Guiné-Bissau > Borassus aethiopum, conhecida vulgarmente por cibe, é uma palmeira de grande importância na construção civil: do seu espique se extraem as rachas de cibe, vigas para a construção das moranças
Fonte: Maria Adélia Diniz - Gestão tradicional dos recursos naturais da Guiné-Bissau. Atas do Colóquio Internacional Cabo Verde e Guiné-Bissau: percursos do saber e da ciência. Lisboa, 21-23 de junho de 2012. (Com a devida vénia...)
Guiné > Região de Tombali > Gadamael - Porto > 1968 > A construção de uma casa, que em vez de vigas de cimento leva "rachas de cibe"... Foto do álbum do cor art ref António J. Pereira da Costa (na sua opinião, este, em Gadamael, em 1968, terá sido o primeiro reordenamento do CTIG, alojando população deslocada de Sangonhá e Cacoca.
Foto (e legenda) : © António José Pereira da Costa (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]
O dr. Cherno Baldé (Bissau), nosso colaborador permanente, com o pelouro das questões etno-linguísticas |
1. Comentário de Cherno Baldé (Bissau), ao poste P25336 (*)
É preciso esclarecer que para a estrutura das coberturas utilizavam-se, e ainda se utilizam, tanto rachas de cibes propriamente ditos (uma espécie muito resistente e diferente da palmeira vulgar das bolanhas da Guiné e que só se encontravam nas zonas costeiras) e rachas de palmeiras vulgares que, também, são boas quando bem maduras.
Acho que em algumas zonas, caso do nordeste, exceptuando os zincos, cimento e pregos que eram importados e saíam de Bissau, os restantes materiais utilizados eram locais e como não tinham cibes utilizavam-se as rachas das palmeiras locais que eram de qualidade inferior, mas também serviam para o efeito, permitindo uma economia de recursos raros.
A grande diferença é que os cibes maduros eram duros como o ferro e quase "eternos" porque não tinham medo da chuva e dos omnipresentes e teimosos baga-bagas vermelhos que são os grandes "destruidores" e regeneradores da natureza nos solos das regiões tropicais.
Encontrei em muitas localidades estas casas feitas nos anos 70 que ainda resistem ao desgaste do tempo e que, para os padrões de hoje, parecem muito pequenas e baixinhas, mas que ainda continuam a prestar bom serviço.
Em alguns casos os zincos originais que eram de melhor qualidade, já tinham sido trocados, mas muitos ainda continuam a fazer o serviço mesmo estando velhinhos e cobertos de ferrugem.
Pelos meus cálculos, uma casa de 4 quartos (4 x 4), como era a maioria na altura, podia precisar, em média, entre 60 a 80 rachas de palmeiras ou de cibes, supondo que a asna e as ripas são feitas de barrotes e tábuas de madeira.
Hoje em dia, a estrutura da cobertura completa é feita de cibes e precisa entre 100 a 150 rachas de cibes, mínimo.
Cherno Baldé
Pelos meus cálculos, uma casa de 4 quartos (4 x 4), como era a maioria na altura, podia precisar, em média, entre 60 a 80 rachas de palmeiras ou de cibes, supondo que a asna e as ripas são feitas de barrotes e tábuas de madeira.
Hoje em dia, a estrutura da cobertura completa é feita de cibes e precisa entre 100 a 150 rachas de cibes, mínimo.
Cherno Baldé
2. Comentário do editor LG:
Obrigado, Cherno, pelas tuas "achegas" a este assunto dos reordenamentos (**), e em especial sobre as rachas de palmeira que eram (e continuam a ser) utilizadas na construção de casas.
Eu apontaria então para um abate, não de 180 mil palmeiras, mas de um terço (c. 60 mil). Um tronco de palmeira tinha que dar, não 4 rachas de cibe, mas pelo menos 12 ou até 16 (ou até mais), dependendo da altura e do diâmetro. Mesmo assim foram muitas palmeiras...
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 4 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25336: A nossa guerra em números (25): Reordenamentos populacionais: materiais (das rachas de cibe às chapas de zinco) e custos
A forma típica de Borassus aethiopum é uma palmeira solitária de 25 metros de altura e 1 metro de diâmetro na base.
Nos fundos dos rios (planícies aluviais), em muitos dos rios da África Oriental (o Rufiji na Tanzânia e o Tana no Quénia, entre outros), uma forma intimamente relacionada pode ter até 2,1 metros de espessura a cerca de 1,2 metros acima do solo, e a mesma espessura na ventricosidade superior.
Esta palmeira Pode chegar a ter 30 metros de altura.
As folhas em forma de leque têm 3 metros de largura (as maiores, até 3,7 metros). com pecíolos de 2 metros de comprimento. As pontas estão guarnecidas com espinhos.
