Mostrar mensagens com a etiqueta BART 3873. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta BART 3873. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26129: Efemérides (445): Passam hoje 51 anos que este louvor foi publicado na Ordem de Serviço do Comando Territorial Independente da Guiné (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Inf)


1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) com data de 8 de Novembro de 2024:

Passam hoje 51 anos que este louvor foi publicado na Ordem de Serviço do Comando Territorial Independente da Guiné.

Ainda não sabia naquela altura, (já tinha então acabado a Comissão Militar de 21 meses), quando seria o meu regresso a Portugal.

A CCAÇ 15 dos Balantas de Mansoa, era então a minha família e, embora desejasse obviamente muito regressar a casa, isso não constituía uma preocupação permanente.

Passado pouco mais de um mês, em Dezembro, fui surpreendido, verdadeiramente surpreendido, com a ordem de regresso a Portugal, de tal modo que quase não tive tempo de me despedir de todos aqueles que comigo estavam, porque a mala era então fácil de fazer, pois era apenas um pequeno saco com mais whisky do que roupa. E assim regressei a tempo de ainda quase no limite passar o Natal de 1973, com a família em Monte Real, o que obviamente, foi para os meus pais, irmãs e irmãos, e para mim, um belíssimo presente de Natal.

Ainda hoje em dia me orgulho deste louvor e nele me revejo inteiramente.

Aqui fica a recordação.
Por Portugal, sempre!

Monte Real, 8 de Novembro de 2024
Joaquim Mexia Alves

_____________

Nota do editor

Último post da série de 15 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26047: Efemérides (444): 15 de outubro de 1969, perdas, inesquecíveis, uma saudosa amizade e porquê

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25518: Notas de leitura (1691): BART 3873 - História da Unidade - CART 3492 / CART 3493 / CART 3494 - O Sector L1 de 1972 a 1974, e as minhas lembranças de 1968 a 1970 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
O ter finalmente lido por inteiro a história do BART 3873 sacolejou-me algumas memórias, daí este meu atrevimento em comparar, sem fazer juízos de valor, o que era o setor de Bambadinca entre 1968 e 1970, onde combati e este período correspondente aos últimos anos da guerra. Que houve mais dinheiro houve para intensificar a africanização da guerra, a formação de milícias em Bambadinca, surpreendeu-me o descontentamento da população civil em Madina e a sua aproximação ao Enxalé, dei mesmo comigo a pensar os ralhetes que recebi quando insistia na aproximação entre Enxalé e o regulado do Cuor, a minha área de missão, tínhamos a mesma força hostil, ainda por cima o Enxalé não tinha condições para fazer qualquer dissuasão à travessia do Geba pelas forças do PAIGC, entre São Belchior e o Enxalé. 

PMais escolas, mais mesquitas, mais assistência, os grupos de milícias a crescer como cogumelos e recordo o que me era dado e arregaçado, a pedincha permanente para ter materiais de construção civil, pagar a dois professores; e quartel em Mato de Cão, evitando as deslocações diárias de Missirá, com o ponto curioso de que o Pel Caç Nat 52, de que fui comandante, ter ido para Mato de Cão para ser flagelado e ouvir, não muito longe, as embarcações civis a ser flageladas em Ponta Varela.

 Outros tempos, gostei muito de ler esta história de unidade e reviver o que passei através do que outros passaram, uns anos mais tarde. Como o Luís Graça participou nesta história, entre 1969 e 1971, seria bom que também nos desse umas dicas sobre o tempo que viveu e este tempo do BART 3873.

Um abraço do
Mário



O Setor L1 de 1972 a 1974, e as minhas lembranças de 1968 a 1970

Mário Beja Santos

Tive finalmente acesso à história do BART 3873, ativo no chamado Setor L1, onde também vivi 2 anos em cheio, leitura que me foi facultada pela Biblioteca da Liga dos Combatentes. Muito se tem escrito no blogue à volta desta história de unidade, pretendo exclusivamente, e de memória, comparar o setor ao tempo em que ali vivi.

