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segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26088: Notas de leitura (1738): Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
Foi uma agradável surpresa ter encontrado esta iniciativa de apresentação aos alunos do 3.º ciclo, isto em 1997 e 1998, de uma apresentação de escritores africanos lusófonos, a escolha que recaiu para a Guiné-Bissau foi a de o primeiro romance de Abdulai Silá e uma novela de Fausto Duarte, que obteve em 1934 o primeiro prémio de literatura colonial, e os elogios do escritor Aquilino Ribeiro. Tudo leva a querer que a iniciativa não teve continuidade e, entretanto, desapareceu a comissão nacional dos Descobrimentos portugueses.

Um abraço do
Mário


Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas

Mário Beja Santos

Nos anos 1990, o Ministério de Educação criara um grupo de trabalho para as comemorações dos Descobrimentos portugueses. A coordenação científica coubera a Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas, os autores eram Ana Maria Matos e Maria Ofélia Medeiros. Foram concebidos materiais dentro de uma linha editorial que procurou garantir uma prática docente multidisciplinar, sobretudo no ensino básico, como continuidade de um encontro de culturas que a história marcou e de que as literaturas em língua portuguesa são repositórios férteis. Adquiri o material destinado ao 3.º ciclo sobre as novas literaturas africanas. Primeiro Angola, com outros escritores Pepetela e José Luandino Vieira; depois, Cabo Verde com os escritores Teixeira de Sousa e Germano de Almeida; segue-se a Guiné-Bissau com Abdulai Silá e Fausto Duarte; quanto a Moçambique, a escolha recai em Mia Couto e Calane da Silva; por último, São Tomé e Príncipe com Albertino Bragança.

Há primeiro um texto extraído da obra de Abdulai Silá, Eterna Paixão, uma obra literária de indesmentível valor, seguem-se alguns extratos de Dúvida absoluta:
“Subitamente, sem ter reduzido a velocidade, encetou uma série de movimentos com ambos os braços, torcendo o volante do carro sem piedade. Deixou a estrada principal e meteu-se na estrada secundária que nascia logo ali, sem se anunciar.
Dando prova de grande perícia e habilidade, conseguiu manter o veículo sob controle, conduzindo-o no centro da estrada estreita, recentemente alcatroada.
(…) Depois de ter fechado a porta do carro, começou a caminhar em passos lentos, em direção à vivenda. Era alto e aparentava andar na casa dos 35 anos. Vestia um fato castanho elegante, com uma gravata preta com riscas oblíquas de cores diferentes que ia amarrada a uma camisa toda branca.
Depois de ter carregado mais vezes o botão da campainha, o homem aproximou-se mais da porta da entrada, num gesto de quem espera que ela seja aberta de imediato.
– Ah, é o senhor! – exclamou, algo surpreendida, a mulher que, entretanto, acabara de abrir a porta e se prontificava a tomar do recém-chegado o maço de documentos que este trazia na mão. – Mas voltou hoje muito cedo, ehh!

Mbubi era uma senhora que, apesar do corpo e da idade que aparentava ter, era muito ágil e solícita.
Apesar da sua popularidade, ninguém conhecia ao certo quantos anos é que tinha. A sua idade era avaliada a partir da filha mais velha, uma menina mulata que se dizia ser fruto da incapacidade do primeiro patrão branco de resistir aos encantos da cozinheira negra, cuja compleição física considerava uma flagrante injustiça divina em relação à sua esposa branca.
Estava naquela casa fazia mais de três anos, desde que a mãe da Senhora, a quem servira durante muito tempo, resolvera ir de vez para a Europa.”


O escritor vai tornar Mbubi uma figura pivô da narrativa, pouco sabe deste seu patrão Daniel, há ali alguém ligado ao aparelho do Estado, escutara fortes discussões entre o casal, deduziu que algo de grave tinha acontecido. E o leitor é confrontado com Daniel que percorre a sua sala de visitas examinando as peças. “Recordava-se da avidez que tinha em descobrir e manifestar a sua africanidade, de explorar e valorizar tudo o que a seus olhos se apresentava como genuinamente africano.” Mbubi prepara para o patrão uma refeição, este só quer um chá, e anuncia que vai conversar sobre um assunto com a empregada. Toca o telefone, era a Senhora a anunciar que não iria chegar tão cedo. Somos confrontados com um clima de tensão, chega, entretanto, a mulher de Daniel, Ruth, de quem o autor faz um retrato, segue-se uma curta troca de palavras desta com Mbubi, esta volta aos seus trabalhos, mas houve uma nova discussão entre o casal:
“Vinda provavelmente de trás de si, Mbubi ouviu uma amálgama de vozes ásperas e recordou-se das discussões entre o casal. Discussões que eram cada vez mais frequentes, cada vez mais longas, cada vez mais violentas. Viu, então, a cara de Ruth, carregada de maldade. Aquela mesma maldade que despejara sobre si, negando o combinado, recusando deixá-la ir à sua tabanca de origem, onde esperava encontrar toda aquela gente que tão raramente via, de que tinha muita saudade e com quem precisava tanto confraternizar…
Com a cara de Ruth na memória, Mbubi sentiu subitamente a dúvida absoluta transformar-se em certeza. Uma certeza absoluta.”


Segue-se um comentário destinado ao professor. Uma condução frenética, desenha-se a primeira personagem, apresenta-se Mbubi, esta prepara-se para tratar do patrão branco; introduz-se Ruth, a mulher do patrão, que exerce prepotência sobre Mbubi. “Na sua mente a transposição da figura masculina, do patrão, pela imposição da figura feminina da patroa vai provocar em Mbubi uma certeza absoluta. A casa não voltará a ser a mesma. E adivinha-se que o pano que cai sobre o ecrã do cinema em linguagem fílmica de narrativa aberta.”

Auá, é um romance de Fausto Duarte que recebeu o primeiro prémio da literatura colonial em 1934, centra-se numa jovem que conhecerá a tragédia do amor numa sociedade em que o destino da mulher era um negócio dos pais. O episódio escolhido é uma ida à feira, lá vão duas mulheres levando cabaças na mão a caminho da cidade:
“Bissau era um novo espetáculo para os olhos dessa rapariga habituada ainda à paisagem uniforme do mato e à vida de Sare-Sincham. Contemplava admirada os grandes armazéns, escassamente iluminados, sempre no mesmo estilo de igrejas provisórias, onde trabalhavam dezenas de indígenas, limpando a mancarra, ensacando o coconote para carregar em potentes camiões. Automóveis fugiam velozes, e Auá, receosa de tanto bulício, agarrava-se a Farió, que lhe indicava a melhor forma de caminhar pela rua, que se tornara quase intransitável. Mais adiante, num retângulo murado, vinha um rumor confuso de vozes. Era o mercado, romaria de naturais vindos de todos os recantos. Mulheres mancanhas, de carapinha oleosa, expunham em grandes cabaças produtos de uma indústria doméstica ainda rudimentar.

Ali, acocoradas, Papéis chegadas de Boi, esguias, de lábios pendentes, vendiam grandes bolas de sabão negro e pequenas pirâmides de bananas dispostas sobre o pavimento sujo do mercado. Acolá, um cabo-verdiano, de mangas arregaçadas, retalhava uma perna de porco, enquanto a mulher apregoava torresmos. Djilabês mandingas esperavam, sossegadamente, os compradores de colas guardadas em grandes frascos.
“(…) Auá seguia, curiosamente, o movimento dos carros. Por elas passavam grupos de indígenas descalços, que vestiam pitorescas indumentárias. Bijagós com calções de serapilheira e tronco nu; Papéis de Biombo, com perfis de mulheres de grandes tranças cobertas por lenços de seda, e que seguiam rua fora de mãos dadas; mancanhas que vendiam leite, deixando ver os dentes pontiagudos e grandes seios enrugados.
Auá e Farió, feitas as compras, regressaram a Morcunda.”


Segue-se o comentário, a referência à riqueza vocabular, a viagem a um mercado graças a Auá, a multiplicidade de etnias e línguas e o contraste entre aquele bulício e o silêncio local por onde caminham: “As lojas de panos e os alfaiates maravilham os olhos e provocam o desejo de comprar o que está nas montras. Auá e Farió, voltam ao seu bairro, onde o silêncio, agora, deve ser mais sentido depois do bulício da cidade.” Enunciam-se estratégias a utilizar para o tratamento do texto e comentários e dá-se algum vocabulário para que o leitor saiba o que é uma cabaça, o que é o capim, o chabéu, o coconote, um doloquê (camisa), a mancarra, o poilão, a tintamarre (barulheira.

Uma recordação dos tempos em que estas novas literaturas africanas podiam ser versadas nos bancos das escolas portuguesas.