Nas plantas masculinas, as flores pequenas ficam em grande parte escondidas nos amentilhos escamosos; as flores femininas, muito maiores. atingem 2 centímetros de largura e produzem frutos de cor amarelo e castanha. Cada fruta contém de 1 a 3 sementes, cada uma encerrada num endocarpo lenhoso. A variedade que cresce nas zonas aluviais é quase certamente a mais imponente de todas as palmeiras, comparável à Jubaea chilensis, a palmeira vinífera chilena.
(...) A árvore tem muitos usos: os frutos são comestíveis, assim como as tenras raízes produzidas pela planta jovem; fibras podem ser obtidas das folhas; e a madeira (que tem fama de ser à prova de térmitas) é usada na construção.
(Adapt. de íNaturalist, e Wikipedia, com a devida vénia)
2 comentários:
Este tema das rachas dos cibes, usados nas estruturas das coberturas das casas nos reordenamentos na Guiné, mas também no geral, na cobertura das casas das aldeias, vilas e cidades, traz-me à memória um episódio que vivi na Guiné, em fevereiro de 1973, que me ficou gravado bem fundo.
Estaria na 2ª ou 3ª semana de Teixeira Pinto (muito periquito). Recebi ordens para fazer a escolta ao soldado (ou cabo) da Engenharia, adido no BCAÇ3863 em T.Pinto, que iria, com pessoal civil, recolher uma carrada de rachas de cibes, nas matas que se situavam entre o Pelundo e Jolmete.
No dia seguinte, saímos logo pela manhã com 2 secções a escoltar a viatura de transporte, creio que uma Mercedes, onde iam os carregadores e o responsável da Engenharia. Eu ia num Unimog com uma secção e um furriel (já velhinho) num outro.
Do Comando, nada me disseram do local onde iríamos fazer a escolta, mas quando nos preparávamos para iniciar a marcha, fui informados por um ou mais soldados, os mais próximos, o que tinha acontecido nessa picada, entre o Pelundo e Jolmete, em 1970: o assassínio pela guerrilha do PAIGC, de três Majores, um Alferes e os seus três acompanhantes nativos. Fizeram-me a descrição como sabiam, que eu ignorava completamente. Inicialmente passou-me pela cabeça que o que estavam a dizer era só para assustarem o alferes periquito que os comandava. Depois, tomei consciência de que tinha sido verdade e que o local para onde íamos comportava alguns riscos.
Chegados ao local sem incidentes, montámos um cordão de segurança ao redor da área onde era feito o carregamento dos cibes. Eu (periquito e receoso) orientei uma secção como me pareceu melhor e o Furriel (velhinho) orientou a outra.
Terminado o carregamento, preparámos o regresso. O Unimog onde eu ia, seguia à frente, a seguir a viatura de carga e na retaguarda a outra secção. Tudo tinha corrido bem e isso tranquilizava-me.
No regresso, já com o sol a castigar forte, ao aproximar-mo-nos do Pelundo, os soldados mais próximos, sugerem-me que parasse-mos no quartel do Pelundo, para matarmos a sede com umas cervejas frescas. Cedi à sugestão e aí chegados, foi deixar as viaturas e ir direito ao bar do soldado, um balcão que dava para o exterior.
Quanto todos estavam reunidos em frente a esse balcão, verifico que o Furriel e um outro soldado, não estavam presentes. Senti um calafrio. terei ruborizado que nem um tomate maduro. O que teria acontecido para não terem vindo? Senti o peso da responsabilidade por não ter verificado se estavam todos presentes antes de iniciarmos a marcha de regresso. Vários cenários me passaram pela cabeça. A decisão foi voltarmos ao local onde tinha-mos estado na esperança de que os encontraríamos.
E assim aconteceu: bastante antes de chegar ao local onde tinha-mos estado, lá vinham eles a pé pela picada, com a G3 nas mãos. (ou à bandoleira, ou ao ombro)
Não sei (não me lembro) se alguma vez disseram porque não tomaram o transporte no regresso. Também não compreendo como o condutor do Unimog e os outros soldados dessa secção não deram pela sua falta.
Como isto não é uma estória de ficção, só concluo, que naquela guerra havia muita balda e falta de rigor no cumprimento das missões. Por isso às vezes aconteciam azares graves que não deviam acontecer.
Serviu-me de lição este episódio e durante o resto do tempo que passei em T.Pinto, em missões de escoltas e patrulhamentos, passei a ser mais cuidadoso, evitando quanto possível as baldas e seguindo os ensinamentos que tinha recebido na instrução: "suor gasto na instrução e na disciplina, é sangue poupado no combate".
E a minha coroa de glória, é que daqueles que me acompanharam, não perdi nenhum.
Abraços
JLFernandes
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