apanhei tal susto que peguei logo da espingarda, encostada à parede, à ilharga da cama do meu lado, acordei a Otília, disse-lhe que ia disparar, que se não assustasse, poisei o cotovelo esquerdo na sua já proeminente barriga, apoiei o cano da arma na mão canhota meio em concha, encostei a coronha ao ombro direito, fiz pontaria e dis­parei, uma, duas vezes. 

Matei um gato e os ou­tros desape­garam-se. A Otília não me disse sequer uma palavra mais azeda e tinha toda a ra­zão para o fazer. Virou-se para o ou­tro lado e principiou logo a dormir.

(Continua)
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Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021

(**) Último poste da série > 16 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22634: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VII: Contuboel e Dunane (entre Piche e Canquelifá) (Out - dez 1965)

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22542: Tabanca Grande (525): José Emídio Ribeiro Marques, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da 3.ª Comp/BCAÇ 4616/73 (Jumbembem, Farim e Canjambari, 1974), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 849


1. No passado dia 12, através do Formulário de Conta, recebemos esta mensagem de José Emídio Ribeiro Marques:

Boa tarde camaradas
Tive conhecimento do blogue somente hoje. O que me despertou foi o titulo atribuído Tangomau, dado que há muito tenho conhecimento do que significa.
Estive na Guiné em 1974. Em Farim pude assistir ao arrear da bandeira portuguesa e ao hastear da bandeira da Guiné-Bissau.
Gostaria muito de contactar com regularidade.
Um grande bem hajam.

Cumprimentos,
José Emídio Ribeiro Marques


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2. No mesmo dia demos resposta ao nosso novo camarada e amigo

Caro José Emídio Marques
Julgo tratar-se de algum camarada que esteve na Guiné em 1974. É isso?
Se sim, escreva-nos para este meu endereço dizendo qual o seu posto, especialidade e unidade em que foi integrado para a Guiné.
Teríamos muito gosto em que fizesse parte da nossa tertúlia, bastando para isso que nos mande uma foto dos seus tempos de Guiné e uma actual, tipo passe ou outro formato.

Receba um abraço da tertúlia
Carlos Vinhal
Coeditor


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3. Ainda no dia 12 de Setembro de 2021, recebemos do nosso novo Tabanqueiro José Emídio Marques, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da 3.ª Comp/BCAÇ 4616/73 (Jumbembem, Farim e Canjambari, 1974) a sua mensagem de adesão à tertúlia do nosso Blogue:

Boa Noite Camarada Carlos Vinhal
Eu estive na Guiné integrado na 3.ª Companhia do Batalhão 4616.
Era 1.º Cabo Enfermeiro e estive em Jumbembem, Nema e Farim.
A nossa Companhia foi desintegrada do Batalhão para reforçar o norte e depois a Companhia acabou por ser desmembrada e cada pelotão foi para um aquartelamento na região.
Somente nos reunimos (a Companhia), muito depois do 25 Abril em Nema, que era um posto avançado de Farim.
O meu batalhão esteve em Bambadinca.

Envio em anexo as fotos de há quase 50 anos atrás e atual.
Um abraço.

O 1.º Cabo Aux. Enfermeiro José Emídio Marques
José Emídio Marques, hoje

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4. Notas de CV:

(I) - Página 195 do 7. Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné:


BATALHÃO DE CAÇADORES n.º 4616/73

Unidade Mob: RI 16 - Évora
Cmdt:
TCor Inf Luís Ataíde da Silva Banazol
TCor Inf Joaquim Luís de Azevedo Alves Moreira

2º Cmdt: Maj Inf Joaquim Luís de Azevedo Alves Moreira
OInfOp/Adj: Cap Inf Bernardino Luís de Matos Pereira Torres

Cmdts Comp:
CCS: Cap SGE Domingos Roque
1ª Comp: Cap Mil Inf Augusto Vicente Penteado
2º Comp: Cap Mil Inf Luís Fernando de Andrade Viegas
3ª Comp: Cao Mil Inf João Lontral Leite Martins

