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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25893: Verão de 2024: Nós por cá todos bem (8): Mensagem enviada ao Blogue pelo ex-Alf Mil Rogério Parreira do BENG 447 (Guiné, 1968/70)

1. Mensagem do ex-Alf Mil Rogério Parreira do BENG 447 (1968/70), enviada ao Blogue através do Formulário de Contactos em 24 de Agosto de 2024:

Caros amigos e ex-combatentes milicianos da Guiné,

Prestei serviço no BENG 447 como alferes miliciano no período entre finais de 1968 e final de 1970, tendo dirigido a construção da estrada Bula - Có - Pelundo em associação com as Obras Públicas da Guiné, chefiadas pelo encarregado geral Teixeira, no primeiro ano da comissão e chefiando as Oficinas de Máquinas de Terraplanagem do BENG 447 durante o segundo ano de comissão, durante o qual percorri quase toda a Guiné, por terra, mar e ar, na atribuição de equipamentos de engenharia para apoio de obras em diversos aquartelamentos.
Itinerário Bula-Có-Pelundo
Infogravura ©Luís Graça & Camaradas da Guiné

Guardo em particular as memórias de todos os bons companheiros com quem me cruzei nessa época e deixo aqui uma pequena homenagem a todos eles.
Um grande abraço a todos.

Cumprimentos,
Rogério Parreira

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Nota do editor

Último post da série de 29 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25891: Verão de 2024: Nós por cá todos bem (7): ... E vamos lá estar, no Porto, na Casa da Música: Orquestra Médica Ibérica, Concerto solidário, dia 8 de setembro, domingo, às 18h00

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25406: Em busca de... (324): António Gameiro, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71) (Manuel Resende, ex-alf mil, CCAÇ 2585, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)



T/T Niassa >Maio de 1969  A caminho da Guiné > Região do Cacheu >
BCaç 2884 >  O capelão António Gameiro celebrando missa a bordo.


Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > CCaç 2585/BCaç 2884 > O capelão António Gameiro, celebrando a missa.

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1,  Mensagem de Manuel Resende (ex-alf mil, CCaç 2585/BCaç 2884  Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto,  1969/71); régulo da Tabanca da Linha;

 
Data . segunda, 15/04/2024 , 22:44 
 
Assunto -  Identificação de pessoas

Caro amigão Luis:

Publicaste hoje na tua grandiosa página do Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné um assunto que li e reli. Falas do Capelão do BCAÇ 2885, o Sr. Padre José Torres Neves.(*)

Acontece que eu ando procurando há já muito tempo o meu capelão, o Padre António Gameiro.

Viajámos todos, o BCAÇ 2884 (o meu) e o BCAÇ 2885 no mesmo dia e no mesmo Barco.

Hoje estive a ler os ocupantes do Uíge no nosso regresso em fins de fevereiro de 1971 e consta dois Capelães: o Neves e o Gameiro.

Tenho procurado incessantemente pelo P. Gameiro. Já fui ao Seminário da Consolata em Fátima e não ha rastos dele.

Será que este camarada dele, o José Torres Nves, pois foram e vieram juntos,  saberá algo dele?
Num convívio disseram-me que tinha deixado de ser padre, não sei se é verdade. Mas gostava de saber dele.(**)

Será que o Padre Neves pode dizer algo? Não tenho contactos. Tenho algumas fotos dele, se for necessário.
Abraço
Manuel Resende


2. Resposta do nosso editor LG:

quarta, 17/04/2024, 09:06
 

Obrigado, Manel, não há dúvida que o António Gameiro esteve na Guiné como capelão. É nº 56 da lista de todos os capelães que passaram pelo CTIG. E o José Torres Neves é o nº 57. UM e outro foram e vieram na mesma dta  (vd.  poste P16636 (***)
 



O dr. Ernestino Caniço, nosso camarada e grande amigo do Zé Torres Neves (que está em África, já com , pode dar-nos uma ajuda. Vou reencaminhar para ele a tua mensagem. Mas, para já sugiro que façamos um poste com o teu pedido e uma foto dele, António Gameiro.

Fica bem. E até a um próximo reencontro na Tabanca da Linha. Luís


3. Rsposta do Ernestino Caniço (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/fez 1971, hoje médico, a residir em Tomar) ), esta manhã, às 8:36:


Caros amigos, votos de ótima saúde.

Já enviei uma msg ao Padre Zé Neves (que está numa missão em África) solicitando alguma informação sobre o assunto.

Não tenho grande fé na resposta pois o Padre Neves não me tem respondido, não sei se pelo isolamento ou pela idade.

Se tiver alguma informação voltarei ao contacto.
Um abraço, Ernestino

4. Resposta do Manuel Resende, na volta do correio, às 16:12

Junto duas fotos que tenho do Sr. Padre (Capelão) António Gameiro.

Uma é no T/T Niassa que nos levou para a Guiné em 7 de Maio de 1969.

Outra tirada em Jolmete, numa das visitas que ele nos fez ainda em 1969. Ele estava no Pelundo com o Batalhão, tal como o médico Dr. Calado, e visitavam as Companhias.

Estou a tentar obter mais fotos dele, já comecei, mas ontem foi-me confirmado que ele abandonou o sacerdócio. Já tinha ouvido essa versão. Aguardemos por algo mais concreto.

Abraço aos amigos Luis e Caniço.
Manuel Resende

domingo, 7 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25349: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (7): Uma estória passada no Pelundo, na escolta a um transporte de rachas de cibes: periquitos e velhinhos...


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Canchungo > Pelundo > 2008 > Restos do antigo quartel português, ao tempo do BART 6521/72 (Pelundo, 22/9/1972 - 27/8/1974), a unidade que fez a transferência de soberania para o PAIGC, e que era comandado pelo Ten Cor Art Luís Filipe de Albuquerque Campos Ferreira.   

A foto foi-nos enviada, em setembro de 2008, juntamente com as fotos de uma série de ex-camaradas nossos,  manjacos do Pelundo (que estiveram ao serviço do exército português e para quem se pedia apoio), pelo sociólogo António Alberto Alves  que residia na altura (e desde 2006) em Canchungo (antiga Teixeira Pinto) e trabalhava para uma ONGD portuguesa.

Foto: © António Alberto Alves (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de Joaquim Luis Fernandes ao poste P25341 (*), que decidimos incluir na sua série "Acordar Memórias" (**): o nosso camarada leiriense foi alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974:


Este tema das rachas dos cibes (*), usados nas estruturas das coberturas das casas nos reordenamentos na Guiné, mas também no geral, na cobertura das casas das aldeias, vilas e cidades, traz-me à memória um episódio que vivi na Guiné, em fevereiro de 1973, que me ficou gravado bem fundo.

Estaria na 2ª ou 3ª semana de Teixeira Pinto (muito periquito). Recebi ordens para fazer a escolta ao soldado (ou cabo) da Engenharia, adido no BCAÇ 3863 em Teixeira Pinto, que iria, com pessoal civil, recolher uma carrada de rachas de cibes, nas matas que se situavam entre o Pelundo e Jolmete.

No dia seguinte, saímos logo pela manhã com 2 secções a escoltar a viatura de transporte, creio que uma Mercedes, onde iam os carregadores e o responsável da Engenharia. Eu ia num Unimog com uma secção e um furriel (já velhinho) num outro.

Do Comando, nada me disseram do local onde iríamos fazer a escolta, mas quando nos preparávamos para iniciar a marcha, fui informados por um ou mais soldados, os mais próximos, o que tinha acontecido nessa picada, entre o Pelundo e Jolmete, em 1970: o assassínio pela guerrilha do PAIGC, de três Majores, um Alferes e os seus três acompanhantes nativos. 

Fizeram-me a descrição como sabiam, que eu ignorava completamente. Inicialmente passou-me pela cabeça que o que estavam a dizer era só para assustarem o alferes periquito que os comandava. Depois, tomei consciência de que tinha sido verdade e que o local para onde íamos comportava alguns riscos.

Chegados ao local sem incidentes, montámos um cordão de segurança ao redor da área onde era feito o carregamento dos cibes. Eu (periquito e receoso) orientei uma secção como me pareceu melhor e o Furriel (velhinho) orientou a outra.

Terminado o carregamento, preparámos o regresso. O Unimog onde eu ia, seguia à frente, a seguir a viatura de carga e na retaguarda a outra secção. Tudo tinha corrido bem e isso tranquilizava-me.

No regresso, já com o sol a castigar forte, ao aproximarmo-nos do Pelundo, os soldados mais próximos, sugerem-me que parassemos no quartel do Pelundo, para matarmos a sede com umas cervejas frescas. Cedi à sugestão e,  aí chegados, foi deixar as viaturas e ir direito ao bar do soldado, um balcão que dava para o exterior.

Quanto todos estavam reunidos em frente a esse balcão, verifico que o Furriel e um outro soldado não estavam presentes. Senti um calafrio, terei ruborizado que nem um tomate maduro. O que teria acontecido para não terem vindo? 