 O Geba já era crucial como via de transporte, não se circulava por estrada de Jugudul até Bambadinca, circulação interrompida, em anos anteriores a atividade do PAIGC limitara a circulação para Porto Gole e Enxalé, passei 17 meses no regulado do Cuor, só em expedição militar é que podia ir até ao Enxalé, municiava-me e abastecia-me de Bambadinca para a bolanha de Finete, cerca de 4 quilómetros de montanha-russa até à povoação, mais 15 ou 16 até Missirá; quando tudo estava alagado, entre Sansão e Canturé, socorríamo-nos de um Sintex entre Bambadinca e Gã Gémeos, havia um arremedo de porto aqui; não havia destacamento em Mato de Cão, para evitar minas e sobretudo emboscadas foram delineados 6 itinerários tudo a pé, com sol ou chuva, minas não houve nem emboscadas, fez-se constar no mercado de Bambadinca que só por bambúrrio da sorte é que seriamos encontrados; Mero era então local de abastecimento do PAIGC, vinham de Madina/Belel habitualmente colunas civis, com armamento rudimentar (espingarda Simonov), atravessavam o Geba mais ou menos entre Canturé e a norte de Finete, usavam o bombolom para se anunciar, deixavam indícios, desde as bostas de vaca, granadas, carregadores, pegadas, aí sim, tivemos vários recontros; patrulhava-se o regulado até perto de Queba Jilã, nas primícias do corredor do Oio, cedo aprendi que qualquer confronto podia trazer feridos, vivi uma experiência muito amarga dentro de Chicri, num caminho que dava a Madina, um apontador de dilagrama acidentou-se, houve muito sofrimento, muita angústia; mas a população de Madina também atravessava para os Nhabijões, apanhámos várias embarcações escondidas no tarrafo, e quando fomos transferidos para Bambadinca, nos patrulhamentos na região de Samba Silate também encontrámos canoas, destruíamos e eles faziam outras; nunca houve qualquer ataque a barcos em Mato de Cão, alguns em Ponta Varela, já em Bambadinca perguntei ao comandante e ao major de operações por que é que não se queria repensar a quadricula, sugeri dois pelotões no Xime, um destacamento em Ponta Varela e outro na Ponta do Inglês, o PAIGC estava estrategicamente implantado num ponto pouco acessível entre Baio e Burontoni, no Poidom, na Ponta Luís Dias, em Mina, Galo Corubal e Tabacutá, eram bolanhas muito férteis, indispensáveis para o abastecimento civil e militar do PAIGC, íamos, fazíamos uma destruição, o PAIGC reconstruía, nunca largou mão deste extenso território que foi ocupado no segundo semestre de 1963 por Domingos Ramos, que irá morrer em Madina do Boé; iniciou-se no meu tempo a construção do ordenamento dos Nhabijões, construção modelar, exigia patrulhamento, só mais tarde apareceram minas e incursões do PAIGC; Amedalai já tinha milícia, que dava segurança até na linha de tabancas Taibatá-Demba Taco-Moricanhe, é do meu tempo o abandono de Moricanhe, que veio a ter reflexos na região do Xitole.

Havia uma imensidade de tabancas com predomínio de população Fula, lembro Bricama e Santa Helena, já na margem esquerda do Geba, íamos regularmente a Galomaro, Madina Xaquili, ao regulado de Badora, onde pontificava o régulo Mamadú Bonco Sanhá, deslocava-se de Madina Bonco até Bambadinca numa motocicleta, fardado a rigor, os seus galões de tenente a luzir, sempre de óculos escuros e muito cortês.

Lendo cuidadosamente a história do BART 3873, no essencial eram as mesmas povoações de 4 anos antes, creio que Galomaro mudou de setor. Os efetivos de Bambadinca são os mesmos, havia rotatividade nos Nhabijões bem como na ponte do rio Undunduma, um pelotão em Fá Mandinga, no meu tempo ainda não havia instrução de milícias em Bambadinca, fiquei satisfeito quando vi Enxalé no Setor L1, tinha toda a lógica, bem perto do Xime, o mesmo dispositivo do PAIGC que afetava o Cuor, argumentei, sem êxito, a aproximação entre o Cuor e Enxalé, respondiam-me sempre que eu me metesse na minha vida. 

Observo da leitura da história da unidade que as coisas tinham mudado em Madina, a população sob alçada do PAIGC mostrava descontentamento e apresentava-se no Enxalé; a descrição de minas antipessoal e anticarro é impressionante, o PAIGC usava-as em todos os pontos do setor; Mero terá igualmente mudado de posição, vejo neste documento que já havia um pelotão de milícias, a população estava contente com a presença das nossas tropas; apareceu um elevado número de forças de milícia, posso constatar que se intensificou no setor a africanização das nossas Forças Armadas; deve ter havido mais dinheiro para todo este processo da africanização que levou também a reocupação de posições como Samba Silate, que era considerada a bolanha mais fértil de todo o leste da Guiné; vejo com estranheza muitos recontros perto do Xime, na região de Gundaguê Beafada – Madina Colhido, o que significa que a força instalada em Baio/Burontoni tinha elevada capacidade ofensiva, das vezes que me coube sair do Xime para a Ponta do Inglês, flanqueava pelas matas próximas do Corubal, cheguei mesmo a aproveitar os caminhos de terra batida frequentados assiduamente pela população do Poidom.