Abdulai Silá
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Nota do editor

Último post da série de 25 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26077: Notas de leitura (1737): Notícia de um conflito interétnico sangrento na ilha de Bissau, em 1931 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25440: Historiografia da presença portuguesa em África (420): Sim, Bissau teve uma capital de ficção antes de 1941 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Desconhecia inteiramente a existência de Bissau como capital do distrito da Guiné em 1835. Rebusquei em autores da época, como Lopes de Lima, em historiadores como Veríssimo Serrão, nenhuma referência a Bissau capital, ainda por cima no ano seguinte ao fim da guerra civil. Mas os factos documentais comprovam a nomeação. Bastou-me ler a indispensável Memória de Honório Pereira Barreto que diz verdades com punhos, que fala de um governador que não governa, de uma capital reduzida a uma fortaleza sem o mínimo de condições e a um quadro administrativo caótico, e tudo o mais que se recolhe neste artigo, acrescendo que Cacheu não se conformou com a criação da capital em Bissau e viveu-se no enigmático território guineense com dois distritos, o de Bissau e o de Cacheu durante cerca de 10 anos. Esta é a verdade dos factos, tenho que agradecer a Philip Havik a iluminação que trouxe para esta questão que era dada como inexistente.

Um abraço do
Mário



Sim, Bissau teve uma capital de ficção antes de 1941

Mário Beja Santos

Até recentemente, dava como certo e seguro de que a Guiné portuguesa jamais tivera capital até ser desafetada de Cabo Verde, o que ocorreu em 1879. Ao longo dessa década resolvera-se a questão de Bolama, houvera o dramático desastre de Bolor, Lisboa tomou a decisão de dar autonomia a um território que não possuía fronteiras precisas, a Carta Constitucional não referia a Guiné, mas mencionava Cacheu e Bissau, porque havia o sobe e desce de Praças, Presídios e Feitorias. Num livro respeitante aos cadernos de campo do professor Orlando Ribeiro, um dos coordenadores, um investigador com créditos firmados, Philip J. Havik, assumiu que Bissau obtivera o estatuto de capital em 1835. Escrevi para o blogue um artigo “Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941?”, vasculhei em obras da época qualquer referência à capital, nada encontrei até que se me deparou um despacho do Visconde Sá da Bandeira datado de 29 de abril de 1858 referindo Bissau como a capital da Guiné portuguesa e residência do respetivo governador, erguendo a povoação à categoria de vila com a denominação de vila de Bissau.

Estava armada a confusão, e na altura desafiei um conjunto de investigadores a pronunciarem-se sobre a questão. Philip Havik respondeu, e do modo seguinte:
“As reformas feitas na sequência da revolução liberal em Portugal foram decididas de aplicar a reorganização administrativa por decreto de 16 de maio de 1832 à Guiné em 1834, criando uma Prefeitura de Cabo Verde e a Guiné. Por conseguinte, o distrito da Guiné transformou-se numa comarca, ainda dependente de Cabo Verde, com a sua sede em Bissau, governado por um Subprefeito. Isto foi feito através do decreto de 30 de agosto de 1835. Bissau serviu como capital da Guiné até que se tornou uma província independente com um governo autónomo em 1879, com capital em Bolama através da lei de 18 de março de 1879.”

E o investigador recomendava referências na obra de João Barreto, A História da Guiné (1418-1918), Lisboa, 1938, e no artigo de Arnaldo Brasão, A Vida Administrativa da Colónia da Guiné, publicado no Boletim Cultural da Guiné portuguesa, volume II, n.º 7, 1947. Não posso esconder a minha surpresa, eu tinha lido a importante obra de Lopes de Lima, de 1844, e não se mencionava qualquer capital em Bissau. Um artigo publicado por Teixeira da Mota e Fausto Duarte sobre as efemérides da Guiné portuguesa referia a criação da comarca da Guiné, dirigida por um Subprefeito, mas nada se mencionava sobre a capital, uma comarca é só reorganização administrativa, vinha na sequência do ambicioso projeto de Mouzinho da Silveira de alterar em profundidade a administração do território, gerando municípios, comarcas e entidades apropriadas da administração, desde a justiça à atividade aduaneira. Lendo a História de Portugal de Veríssimo Serrão, encontrei a referência à criação do lugar do governador da Guiné, com residência em Bissau.

Impunha-se, pois, apurar a densidade e a operacionalidade desta capital de que desconhecia qualquer referência. Procurei um verdadeiro tira-teimas, Honório Pereira Barreto e a sua Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar, Lisboa, 1843. Lendo este importantíssimo texto, constata-se que o território desta Senegâmbia tinha uma dimensão fluida, a presença portuguesa era submetida a uma permanente hostilidade e os recursos escassíssimos, como Barreto logo abre a sua introdução: “Se nesta província houvesse um Boletim de Governo aonde se estampasse os ofícios e relatórios das diversas autoridades, não me veria obrigado a escrever esta Memória, cuja matéria é tão superior a minhas forças; porque então apareceria em público o verdadeiro estado destas Possessões.” É um discurso sempre franco, duro e doloroso: “Vive-se em Senegâmbia portuguesa sem segurança alguma; a todos os momentos seus habitantes são vexados pelo gentio, fere-se e assassina-se impunemente, e em Lisboa lê-se no Diário do Governo que as Possessões Portuguesa, nesta parte, estão em ordem, e vão florescendo.”

E a sua narrativa não esconde a inexistência de poder político, da vida das instituições, enfim, o caos reina por toda a parte: “Desgraçadamente se pode dizer que nestas Possessões há um governador e comandante; mas que não há governo. O país está inteiramente desorganizado. Todos os empregados, desde o primeiro até ao último, ignoram quais são as suas atribuições, e, por consequência, quais são os seus deveres: só tratam de seus negócios, pois são negociantes. Não há lei administrativa (nem outra) que vigore, e por isso é suprida pela vontade dos governadores. A vontade deles faz a lei; o capricho executa; as paixões julgam; os rogos dos Gentios, dos amigos fazem minorar, e perdoar as penas.”

É facto que falando do concelho de Bissau, Barreto dirá que é composto da Praça de Bissau, capital do governo, do presídio de Geba, do ponto de Fá, da ilha de Bolama e do Ilhéu do Rei. E apresenta Bissau deste modo: “É uma Praça situada na ilha deste nome, e construída segundo o sistema de Vauban; mas não foi acabada. Não tem obras algumas exteriores, à exceção dos fossos já quase entulhados, e aonde se planta algodão, milho e índigo. O quarto da tropa está quase a cair, e por isso a maior parte dos soldados moram em palhosas; o indecente quartel dos oficiais aonde chove como na rua; o arruinado armazém do governo; e a pequena e destelhada capela com invocação de S. José, que é o orago da praça. O governador mora no quartel dos oficiais em uns quartos pequenos e ridículos.” Há, pois, uma capital do distrito da Guiné portuguesa, da Guiné não se conhece bem a configuração e a importância da capital é dada pelo governador que anda a comprar parcelas do território de diferentes régulos, e em todas as direções. É vila, por despacho do Visconde Sá da Bandeira, será cidade em 1914 e terá mesmo o seu primeiro plano de urbanização concebido pelo engenheiro Guedes Quinhones; o governador Vellez Caroço dar-lhe-á em 1923 o seu primeiro foral.

Philip Havik refere João Barreto e Arnaldo Brasão. Para mim, continua a ser um mistério a data de 1835. João Barreto refere que em 1851 o Governador-geral de Cabo Verde, Fortunato José Barreiros, tomara a iniciativa de unificar o governo da Guiné fixando a sua sede na vila de Bissau e escreve que a partir de 1852 deixou de existir o governo autónomo de Cacheu, passando a existir um distrito único com sede em Bissau. Alegou o governador ter tomado esta resolução para dar unidade à ação governativa. Era nomeado interinamente governador da costa da Guiné (já ouvimos falar de Possessões, de Senegâmbia e de Guiné portuguesa…) o Tenente-Coronel Alois Dziezaski com algumas competências do governador-geral. Bissau é capital do Distrito da Guiné portuguesa.

Arnaldo Brasão, no seu artigo, chama a atenção para a Guiné constituída como uma unidade administrativa, em 1834, com atribuições conferidas por legislação de 1835, referindo igualmente o papel do governador, a quem ficavam sujeitos todos os serviços públicos. “Os governos inferiores, presídios, estabelecimentos marítimos ou do interior, formavam governos subalternos que se regulavam pelo que estava determinado para o governo das praças do reino.”

As lutas entre absolutistas e liberais refletiram-se nas colónias, e adianta Arnaldo Brasão: “Cacheu, que fora o primeiro núcleo de colonização e de povoamento não poderia conformar-se com uma situação de subalternidade em relação a Bissau, que passar a ser a capital desde 1835, e por isso solicitou a sua separação que o governo cartista se apressou a satisfazer em março de 1842, passando desde então o território guineense a ser constituído por dois distritos, mas subordinados ainda ao governo de Cabo-Verde. Esta situação durou perto de 10 anos, porque em setembro de 1851 procede-se à unificação administrativa, sendo escolhido novamente Bissau para sede do governo.”