Senti o peso da responsabilidade por não ter verificado se estavam todos presentes antes de iniciarmos a marcha de regresso. Vários cenários me passaram pela cabeça. A decisão foi voltarmos ao local onde tínhamos estado na esperança de que os encontraríamos.

E assim aconteceu: bastante antes de chegar ao local onde tinhamos estado, lá vinham eles a pé pela picada, com a G3 nas mãos (ou à bandoleira, ou ao ombro)

Não sei (não me lembro) se alguma vez disseram porque não tomaram o transporte no regresso. Também não compreendo como o condutor do Unimog e os outros soldados dessa secção não deram pela sua falta.

Como isto não é uma estória de ficção, só concluo que naquela guerra havia muita balda e falta de rigor no cumprimento das missões. Por isso às vezes aconteciam azares graves que não deviam acontecer.

Serviu-me de lição este episódio e durante o resto do tempo que passei em Teixeira Pinto, em missões de escoltas e patrulhamentos, passei a ser mais cuidadoso, evitando quanto possível as baldas e seguindo os ensinamentos que tinha recebido na instrução: "suor gasto na instrução e na disciplina, é sangue poupado no combate".

E a minha coroa de glória, é que daqueles que me acompanharam, não perdi nenhum.

Abraços
JLFernandes

6 de abril de 2024 às 00:41
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quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24834: Facebook...ando (45): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - VI (e última) Parte

Foto nº 1 > s/l >  O António Medina, em primeiro planmo, com miúdos que vinham da fonte

Foto nº 2 > Pelundo > O António Medina, em primeiro plano, com miúdos e adolescentes da tabanca... Atrás, presume-se que sejam instalações do quartel protegidas por bidões com areia


Foto nº 3 > Pelundo > O António Medina com população local
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Foto nº 4  > Churo > O António Medina com mulheres locais


Foto nº 5 > Jolmete (?) > O António Medina  à esquerda, pronto para tomar um banho "à fula"


Foto nº 6 > Jolmete > O António Medina à esquerda


Foto nº 7 > Caboiana > O António Medina em primeiro plano


Guiné  > Região do Cacheu >   CART 527 (  
Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65)

Fotos (e legendas): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da seleção de fotos do álbum do nosso camarada da diáspora lusófona, António Medina (estas fotos correm o risco de desaparecerem, um dia, com o encerramento da página do Facebook do autor) (*):


(i) ex-fur mil at inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), de resto o único representante desta subunidade, na Tabanca Grande;

(ii) a CART 527 estava adida ao BCAÇ 507 (Bula, 1963/65), que era comandado pelo ten cor inf Hélio Felgas;

(iii) de seu nome completo, António Cândido da Silva Medina, nasceu em 26 de setembro de 1939, na ilha de Santo Antão, Cabo Verde (completou há semanas os 84 anos);

(iv) estudou no liceu Gil Eanes (Mindelo, São Vicente) (o único liceu então existente nas ilhas, criado pela República em 1917 como Liceu Nacional de Cabo Verde, 1917-1926, depois Liceu Central Infante Dom Henrique, 1926-1937, e, por fim, e até à independência, Liceu Gil Eanes, 1937-1975);

(v) após passar à disponibilidade, viveu em Bissau, entre 1967 e 1974, até à independência, sendo funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino);

(vi) regressou a Portugal, onde ainda trabalhou no BNU; 

(vii)  vive desde 1980 nos EUA, em Medford, no estado de Massachusetts, onde também foi bancário;

(vii) tem página no Facebook (última postagem: 30 de outubro de 2022); esteve bastante doente há uns anos; desejamo-lhe as suas melhoras. (**)

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23320: "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra" (António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro) Parte X (Conclusão)

1. Conclusão da publicação do texto de memórias "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra", de António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (BissauBuba e Pelundo, 1969/71)


A MINHA PASSAGEM PELA GUINÉ-BISSAU EM TEMPO DE GUERRA

António Sebastião Figuinha
Ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
CCS/BCAÇ 2884
1969/1970/1971
Parte X

Dois sustos aconteceram com os novatos acabados de chegar. Um soldado esquecendo-se que tinha ainda o carregador na sua G3 e, estando em formatura, teve a sorte de ter apenas o cano da arma em cima da bota e, descuidado, premiu o gatilho, rebentando com um dos dedos do seu pé.

Um outro caso que poderia ser grave e com os mesmos novatos, deu-se já nos nossos quartos. Um Pelotão de Sapadores acabado de regressar do mato para onde se tinha deslocado, acompanhados pelos nossos, já que a missão era indicar-lhes as zonas onde tínhamos colocado minas. O Alferes, que comandava este pelotão dos novatos, premiu gatilho da sua G3 sem antes ter tirado o carregador da arma e, também, sem verificar se tinha bala da câmara, disparou furando o teto do quarto. Não fosse a rápida experiência de um dos nossos Furriéis desviando-lhe o cano da G3 para o teto e gritando para que tirasse o dedo do gatilho, o dito Alferes atrapalhado, e todo pálido, tinha provocado uma tragédia. Notamos todos nós, mais velhos, que os que nos vinham render apresentavam muita inexperiência.

Também no meu Batalhão, o Comandante diariamente publicava em Ordem de Serviço louvores a quase toda a maralha. No que me toca, deixou-me de fora. Embora já o esperasse, senti-me ferido. Vingou-se de mim com as armas que dispunha. Continuei a olhar bem de frente para ele sempre que o via.
Este personagem acabou por vir a ser internado no Hospital Militar de Bissau com uma ameaça cardíaca. Já em Bissau, lamentou-se ao nosso Médico sobre a minha ausência em não o ir visitar ao Hospital. Respondi ao Médico que ele sabia bem o mal que durante toda a comissão me tentou fazer. Na verdade, vendo quem ele louvou, deixou-me revoltado. Nunca mais lhe falei em todos os encontros que tivemos até hoje, em que ele esteve presente.

Felizmente, o Capitão da Companhia soube reconhecer todos os esforços que fiz em prol da saúde, não só dos nossos como de toda a população local. Deu-me um louvor que me deixou muito orgulhoso.

Sei que contribui para a paz que tivemos em todo o tempo que permanecemos naquele local. As informações chegavam-me de muitos lados e até de Bissau. Marquei o meu tempo que passei pela Guiné. Mais tarde, colegas meus civis da Guiné, sempre que me viam, falavam da minha passagem por aquela terra.

Por fim, e antes de deixar de escrever sobre a Guiné, vou-me debruçar resumidamente sobre a jovem que lá conheci e a quem devo muito do meu estado de saúde mental, conseguido durante toda a minha comissão no interior do território e na localidade já por mim várias vezes enunciada, ou seja, o Pelundo.

Logo no primeiro dia que cheguei a esta localidade e sede do meu Batalhão, era já fim da tarde, encontrava-se à minha espera junto da porta de armas uma jovem que perguntando pelo Furriel Enfermeiro lhe indicaram a minha pessoa.
O meu espanto foi grande ao registar a sua grande desenvoltura dizendo-me logo como um ultimato fosse, que seria ela a tomar conta da minha roupa sempre que eu necessitasse de a ter lavada e passada a ferro. Acrescentou-me que já tomava conta da roupa do Médico, do Comandante Tenente Coronel Romão Loureiro e do Segundo Comandante Major Pinho.
Verifiquei também que era a única das lavadeiras da aldeia que tinha ordem de entrar dentro do arame farpado. Era tratada de modo muito especial como se fosse a princesinha daquela Aldeia.

No dia seguinte e ao fim do horário obrigatório de permanência no Quartel, saí para dar uma volta pela Aldeia como o primeiro reconhecimento tímido da mesma e como um primeiro apalpar do pulso ao ambiente da mesma.
Encontrei um ambiente muito descontraído para uma zona de conflito, vendo soldados nossos em cavaqueira descontraída com membros da população jovens como nós.
Para ajudar, o nosso Alferes de Informações e o homem mais próximo do Comando, era oriundo de Cabo Verde. Vim a saber mais tarde que tinha a minha profissão civil. Como dominante do dialeto, ajudou-nos aos mais atrevidos, na aproximação a estes nativos.

Ao terceiro dia entreguei pela primeira vez roupa à jovem lavadeira Judite. Logo ela me convidou para, ao fim do dia e após o meu jantar no Quartel, vir à Aldeia e, deste modo, poder conhecer as suas amigas e amigos e ambientar-me ao meio.
Assim aconteceu a minha primeira fuga ao arame farpado até cerca da meia-noite.
Levou-me para uma casa (Palhota na designação local) onde me vi rodeado de quatro das suas amigas e de um já menos jovem, que vim a saber ser um dos cerca de cem filhos do Régulo daquela Aldeia e muito influente na juventude desta, principalmente no meio feminino.

