1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2022:
Queridos amigos,
O Zé Matos teve a gentileza de me enviar o mail com o miolo deste livro que ele escreveu em parceria com um reputado especialista, Matthew Hurley. Oxalá que surja a possibilidade de haver uma tradução portuguesa, pelo menos as instituições da Força Aérea deviam cuidar de quem investiga em sua memória. Aqui vai a introdução, só lhe introduzo um reparo acerca da estagnação económica que os autores referem sobre o período. Não foi nada assim, autores da maior probidade e rigor já esclareceram como os anos 1960 foram decisivos de diferentes títulos: a tumultuosa emigração, a avalanche turística no Algarve, os investimentos estrangeiros, a explosão industrial, etc., são dados indiscutíveis. O mesmo não acontece com os primeiros anos de 1970, e a crise petrolífera atingiu-nos em cheio, é contemporânea de uma situação aguda em mobilizar mais jovens para os conflitos africanos. Ainda bem que vemos investigadores portugueses envolvidos em trabalhos que possam circular na arena internacional da pesquisa e confronto de posições.
Um abraço do
Mário
O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1)
Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.
É um pequeno volume onde, depois de se dar informação sobre abreviaturas e notas terminológicas, se faz uma curta introdução, a que os autores intitulam “Crocodilos e Bombas”. Na edição de hoje, sumariamos, por conta e risco próprios, o essencial de tal introdução.
Em 1960 ocorre uma mudança extraordinária na aviação militar, aparecem no terreno aviões supersónicos, misseis e o radar concorreu para o modo de fazer a guerra. Em Portugal, nesse mesmo período, a mudança foi outra. De 1961 para 1975, Portugal combateu em África e a Força Aérea Portuguesa (FAP) travou uma guerra a baixa-altitude com aparelhagem eletrónica rudimentar contra a guerrilha. Estas operações da FAP eram de baixa intensidade. É uma das razões por que a guerra portuguesa em África passou praticamente sem nenhum estudo de observadores contemporâneos, em Portugal ou fora de África.
Mesmo com estas limitações, a FAP, no teatro africano da Guiné, mostrou o valor e as vulnerabilidades do poder aéreo num contexto irregular, como instrumento da contrainsurgência. De 1963 a 1974 a FAP desempenhou sucessivamente missões que incluíram bombardeamentos ofensivos e atividades humanitárias. No nível de ação direta e de resultados militares imediatos a FAP provou ser a mais importante arma contra a guerra subversiva e, em alguns momentos, o seu modesto desempenho pareceu levar a insurgência ao colapso. Contudo, devido à efetividade da FAP, o aparelho imperial – e especialmente a sua componente militar – foi crescendo excessivamente dependente da operacionalidade aérea. Os independentistas viram-se obrigados a dar prioridade à defesa aérea. Os imperativos da competição envolveram as capacidades da FAP e da guerrilha e acabaram por se constituir o pivô do resultado da guerra.
Durante a guerra que Portugal travou na Guiné, a FAP demonstrou um notável poder de intervenção, e assim se conseguiu manter uma campanha ao longo de uma década em ambiente austero apesar das deficiências crónicas em meios aéreos, armamento e pessoal – fragilidades devidas à estagnação económica interna (?), mudanças demográficas e hostilidade internacional ao império português.
Há ainda que ter em conta a resiliência da FAP tendo em conta a existência de outros teatros de operações e o enquadramento logístico exigido pela NATO (recorde-se que a NATO exigiu a retirada dos F-86 da Guiné). A adaptabilidade da FAP e a utilização hábil dos seus meios permitiram manter sempre o apoio a um exército disperso em alguns dos terrenos mais inóspitos do planeta. Antigos comandantes portugueses e historiadores têm assinalado esse excelente desempenho da FAP e alguém disse que se tratou de “uma notável proeza de armas”, independentemente do desfecho da guerra.
Acontece que a situação mudou radicalmente com o aparecimento em primeira mão dos teatros de guerrilha dos misseis terra-ar, que exigiram procedimentos estritos à FAP, quando no passado dispunha de uma supremacia quase absoluta, e a partir do momento em que os outros ramos das Forças Armadas se aperceberam do caráter retrátil dessa operacionalidade, acusaram emocionalmente a baixa.
A guerra aérea na Guiné Portuguesa continua em grande parte inexplorada nos círculos militares e mesmo académicos, merece maior audiência o seu estudo pela forma económica e eficaz com que atuou não só num enquadramento geopolítico tumultuoso e de rápida mudança tecnológica.
Imagem do “DO”, a aeronave que nenhum dos antigos combatentes esqueceu pela sua tão estimável presença
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 24 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23734: Notas de leitura (1510): "O Negro Sem Alma", romance de Fausto Duarte, 1935 (1) (Mário Beja Santos)
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