Considero totalmente corretas as observações expendidas pelo investigador Philip J. Havik, em 1835 Bissau tornou-se a capital de distrito de um território com dimensões indefinidas e dentro de um quadro que um lídimo protagonista da época, Honório Pereira Barreto, mostrou que se tratava de uma capital de ficção. Um governador sem governo, uma capital reduzida a uma fortaleza sem o mínimo de comodidades e cercada por populações hostis.

Dou como esclarecida a existência de uma capital de ficção, numa província de ficção, que passou a uma realidade depois do sobressalto de Bolama e com contornes definidos depois de a França nos ter subtraído o Casamansa, as fronteiras ficaram parcialmente definidas em 12 de maio de 1886, o governador da Guiné terá a sua capital em Bolama.


Monumento a Honório Pereira Barreto, em Bissau, em tempos coloniais
O que resta da Bolama dos tempos áureos
Um pormenor da fortaleza de S. José da Amura na atualidade
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25401: Historiografia da presença portuguesa em África (419): Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941? O estado da questão (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25401: Historiografia da presença portuguesa em África (419): Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941? O estado da questão (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
A questão é muito interessante mas não vislumbro documentação que sustente a existência de Bissau como capital da Guiné portuguesa, será efetivamente capital em 1941. A colónia não dispunha de superfície antes da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, como colónia era uma ficção territorial, tinha praças, feitorias e presídios, nunca encontrei qualquer documento que tratasse Bissau como capital. E depois temos toda aquela documentação da segunda metade do século XIX, caso de Travassos Valdez, onde se mostra Bissau como uma praça e uma povoação entregue a degredados, muitas vezes revoltando-se contra o governador e prendendo-o, sujeita a uma permanente hostilidade. Que capital era esta, podem ajudar-me a esclarecer a questão?

Um abraço do
Mário



Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941? O estado da questão

Mário Beja Santos

Tenho como dado assente que a Guiné portuguesa jamais teve capital até 1879. É uma questão de lógica, a região dependia do governador de Cabo Verde e da Guiné, com a monarquia constitucional, a referência à Guiné como território não existe na Constituição, somente se menciona a existência da povoação de Cacheu e da Praça de Guerra de S. José de Bissau. É nisto que ao ler os cadernos de campo do professor Orlando Ribeiro, resultado da sua viagem à Guiné em 1947, que considero documento científico de leitura obrigatória, a edição foi coordenada por Philip J. Havik e Suzanne Daveau, investigadores experimentados, Edições Húmus, 2010, encontro na página 60 a seguinte nota:
“As origens de Bissau remontam ao século XVI, mas somente em 1692 é elevada a capitania. Com a construção da fortaleza no último quartel do século XVIII, Bissau começa a ultrapassar Cacheu – que foi um dos primeiros e principais portos na costa da Guiné – como entreposto comercial. A partir de 1835, Bissau obtém o estatuto de capital (em 1855 é criado o município) até 1879.”

Comecei a pesquisar no Boletim Cultural da Guiné portuguesa, número especial de outubro de 1947, há um título Efemérides da Guiné portuguesa, que tem por autores Teixeira da Mota, Fausto Duarte e outros, e procurei o que tinha acontecido em 1835. Em 30 de agosto é promulgado um decreto pelo Governo de Lisboa criando a Comarca da Guiné, dirigida por um Subprefeito, sujeita à prefeitura de Cabo Verde, nada mais. Consultei depois o n.º 32 da revista Ultramar, 1968, todo ele dedicado à Guiné e onde consta do historiador António Alberto Banha de Andrade um longo artigo intitulado História breve da Guiné portuguesa. O autor menciona a remodelação administrativa de 16 de maio de 1832. Na Guiné passou a haver uma subprefeitura em Bissau, ficando o Subprefeito com funções de intermediário entre a população e o Prefeito, colocando-se em 1834 a sede da administração em Bissau, nesse ano Honório Pereira Barreto foi nomeado provedor de Cacheu, não há qualquer referência a Bissau como capital.

Bom, o melhor era dirigir-me a um alfobre de documentação, a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Comecei por ler a obra Ensaios sobre a statistica das possessões portuguezas, por José Joaquim Lopes de Lima, Lisboa, Imprensa Nacional, 1844. Sendo obra de referência e dedicada à Rainha, seria inevitável aludir a elementos essenciais. Pois o que encontrei no capítulo X, dedicado à Guiné de Cabo Verde, são digressões históricas da nossa presença na região e menção aos estabelecimentos existentes: praça de Cacheu, presídio de Farim, presídio de Ziguinchor, presídio de Bolor, praça de guerra de S. José de Bissau (esta apresentada como reduto quadrangular de boa cantaria, flanqueada por quatro baluartes, dentro da praça havia quartel para o governador), Ilhéu do Rei, Geba, ilha de Bolama e ilha das Galinhas. Estranhíssimo não se falar em capital, havia somente governador em Bissau como responsável da praça, desde finais do século XVIII.

Outra fonte consultada foi a História de Portugal, de Joaquim Veríssimo Serrão, Editorial Verbo, 1986, dois volumes. No volume VIII, referente a 1832-1851, refere o autor: “A reforma de 1832 mantinha a Comarca da Guiné na dependência ultramarina de Cabo Verde, criando uma Subprefeitura em Bissau e uma provedoria em Cacheu. O governador Manuel António Martins tomou medidas de proteção para com a Guiné, fazendo um novo regulamento para a alfândega e criando um hospital militar dirigido por uma comissão a que presidiu Honório Pereira Barreto.” No volume IX, alusivo ao período 1851-1890, observa o historiador: “Uma das primeiras medidas da Regeneração, no tocante à Guiné, foi a de criar um lugar de governador para todas as parcelas da mesma região, o qual ficaria sujeito ao governador-geral de Cabo Verde. Aquele funcionário teria residência em Bissau, cabendo-lhe também visitar a praça de Cacheu duas vezes por ano. O governador tinha igualmente poderes militares.” E depois faz-se uma alusão ao Visconde Sá da Bandeira: “A Sá da Bandeira se deve a elevação de Bissau a vila por considerar que a povoação tinha já um número suficiente de habitantes para dispor de instituições municipais. Justificava-se ainda a medida por ser a capital da Guiné portuguesa e a residência do respetivo governador.” Aonde o Visconde de Sá da Bandeira foi encontrar a capital da Guiné não se sabe, mas que o visconde refere a capital vem no Diário do Governo de 2 de maio de 1858.

A primeira referência a uma capital em documento autenticado com o nome do rei vem no suplemento ao n.º 15 do Boletim Oficial do Governo-Geral da Província de Cabo Verde, de 17 de abril de 1879, que reza o seguinte: “Dom Luíz, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc., fazemos saber a todos os nosso subditos, que as côrtes gerais decretaram e nós queremos a lei seguinte: art.1. – o território da Guiné portuguesa formará uma província independente de outra qualquer província portuguesa, terá a sua séde na ilha de Bolama.”

Isto o que consegui apurar na Biblioteca da Sociedade de Geografia, graças à total disponibilidade da sua bibliotecária. Mantém-se o mistério da data de 1835 para a capital de Bissau que os historiadores daquela época e posteriores jamais mencionam. Os coordenadores do trabalho de Orlando Ribeiro também não invocam a fonte. Chegou a vez de se submeter a questão a historiadores que possam ajudar a desenvencilhar este enigma de Bissau como capital como Bolama. Desconheço a fonte informativa do Visconde Sá da Bandeira, não será de estranhar que ele confunda o governador da Praça de S. José de Bissau como instalado numa capital. Acresce que nós temos relatos como o do governador Carlos Pereira, o primeiro nomeado com a implantação da República, que alude ao completo estado de degradação em que se encontrava a fortaleza e o povoado até ao Pidjiquiti, tudo numa imundície e desmazelo intoleráveis, uma estranhíssima capital permanentemente fustigada pelas hostilidades dos régulos da ilha, o quadro de Bissau estava cercado de muros altos para se proteger de permanentes agressões. Como é que era possível falar-se de Bissau como capital, somente mencionada esta como existente em 1835 e invocada com tal título em 1858, sem nenhum documento comprovativo, e, em completo contradição com o facto de que só perto da sua desvinculação de Cabo Verde nem o estatuto de distrito autónomo tinha.

É a questão que deixamos aos historiadores, oxalá possam clarificar este imbróglio, já que documentos históricos comprovativos de Bissau como capital só temos estas duas referências sem alusão a fontes. Vamos esperar.