Falando quase sempre em Manjaco (dialeto local) senti-me tremendamente estranho, não fosse de longe a longe ditas algumas frases em português e um sempre ligeiro sorriso que a jovem Judite me lançava. Ali eu era uma carta fora do baralho, mas que mais tarde verifiquei o quanto ganhei de segurança arriscando-me desta forma. Entrei no mundo deles sem mostrar receio nem superioridade.
Verifiquei também, logo nos primeiros dias, que esta jovem se impunha não só entre as da mesma idade ou mais velhas, como também entre os rapazes. Vim mais tarde a saber que o Régulo Vicente a tinha comprado desde tenra idade para um dos seus filhos que se encontrava em Bissau a estudar ou a trabalhar. Ao certo nunca me preocupei em saber o que o dito cujo fazia.

Diariamente a minha relação com a população foi aumentando. O número de pessoas que era atendida no Quartel também aumentava à medida não só das suas necessidades como da confiança que tinham em nós.

Também todos os dias, nas horas de folga, eu saía do arame farpado e percorria as ruas da Aldeia cumprimentando todas as pessoas que encontrava. Deste modo, diariamente fui conquistando a sua confiança ao ponto de por vezes sentar-me ou mesmo deitar-me a descansar um pouco numa ou outra palhota de pessoas idosas que já tinham passado pelo posto Médico do Quartel.
Os mais idosos começaram a cumprimentar-me segurando-me as mãos e beijando-as. Os mais pequenitos vinham até mim puxando-me pelos calções à espera de um afeto. Ambientei-me ao meio.
O mesmo foi acontecendo, não só com a Judite, mas com toda a geração de jovens que dia sim, dia não, durante as noites e, até cerca da meia-noite, nos juntávamos no bailarico. Alguns dos filhos do Régulo Vicente tinham como uma espécie de Clube Noturno. Eu raramente faltava a estes bailaricos.
Com o passar dos dias fui criando um afeto muito especial com esta jovem. Uma espécie também de adoção pela sua família, que me recebia com sorrisos e carinho na sua palhota.
No Bailarico, ela era a minha parceira diária e não deixava que outras se aproximassem de mim. O carinho que ela com o seu olhar me transmitia era grande. Por vezes, outras jovens atrevidas, nos momentos da entrega da roupa lavada junto ao arame farpado, aproveitavam-se para a provocar, agarrando-se ao meu pescoço. Ela reagia com fúria e as mais sabidas gozavam galhofando.

O tempo ia passando e mais a sentia próxima de mim, mesmo sabendo que estava comprada para outrem. Pelo meu lado, respeitosamente lhe transmitia afetos respondendo-lhe a todas as perguntas que ela me fazia sobre a minha vida em Portugal e sobre a namorada que lá tinha deixado mostrando-lhe fotografias dela. Acrescento que quando da segunda vez que vim à Metrópole de férias, falei muito sobre esta jovem à minha namorada na altura e mais tarde mãe de meus filhos, para me ajudar a escolher umas peças de roupa para eu levar de presente à Judite. A custo concordou já que a jovem merecia. Deste modo, levei-lhe de Lisboa, sandálias, saia e blusa adaptadas ao meio da Guiné.

Durante vários meses não houve fins de tarde, ou após a hora de almoço, que não estivesse por momentos juntos na cavaqueira. Passou a fazer parte da minha vida naquela Aldeia e tema de muitas conversas no Quartel. Acrescento antes de mais, que sempre a respeitei nunca me excedendo nos afetos.
A este respeito apercebi-me por diversas vezes de tentativas de me armadilharem a vida dado a fragilidade que viam nela a meu respeito. Tive o bom senso, embora sabe Deus com quanto custo, de não avançar demais na relação dado ao isolamento em que todos nos encontrávamos.
Nos bailaricos, apenas com ela podia dançar. Embora sabendo-se vigiada não resistia. Tantas vezes ela foi fruto de comentários de militares que no mesmo local se encontravam.

Chegou uma altura que por ordem do futuro noivo ou da família dele ou dela, não me interessou saber, foi proibida de dançar comigo. Ia para o baile e não dançando comigo, também impedia outras jovens de aceitarem os meus convites. Uma noite, porém, uma delas resolveu romper o bloqueio que ela ordenava e veio ao meu encontro para que eu com ela dançar. Foi como lhe tivessem dado uma grande paulada. Terminada a música, e esquecendo-se dos que a vigiavam, veio ao meu encontro saltando para o meu pescoço e dizendo bem alto “tu és meu”. Fiquei sem respiração naquele momento com tantos olhares virados para mim. O Alferes Tunes, grande amigo meu, comentou-me que doravante teria que ter todos os cuidados e mais alguns com o Major e o Tenente Coronel mas, principalmente, com o primeiro, porque andava sempre com o olho em mim. O Tunes, encontrei-o recentemente e com aspeto debilitado pela doença cancerígena que o atacou. Selamos um grande abraço apesar do ambiente pandémico que se vai vivendo. Disse-lhe também que tinha resolvido escrever sobre os tempos passados na Guiné, o que ele tanto ao longo de anos me pediu para fazer. “Escreve sobre o que viveste e observaste naquela época – pedia-me ele”.

Durante os tempos em que ela proibia as outras jovens de dançarem comigo, deixei de frequentar o club de baile até que resolvi aparecer e encontrar quem rompesse aquele bloqueio.
Depois destes episódios, apareceu no Pelundo o dito filho do Régulo para quem a família dela a tinha vendido ainda criança. Era um hábito tribal que me revoltava assim como o chamado “fanado” (corte do clitóris).
Os dias e tempos que se seguiram foram traumáticos para os dois mas principalmente para ela. Por mais que uma vez e já noite, ao passar por caminhos estreitos perto da palhota da família dela, encontrei-os a discutir e ela chorando. Segui sempre em frente respeitando a custo não interferir no meio.

Muitas outras peripécias se passaram até que por ordem do Comandante de Batalhão fui transferido para tomar conta da nossa Companhia instalada na Aldeia de Có e região da tribo Mancanha.
Antes de partir para Có, procurei encontrar-me com a Judite para me despedir dela bem como, de outras pessoas da Aldeia minhas amigas sem esquecer a professora primária e seu irmão. Todos me mostraram desconforto por verem partir o amigo. Quanto à Judite, não conseguiu esconder uma lágrima apesar de já por esta altura, só a encontrar para receber e entregar-lhe a minha roupa para lavar.

Não me foi nada fácil esta mudança repentina. Dentro de mim tudo era revolta por me sentir injustiçado a pouco mais de cinco meses do fim da Comissão. Mais ainda, por verificar que da parte do Médico do Batalhão nada ter feito para tentar impedir a minha transferência bem pelo contrário, apoiou-a como já anteriormente o referi ao escrever sobre este tema.
Lá parti para aquela unidade em escolta mas com a minha cabeça cheia de revolta.
Voltei ao Pelundo por duas vezes. A primeira por causa da inauguração do novo Posto Médico e por fim, para os últimos dias, antes de sermos substituídos e partirmos para Bissau a fim de regressar à Metrópole.

Quando por fim regressei para partir para Bissau, tive pouco tempo e hipóteses de a ver até porque no único dia que tive, desencontrei-me com ela, dado eu já não saber se estaria em família ou na casa do sogro, o dito Régulo Vicente. Por isso, só já quase ao fim do dia o meu Cabo Enfermeiro me transmitiu um pedido dela dizendo-lhe que estaria à minha espera para se despedir de mim numa casa do Régulo num outro local da Aldeia. Fui logo que pude e verifiquei nos olhos dela que pretendia despedir-se de mim de forma diferente da que veio a acontecer.

Durante os dias de espera pelo barco em Bissau, tive sempre notícias dela. Ficava impressionado como ela, quase diariamente, fazia-me chegar as preocupações dela sobre a minha pessoa. Ficou para sempre no meu coração. Quando o navio Uíge chegou ao cais de Alcântara em Lisboa e desembarquei, quase que não me mantinha nas minhas pernas. Vinha bastante debilitado da viagem. Rara foi a noite que consegui dormir. O meu quarto encontrava-se numa zona em que os motores do navio se faziam ouvir e, não bastando, enjoei quase toda a viagem.

Depois do desfile fomos levados para o Quartel da Amadora na altura era Infantaria 1. Levei comigo uma muda de roupa civil e, sentando-me na parada, ali mesmo me despi entregando a minha farda e botas a um dos militares que lá se encontrava. Gritei bem alto. Chega de fardas para mim! Zarpei logo que pude do Quartel.

(FIM)

Miratejo, 30 de setembro de 2021

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Nota do editor

Poste anterior de 31 de Maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23314: "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra" (António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro) Parte IX (Penúltima)

terça-feira, 31 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23314: "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra" (António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro) Parte IX (Penúltima)

1. Continuação da publicação do texto de memórias "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra", de António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (BissauBuba e Pelundo, 1969/71)


A MINHA PASSAGEM PELA GUINÉ-BISSAU EM TEMPO DE GUERRA

António Sebastião Figuinha
Ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
CCS/BCAÇ 2884
1969/1970/1971
Parte IX

Durante a minha permanência em Có tive alguns casos de saúde muito complicados que me obrigaram a puxar pela minha cabeça e pedir a Deus ajuda e inspiração.