Dou igualmente comigo a pensar como é lamentável não podermos trocar informação com os dispositivos efetivos do PAIGC na região. Os arrozais eram fundamentais para o sustento de civis e de tropa, no fundo do Corubal o PAIGC movimentava-se com imensa facilidade, dava os seus sinais de vida flagelando Mansambo e o Xitole e mesmo a ponte do rio Pulon, mas só para provar que estava ativo. 

Quando se desencadeou a operação Grande Empresa, ou seja, a ocupação do Cantanhez, houve deslocação de efetivos do PAIGC, nessa altura já estavam a posicionar-se na região do Boé (completamente desocupada pelas nossas tropas desde fevereiro de 1969), terão vindo efetivos de outros lugares, questiono, de acordo com a leitura que faço desta história de unidade que as operações abaixo do Poidom, a Mina e Galo Corubal foram quase passeios, recordo o estendal de tropas para a operação Lança Afiada, Hélio Felgas congeminara a limpeza de toda aquela margem do Corubal, 12 dias de inferno e a tropa de rastos, apanharam os velhotes e uns canhangulos.

Não surpreende não ter havido ataques a Bambadinca, só seria possível passando o rio de Undunduma, era essa a missão destinada ao pelotão de vigilância. Mas surpreende-me a intensidade de ataques em Ponta Varela, parece-me um contrassenso quando se escreve que havia patrulhamentos regulares nesta região.

Não estou habilitado a tirar conclusões se a situação melhorou ou piorou no setor, deu-se a africanização, construíram-se infraestruturas, aumentou o apoio às populações civis, vejo que Finete sofreu uma grande flagelação. 

Pode dizer-se que o BART 3873 regressa pouco tempo antes do 25 de Abril, foi substituído pelo BCAÇ 4616, que terá tido uma guerra de sonho. E que havia mais dinheiro havia, vejo que no Natal de 1973 se pagou o 13º mês. E acompanhei com muito carinho o itinerário do Pel Caç Nat 52, combativo até ao fim, em dezembro de 1973 travou contacto com um grupo de 15 elementos.

Volto a questionar-me se virá a ser possível um dia juntarmos a nossa documentação com a do PAIGC para que a guerra ganhe mais clareza para as futuras gerações destes dois países.

A dimensão aproximada do Setor L1, onde atuou o BART 3873
Confraternização no Xime na messe de sargentos, CART 3494, ao fundo à esquerda o nosso confrade António José Pereira da Costa, então capitão, outubro de 1972
Os CTT de Bambadinca, quando visitei a povoação, em 2010, já estava em grande degradação
_____________

Nota do editor

Último post da série de 10 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 30 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25461: Convívios (991): 51.º Almoço/Convívio da CCAÇ 12, Pelotões Daimler e Caçadores Africanos, dia 25 de Maio de 2024, em Mora (Jaime Pereira, ex-Alf Mil Inf)


Caros Companheiros

Este ano, o almoço organizado pelo nosso companheiro Vítor Marques, será em Mora no dia 25 de Maio, seguido de visita guiada ao Fluviário.

Os detalhes do programa encontram-se no documento anexo.

Convidamos para este encontro as esposas e filhos dos companheiros já falecidos, os ex-militares da CCaç12, Pelotões Daimler e Caçadores Africanos e ainda os amigos e companheiros dos BART 2917 e BART 3873 que quiserem participar neste nosso convívio.