Carta hidrográfica da Guiné portuguesa, 1844, anexo da importantíssima obra de Lopes de Lima
Referência de Sá da Bandeira a Bissau como capital da Guiné portuguesa, 1858
Fortaleza de Cacheu, imagem do século XIX
Imagem ao monumento do esforço da raça, havia quem lhe chamasse monumento à Maria da Fonte
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Nota do editor

Último post da série de 10 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25365: Historiografia da presença portuguesa em África (418): O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24436: Historiografia da presença portuguesa em África (374): Antes da literatura da guerra da Guiné, o quê? (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
É com uma certa nostalgia que vou passando os olhos pelos papéis que me restam ainda ler na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, manda a prudência que a seguir ponha ordem no caos que levo de umas boas centenas de páginas que, espero, venham a dar origem ao meu derradeiro livro sobre a Guiné, uma antologia dos textos essenciais desde Zurara até meados do século XX, quando a Guiné passou a estar no mapa como uma colónia administrada por portugueses, tenho já um título: Guiné, o Bilhete de Identidade.
É nestas leituras esparsas que acabo de ler um trabalho sobre a literatura guineense anterior à eclosão da luta armada. Julgo que as considerações deste autor devem ser articuladas com um trabalho da responsabilidade de Leopoldo Amado sobre a literatura guineense no período colonial, este malogrado historiador recorda figuras de significado que abordaram nas suas obras a Guiné, como foi o caso de Fernanda de Castro, Maria Archer ou Manuel Belchior. Acho que não perdemos completamente o tempo em ver a argumentação usada por João Tendeiro quanto à carência de escritores nativos da Guiné.

Um abraço do
Mário



Antes da literatura da guerra da Guiné, o quê?

Mário Beja Santos

Na publicação Estudos Ultramarinos, revista trimestral do então Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, 1959, n.º 3, dedicado à literatura e arte, insere-se um artigo intitulado “Aspetos marginais da literatura na Guiné portuguesa”, é seu autor João Tendeiro. Vejamos os aspetos essenciais do seu escrito. Abre dizendo que: “Somos forçados a reconhecer que não existe uma literatura com características guineenses. A Guiné não nos deu até agora um escritor nativo. No campo da ficção, as poucas obras de fundo têm sido escritas por europeus ou cabo-verdianos”.
E refere nomes como os de Fausto Duarte, o de Alexandre Barbosa, entre outros, refere contos e narrativas publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

Invoca adiante Mário Pinto de Andrade, dizendo que se este quis inserir na sua Antologia de Poesia Negra de Expressão Portuguesa (Paris, 1958) uma produção poética representativa da Guiné, teve de recorrer a um poema de um jovem cabo-verdiano a residir na Guiné, Terêncio Casimiro Anahory Silva. E lembra-nos quem é civilizado, assimilado e nativo, e as respetivas incidências no uso da língua portuguesa. Segundo o censo de 1950, o português era falado por 1157 indígenas analfabetos e lido e escrito por 1153 - não se encontrou em conta a população que se exprime em crioulo. Quanto à população denominada “civilizada”, havia 7848 portugueses (1501 metropolitanos; 1103 cabo-verdianos e 4644 guineenses, bem como 366 estrangeiros, dos quais 297 libaneses).

Procurando analisar os diferentes porquês da pobreza de uma literatura de fundo guineense, recorda o que ele classifica como singularidades: o silêncio literário de Artur Augusto Silva, cujas preocupações parecem ter deixado o campo da poesia e da ficção para se lançarem em estudos de interpretação jurídico-social; e não esquece o nome de Eduíno Brito, autor de vários trabalhos de demografia e sociologia guineenses. E, de novo, volta a citar Mário Pinto de Andrade, regista-lhe a seguinte observação:
“A evidência histórica leva-nos a considerar que, das relações entre a Europa e a África, decorrente do conflito colonial, resultou a opressão das culturas negro-africanas, na medida em que os africanos foram regularmente desprovidos da estrutura social e política, dos quadros próprios em que evoluíam naturalmente as suas culturas, em que as línguas foram relegadas para o plano secundário dos falares intermediários em que essencialmente esses povos perderam as iniciativas de nestas sociedades que eram afinal as suas criações originais”.

E lança outro argumento para explicar as dificuldades numa literatura nativa. A expansão do islamismo em África acompanhou-se de uma difusão correspondente da escrita árabe. Quando transpostos para as línguas nativas, os documentos escritos têm, no entanto, um cunho acentuadamente esotérico e usam-se especialmente com fins religiosos e moralizantes sob a forma de poesia e provérbios relacionados com o Corão, o que não se enquadra na noção ocidental de literatura.

No entanto, prolifera na Guiné uma literatura oral variada, que se exprime por contos, provérbios e poesias declamadas. E recorda que há a recolha feita por Viriato Tadeu nos Contos do Caramô e os contos publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa por António Carreira e Amadeu Nogueira, entre outros. Reconheça-se, no entanto, que esta contribuição oral, servida por uma linguagem colorida e variada, ultrapassa o campo literário e cai nos domínios da etnografia e do folclore. E há os tocadores de Korá, autênticos trovadores. E suscita uma nova questão, a problemática do crioulo. Entende que é uma linguagem auxiliar nas relações recíprocas entre as diferentes tribos, dizendo mesmo:
“Os crioulos portugueses escritos – seja o da Guiné, seja o das diversas ilhas de Cabo Verde – não constituem entidades filológicas independentes, mas sim transcrições dialetais fonéticas, em termos de português. O crioulo desempenha o papel de linguagem auxiliar nas relações recíprocas entre etnias. É uma linguagem franca. Enquanto em Cabo Verde o crioulo assumiu o caráter de uma linguagem substituta dos idiomas nativos primitivos, enfeudada à língua portuguesa oficial, na Guiné existe apenas o aspeto secundário da língua apreendida, desempenhando entre as populações locais um papel semelhante aos idiomas hoje utilizados nas relações internacionais”.

E depois de muito dissertar sobre o estado da educação na Guiné, João Tendeiro, já nos surpreendera com as citações de Mário Pinto de Andrade (já ao tempo uma figura destratada pelo Estado Novo, reconhecidamente dirigente do MPLA), não deixa de nos assombrar com as considerações que faz no termo do seu artigo:
“No que se refere aos indígenas, o problema passa muito além do campo da literatura, e relaciona-se antes com a premente necessidade de uma modificação basilar das estruturas legais e sociais dos nativos, indispensável à continuidade efetiva da presença portuguesa em África.”

Para bom entendedor…

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24421: Historiografia da presença portuguesa em África (373): O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24215: Notas de leitura (1571): "A Revolta!", por Fausto Duarte; Porto, 1945; O drama do régulo Monjur num belo romance (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
"Revolta!" não é uma obra-prima, é um romance bem urdido, possui os ingredientes adequados daquele formato da literatura colonial que fazia o mister da observação, o mostrar da vida de mato, o deslumbramento das belezas naturais, incluindo na urdidura a presença das autoridades, e Fausto Duarte esteve sempre disponível para nos seus romances de teor guineense pôr paixões de autóctones, carregadas de drama. O que nos diz do régulo Monjur Jorge Vellez Caroço, bem como o trabalho de investigação de Eduardo Costa Dias, ambos aqui já tratados, acompanha de certo modo o que era a nova lógica da administração colonial, o Gabú tinha enorme peso, os Fulas, após os acontecimentos do Forreá, a submissão dos Mandingas, aceitaram na plenitude o poder da administração colonial, esta apercebeu-se rapidamente que o território do Gabú era estratégico, Monjur foi um aliado que acabou secundarizado e esquecido. Esquecido não, a descrição do seu funeral, o valor da sua bravura, jamais foi esquecido por todos aqueles que acompanharam o féretro ao longo dos quilómetros, era a despedida do herói deitado no caixote do lixo da nova filosofia colonial.

Um abraço do
Mário



O drama do régulo Monjur num belo romance de Fausto Duarte (2)

Mário Beja Santos

Fausto Duarte é um nome incontornável na cultura guineense. Cabo-verdiano por nascimento, ganhou as suas habilitações em topografia no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, aparece na Guiné associado à demarcação de fronteiras e mais tarde entra na administração local, revelou-se um divulgador de méritos excecionais, um colaborador profícuo do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, colaborador regular do Boletim Cultural, autor de dois anuários (1946-1948) de irrecusável importância e autor de três romances passados na Guiné, dois deles já aqui alvo de recensão, caso de "Auá" e de "O Negro sem Alma".

"A Revolta!" foi galardoada com o 2.º prémio do Concurso de Literatura Colonial (1942), Fausto Duarte deu o romance por concluído em maio de 1942, foi publicado no Porto em 1945. A trama anda à volta do prestigioso régulo Monjur, um régulo Fula que prestou relevantes serviços à Administração Colonial Portuguesa em termos de campanhas de ocupação, era a figura mais respeitada do Gabú, será enredado numa teia de invejas por régulos menores que ansiavam ver o seu poder diminuído e encontrou pela frente um administrador de Bafatá que lhe retirou o poder. O seu funeral terá sido um acontecimento ímpar em todo o Gabú, morrera o homem, ficara o mito. Recapitulando, um agente leal ao régulo Monjur, disfarçado de viajante, entra em Sare Bane e facilmente deteta que se prepara uma rebelião contra o bravo régulo do Gabú, foge e dirige-se ao posto militar de Geba, conversa com o comandante, tenente Amílcar Teles, e foge de novo, pela calada da noite, para ir a Coiada, onde vive o régulo Monjur.