Um deles aconteceu pelo Natal de 1970. Um dos militares tinha recebido nesse dia uma encomenda da família onde vinham enchidos. Acontece, que devido ao tempo da demora da chegada e principalmente com as diferenças de temperaturas, estes enchidos já não chegaram em bom estado de qualidade.

Aproximou-se a noite e, eis que aquele militar, juntamente com alguns amigos, veio ao meu encontro gritando de desespero tal eram as dores de cabeça sentidas e o aumento de volume desta. Fiquei impressionado com o que estava observando. Pensei primeiro, em procurar um contacto Médico via rádio, mas o desespero do militar fez com que eu me concentrasse e arriscasse um primeiro tratamento que sabia mal não lhe faria. Deste modo, ordenei ao Enfermeiro que naquele dia tinha como ajudante ao Posto Médico, aplicar-lhe uma injeção indo-venosa para combater a alergia e, logo de seguida, uma injeção anti palúdica. Entretanto e finalmente, dirigi-me ao posto de rádio para que me localizassem um Médico.

Finalmente um Médico entrou em linha comigo a quem relatei o acontecido bem como as medidas que já havia tomado. Do outro lado da linha a voz do Médico deixou-me tranquilo e de certo modo feliz, por ouvir que melhor ele não teria feito. Na verdade, fui encontrar o paciente mais calmo. Disse-lhe para se ir deitar e, acaso as coisas se complicassem, para rapidamente me chamarem. Respirei fundo e ouvi palavras carinhosas do capitão da Companhia que, com um abraço me agradeceu por me encontrar com eles naquela unidade.

Um outro caso que também já mais esquecerei, aconteceu com uma criança de tenra idade já que apenas tinha cerca ano e meio.

Eram já cerca das dez horas da noite quando ao meu quarto o Capitão me foi chamar preocupado com a criança que estaria a morrer e, com mãe, que desesperada, com a criança nos braços, chorava.

Vesti-me rapidamente dirigindo-me ao Posto Médico para observar a criança. Fora deste, muitos militares se juntaram mais alguns civis da aldeia de Có.

Deitado já na maca, verifiquei que a criança vinha gelada e com os membros apresentando rigidez. Da sua boquita brotava espuma que lhe dificultava a respiração que, por sinal, já não se sentia. Pedi ao Enfermeiro que naquele momento tinha para me ajudar que lhe sugasse a expetoração enquanto eu com uma agulha fui picando a base dos seus pezinhos tentando ver se tinham recção. Nada! A criança tinha entrado em coma. Como já não se podia evacuar a criança para o Hospital em Bissau por via aérea, dado o avançado da noite, aos choros agonizantes da jovem mãe, concentrei-me e mentalmente pedindo ajuda ao Criador, mandei preparar meia injeção de Coramina ao mesmo tempo que comecei a fazer-lhe massagem cardíaca e respiração boca a boca. Todo eu já transpirando eis que, de repente, vi mexer uma pestana e dei um grito de alegria dizendo “já temos homem!”. Continuei fazendo massagem cardíaca até que a criança abriu os olhos e começou a chorar. Em pensamento agradeci a Deus que me inspirou. Recebi um abraço forte da jovem mãe. Todos os companheiros militares se encontravam comovidos. O Capitão deu-me um grande abraço e pediu ajuda para que de Bula onde se encontrava uma Companhia de Cavalaria, visse das possibilidades de transportarem se possível, a criança mesmo de noite para Bissau juntamente com a mãe, a fim de poder ser bem observada no Hospital. É a principal e gratificante recordação do meu trabalho na saúde que trouxe da Guiné.

Um outro acontecimento que acompanhei em Có foi quando um dia já noite, o quartel ficou em polvorosa com o aparecimento junto ao comando de um homem fisicamente bem constituído e com a saliva a escorrer-lhe da boca tal a raiva que trazia dentro dele ou, como suspeitei, a quantidade de droga que teria ingerido para vir preso à capela por populares da aldeia. Vinha preso com uma corda pela cinta com duas pontas da corda soltas onde, três de cada lado desta, controlavam o avanço de ataque para cada um dos lados. Os populares que o traziam amarrado, cheios de medo diziam que o dito já tinha matado um homem à dentada na aldeia e gritava que vinha para matar o Capitão China.

O Capitão Rodrigues, natural de Macau e de origem chinesa, ficou assustado com a convicção do prisioneiro que mesmo ali manietado, continuava lançando ameaças. O Capitão, voltando-se para mim solicitou-me que, com medicação, conseguisse dominar a fera de modo a ser possível ficar em prisão durante a noite de modo a poder ser enviado para Bissau no dia seguinte. Naquela noite, fiquei já com poucas dúvidas, da utilização de drogas por parte do PAIGC em ações suicidas levadas a cabo por parte da guerrilha. A quantidade de saliva que escorria da boca do homem mais o seu olhar de fera enjaulada, tiraram-me qualquer dúvida. Foi um fim de dia atribulado.

Recordo-me do último Natal que passei na Guiné (Natal de 1970) em Có. Estas datas eram muito atribuladas porque por norma, a guerrilha adorava flagelar os nossos quartéis. Um ambiente carregado e melancólico se fazia sentir porque, tínhamos os nossos militares patrulhando a zona, e deste modo, termos a garantia de segurança. A ceia só seria servida com todos já regressados do mato.

Enquanto esperávamos pelo regresso dos nossos militares ausentes, recordo o Capitão Rodrigues sentado ao balcão do pequeno bar que lá possuíamos, bebendo cerveja acompanhada de camarão. A quantidade de camarão era considerável e, como tal, convidou-me para me sentar junto a ele. A nossa conversa foi sobre os momentos que estávamos vivendo e da ansiedade sentida principalmente naquele dia. Era já de madrugada quando nos foi servida a ceia de Natal. Três dias depois festejei ali o meu vigésimo quinto aniversário.

Durante a minha permanência neste aquartelamento, desloquei-me uma única vez ao Pelundo. Aqui ia ser inaugurado um novo Posto Médico com condições de trabalho melhoradas bem como tendo anexada uma pequena enfermaria.
Para este novo Posto Médico, tinha sido eu encargado, antes de ser transferido para Có, de requisitar tudo o que fosse necessário para que o mesmo funcionasse em pleno. Sucede que ao chegar ao Pelundo, verifiquei que muito do material faltava, principalmente as camas na enfermaria.

Como era habitual nos Comandantes dos Batalhões, pelo menos no meu, foi convidado o Comandante-chefe General Spínola para a dita inauguração. O General, ao entrar e verificar as falhas que se notavam, gritou ao meu Comandante dizendo que palhaçada era aquela, ser convidado para inaugurar paredes! Eis que o meu Comandante de Batalhão, tremendo como varas verdes, chamou-me para dar explicações ao General. Coube-me então a mim, que já há mais de dois meses me encontrava afastado noutro local, explicar ao General que tudo o que ali faltava, a tempo e horas eu tinha requisitado aos serviços competentes em Bissau. O General chamou o seu Ajudante de Campo, que era o Capitão Ramos, dizendo-lhe que fosse imediatamente a Bissau tratar daquelas falhas junto dos Serviços de Material de Saúde e das razões do não envio atempado. Deste modo não ouve inauguração nenhuma e o General deu meia volta e apanhou o helicóptero de regresso a Bissau.

Ao fim do dia regressei também a Có, não sem antes passar pelo Posto de Saúde ao qual pertencia e tinha a meu cargo, confraternizar uns instantes com o pessoal.

Encontrei aqui nesse dia a jovem que sempre tinha cuidado da minha roupa, com um ar adoentado. O Médico ao ver-me, aproveitou para a provocar dizendo-me que era eu o culpado pelo estado de saúde que a moça apresentava.
Tentei animá-la dizendo que brevemente estaria de volta. Na verdade, o seu aspeto tinha pouco de saudável. Sobre esta jovem, dedicarei a parte final das minhas memórias de Tempos de Guerra.

Regressado a Có, continuei com o meu trabalho de zelar pela saúde dos nossos militares bem como da população que dos mesmos cuidados necessitava.

Chegou-se ao dia de preparar a transferência de funções e de material a quem me vinha substituir ou seja, a Companhia que nos vinha render naquele lugar e, permitir o meu regresso ao Pelundo e assim poder ajudar lá também nos preparativos da passagem de testemunho àqueles que nos iriam render.
Porém, antes tive que verificar em Có o material existente e as falhas mais importantes a repor para que o novo Furriel Enfermeiro encontrasse as condições possíveis para poder desempenhar as suas funções.

Com uma campanha desgastante, tive a necessidade de me deslocar a Bissau e aos Serviços de Material de Saúde requisitar agulhas e outro material de consumo corrente. Aqui vim encontrar os responsáveis destes serviços tremendamente aborrecidos para com a minha pessoa por tudo o que tinha acontecido com a não inauguração do novo Posto Médico do Quartel do Pelundo. Pelo que vim a ser informado, o General provocou um reboliço enorme com aquela gente que se viram forçados a tirar três camas do Hospital e enviá-las para o Pelundo. Respondi-lhes que apenas me tinha limitado a informar o General do que a tempo e horas eu tinha feito todas as requisições.
Zangados, fartaram-se de chamar de “Macaco Fula” ao General. Sempre notei que o pessoal de Bissau não gostava do General porque lhes apertava os calos várias vezes.