Divisa: -

Partida: Embarque em 30Dez73; desembarque em 05Jan74
Regresso: em 12Set74 (1ª e 2ª Comp), 15Set74 (3ª Comp) e 16Set74 (Cmd e CCS)

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 09Jan74 a 06Fev74, no CMI, em Cumeré, seguiu depois, com as suas Companhias, excepto a 3ª Comp, para o sector de Bambadinca, a fim de efectuar o terino operacional e sobreposição com o BART 3873, de 13Fev74 a 08Mar74.
Em 09 Mar74, assumiu a responsabilidade do Sector L1, com a sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Mansambo, Xime, Xitole e Bambadinca.
Desenvolveu a actividade operacional adequada às características do sector, com realização de várias operações, patrulhamentos, emboscadas dos reordenamentos de Nhabijões, Samba Silate e Bambadinca e de construção, manutenção e controlo dos itinerários da sua zona de acção. Na parte final, adaptou a sua actividade à situação então vigente, comandando e coordenando a execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega dos aquartelamentos ao PAIGC, sucessivamente efectuada nos subsectores do Xitole, em 01Set74, de Mansambo, em 02Set74 e de Bambadinca e Xime, ambos em 09Set74.
Em 02Set74, após desactivação e entrega dos aquartelamentos de Mambadinca, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
[...]
A 3ª Comp cedeu, a partir de 05Jan74, um pelotão para reforço da 2ª Comp/BCAÇ 4512/72, o qual se instalou em Jumbembem. Em 11Fev74, a subunidade seguiu para Farm, a fim de efectuar o treino operacional com a CCAÇ 4944/73, sob a orientação do BCAÇ 4512/72 e seguidamente reforçar este batalhão, a fim de fazer face ao agravamento da situação na sua zona de acção.
Em 23Mar74, mantendo-se no mesmo sector do BCAÇ 4512/72, foi toda colocada em Jumbembem, em reforço da actividade da guarnição local, tendo destacado um pelotão para Canjambari, também em reforço da guarnição local, de 23Mar74 a 02Jun74.
Em 06Jun74, substituindo a 1ª Comp/BCAÇ 4516/73, assumiu a responsabilidade do susector de Farim.
Em 07Jun74, após desactivação e entrega do aquartelamento de Farim, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

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(II) - Caríssimo José Emídio

M
uito bem aparecido na nossa tertúlia, onde a partir de hoje ocupas o lugar n.º 849 do nosso poilão.
O BCAÇ 4616/73 tem 16 entradas no nosso Blogue, sendo talvez o maior contribuidor o ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ, José Zeferino, de quem nada sabemos faz já algum tempo. Se o conheces e se sabes dele, por favor informa-nos. Da tua Companhia julgo seres o primeiro a aparecer.

Sendo tu uma das testemunha privilegiadas dos últimos tempos da guerra da Guiné, poderás contribuir com o teu testemunho, narrando e enviando fotos desses momentos extraordinários vividos no interior, vulgarmente chamado mato, e em Bissau.
As relações entre o ex-IN e as NT continuavam tensas? Havia respeito entre os antigos contendores após a declaração do cessar fogo? Como reagia a população à iminente mudança das autoridades? Estas e muitas outras perguntas fazemos nós, o mais velhos, que só podemos tomar conhecimento dos factos pelos nossos sucessores.
Estaremos sempre disponíveis para responder a alguma dúvida que tenhas.