Contamos convosco...
Confirmem a vossa presença até ao dia 19 de Maio para um dos seguintes contactos:

Vítor Marques - Email: vtor.marques@gmail.com - Tlm. 964 752 356

José Sobral - Email: mzsobral@sapo.pt - Tlm. 969 800 826

Jaime Pereira - Email: jaimenpereira@gmail.com - Tlm. 917 265 026

Contamos com todos…
Um abraço e até breve
Jaime Pereira




_____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25446: Convívios (990): XXXVII Convívio da CART 3494 / BART 3873, dia 8 de Junho de 2024, com concentração no antigo RAP 2, na Serra do Pilar - Vila Nova de Gaia e almoço em Matosinhos (Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25446: Convívios (990): XXXVII Convívio da CART 3494 / BART 3873, dia 8 de Junho de 2024, com concentração no antigo RAP 2, na Serra do Pilar - Vila Nova de Gaia e almoço em Matosinhos (Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista)



XXXVII CONVÍVIO CART 3494 / BART 3873

Meus amigos,
Sou a informar que o 37.º Encontro da CART 3494 irá realizar-se no dia 08 de junho de 2024 a partir das 10,00 horas no Regimento de Artilharia - 5 (ex-RAP 2) na Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, local onde o Batalhão de Artilharia 3873, foi formado para servir Portugal na guerra da Guiné.

Vamos comemorar o cinquentenário da nossa chegada (03/04/1974).

Prestaremos homenagem aos mortos em combate e a todos aqueles que de alguma forma deixaram a vida terrena, junto do memorial, com deposição de uma coroa de flores.

Lembro que é do nosso conhecimento, que, 39 camaradas já deixaram a vida terrena, deixaram a saudade eterna, principalmente, das suas famílias, mas na certeza de que um dia vamo-nos encontrar novamente.

Prevemos uma Guarda de Honra por um Pelotão do Regimento.

Pelas 11,30 horas seguiremos em caravana auto até Matosinhos onde será servido um excelente almoço no “Restaurante Mariazinha”, findo o qual cada um rumará aos seus destinos, fazendo votos para que no próximo ano (2025) nos encontraremos de novo.

Apelamos à tua participação com família e amigos, contacta até ao dia 30 de maio impreterivelmente, por favor!

Contactos:
Ex-Fur Mil Trms – Luís Coutinho Domingues, 961 070 184 ou 22 013 76 18
Ex-Fur Mil Art – Manuel Benjamim Martins Dias, 965 879 408


MENU DO ALMOÇO

ENTRADAS
- Salgadinhos, rissóis, pataniscas, pata de gamba, recheio de sapateira e bolinhos de bacalhau

PEIXE
- Bacalhau à Zé do Pipo

CARNE
- Vitela assada com batata

BEBIDAS
Vinho da casa – tinto ou branco, verde ou maduro, cerveja, água e refrigerante

Bolo de aniversário, acompanhado com Flute de vinho espumante
Café.

Nota: em ref. a digestivos, quem quiser pode trazer de casa se assim o entenderem.

Preço: 30 bazucas

Um abraço a todos antigos combatentes,
Muito obrigado
_____________

Nota do editor

Último post da série de 17 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25399: Convívios (989): 95º encontro da Tabanca do Centro: Quinta do Paul, Ortigosa, Leiria, 6ª feira, 26 de abril de 2024

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24961: Boas Festas 2023/24 (3): Sousa de Castro, o nosso histórico tabanqueiro n.º 2, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1971/74) e José Firmino, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884 (Jolmete, 1969/71)




1. Mensagem de hoje, às 19:12, do nosso amigo e camarada Sousa de Castro:

(i) ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74; 
(ii) vive em Viana do Castelo; 
(iii) tem 176 referências no nosso blogue: 
(iv) integra a nossa Tabanca Grande desde 20/4/2005, sentando-se à sombra do nosso poilão nop lugar nº 2):

Meus caros, para toda a Tabanca votos de um grande e feliz Natal e que o novo ano seja um pouquinho melhor, força nessa vida.


********************
2. Mensagem do nosso camarada José Firmino (ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71):

Desejo a todos os Antigos Combatentes, familiares e amigos, Boas Festas

Grande abraço
José Firmino

__________

Nota do editor:

Último poste da série > 13 de dezembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24950: Boas Festas 2023/24 (2): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24951: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte IX: A sorte naquele dia esteve do nosso lado

 

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ (1965/67) > c. 1966 > Mulheres do mato, oirundas dos arredores de Bedanda, muito provavelmente Cobumba, na altura sob controlo do PAIGX. Ao centro está o alferes Oliveira, da 4ª CCAÇ. 

Fonte: livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67]

 
1. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, por volta de 2013 ou 2014.




Parte IX -   A sorte esteve do nosso lado naquele dia


(...) Certo dia um grupo de elementos da nossa companhia foi a Cufar, como acontecia algumas vezes, tendo usado o nosso sintex.

 Nesse dia eu estava de serviço de condutor, ao fim da tarde fui com a viatura e mais três ou quatro camaradas para o cais, junto ao rio Cumbijã, onde estivemos durante algum tempo à espera que eles chegassem para os trazer de volta ao destacamento.