Antes de fazer o trespasse de funções ao Furriel que me iria render, fiz um levantamento exaustivo de todo o material já que o Primeiro-sargento me havia dito querer ser ele a fazer o dito trespasse. Durante os meses que ali permaneci, poucas vezes a este Primeiro-sargento lhe dirigi palavra.
Desde o primeiro dia que ali cheguei, as guerras foram uma constante entre nós os dois. Eu era bem diferente daquele outro que fui render. O Lemos, por motivos que não vou aqui descrever, foi preso e enviado para outro local como já foi por mim referido anteriormente.
Mandei chamar então o Primeiro-sargento ao Posto Médico para lhe mostrar todo o material de uso corrente como agulhas, seringas, tesouras, caixas de enfermeiro, etc.
Verificou que havia umas agulhas que sobravam do lote obrigatório a entregar e pediu que, acaso eu não me importasse, poder levar umas seis para oferecer a uma Enfermeira da terra dele. Respondi-lhe que podia oferecer à dita senhora o que quisesse porque sempre me tinha dito, que no fundo, quem mandava ali era ele. Ficou corado de atrapalhação com mais uma ferroadela que lhe dava.
Regressei no dia seguinte à minha unidade, CCS do Batalhão 2884 no Pelundo.
Aqui já se encontrava a Companhia que nos ia render bem como a Companhia operacional que acompanhava a CCS.
Encontrei o Quartel remodelado. Com Posto Médico novo, quartos dos Sargentos novos, enfim, vim encontrar outras condições habitacionais bem melhores do que aquelas que durante tantos meses tive.

Liberto de funções, embora tivesse que orientar o novo Furriel Enfermeiro e Médico sobre como a população estava habituada a ser tratada, como deveriam continuar a lidar com ela e, a pedido do Médico, fui mostrar a este a aldeia e fornecer-lhe as orientações necessárias que eu achava por convenientes. Este Médico tinha estado preso em Penamacor por razões políticas.
Achei esquisito ter-me pedido para que o informasse das casas onde viviam prostitutas. Não contei nada a ninguém mas vi logo que era tentar passar e receber informações do outro lado. Sei que não regressou com os seus ao Continente porque ficou creio a viver lá com a professora. O Mundo é pequeno e, na FNPT em Lisboa, onde comecei a trabalhar, encontrava-se também e no mesmo departamento, o compadre do dito cujo Médico. Este companheiro de trabalho de vez em quando dava-me informações do seu compadre.

Comecei então a despedir-me das pessoas da população com quem mais lidei de perto e de todos que por mim passavam e me cumprimentavam apertando-me as mãos de agradecimento pela forma como tinha lidado com todos eles. Como surpresa, um grupo de mulheres veio ter comigo implorando para que eu não regressasse ao Continente e ficasse a tomar conta da saúde deles no Posto Médico Civil que o General tinha lá mandado construir. A custo e deveras emocionado, respondi-lhes que estava cheio de saudades da minha família mas que lhes agradecia do fundo do coração o carinho que me tinham e que eu nunca iria esquecer.

Estes últimos dias no Quartel no Pelundo foram passados no quase descanso total.


(Continua)
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Nota do editor

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sábado, 28 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23303: "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra" (António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro) Parte VIII

1. Continuação da publicação do texto de memórias "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra", de António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (BissauBuba e Pelundo, 1969/71)


A MINHA PASSAGEM PELA GUINÉ-BISSAU EM TEMPO DE GUERRA

António Sebastião Figuinha
Ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
CCS/BCAÇ 2884
1969/1970/1971
Parte VIII

Debruçando-me sobre a saúde e os vários casos que durante a comissão tive que enfrentar não só com a parte militar como também com a parte civil.

Sobre a parte militar, como já deixei entender mais atrás, não tive casos de saúde muito graves na CCS do Batalhão 2884 ou seja, durante o tempo que estive no Pelundo.

Descrevendo sobre as necessidades de tratamentos de saúde dos militares, os casos de maior preocupação do Médico e meus, foram os ataques de paludismo “Malária”, doenças sexuais transmissíveis e saúde oral. Sobre a saúde oral, a ela se deveram a maiorias de consultas externas de militares enviados para o Hospital em Bissau.
Quantos aos casos de Paludismo, com mais ou menos dificuldade foram sendo resolvidos no local.

Mais graves e diversos foram os casos de saúde sexualmente transmissíveis. Devo começar por descrever que, casos houve, que tiveram início ainda na metrópole. Destes, lembro-me de um que não conseguimos curar durante toda a comissão.

Numa das minhas idas a Bissau e à Direção de Saúde, o chefe desta, chamou-me ao seu gabinete para trocar informações sobre a saúde dos militares e das populações. Devo confessar aqui, o grande apreço que tive por este militar com a patente de Brigadeiro. Só o conheci lá, mas, a forma carinhosa como sempre me tratou ficará sempre comigo. Eu era o seu menino! A revista do Exército já me tinha colocado na capa de uma das suas edições como militar exemplar a lidar com a saúde da população civil.

Naquele dia tinha uma informação importantíssima a transmitir-me em primeira mão, portanto, antes de ser enviada para o Comando do meu Batalhão.
Tratava-se dum tema ligado às doenças sexualmente transmissíveis e, sobre a forma como o PAIGC a estava a utilizar. Estes começaram a introduzir prostitutas infetadas para contaminação das nossas tropas, enfraquecendo-as moral e fisicamente. Os americanos utilizaram este esquema contra os japoneses na segunda Grande Guerra Mundial. Os japoneses, logo que descobriram, começaram a fuzilar os seus militares infetados para imporem regras.

Logo que naquela tarde e mal a escolta chegou ao Pelundo, fui de imediato falar com o Capitão da CCS dando-lhe conta do que pensava fazer em relação ao pedido do Brigadeiro Médico da Direção de Saúde da Guiné. A resposta do Capitão, que por sinal já tinha recebido as mesmas instruções de Bissau, deu-me carta branca para atuar junto das prostitutas que frequentavam o nosso meio e, proporcionou-me os meios para as trazer ao Quartel a fim de serem observadas por mim, já que o Médico se encontrava ausente em férias no Continente.

Alem das prostitutas, havia a necessidade de ter uma conversa muito séria com os militares sobre minha responsabilidade na saúde.
Uma a uma, elas me foram entregues pela patrulha destinada a esta missão. Dentro dos meus conhecimentos, fiz-lhes uma prévia observação.

Para espanto meu, logo que soube que já se encontrava a primeira no Posto Médico, encontrei a porta deste fechada, mas com som de música no seu interior. Bati na porta, dando ordem para que a mesma fosse aberta. Mal esta se abriu, encontrei um dos Maqueiros a querer ensinar a prostituta a tirar a roupa como se estivesse num cabaré. Não gostando do que vi, levantei a voz para que terminasse o espetáculo. Ordenei novamente que fosse fechada a porta do Posto Médico para, deste modo, tentar dar alguma privacidade à paciente.

Mal eu tinha dado esta ordem, senti a voz do Major ordenando que queria entrar para verificar o que se estava a passar. De imediato, dirigi-me à porta para saber o que o Major Pinho queria. Foi-me dizendo que tinha ouvido música e, como tal, queria observar as suas razões. Disse-lhe que era assunto interno e que o já tinha resolvido. Porém, ao aperceber-se que a mulher se encontrava meio despida tentou forçar a entrada, mas eu não deixei, dizendo-lhe que se tratava de assuntos de saúde com ordens superiores de Bissau e como tal, só a mim diziam respeito. Pouco convencido, lá foi praguejando.

Das cinco prostitutas por mim observadas, duas foram enviadas para o Hospital para melhor observação médica e, às outras três, apliquei-lhes um tratamento com antibiótico injetável correspondente a um tratamento diário de uma semana. De Jipe foram levadas cada uma para sua residência onde permaneceram sem poder exercer a sua profissão durante cerca de quinze dias por causa das dores que as suas nádegas lhe transmitiam.
Este tratamento começou a ser dado pelo Médico aos homens civis para evitar que nenhum não mais aparecesse no Posto Médico após a primeira injeção e, se tornassem possíveis doentes crónicos.

Quanto aos Soldados da Companhia, fui chamando um a um ao Posto Médico para lhes falar dos objetivos do PAIGC com as prostitutas e, como a partir dos meus conselhos, todo aquele que me aparecesse contaminado seria tratado. Em cima da minha secretária tinha colocado uma seringa de vinte centímetros cúbicos com uma agulha de doze centímetros de comprimento. Alguns deles desmaiaram só pela visão da agulha.
Às prostitutas, aconselhei-as a obrigarem os Soldados a usar o preservativo. Umas responderam-me que tinham receio que o preservativo ficasse dentro delas fazendo balão. Disse-lhes que tal não aconteceria. Tentei durante a comissão evitar este flagelo de saúde pública.