Fausto Duarte dá-nos uma impressiva nota do que era um presídio militar, descreve o posto de Geba, e aproveita esta autêntica de Suleimane Gadiri para descrever o feitiço florestal guineense. A selva é igualmente brutal, há crocodilos que comem gente, mesmo quando toda a Natureza parece repousar e até um flamingo permanece imóvel enquanto o crocodilo vai desfazendo com as suas fauces uma mulher, é como se estivesse a registar a lei suprema do mato, que ele assim define: “Quando a cobra contrafazendo o cacarejar da galinha consegue iludir a ave e trazê-la ao alcance das suas mandíbulas; quando o caçador imitando o grunhido da fêmea de certos bichos atrai o macho, confiante e talvez orgulhoso da preferência, até que ele sirva de alvo e mostre o ponto mais vulnerável do corpo à arma em espreita, é a lei do mato, a lei da astúcia e do mais forte”.

E assim chega ao seu destino este mensageiro, um habilidoso contador de histórias que deixa as crianças fascinadas, o autor dá-nos aqui páginas de encanto que bem mereciam ser conhecidas por portugueses, tal o poder de riqueza desta literatura luso-guineense. E aqui começa uma história de amor com Iobá, filha de Monjur, o destino de ambos ficará selado por uma tragédia, no final da obra o responsável por esta será severamente punido. Fausto Duarte discreteia sobre os usos e costumes de Fulas, a estranheza que esta etnia sente face às ambições dos brancos, mas percebendo que a administração colonial era de facto a nova lei, não só no Gabú mas como em todo aquele espaço territorial a que chamavam Guiné Portuguesa.

Monjur prepara a defesa e no aceso dos combates surge a coluna de Geba, irá ter lugar a indispensável reunião, uma tentativa de apaziguamento, mas o tenente Amílcar Teles, após ouvir a argumentação dos dois lados confere direitos ao régulo Monjur, assim fica abortada a rebelião. Romance sem tragédia é pão sem sal, há um sargento que sucumbe, impunha-se um parágrafo altamente emotivo:
“ - Dá-me licença, meu tenente? - rogou ele, unindo os calcanhares.
- Dize.
- É que há ali um papel para si, uma carta e uma bolsa que têm destino. - informou Raul. O oficial consentiu com um movimento quase impercetível da cabeça.
Ajoelhou-se o cabo. Tremiam-lhe as mãos. Os soldados mais afastados procuravam compreender a cena. Raul retirou do dólmen dois envelopes dobrados e uma bolsa de coiro. Guardou um dos envelopes depois de ler o endereço, entregou o outro ao oficial e abriu a bolsa para lhe ver o conteúdo. Tinha dentro uma madeixa de cabelos loiros, duas moedas de prata com a efígie dos reis, um recorte de jornal gasto nos vincos e uma pulseira, obra de ourivesaria indígena. Era essa toda a sua fortuna”.


E a coluna regressa com o corpo do sargento Domingues Alves, morte que a todos chocou. Fausto Duarte aproveita a oportunidade para desferir uma dura crítica à sociedade colonial, transpõe-se na pessoa do tenente Amílcar Teles: “Sempre que era obrigado por razões de serviço, inadiáveis, a ir à capital, fazia-o com profundo desgosto. Nas receções oficiais a que casualmente assistia, funcionários untuosos e mesureiros atropelavam-se, procurando chamar sobre si a atenção do governador, e suas mulheres, criaturas banais, muito arrebicadas, ciosas das precedências e da hierarquia dos maridos, temendo o contágio das inferioridades do mundo, faziam-no suspirar pelo mato. Tal como elas, aquela sociedade que se pretendia transplantar para ali com os mesmos ridículos da Europa estava deslocada”. Na recensão, permito-me pequenas alterações, estes apartes vêm antes da conversa conciliatória que só não falha porque o tenente Amílcar Teles profere sentença justa.

Temos de novo drama à vista, Suleimane Gadiri desapareceu, bem como Iobá, o régulo Monjur sente-se desconsiderado, no entanto ele recebera com júbilo a decisão do oficial português, que era verdadeiramente conhecedor das sociedades Fulas, escolhera com equidade entre Alarba Seilu e Monjur Embaló, mas a dor iria persistir durante muitos anos. Entretanto chegou a nova lógica de poder à colónia, Monjur percebia perfeitamente que as autoridades pretendiam retalhar todo o vasto Gabú, esquartejar o território para fazer perder a influência, obrigando os pequenos régulos a sentirem-se altamente dependentes de Bafatá, ou de Bissau. Mas não fora assim, como o autor descreve: “Doze anos dobados, depois que Iobá desaparecera e Alarba Seilu, o seu rival, morrera prematuramente, Monjur sentira crescer com o prestígio do seu nome uma indiscutível autoridade sobre o regulado compreendido por sete territórios. O governador entregara-lhe o de Boé como recompensa dos serviços por ele prestados nas guerras de Xime, de Cuor e de Badora. Alguns tinham sido valiosos. Auxiliara os portugueses com o apoio de Cherno Cali a bater os rebeldes Boncó e Infali Soncó que haviam tido a audácia de obstruir o rio impedindo a passagem das canhoneiras e de prender em uma palhota o comandante militar que substituíra o comandante Amílcar Teles. Fora então promovido a alferes de 2.ª linha. Da sua cabaia, o galão dourado dava-lhe um aspeto mais majestoso”.

Chamado a Bafatá, temendo a fatalidade de ir ser posto em prática a repartição de regulados, Monjur desloca-se com a sua cavalaria. Não ia a Bafatá desde a derrota dos régulos do Cuor e Badora, fora nesta vila que apertara com orgulho a mão do governador Oliveira Muzanty, era o grande momento do seu prestígio. É recebido no gabinete do administrador de Bafatá com visível indiferença e informado que de futuro não deverá deixar a povoação sem o seu prévio consentimento, caberia sempre ao administrador doravante a nomeação de chefes de territórios.

O poder de Monjur definha, e um dia Suleimane regressa e explica ao régulo e à assembleia que começa por receber com duas pedras na mão e que no fim o acolhe com triunfo, toda a verdade do que acontecera naqueles anos. A amizade foi retomada, Suleimane Gadiri assistirá aos últimos momentos de Monjur. E assim termina o romance: “Ficou na memória de todos a cena inolvidável do seu funeral. Ao longo dos três quilómetros que separam Gabú Sara de Oco, colocaram-se milhares de antigos vassalos aguardando a passagem do corpo que foi transportado de mão em mão até à aldeia onde tinham residido os grandes régulos oriundos da família Embaló Cunda. Quanto a Suleimane Gadiri o destino marcou-lhe outro caminho. Enrolou a sua esteira, tomou a chaleira de esmalte que continha água para as abluções e abalou novamente decidido a correr mundo”.

Dir-me-ão que este livro de Fausto Duarte não é literariamente famoso, ao que responderei que é um documento que em caso algum pode ficar no esquecimento, como se procurou destacar.

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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24205: Notas de leitura (1570): "A Revolta!", por Fausto Duarte; Porto, 1945; O drama do régulo Monjur num belo romance (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24205: Notas de leitura (1570): "A Revolta!", por Fausto Duarte; Porto, 1945; O drama do régulo Monjur num belo romance (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
Fausto Duarte recebera em 1934 o 1.º prémio de Literatura Colonial, com este romance A Revolta! obteve o 2.º prémio em 1942. Agradece ao Brigadeiro Carvalho de Viegas, antigo governador da Guiné a sugestão de pôr em romance a vida do régulo do Gabú, Monjur Embaló, um fiel acompanhante da potência colonial durante muitos anos, oficial de segunda linha. Chamemos-lhe romance histórico, de facto existiu o posto militar de Geba e Monjur acabou por cair na desgraça de um administrador de Bafatá que determinou, seguramente com o beneplácito do governador, que o imenso regulado do Gabú fosse retalhado. Fausto Duarte garante que todos estes personagens existiram, pode-se especular quem era o tenente de Geba (Marques Geraldes?) e o administrador de Bafatá (Calvet de Magalhães?), mas pouco importa, este romance histórico já devia ter sido reeditado há muito tempo, dá-nos um quadro notável, aos olhos de um funcionário colonial, de diálogos entre guineenses, nomeadamente conversação Fula, como se poderá ver neste texto, descreve-se um presídio, a constituição da força militar do mesmo, seguramente que o autor não anda longe da verdade. A força militar de Geba, veremos mais adiante, vai ajudar o régulo Monjur, teremos páginas preciosas de descrição. No termo da obra, assistir-se-á ao inesquecível enterro de Monjur, um bravo guerreiro que acabou cilindrado por uma nova lógica de dividir para reinar que se instituíra na administração colonial.