Deixo-te um abraço em nome da tertúlia e dos editores, com os votos de que estejas bem.
Carlos Vinhal
Coeditor

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22428: Tabanca Grande (524): Juvenal José Cordeiro Danado, ex-Fur Mil Sapador de Inf da CCS/BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1970/71), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 847

quinta-feira, 18 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22016: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte XIII: atividade operacional, dezembro de 1967 / janeiro de 1968, destaque para a Op Yungfrau, em Canjambari, Farim



Uma das armas pesadas apanhadas ao PAIGC pela 3ª CCmds na sua comissão de serviço no CTIG (1966/68)

Canhão S/R  (CSR) 82 B-10

Características desta arma segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74):

[Em inglês, B-10 recoilless rifle]

Tipo: Canhão Sem Recuo (CSR) B-10;
Origem: Ex-União Soviética:
Ano: 1954:
Calibre: 82 mm;
Comprimento: 1,660 m;
Peso: 85,3 Kg (71,7 Kg, sem rodas):
Elevação: -20º / +35°;
Alcance máximo: 4500 m;
Alcance prático: 400 m;
Capacidade de fogo : 5 granadas por minuto;
Guarnição: 4 elementos;
Alinhamento por aparelho de pontaria: Colocado do lado esquerdo da arma e a funcionar por sistema óptico;
Funcionamento: Percussão do cartucho, após carregamento por abertura da culatra;
Munição: Vários tipos de granada explosiva: por exemplo, BK-881 HEAT FS de 3,87 kg ou BK-881M HEAT-FS 4.11 kg (, velocidade de saída: 320 metros por segundo);
Velocidade de saída: dependia do tipo de granada (que podia penetrar até 240 mm de blindagem).



1. Começámos a publicar, em 17/11/2020, uma versão da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), a primeira, de origem metropolitana, a operar no CTIG. (Hão de seguir-se lhe, até 1974, mais as seguintes: 5ª, 15ª, 16ª, 26ª, 27ª, 35ª, 38ª e 4041ª CCmds.)

O documento mimeografado, de 42 pp., que nos chegou às mãos, é da autoria de João Borges, ex-fur mil comando, já falecido (em 2005), e que vivia em Ovar. Trata-se de um exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

Uma cópia pelo José Lino foi entregue ao nosso blogue para publicação. (*)



História da 3ª Companhia de Comandos
(1966/68)

3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges

Parte XIII (pp. 32 - 33)

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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16695: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (20): Mais um caso "atípico" ? A deserção do soldado escriturário nº mec 2055276, Carlos Alberto Sousa Emídio, da CCAÇ 3476 (Canjambari e Dugal, 1971/73), em 17/8/1972, e cujo rasto se perdeu desde então...


 Guiné > Região do Oio > Farim > Canjambari >  CCAÇ 3476 - "Os Bebés de Canjambari", Canjambari e Dugal, 1971/73)  > Memoprial (foto do álbum do ex.-fur mil Manuel Lima Santos, nosso grã-tabanqueiro)

Foto: © Mamuel Lima Santos (2013). Todos ops direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue ;Luís Graça & Camaradas da Guiné]



 Guiné > Região do Oio > Farim > Carta de Farim (1/25 mil) (1954) > Posição relativa de Farim, Bricama e Canjambari.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)

1. Mensagens do nosso leitor (e camarada) 
Guião da CCAÇ 3478.
Cortesia do nosso camarada
  Carlos Silva
Jaime Vieira, açoriano, que vive nos EUA (*), com data de 2 de julho de 2012, com a seguinte informação, que resumimos:

(i)  "sou emigrante nos Estados Unidos da América já há 38 anos";

(ii) "vim para Casement,  em 16 dezembro de 1973";

(iii) "fui soldado na CCAÇ 3476, estive em Canjambari, sector de Farim, nos anos de 1971 e 72 e depois estive no Chugué, antes de Mansoa";

(iv) "a minha companhia era dos Açores";

(v) "como a metade da companhia era de voluntários com menos de 20 anos de idade, 
deram-nos o nome de Bebés de Canjambari"; 
éramos uma companhia muito jovem ou a mais jovem de todas";

(vi) "o meu capitão era chinês de Macau, muito conhecido hoje pela televisão, o nome dele era Jorge Rangel":

 Eis a razão principal por que nos escreveu o Jaime Vieira:

"Tenho uma curiosidade: no ano de 1972 desapareceu um soldado que era escriturário, com o nome de Carlos. penso que era de Trás os Montes. Sempre penso nele, era meu amigo, e sempre me preocupei em saber o que lhe aconteceu. (...)  