O interesse por aumentar os meus conhecimentos na saúde foram uma realidade com o tempo e a população civil deu-me esta possibilidade. A minha dedicação foi uma constante. Desde ajudar em partos, detetar apendicites e outras mazelas originais de África. Direi que o serviço militar em África foi uma grande escola de saúde para mim e para muitos dos Médicos que por lá passaram. Até aos dias de hoje, tenho ao longo destes anos tirado partido desses conhecimentos, não só para mim, como também para os meus familiares.

Como já referi em páginas anteriores, uma tarde o Comandante chamou-me ao seu gabinete para me anunciar que teria que ir para o Quartel de Có dar assistência sanitária aos nossos militares que lá se encontravam como também à população que de mim necessitasse.
Com um sentimento de revolta perguntei-lhe porque eu? Sendo o mais qualificado do Batalhão porque não era indicado outro? Respondeu-me que não havendo Médico nem Furriel Enfermeiro naquela Companhia, eu era o Enfermeiro mais bem preparado para dar confiança aos nossos militares que lá se encontravam. Agradeci o elogio, mas que bem o dispensava porque iria contrariado. Acabava de receber um balde de água fria na minha cabeça. Senti vontade de gritar pela revolta que sentia. Na minha mente senti a vingança dele pelas afrontas que lhe fiz não cedendo aos seus caprichos. Também o Médico que comigo se encontrava no Pelundo enalteceu os meus conhecimentos em saúde, mas para proveito próprio. Desta forma, evitava ter que se deslocar em escoltas a Có numa altura que se aproximava o fim da nossa estadia na Guiné.

Um dos motivos para ter havido necessidade de se deslocar para a povoação de Có um Furriel Enfermeiro deveu-se, primeiro, porque o Furriel Enfermeiro daquela Companhia e do meu curso ter sido preso de acordo um artigo das regras militares sobre a conduta que todo o militar devia ter naquela altura, bem como não possuírem lá Médico.
Dias antes deste acontecimento, fui surpreendido ao ver na prisão do Quartel do Pelundo o Furriel Enfermeiro de Có. O Lemos, de seu nome, era um daqueles que juntamente comigo tiraram o curso e dos mais pacatos e até divertidos, tendo muito jeito para o Teatro. Porem, quando soube das causas, não fiquei muito surpreendido. Nos dias de hoje, até ficaria famoso já que passou a ser um ato de afirmação que as minorias de hoje nos tentam impor. Devo ainda acrescentar, que sendo o Lemos natural de Braga, foi também para o Porto tal como eu, realizar o estágio do curso no Hospital Militar local. Um quase fim de Comissão drástico para ele. Anos mais tarde, e já em Lisboa, voltei a encontrá-lo na Calçada da Estrela, onde possuía uma loja de decoração.

Lá tive que fazer o saco e despedir-me daqueles que me eram mais próximos e parti em escolta para Có. Porém, antes de partir, vim a confirmar as minhas suspeitas que uma das razões porque tive que ser transferido se deve ao Médico que comigo se encontrava no Pelundo ter receio de alguma emboscada que sofresse sempre que tivesse que ir a Có dar consultas. Não me senti nada orgulhoso por este grau de confiança já que estava a pouco mais de cinco meses do fim da Comissão, e portanto, do regresso definitivo a casa.
Fiz as minhas despedidas dos Maqueiros e Cabo Enfermeiro que tinha a meu cargo, do Médico e de alguns amigos da população, mas de forma muito especial, de quem tinha o cuidado de zelar pela minha roupa.

Cheguei a Có e, surpresa minha, tinha já à minha espera uma jovem para tomar conta da minha roupa que tivesse necessidade de ser lavada. Perguntei-lhe porquê ela? Respondeu-me que tinha recebido ordens da sua amiga do Pelundo para ser ela e não uma outra pessoa a tomar conta da minha roupa a lavar. Fiquei sem fala. Não mais fiz perguntas e pensei para mim o quanto se preocupava comigo a jovem do Pelundo.
De seguida fui-me apresentar ao Capitão da Companhia, que já conhecia, mas apenas de vista, pois só tinha falado uma ou duas vezes com ele no Pelundo. O Capitão Miliciano Rodrigues era natural de Macau. Excelente pessoa que já não vive. Voltei a encontrar-me com ele anos mais tarde em Lisboa, na zona do Marquês do Pombal. Fomos beber café algumas vezes.

As apresentações continuaram de seguida, primeiro aos Sargentos (Primeiro e Segundo) e depois aos Cabos Enfermeiros que no momento lá se encontravam. De seguida fui conhecer os meus aposentos que ficavam junto ao Posto Médico e dar uma espreitadela a este.
Fiquei parvo com o que me era dado a observar. Era uma bagunça total. Além da desordem observada, toda a gente entrava e mexia a seu belo prazer e, numa das paredes laterais, por cima de um banco corrido que servia para se sentar quem lá fosse para consulta, qual escola, fotografias do Presidente da República e do Ministro do Ultramar na altura.
Chamei os Cabos Enfermeiros presentes nesse momento no Quartel para lhes comunicar que a partir daquele instante só eu autorizava as entradas ao Posto Médico.

Depois de uma pequena conversa com os Cabos Enfermeiros, dirigi-me ao gabinete do Primeiro-sargento (Gabinete da companhia onde eram tratados todos os assuntos com papeis) para o informar que não queria fotografias ou outros quadros no Posto Médico que não fossem alusivos à saúde e portanto, que enviasse alguém para retirar de lá tudo o que fosse estranho à saúde. Acrescentei que o lugar daquelas molduras seria na Escola como era natural na altura.
Reagiu mal. As ameaças começaram de seguida dizendo que não seriam retirados os quadros de lá. Respondi-lhe com um ultimato. Ou o Primeiro os retira ou enviava alguém para o fazer. Já os tirei da parede e foram colocados em cima do banco corrido, ou então, eu não vejo outra solução, que não seja colocá-los no bidão do lixo. Olhou para mim de feições iradas dizendo para que eu pensasse bem nas palavras que tinha acabado de proferir. Calmamente respondi-lhe que não me assustava. Leve o assunto para a política que não lhe tenho medo. Voltei-lhe a reafirmar que no Posto Médico eu só aceitava propaganda de saúde. Leve-os para a Escola, voltei a dizer-lhe. Arranjei mais um inimigo. Até ao último dia em que nesta Companhia permaneci, não mais nos demos bem e não mais lhe falei até aos dias de hoje.

Para agravar mais o nosso relacionamento e dado a aproximação do fim da Comissão, recusei-me a assinar um termo de responsabilidade de tudo o que se relacionava com material sanitário sem que fosse feito um inventário ao mesmo. Mais zangado ele ficou comigo. Com isto, o Segundo Sargente esteve até ao último dia que lá permaneci a trabalhar para mim elaborando autos de consumo ou extravio de materiais.

Um outro caso muito estranho lá fui encontrar nesta Companhia. Um dos quatro Cabos Enfermeiros não fazia mais nada que não fosse comer e dormir. Achei muito estranho este ter tirado o Curso de Cabo Enfermeiro e já se terem passados dezassete meses de Comissão e, vir a saber, que esta criatura nada fazia porque dizia não ter coragem para ver sangue e para dar qualquer injeção. Resumindo, este lorde diariamente castigava os outros três Cabos Enfermeiros com uma sobre carga de trabalho.
Fui primeiro ter uma conversa com o Capitão da Companhia acerca deste caso. Pedi-lhe que me fornecer dados sobre aquela situação.
Respondeu-me que nenhum militar confiava nele e, como tal, só os outros três acompanhavam as patrulhas e atendiam todas as necessidades do Posto Médico.

Este espertalhão natural de Almada passou até então meses gozando com o pessoal. Como foi possível darem-lhe o posto de Cabo Enfermeiro? Interroguei-me eu! Vou ter aqui mais uma dor de cabeça, mas não irá terminar a Comissão sem que vá nem que seja uma única vez numa patrulha para o mato, meditei de seguida.
Falando com o Capitão, acertei com ele os detalhes. Disse-lhe que a partir daquele dia eu iria verificar os conhecimentos de saúde daquele Cabo.

Pedi ao Cabo Enfermeiro para arranjar uma almofada velha para treinar à minha frente como espetar uma agulha. Recuou uns passos e foi dizendo que não ia resultar dado que muitas vezes tinha tentado e não conseguia sequer olhar para a agulha. Reafirmei-lhe que era uma ordem minha que teria de cumprir. Assim aconteceu, mas tentando sempre fazer batota.
Como o inventário que eu juntamente com o Segundo Sargento estávamos a realizar a todo o material sanitário, este trabalho ocupava-me muito tempo. Deste modo nem sempre era possível pôr o Cabo treinar a dar injeções como também fazer um penso.