Um abraço do
Mário



O drama do régulo Monjur num belo romance de Fausto Duarte (1)

Mário Beja Santos

Fausto Duarte é um nome incontornável na cultura guineense. Cabo-verdiano por nascimento, ganhou as suas habilitações em topografia no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, aparece na Guiné associado à demarcação de fronteiras e mais tarde entra na administração local, revelou-se um divulgador de méritos excecionais, um colaborador profícuo do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, colaborador regular do Boletim Cultural, autor de dois anuários (1946-1948) de irrecusável importância e autor de três romances passados na Guiné, dois deles já aqui alvo de recensão, caso de Auá e de O Negro sem Alma.

"A Revolta!" foi galardoada com o 2.º prémio do Concurso de Literatura Colonial (1942), Fausto Duarte deu o romance por concluído em maio de 1942, foi publicado no Porto em 1945. A trama anda à volta do prestigioso régulo Monjur, um régulo Fula que prestou relevantes serviços à Administração Colonial Portuguesa em termos de campanhas de ocupação, era a figura mais respeitada do Gabú, será enredado numa teia de invejas por régulos menores que ansiavam ver o seu poder diminuído e encontrou pela frente um administrador de Bafatá que lhe retirou o poder. O seu funeral terá sido um acontecimento ímpar em todo o Gabú, morrera o homem, ficara o mito.

Tudo começa com o preparativo de armar uma cilada a Monjur, vamos conhecendo os conspiradores e alguém que vem de longe e que observa que algo de grave se está a passar, um aliado de Monjur, Suleimane Gadiri. O conspirador Alarba Seilu e o sacerdote Ibraima Dara, e seus aliados, preparam um ataque ao posto de Geba. Muitos desconfiam de Suleimane, ele revela-se um excecional contador de histórias que fascinam as crianças que o escutam. Aproveitando a noite, Suleimane escapa-se, prosseguem maratona a caminho do Forte de Geba. Fausto Duarte disserta sobre soldados, missionários e negociantes, a presença dos brancos e tem um acorde sobre os valores da colonização, escreve:
“Raros são aqueles que ao topar as ruínas de antigos presídios, pedras soltas afogadas por plantas bravias e às quais a patine do tempo deu o seu quê de recolhimento e tristeza, evocam os martírios e heroísmos que elas presenciaram. Porque imaginações ardentes fizeram de África desde cedo um continente de mistérios, rico de tudo quanto a Europa carecia, não houve enseada, embocadura de rio ou ponta de terra saliente no recorte do Litoral que não fossem esquadrinhadas. Foi esta a primeira fase do contacto”.

E, mais adiante:
“Verdade era que no fundo de todo o colono desembarcado na Guiné havia um aventureiro por ser esta terra temida entre todas as outras, mal afamada, o inferno de África, só boa para degredados. Porque escasseavam voluntários, muito contribuíram para a vitória do homem sobre a Natureza, fechada, hostil e inóspita, a condenação em pena maior e a repressão da vadiagem em Cabo Verde e na Metrópole. O mal insidioso estava em toda a parte, sobretudo no que era mais necessário à vida: o ar e a água. O ar dos aquartelamentos pobres e dos casebres de taipa que vinha varrido dos pântanos, e a água leitosa, salobra, tirada dos poços. Só a deportação ou a cobiça do lucro rápido podia explicar o desejo mórbido de viver nesses povoados. Em vagas sucessivas, criminosos, vadios e agitadores expulsos do reino como anarquistas confessos aportavam à Guiné nos porões sujos de brigues e escunas, para preencherem os claros, ficando célebre a carga humana da corveta ‘Duque da Terceira’ por ter sido dizimada poucos dias depois do seu desembarque, vítima de acessos fulminantes de biliosas e outras doentes palustres, de prática diária, que aterrorizavam a colónia”.

E estamos no posto militar de Geba, comandado pelo tenente Amílcar Teles. Fausto Duarte que já fez uma apresentação do que era um presídio, dá-nos agora um retrato do capital humano:
“Europeus, a quem aqueles climas afogueados limavam a saúde e consumiam a energia, eram imagens grotescas de homens que tinham sido; cabo-verdianos, engoiados, perfis crioulos em cujos olhos a saudade tinha plantado a lembrança permanente das ilhas esfumadas na distância; gentes importadas dos litorais de Angola e Moçambique que viviam na incerteza de voltar a ver um dia libatas e sanzalas; macaístas e timorenses, de olhos oblíquos, que deixaram nas populações mestiças vestígios indeléveis da sua passagem; Mandingas e Fulas, guerreiros de profissão, constituindo a tropa de 2.ª linha. Era heterogénea a guarnição do posto. Se algumas praças se tinham oferecido para servir nas guarnições ultramarinas, o maior número pertencia na verdade do batalhão disciplinar sabiamente composto por soldados e graduados que os conselhos de guerra da metrópole ou das possessões coloniais tinham condenado à deportação militar”.

Neste posto militar entra velozmente o fugitivo Suleimane Gadiri que explica que veio de Sare Bane, informa que Alarba Seilu prepara-se para fazer guerra ao régulo Monjur em Coiada. Fausto Duarte aproveita igualmente a oportunidade para nos dar um retrato do que era o posto militar de Geba, estão naquele momento a entrar alguns fascinas que tinham ido ao mato buscar lenha, outros traziam água de um poço a uma légua de distância, onde era menos salobra. “Duas metralhadoras Nordenfeld, já avariadas, ladeavam a entrada. A casa do comando era de adobe, coberta a zinco e dividida em três compartimentos. Dois deles eram ocupados pelo oficial, o comandante do posto, e o terceiro servia de secretaria. Dali partia tudo o que interessava à administração dos territórios sob a jurisdição dos bancos. O tenente recebia os régulos, derimia as questões entre indígenas. A palavra ‘Comando’ exercia no indígena uma singular influência. Se ela chegava aos ouvidos de gente desavinda, logo os ânimos se apaziguavam. O ‘Comando’ significava segurança, tranquilidade nas aldeias e nas veredas que se cruzam pelos matos”.

Fausto Duarte dá-nos também um quadro rápido da vila de Geba bem perto do posto militar. E voltamos à conversa entre Suleimane e o tenente, quem vem pedir ajuda à potência colonial lembra que Monjur é um amigo fiel dos portugueses, paga impostos, Alarba Seilu é um pérfido rebelde, juntou muita gente de regulados do Leste, tem dois mil cavaleiros. O tenente isola-se, quer tomar a melhor decisão e Fausto Duarte volta à carga para dissertar sobre o islamismo da Guiné, sabe que Monjur é filho de Alfa Bacar Guidali, o fundador do regulado. E depois de muito meditar, o oficial ordena os preparativos, conversa com os sargentos, a força fica organizada.

E descobre-se que Suleimane Gadiri volta a desaparecer, é o momento apropriado para Fausto Duarte revelar o êxtase que lhe provoca a luxuriante vegetação da Guiné, Suleimane Gadiri vai em fuga, observa as planícies, os cursos de água, a linha do horizonte, o afogueado do nascer do dia:
“Os contornos da vegetação alta foram-se precisando. A luz vinda do clarão que de rebate incendiou os longes varreu a névoa baixa, espessa, que ao rés da terra lembrava novelos brancos de neve. O domínio da terra ia pertencer ao sol e toda a natureza se lhe entregava inteiramente com voluptuoso prazer. Um frémito de asas seguido de alegre chilreada anunciou a manhã.
São então animais espantadiços, prontos no vento, de talhe esbelto e pernas nervosas, metidos nos refolhos do mato, se aventuraram a procurar nos espaços cobertos de capim a liberdade de movimentos. A luz fora-se tornando cada vez mais intensa, e, em tanta maneira, que dali a pouco a terra já parecia crestada. Árvores louçãs, de grande porte, cujos troncos desapareciam sob o estreito abraço de cipós flexíveis e coleantes, serpenteando por entre a ramagem alta como que em busca de claridade, acusavam a influência regeneradora cacimba, fonte de vida da vegetação africana. As aves vão acudindo ao chamamento de macacos gageiros, de ar trocista, que fazem baloiço dos ramos mais dobradiços e parecem fugir às leis de gravitação, descendo e subindo com incrível destreza pelas gavinhas de trepadeiras que recordam pelo aspeto cordas grossas caídas dos mastros de uma embarcação”
.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24192: Notas de leitura (1569): "Jasmim", de Amadú Dafé; Manufatura, 2020 - A identidade, a multiculturalidade, o transcendente (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23751: Notas de leitura (1512): "O Negro Sem Alma", romance de Fausto Duarte, 1935 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Ninguém espera encontrar nesta leitura uma obra retumbante. Mas faça-se justiça ao derriço, ao completo enamoramento de Fausto Duarte por matérias sobre as quais irá escrever um largo pendor divulgador, entrelaçando etnologia, etnografia e antropologia. Falou-se já nos belíssimos parágrafos que dedicou à baga-baga, agora é a floresta e os seus mistérios, o fanado dos rapazes, a submissão ao Irã, a convivência pacífica entre islâmicos e animistas, mas com barreiras que passam por não aceitar casamentos mistos, os tempos eram outros, os diálogos dentro da floresta, a pretexto de um arrolamento, têm muita curiosidade. Mas as figuras principais estão mal moldadas, não têm nervo, e ficaremos sempre incapazes de nos envolver numa tragédia superficialmente desenhada. Momo, o negro sem alma, que por acasos do destino combateu na guerra das trincheiras e veio altamente condecorado, merecia um recorte literário mais ousado, mais rigoroso, com mais retrato, pois ele simboliza o dramático uso dos africanos, tantos deles verdadeiros heróis da I Guerra Mundial, que depois da tormenta e de servir a guerra dos brancos, foram votados ao abandono.