Fomos para Canjambari em 1971. O Carlos chegou mais tarde . Um pouco tinha sido cabo e foi despromovido,  mas antes de chegar à nossa companhia. Ele era um pouco contra o regime e tinha problemas com o capitão,  como eu também tinha. Ele desapareceu em Canjambari no ano de 1972 e nunca vi muito interesse por parte das autoridades em saber de ele. Por este motivo fiquei sempre preocupado e com ansiedade para saber o que aconteceu."


2. O que nós apurámos, na altura, foi o seguinte, com a preciosa ajuda do nosso grã-tabanqueiro Carlos Silva [x-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71; e um histórico da cooperação e da ajuda humanitária à Guiné-Bissau];

(i) o nome completo do militar em causa era Carlos Alberto Sousa Emídio;

(ii) tinha o posto de soldado escriturário:

(iii) desapareceu no dia 17 de agosto de 1972 e foi dado, mais tarde como desertor, de acordo com a história da unidade;

(iv) não conseguimos, em 2012, saber do seu paradeiro.


Caso de deserção do soldado escriturário nº 2055276 Carlos Alberto Sousa Emídio

17-08-1972 – Ao fim da tarde deste dia ausentou-se ilegitimamente o Sold Escriturário Carlos Alberto Sousa Emídio, constituindo-se mais tarde em desertor. Fora colocado nesta Companhia por motivo disciplinar, vindo da Sucursal do Laboratório Militar de Bissau.

18-08-1972 – Por todo este dia foram efectuadas buscas, e pelas 17h00 foram encontradas pegadas do Soldado ausente que seguiam na direcção da área da Bricama. 

O mesmo já fora desertor na Metrópole e o seu desaparecimento seria premeditado, em virtude de problemas de ordem pessoal e militares ainda pendentes, motivados pela sua deserção anterior.

Fonte: HU - História da Unidade, Cap II, pág 19 [Elementos fornecidos por Carlos Silva]


 4. Ficha da unidade:

(i) A CCAÇ  3476 foi mobilizada no Batalhão Independente de Infantaria nº 18, em Ponta Delgada; 

(ii) tnha como divisa “Os Bebés de Camjabari”;

(iii) embarque em 25 de setembro de 1971; chegada a Bissau no dia 30 desse mês;

(iv) cmtd: cap mil inf  Jorge Alberto da Conceição Hagedorn Rangel, substituído em data não referida pelo alf mil inf  António Augusto Pires e Castro;

(v) realizou no CMI – Centro Militar de Instrução, no Cumeré, a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no período de 2 a 30 de outubro de 1971:

(vi) é colocada em Canjambari, sector de Farim, a 2 de novembro de 1971 para, em sobreposição com a CCAÇ  nº 2681, efectuar o treino operacional, assumindo a responsabilidade do subsector de Canjabari, em 28 de novembro de 1971, integrando o sector à responsabilidade do BART 3844;

(vii) a missão prioritária desta esta subunidade era proceder pressão sobre a linha de infiltração de Sitató; 

(viii) substituída pela CCAÇ 4143/72 a 14 de novembro de 1972, segue para Dugal a 16, para sobrepor e render a CART 3332, assumindo a responsabilidade do subsector, com destacamentos em Fatim, Chugué e Fanhe, e para missões de segurança de instalações e populações da área, integrada no dispositivo do Comando Operacional nº 8;

(ix) é  transferida para o COMBIS (Comando de Bissau) em 30 de setembro de 1973), sendo rendida em Dugal pela 2ª C/BCAÇ  nº 4610/72 e, em 3 de outubro de 1973 rende, em Bissau, a  CCAV 3420;

(x) dois meses depois, a 6 de dezembro é rendida no COMBIS pela CCAÇ  3565 e embarca de regresso em 13 desse mês.