Enquanto esperávamos, os Fiat iam bombardeando não muito longe de nós. Naquele tempo, ao contrário do que acontecia antes dos Strela por lá terem chegado, altura a que eles faziam os bombardeamentos era bastante mais afastada do solo o que nos permitia vê-los. 

Durante o tempo que lá estivemos à espera, a conversa não parou, durante a qual alguém afirmou que a "Maria Turra" tinha dito que breve nos iam atacar. Era coisa tão normal ela dizer isso,  que nós não demos importância, dizia muitas coisas que não eram verdade. 

Quando em Mansambo fomos atacados, a primeira e única vez enquanto lá estivemos, no outro dia ela apareceu na rádio a dizer que nos tinham feito grandes estragos, entre os quais a destruição de um abrigo, o que era mentira, dentro do destacamento, nesse dia, apenas caíram duas granadas.

Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda, Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)



Entretanto os Fiat terminaram o seu trabalho e foram embora. Passados poucos minutos de terem partido começamos a ouvir alguns rebentamentos, e a nossa primeira reação foi pensar que eles tivessem voltado, pensamento que durou apenas breves instantes, rapidamente nos apercebemos que afinal éramos nós que estávamos a ser atacados. Ataque continuado e diversificado no armamento por eles utilizado, tendo sido o que demorou mais tempo dos vários com que fomos flagelados enquanto por lá permanecemos. 

A sorte naquele dia esteve do nosso lado, mas o susto motivado pela impotência com que nós fomos confrontados junto ao rio, foi terrível, nada podíamos fazer. 

Com uma das armas utilizada, o morteiro 82, eles conseguiram colocar uma granada de cada lado da picada com uma distância de cerca de quarenta ou cinquenta metros, uma da outra, desde o início das primeiras tabancas até a poucas dezenas de metros do local onde nós nos encontrávamos, que era a uma distância de cerca de quinhentos metros. 

Restava-nos ir para dentro do rio, naquela altura com a maré muito baixa. Foi o que fizemos, recordo-me de com as mãos tirar o lodo para os lados e me ter deitado nesse espaço, um disparate mas naquele momento tudo nos ocorria ao pensamento.

O armamento por eles utilizado estava distribuído por quatro locais: 

  • os RPG 7, um do lado de Pericuto, outro do lado oposto, início da mata de Cabolol; 
  • o canhão s/r deles, era daqueles que quando se ouvia a saída, a granada já estava a cair; 
  • o morteiro 82, dada a precisão com que eles colocaram as granadas junto à picada, só podia estar na direção da mesma, penso eu.

 Porque a sorte esteve do nosso lado, apenas tivemos um ferido leve, o apontador de um dos nossos canhões sem recúo, o que fez com que ele tivesse feito apenas um disparo.



Crachá do BART 3873 (Bambadinca, 197274). Divisa: "Na Guerra Construindo a Paz.



Passados largos minutos passamos a contar com a ajuda dos obuses de Catió

Se os camaradas que tinham ido a Cufar, têm chegado alguns minutos antes, tudo nos podia ter acontecido, dado o trajeto que nós tínhamos de fazer para regressar ao destacamento, atendendo à precisão com que eles colocaram as granadas junto à picada.

Quando os camaradas chegaram no Sintex, junto de nós, o ataque já tinha terminado, ainda bem que eles demoraram, assim safamo-nos de ter vivido aquela situação na picada no regresso… onde não havia sítios para nos abrigar, se tal fosse necessário.

Entre a população houve uma vítima mortal, uma senhora. No outro dia efetuaram o seu funeral, tendo sido enterrada junto à tabanca onde morava. Nesse dia apareceram por ali algumas pessoas vindas de outros locais. 

Ao fim do dia havia alguns com pedaços daquilo que nos parecia ser carne de porco, não chamuscado, gostava de saber se seria alguma tradição. Haverá alguém que saiba? (...)  (**)

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)

2. Comentário do editor:

Embora tardiamente, aqui vai a resposta à pergunta que o nosso camarada Ferreira nos colocou (em comentarioa um poste que ora não identifico)... 

Mesmo em contexto de guerra, o enterro da senhora que morreu em Cobumba, seguramente de etnia balanta, nesse ataque do PAIGC (portanto, vítima do "fogo amigo") (***), tem de ser entendido no quadro da cultura da sua etnia, e do indispensável "choro" (o mesmo é dizer o velório e o enterro) .. 