Um abraço do
Mário



O Negro sem Alma, romance de Fausto Duarte (2)

Mário Beja Santos

Nome cimeiro da literatura colonial guineense, Fausto Duarte (1903-1953) foi escritor, plumitivo e estudioso, devia estar publicamente consagrado como um luso cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné, que conheceu a palmo, pois foi topógrafo, participou na demarcação de fronteiras, funcionário público em Bolama, e o seu nome está indelevelmente ligado ao Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, para o qual trabalhou afanosamente até à morte. Os Anuários da Guiné de 1946 e 1948, são hoje obras de consulta obrigatório pelo manancial informativo que ele coligiu, tantas vezes apensando imagens elucidativas, muitas delas aproveitadas das edições do referido Boletim Cultural.

Voltemos ao seu romance de 1935, "O Negro Sem Alma". A trama amorosa disseca-se com simplicidade. O chefe de Posto Henrique de Castro, algures no Tombali, tem a sensualidade à flor da pele e sentiu-se seduzido por uma filha de Bubacar Djaló de nome Amenienta, após negociações com este velho Mandinga acertou casamento. Mas Songa, um Nalu, também está de beicinho pela lindíssima bajuda. É neste contexto que surge a figura que dá título à obra, Momo, tratado como um coitado, um corpo sem alma, andou pela Guiné Francesa e acabou a combater na I Guerra Mundial, de onde veio condecorado e com o juízo afetado. Assim que Songa se apercebeu do contrato nupcial de Amenienta, procurou chegar à fala com Bubacar Djaló, este recusa voltar atrás com a sua palavra, manifesta um grande desprezo com a pretensão deste Nalu.

Entrementes, Henrique de Castro pratica a justiça, é confrontado com casais num quadro de divórcio. Aparece uma criança, Salu, será o dramático protagonista no fanado. Momo, o Nalu doido, vive no mato, dorme ao acaso, é hábil caçador, raramente perde a trilha a caça grossa ou miúda ainda que ande de léguas. Fausto Duarte aproveita todas as oportunidades para se exultar as florestas luxuriantes, socorre-se das expressões mais inebriantes, como se exemplifica:
“Ali vivem restos de animais pré-históricos, enormes, deselegantes, num definhamento contínuo, numa degenerescência debilitante de raças; ali crescem, altivos, gigantes de alto fuste, baobás altaneiros, florestas de ébano, de mogno e de pau-sangue e incenso; ali o homem, o puro sangue da criação ancestral, goza ainda dos favores do céu, porque o mato é um permanente celeiro (…) Em África, o indígena apaga-se em presença do mato. O mato é tudo, porque ali vive o Irã a quem o indígena deu formas diversas criando divindades pagãs e uma mitologia interessante e sugestiva”.

Henrique de Castro vai proceder ao arrolamento na sua administração, Fausto Duarte escreve as cerimónias de um fanado de rapazes, as crianças deitadas com uma noz de cola dentro da boca, vai começar a circuncisão:
“O velho ajoelha, olha o fio da lâmina com vista segura, experimenta-o nos dedos nodosos e premindo o prepúcio corta-o ligeiro. O falo sangrento mancha a camisa do neófito que cerra os lábios, sem que um queixume demonstre a crueldade do ato. Apenas um estremecimento dos músculos e depois… o delíquio”. Segue-se o cerimonial dos tambores e os jovens vão para o mato. Henrique de Castro virá a saber que o jovem Salu não resistiu às infeções e morreu.

Prepara-se o cerimonial do casamento entre Amenienta e Henrique, quando Amenienta é introduzida em casa do chefe de Posto, Songa, que não é indiferente à bajuda, propõe-lhe partir, Nalu e Mandinga partem para o chão dos franceses, Henrique que andara numa caçada, regressa e descobre que já não tem noiva. Songa e Amenienta vivem no mato, mais tarde Songa faz uma canoa e mete-se ao rio, um crocodilo está à espreita. Antes, porém, importa relevar, Fausto Duarte deixa-nos uma tónica romântica desta paixão amorosa, este encontro de Romeu e Julieta num dado sítio do Tombali:
“E a noite caliginosa protege com o seu manto de trevas a noiva e o corajoso Nalu. Songa e Amenienta. Passado o enlheamento (confusão), Songa enlevado na presença da bela Mandinga, procurava ao acaso um abrigo. Na pequena mata espessa e frondosa de incensos, crescia uma farrobeira cujas ramagens quase tocavam a terra lentejada pela cacimba. Songa, Nalu avisado e prudente, corta um feixe de capim e ali improvisa um leito sobre a alcatifa de verdura.

As lamentações dos ranídeos, a espaços, interrompiam o silêncio do bosque violado pelos fugitivos. Amenienta seguia curiosamente os movimentos do Nalu. A sensação de se encontrarem fora do alcance dos perseguidores sobrepunha-se ao supersticioso receio que momentos antes os dominava. Momo desaparecera. E eles ali estavam entregues ao seu próprio destino, condenados a uma vida de sobressaltos e de inquietações constantes. Amenienta estiraçou-se sobre a palha, Songa imitou-a. Ambos guardaram silêncio. Sobre o seio da bela Mandinga o coração palpitava com violência, sentindo a ligeira carícia de duas mãos inquietas. A terra unia-os pelo seu hálito noturno: húmus e perfume de flores agrestes”.
E Fausto Duarte, porventura para não ter problemas com a censura, fala em curiosidade, abandono, ritos de dor, gemidos, convulsão, volúpia, êxtase e depois o silêncio.

Caminhamos para a tragédia, Songa arranjara uma canoa para atravessar o rio, pretende ir até Cumbijã, e Fausto Duarte não perde a oportunidade para falar nas galerias florestais, na flora que é tão espessa que a luz dificilmente coada através da folhagem não deixa ver os recônditos da margem cheia de tarrafo. Momo, o negro sem alma, assiste à tragédia, crocodilo prepara-se para devorar Songa e Momo estilhaça-se a cabeça com zagalotes.

Vai anunciar a Amenienta a tragédia, esta, resignada, prepara-se para pedir a reconciliação com o marido branco. E Momo acompanha-a no regresso, Henrique anda todo entregue ao trabalho da montagem de uma charrua que mandara vir de Lisboa. Amenienta e Henrique chegam à fala, Amenienta diz-lhe que ele pode fazer dela o que quiser e Henrique responde que ela pode voltar para a sua povoação, ele não reclamará o dote. É nisto que o criado traz uma carta vinda de Portugal, é a mãe quem lhe escreve a anunciar os trabalhos do campo e a dizer-lhe que Maria Luísa, a filha do maior lavrador daqueles sítios, fala muito no nome de Henrique, “julgo ter descortinado nos seus olhos verdes mais do que uma inocente curiosidade. E tu sabes que os corações das mães jamais se enganam! Estou decidida a reparar a casa e o telheiro onde guardo a lenha. As vinhas prometem, o milho começou a espigar e as fruteiras aguardam teu regresso. Sei que não voltas rico, porque dividiste o teu suor com os pobres pretos que te estimam. Não seja esse o teu tormento! Mais que o dinheiro, valem uma consciência limpa e a amizade da tua mãe”. E é claro, Maria Luísa também manda saudades.

A estória é muito canhota, não haja ilusões. Mas a descrição do Tombali vale tudo, justifica que o leitor procure uma biblioteca pública e tente encontrar este hino ao feitiço guineense.