Andava eu naquela azáfama, quando num dia, ao começo da tarde e encontrando-me a descansar um pouco no meu quarto, eis que surge o Cabo Enfermeiro Carlos Gomes muito aflito dizendo-me que se encontrava no Posto Médico um jovem com parte da rótula do joelho em mau estado e sangrando bastante.
Reagi logo e pedi-lhe para colocar o jovem em cima da maca, e esta em cima duma mesa que lá se encontrava. Também que fosse preparando o material como pinças, tesouras, estilete e tudo mais necessário para fechar o golpe, bem como, desinfetar e isolar o local do referido joelho para eu o tratar.

Vesti-me e passando água pelos olhos, lá me dirigi ao meu posto de trabalho.
Espanto meu quando o vi com os dedos segurando num pouco de algodão embebido em mercúrio ou cromo e, passando a medo em volta do golpe, mas com o rosto virado para as suas costas como tivesse nojo do que tinha na sua frente. Passei-me, e, com o meu braço esquerdo, segurei-o pelo pescoço encostando-lhe a cara ao joelho ferido do jovem, ao mesmo tempo que gritando com ele lhe dirigi palavras amargas. Nunca pensei ir encontrar tamanho malandro e matreiro com o posto de Cabo Enfermeiro.

Embora eu tivesse naquele momento os nervos à flor da pele, olhei para o jovem ferido que gemia de dores e dediquei-me sem demoras tratando-o.
Comecei por isolar devidamente a zona do joelho a tratar, mas sempre dizendo ao Cabo Enfermeiro para não deixar de olhar para as minhas mãos e para o golpe. Abri um buraco numa compressa para que a linha de sutura apenas tocasse em zona desinfetada. Lentamente fui retirando, com o auxílio de uma sonda, pequenos pedacitos de ossos da rótula e comecei a fechar-lhe o golpe sem que antes lhe tivesse aplicado anestesia local. Acabei de fazer a sutura, ensinei o Cabo a desinfetar de novo toda a zona, e a proteger devidamente o joelho do jovem com compressas e respetiva ligadura. Transpirei não só pelo calor que aquela hora se fazia sentir como também pela zanga que aquele traste me provocou.

Continuei a dar-lhe ensinamentos e, certo dia, combinei com um Alferes o levar numa das patrulhas que habitualmente fazia. Ficou receoso da responsabilidade que ele iria ter para com os seus homens no caso de poderem ser atacados pelo PAIGC.
Disse-lhe que estivesse tranquilo que ele iria dar conta do recado. Confesso que eu próprio continuava a não ter total confiança naquele traste. Foi ao mato e tudo correu bem para alívio do Capitão, do Alferes e meu. Deste modo deixou de gozar com o pagode. A partir daquele dia passou a dar injeções, mas só a pessoas da população já que os soldados continuavam a não confiar nele.

Vinte anos depois e no primeiro encontro de convívio do Batalhão, este cavalheiro fez queixas à mais tarde minha mulher dum tabefe que lhe tinha dado na Guiné. Disse-lhe que explicasse à minha mulher o acontecido e todos os porquês. Calou-se.

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série 26 de Maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23295: "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra" (António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro) Parte VII

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23295: "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra" (António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro) Parte VII

1. Continuação da publicação do texto de memórias "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra", de António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (BissauBuba e Pelundo, 1969/71)


A MINHA PASSAGEM PELA GUINÉ-BISSAU EM TEMPO DE GUERRA

António Sebastião Figuinha
Ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
CCS/BCAÇ 2884
1969/1970/1971
Parte VII

O primeiro caso prende-se com mal-entendido entre mim e um dos meus Maqueiros, que encontrando-se adoentado, dei-lhe dispensa de trabalho durante uns dias. Porém, não cumpriria as regras determinadas para ter direito à despensa de trabalho, que era ficar em repouso e não andar fora no espaço do Quartel apanhar sol. 

Como o encontrei ao Sol e a dar instruções a outros Soldados que naquela altura cavavam uma vala e torno do Quartel e na parte interna deste, como de um capataz se tratasse,  disse-lhe que lhe iria retirar a dispensa já que, se estava bom para se armar em capataz, também já se encontrava com saúde para trabalhar no posto Médico. Amuou e, baixando a cabeça, retirou-se, acompanhando-me até ao nosso local de trabalho.

Chegou a noite e como me era habitual sempre que não me escapava para o bailarico, ia para o Posto Médico escrever para os meus familiares e namorada que tinha na altura. Devo já acrescentar que este Maqueiro dormia permanentemente neste local, devidamente autorizado. A certa altura da noite e, estando eu tranquilamente sentado à secretária escrevendo, reparo que ele se dirige para a porta de entrada e saída e a fecha. 

Achei estranho e, de repente, apanha a G3 que tinha distribuída, dirigindo-se para mim e, colocando-se em frente da secretária onde me encontrava sentado a escrever, qual não é o meu espanto, aponta-me aquela arma à minha cabeça, ao mesmo tempo dizendo-me que eu não gostava dele, que lhe queria estragar a vida e mais outras baboseiras. 

Como tremia demasiado com a arma apontada para mim apontada, eu encontrando-me com as minhas pernas impedidas de me poder levantar rapidamente, só via como hipótese de defesa usando a psicologia das palavras e, em último caso, usando a rapidez de um dos meus braços desviando e, ao mesmo tempo segurando, o cano da arma. Como poucos anos atrás tive aulas de judo, todas estas emoções passaram pela minha cabeça rapidamente. 

Felizmente que as minhas palavras surtiram efeito naquela cabeça tonta que, baixando a arma retirou-se para a sua cama chorando e, ao mesmo tempo dizendo, que tinha desgraçado a sua vida. Levantei-me da secretária com o meu corpo todo elétrico, não lhe dirigindo qualquer palavra. Abri a porta e saí para o exterior, respirando fundo e começando a pensar na atitude a tomar no dia seguinte com aquele esmiolado soldado.

Pouco ou quase nada dormi naquela noite. O caso não era para menos dada a sua gravidade. Ou participava o acontecimento aos órgãos superiores e ele iria a tribunal de guerra ou lhe teria que dar uma lição verbal reunindo todos aqueles que trabalhavam sobre as minhas ordens, contando o sucedido para ele se sentir envergonhado. Assim, ainda muito cansado física e moralmente, logo pela manhã e antes de começarmos o atendimento, tanto a consultas como a outros tratamentos de saúde, reuni todo o grupo e fechei a porta da entrada do Posto Médico.

O Anacleto, assim se chamava e penso que ainda se chama porque creio ainda se encontra vivo, mantinha-se enroscado na sua cama chorando. O meu pessoal olhava para todos os lados não percebendo do motivo da reunião e da porta fechada ao exterior. Coloquei-me em frente da secretária e, bem alto, perguntei a todos se algum deles tinhas razões de queixa sobre a minha forma de me relacionar com eles no trabalho e fora deste. Em coro repetiram que não e, o porquê da minha pergunta? 

Então, serenamente, lhes contei todo o sucedido da noite anterior naquele espaço. Revoltados, atiraram-se ao Anacleto chamando-lhe tudo e mais alguma coisa. Este, continuando num pranto, pedia perdão sobre o seu ato. Todos foram dizendo que ele não era merecedor do meu perdão. Desmobilizei-os dizendo-lhes que iria pensar na minha atitude a tomar para com o Anacleto. Resolvi não o enviar para a prisão perdoando-lhe. 

Até há três anos, data do último encontro de todo o nosso Batalhão, a última vez que o vi, me procura dar os maiores elogios e palavras carinhosas. Não estou arrependido de lhe ter perdoado. Fiquei triste sim, nos últimos dias de permanência no Pelundo, quando li em ordem de serviço um louvor dado pelo Comandante ao Anacleto. Apenas e só isto me deixou por momentos triste.

Outro caso um pouco semelhante aconteceu com o Furriel Miliciano e Vagomestre Martins.

O Martins, vinte anos após o nosso regresso da Guiné, aquando o nosso primeiro encontro vinte anos depois, ficou sendo um dos meus melhores amigos, enaltecendo para todos os outros as minhas qualidades como homem e como Enfermeiro que tinha sido para todos no Batalhão e não só.

Como no começo desta descrição narrativa da minha passagem pela Guiné em tempos de guerra, fora o pessoal de saúde que me acompanhava e que comecei a conhecê-los no navio Niassa, o Martins foi dos Furriéis Milicianos que primeiramente comecei a conhecer porque ficamos ambos a dormir no Quartel Seiscentos em Bissau juntamente com mais outros dois (um Segundo Sargento e um Furriel Miliciano que se identificou como meu colega de profissão) no mesmo quarto.

Cedo verifiquei quão jogador e ambicioso era este Vagomestre. Com frequência se gabava dos negócios que fazia e que lhe deixavam margens de lucros para ele, principalmente, na aquisição de frutas para as nossas refeições. Já no Pelundo, passados vários meses da nossa estadia nesta povoação, os Soldados traziam-me queixas sobre a qualidade e quantidade da alimentação que o Martins lhes fornecia. O meu Maqueiro Anacleto diariamente me fazia queixas sobre a alimentação no Quartel. Também já tinham passados uns meses depois do caso que tive com ele, atrás descrito, tendo-se tornado um colaborador nato disposto a fazer tudo o que lhe pedisse.