Expressão da arte nalu, retirada do blogue Ação para o Desenvolvimento, com a devida vénia
Fanado balanta, da ONU News, com a devida vénia
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Notas do editor

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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23734: Notas de leitura (1510): "O Negro Sem Alma", romance de Fausto Duarte, 1935 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Este romance de Fausto Duarte não é uma grande lança em África, mas tem atributos e méritos que importa reconhecer, no âmbito da literatura colonial guineense. Nos alvores da década de 1930 emerge na administração colonial guineense um funcionalismo preocupado com a missão civilizadora, aposta no desenvolvimento agrícola, é dado como certo e seguro que as potencialidades agrícolas da Guiné são inesgotáveis, é preciso introduzir maquinaria moderna e novas técnicas agrícolas. Fausto Duarte escolhe o Tombali para nos falar dos usos e costumes de Mandingas, Nalus e Balantas, o fanado, o contrato de casamento, a submissão ao Irã, o espírito a que se sujeitam a vida dos indígenas. Fausto Duarte caprichava por escrever de modo a que o leitor fosse frequentemente ao dicionário, um tanto como outro mestre das letras portugueses que muito o apreciava, Aquilino Ribeiro. Este romance tem algumas águas-fortes inesquecíveis e que um dia farão parte de uma antologia que recolha parágrafos indeléveis, irrefragáveis. Veja-se no texto que se segue como ele descreve o portentoso fenómeno do bagabaga.

Um abraço do
Mário


O Negro sem Alma, romance de Fausto Duarte (1)

Mário Beja Santos

Fausto Duarte (1903-1953), é uma das figuras mais representativas da literatura colonial guineense. Fausto Castilho Duarte era natural da Praia, Ilha de Santiago. Estudou em Lisboa, onde fez exame final do curso de Topografia, em 1928, foi logo trabalhar para a Guiné e nos dois anos seguintes participou na delimitação das fronteiras da Guiné. Em 1934, publicou "Auá", primeiro prémio da literatura colonial desse ano, reconheceram-lhe os seus dotes literários escritores como Aquilino Ribeiro e Vitorino Nemésio. Foi depois Secretário da Câmara Municipal de Bolama, de 1946 a 1953 participou ativamente na redação do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, é desse período que se lhe deve a coordenação dos anuários da Guiné de 1946 e 1948, obras de leitura incontornável.

Indubitavelmente, este romance datado de 1935, não é a melhor obra literária de Fausto Duarte, a trama é débil e a arquitetura do romance revela tremendas insuficiências. Mas tem muitos trunfos a seu favor, Fausto Duarte tem aqui a sua grande oportunidade de revelar um inequívoco deslumbramento pela Guiné, a sua flora, os seus exotismos, expor a sua observação de forte pendor etnográfico, etnológico e antropológico. Algures, na região do Tombali, no Posto de Caianque (nome imaginário), Henrique de Castro, o seu chefe, é revelado na sua sensualidade latente, irá sentir forte atração por Amenienta, uma das filhas de Bubacar Djaló, um homem grande ficará felicíssimo por vender a sua bela filha por umas centenas de escudos e quatro vacas, mais uns panos e umas folhas de tabaco. Fausto Duarte tinha seguros conhecimentos da literatura naturalista, era literariamente rebuscado, mesmo quando respiga observações de contido erotismo, há algo de uma escrita à moda antiga, assim: “Uma outra mandinga atravessou o largo terreiro com o cesto à cabeça. O chefe de Posto observou detidamente os pormenores do seu talhe donairoso. As ancas ambravam sob o pano curto. Mas os olhos fixaram-se de preferência nos tornozelos. A grossura das pernas aumentando gradualmente espicaçou-lhe a curiosidade. Henrique de Castro tinha a paixão dos artelhos que, para ele, mais do que nenhuma outra parte do corpo falavam a linguagem eloquente de certos prazeres”. Henrique nunca mostrará a prumo a sua personalidade, a revelação de carateres é uma das pobrezas do romance. Mas as insinuações eróticas irrompem, mal contidas, a propósito deste homem sozinho de quem iremos saber muito pouco: “Estava quase nua. Ensartara nos quadris contas variegadas de vidro presas a uma faixa de pano que lhe cobria o sexo, protegendo a prega interglútea. Henrique afastou-se para observar mais à vontade. As pernas eram uma maravilha de perfeição. Todo o corpo, correto, de linhas esculturais, assentava sobre a graça dos pés onde nasciam tornozelos flexíveis, insinuantes na pureza da combinação de todos os músculos”. Fausto Duarte utiliza regularmente idiomas africanos, o Tombali ele descreve em predominantemente as etnias Mandinga, Balanta e Nalu. Aparece um menino de nome Salu que em breve irá fazer o fanado e nele morrerá, o autor fará discretamente uma crítica a estas tradições brutais. A religiosidade perpassa por toda a obra, mesmo a mescla do islamismo com o animismo, mas acima de tudo é o poder do espírito do Irã e a resignação ou submissão do africano que mais se destaca.

Vamos sendo informados do espírito administrativo da época, é o caso dos arrolamentos feitos pelo chefe de Posto, transmitidos à autoridade seguinte, o administrador de circunscrição. Somos igualmente informados da atividade dos comerciantes do mato. Jacinto, um cabo-verdiano, desabafa com o chefe do Posto:
“Já lá vão os bons tempos em que os indígenas tinham dinheiro porque o amendoim, o coconote, a goma e a borracha eram bem pagos. Chegavam às lojas com grandes cestas, entregavam o produto e escolhiam os panos, pediam tabaco e bons terçados. O comércio fazia-se por escambo. Balanças? Para quê? Dizíamos um peso qualquer e eles não discutiam. Depois os tempos mudaram. Mais tarde, quando traziam os produtos vinham acompanhados dos doutores.
- Doutores? Interrogou Henrique, surpreendido.
- Sim, afirmou Jacinto. Doutores são os rapazes que viveram na cidade, falam o crioulo de Cabo Verde, conhecem as balanças e os pesos, discutem connosco e acompanhavam os indígenas que traziam mercadorias. E, hoje, sr. Henrique, dispensaram os tais doutores pois aprenderam também a negociar sozinhos”
.

Esta observação de Fausto Duarte é da maior utilidade, revela a chegada de intermediários que estarão em ligação com os grandes exportadores, tipo Casa Gouveia.

Henrique procura desesperadamente saciar os seus apetites sexuais, tudo acaba em fracasso. E então Fausto Duarte esboça um quadro da vida africana ao alvorecer, fala-nos na neblina húmida, nas chuvas torrenciais, na água que invade as bolanhas, na trovoada que provoca espanto e pavor, nas onças, no bramido do vento, a vida quotidiana dos indígenas, nos seus cultivos. Henrique é apresentado como homem do seu tempo, tem uma certa missão civilizadora, cabe-lhe criar condições para que haja desenvolvimento agrícola, no final do romance vamos encontrá-lo a montar uma charrua que mandara vir de Lisboa. “Dedicara-se de corpo e alma à ideia de bem servir agenciando meios para melhorar as condições de vida dos indígenas. A teimosia dos Nalus e a indolência dos Mandingas não lhe embotavam o fio da imaginação sempre pronta a tornar o Posto de Caianque o modelo de organização administrativa. Orientava pessoalmente os trabalhos de campo, adestrava o gado, e com a palavra fácil e bons exemplos insinuava-se no ânimo dos negros que o adoravam”. Mas a selvajaria também campeia, Jacinto entregará a Henrique uma mão decepada, ele diz ser de um balanta que procurara assaltar a loja, e vai apostrofando a ladroagem dos Balantas.

Segue-se uma descrição da natureza do Tombali, é uma linguagem pictórica, ardente, admirativa: a vegetação arbórea espontânea, as matas impenetráveis, ao alto as aves, na mata os animais lutam, a onça devora a gazela, os símios acrobáticos saltam de arvoredo em arvoredo, as cobras devoram as aves incautas. Fausto Duarte dá-nos um belo retrato da bagabaga:
“Espalhadas aqui e ali erguem-se pequenas pirâmides de terra avermelhada: são as termiteiras, construções indestrutíveis de insetos que só trabalham na sombra. Levantam muralhas consolidadas pela saliva, que tudo aglutina, para se defenderem dos ardis que povoam o mato. Os obreiros fogem da luz que entra com suavidade pelos alvéolos, mas lá dentro, no mistério tumular, envolto por uma escuridão duradoura, há labirintos engenhosamente fabricados, dédalos que vão ter à câmara inviolável da rainha.
A termiteira lembra uma pirâmide egípcia em miniatura. Uma é habitação de vivos, outra jazigo de mortos, mas ambas são fantasias da arquitetura ciclópica; ambas objetivam encarcerar a sombra e fazer dela o manto de um rei cujo corpo mumificado zomba dos séculos, ou de uma rainha – inseto extravagante – que governa com despotismo, porque perpetua a espécie, porque o seu abdómen é um constante viveiro; ambas são orgias de pedra trabalhadas por gerações inteiras, tumuli prodigiosos que aguçam a curiosidade”
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(continua)

Catió, capital do Tombali, em data recente
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23726: Notas de leitura (1509): "Para Além do Amor", por Nelson Cerveira, edição do autor com apoios de autarquias e instituições da Anadia; 2022 (Mário Beja Santos)