Por esta altura, o Vagomestre Martins adoeceu com paludismo. Muito febril e queixoso, entrou tremendo como varas verdes porta dentro do Posto Médico dizendo: 
- Figuinha tenho medo de vir a morrer. Ó minha mãezinha que já não te volto a ver! 

Pedi para lhe verificarem a temperatura ao mesmo tempo que lhe ia dizendo que de tão patife que ele era para a barriga dos Soldados, não seria desta que morreria. Perguntei aos outros Maqueiros e a um outro Soldado que lá se encontrava se era verdade o que à boca cheia se dizia no Quartel que o Vagomestre estava a roubar à barriga dos Soldados. Em coro foram dizendo que sim, embora o Martins fosse dizendo que era mentira, gemendo e tremendo devido ao seu estado febril.

Mandei sair o estranho ao Serviço de Saúde e mandei preparar uma injeção para lhe ser aplicada. Ao mesmo tempo disse ao Anacleto que fizesse o tratamento ao Furriel de acordo com a maneira como ele os alimentava. O Martins rogava para ser eu a dar-lhe a injeção ao que eu me recusei. Dei então ordem para lhe espetarem a agulha numa das nádegas e que aguentassem a introdução do líquido para o curar que se encontrava já na seringa para injetar na sua nádega, até quando eu o ordenasse. 

Entretanto fui dizendo ao Martins que estava merecendo aquela forma de ser tratado para que nunca mais voltasse a alimentar mal os nossos Soldados. O Martins sofrendo esta humilhação, começou logo a ameaçar-me de morte, caso ele não viesse a morrer primeiro do paludismo que naquele momento sofria. Não lhe dei resposta e, passados mais de dez minutos de ter a agulha espetada na nádega, ordenei que acabassem com o tratamento e passei-lhe dispensa de trabalho durante seis dias. Praguejando lá foi lentamente para a cama que se situava no mesmo abrigo onde eu também dormia.

Sempre que eu entrava no abrigo para descansar,  ele me fazia ameaças mas sem dizer das razões perante os outros Furriéis que lá dormiam. Gozavam era com ele por estar sempre com queixinhas.

Logo que lhe passou o estado febril, ia eu depois do almoço tentar descansar um pouco no nosso abrigo quando me aproximei da entrada deste que, tal como os outros abrigos não possuía porta de entrada, o Martins barrou-me a entrada, ao mesmo tempo apontando o cano da G3 ao meu peito. Enfrentei-o olhos nos olhos, ao mesmo tempo lhe ia dizendo que de tão cobarde que ele era, não teria coragem para me dar um tiro. Desviou-se e eu entrei para descansar um pouco na minha cama.

O Martins tal com a maioria dos Furriéis Milicianos do Batalhão, raramente saíam do arame farpado a não ser em serviço. À noite, então nem pensar. Preferiam ficar a jogar às cartas e a beber cerveja. Tudo faziam para não se misturar com a população. Dado eu ter um comportamento diferente, à surdina chamavam-me – Preto Branco! 

Estes nunca viram com bons olhos a minha maneira de proceder, mas que, talvez sem o pensarem, os ajudei a sobreviver durante aquele tempo. Muitos anos passados alguém bem alto disse a alguns deles que, de certo modo, saíram vivos do Pelundo devido à minha atuação junto da população.

Em 209 ou 2010, num dos nossos convívios, neste caso na Cidade da Guarda, o Martins convidou-me para lhe fazer companhia mais à esposa, ao jantar num dos restaurantes da Cidade que ele bem conhecia. Enquanto esperávamos pela refeição, resolveu contar à esposa, em modo de queixa, o que eu lhe havia feito na Guiné. Ela, incrédula, olhou para mim, perguntando-me se tinha sido verdade. Respondi-lhe que sim, mas que o marido lhe contasse das razões porque assim procedi. Voltou a negar aquelas razões, mas a esposa logo se calou acabando assim o tema. 

Nunca mais se falou do assunto, transmitindo-me sim uma grande amizade. Dei-lhe uma grande lição. Acrescento que por natureza, e porque um irmão meu em 1960 como Soldado veio para esta terra, me havia contado das privações alimentares e não só, que por cá tiveram. Não consegui durante toda a minha comissão aceitar e calar qualquer mau trato injustificado que este ou aquele Soldado sofresse.

Acontecia também que Soldados, com maus hábitos de jogo da batota, escreviam para a família dando notícias falsas com o objetivo de, com a lamúria, receberem pelo correio compensações para colmatarem o perdido no jogo. Tivemos pelo menos um caso destes na CCS. Tratou-se de um Soldado Condutor da região do Porto, já casado e muito sabido. Este era também vocalista do conjunto musical existente no Batalhão.

Pelo que me foi dado saber, por várias vezes perdia no jogo grande parte do vencimento, mal o acabava de receber. Escrevia então para a mãe e para a esposa pedindo-lhes dinheiro. Num dos casos, esqueceu-se de fechar o aerograma ficando este aberto em cima da sua cama. Um colega seu deitou-lhe os olhos e ficou perplexo com o conteúdo do texto. Nele relatava que se alimentava muito mal porque, além da comida ser escassa, era de má qualidade e, como tal, tinha que gastar o dinheiro do vencimento no bar para se alimentar melhor. Que quase todos os dias o Quartel era atacado, e que, mesmo naquele momento, teve que se ir refugiar numa vala com as balas a passarem-lhe por cima da cabeça! Esta descoberta deu azo a um gozo enorme que os colegas lhe fizeram, mas que pouco se importou. Era um Soldado com muita lábia!

Tive também um caso com ele relacionado com a saúde que por ser muito ridículo não o relatarei.

Enquanto estive fisicamente no Pelundo, só por uma vez e numa noite que estive de serviço ao Quartel, houve uma troca de tiros durante cerca de pouco mais de trinta minutos. Seriam cerca das dez horas da noite quando eu, encontrando-me no Posto Médico, comecei a ouvir troca de tiros. Como estava de Sargento de dia ao Quartel, procurei logo saber o que se estava a passar.

Apenas tinham passado poucos minutos, quando vejo chegar pela rua e estrada principal os militares que nessa noite tinham ido para o baile. De entre eles, o Médico que, dado ser de corpo gorducho, chegou deitando os bofes pela boca, juntamente com dois dos Maqueiros da minha equipa. Eu só não me encontrei nesta situação porque como já descrevi, encontrava-me de serviço e adoentado.

No Quartel apagaram-se as luzes interiores restando os holofotes dirigidos para fora do arame farpado. Passados poucos minutos tudo acalmou. Saiu logo um pelotão da Companhia Operacional para se inteirar dos acontecimentos mas, passadas cerca de duas horas, chegaram sem contactos com o inimigo. 

Soube no dia seguinte, que perto dali tinha passado gente graúda do PAIGC, então enviaram uns poucos para junto da Aldeia dar uns tiros para ocupar a tropa no Quartel, já que era hábito, a Companhia Operacional ir diariamente patrulhar a zona perto da povoação. Nada encontraram de anormal.

Na estrada que ligava Teixeira Pinto (hoje Canchungo) passando pelo Pelundo e Có, até ao cais de João Landim, no Rio Mansoa, muitas emboscadas foram feitas pelo inimigo. Recordo que os primeiros feridos de guerra que vi e tratei, foram paraquedistas emboscados na chamada “curva do Dimple”, como era por mim conhecida nesta estrada. Outras companhias aí sofreram emboscadas. Devo referir aqui que, do meu Batalhão e durante toda a comissão, e desde que eu estive por aquelas bandas, nenhuma escolta nossa foi emboscada. Eu, por diversas vezes, fiz aquele percurso sem que tivesse contactos com o inimigo. Por norma não levava qualquer arma comigo.

Todo este percurso até ao Rio Mansoa era de terra batida na altura que eu fui para o Pelundo. O nosso pelotão de Sapadores, diariamente inspecionava aquela via. Porém, pouco tempo depois, toda ela foi alcatroada e as suas margens com mato cortado até uma distância que dificultasse ao inimigo emboscadas próximas do alcatrão.

Em Bissau e na Direção de Saúde, interrogavam-se admirados por as nossas escoltas não sofrerem emboscadas. Eu meio a sério ou brincando um pouco, dizia-lhes que por certo se devia ao modo como viam os seus familiares serem bem tratados por mim. Certo é que o meu colega de profissão civil e chefe da Granja Agrícola de Teixeira Pinto, familiar ainda de Amílcar Cabral, procurava sempre ir tratar de assuntos a Bissau quando eu também lhe fazia chegar informação do dia que eu pensava ir. Muitas vezes lhe perguntei da razão da sua escolha sendo ele natural da Guiné, trabalhador e chefe duma Granja local e, ainda por demais, familiar do Chefe da Guerrilha. Sempre teve resposta pronta. As balas não escolhem quando são disparadas e sei que a escolta onde tu vais não será atacada. Felizmente assim aconteceu durante todas as viagens que tive que fazer durante a comissão.

(Continua)

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Nota do editor

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