Aqui vai um excerto do artigo "Toca Tchur, uma celebração da vida", de Jamila Pereira (Bantumen, 17 de abrilde 2023) (com a devida vénia...)

(...) Tomemos, por exemplo, as etnias Balanta e Pepel na Guiné-Bissau, duas tribos com actos fúnebres similares mas, no entanto, distintos. (...)

Para ambas as tribos, sendo animistas, a compreensão de que o curso da vida é cíclico e não linear, como uma experiência contínua, permite que a morte seja percebida como um deslocamento para outro espaço habitacional. Consequentemente, existe a noção de que o “enterro perfeito” garante que o espírito do antepassado não fique entre os vivos para assombrá-los ou controlá-los, mas sim para protegê-los enquanto descansa pacificamente. Destacando então a narrativa de que aqueles que estão no reino dos mortos possuem poderes sobrenaturais, podendo amaldiçoar, curar ou abençoar e tirar ou dar vida. Entretanto, a pessoa também pode reencarnar em várias pessoas, como renascidos, ou habitar o mundo espiritual através da sua forma terrena como antepassados, posição muito valorizada nas crenças Africanas. Tornar-se um antepassado é, portanto, uma meta valiosa para muitos. 

E não enterrar o corpo “adequadamente” implica a possibilidade de a pessoa tornar-se num espírito vagante, incapaz de prosseguir convenientemente após a morte, constituindo um prejuízo para os que ainda estão vivos. Aliás, após uma morte, geralmente são procuradas respostas divinas para atribuir uma causa ao ocorrido: inveja, bruxaria, ofensa aos antepassados ou aos deuses. Então, aqueles que podem ter sido rotulados de indignos ou feiticeiros, indivíduos que morreram “muito cedo” ou não levaram uma vida “significativa” e “honrada”, talvez lhes seja recusado um “enterro perfeito” também, negando-lhes assim que se tornem antepassados.

Após um falecimento, família e amigos reúnem-se para celebrar a vida do indivíduo, denominado Toca Tchur, nome comum entre todas as etnias. Na etnia Balanta, caso seja um homem que tenha cumprido o fanado (conhecido por circuncisão), é lavado pelos anciãos e enrolado num fundinho, um tecido tradicional. Os vizinhos são então informados da morte através dum bombolom (tambor grande). No entanto, se o falecido for alguém mais jovem, por exemplo, como mencionado previamente, a celebração não ocorreria, pois a sua morte seria considerada ultrajante ou talvez uma maldição.

Eventualmente, após a mensagem ser enviada, o falecido será coberto mais adiante por mais panos doados por entes queridos como vizinhos, família e amigos. Ao longo da cerimónia os anciãos, em conjunto, retiram então os tecidos e entregam-nos à família para que os guardem carinhosamente depois de serem lavados, sendo assim uma lembrança permanente. Além disso, caso a família não possa cobrir o montante duma caixa (caixão) para o enterro, eles podem enterrá-lo numa esteira de palha. Assim têm a possibilidade de finalizar a primeira parte da cerimónia, depois de atravessarem por cima do porco sacrificado, abençoando o animal e a futura alimentação dos participantes.

Do álcool à fartura de comida, a celebração evidencia o orgulho que as pessoas carregam por estarem presentes e como vêem como uma bênção o poder duma vida plena e encerrada pela velhice. A celebração tem um impacto significativo no bem-estar dos entes queridos, mesmo que já tenham aceite o falecimento em questão. 

Ao longo do Toca Tchur, também são utilizados um bombolom e um tambor para que se estabeleça a comunicação com o espírito, conduzindo-o diretamente ao mundo dos mortos. Para finalizar a cerimónia, danças e rituais são feitos com os símbolos dos povos ganha pão, dependendo de cada profissão. E a maioria das cerimónias são realizadas entre abril e junho, pois representa a época de colheitas. (...)
____________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 10 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22361: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (15): A religião, a fé e o medo

Utilizámos  também pequenos  excertos do blogue do autor, Molianos, viajando no tempo.

(***) Vd, também poste de 23de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9642: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (12): Os infelizes que estão em Cobumba...

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24876: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VII: Parte VII - Estar debaixo de fogo não é coisa que se deseja a ninguém, muito menos em Cobumba, na região de Tombali


Foto nº 1 > Levámos quatro viaturas para a Cobumba, no sul da Guiné, à beira do rio Cumbijã... Foram todas destruídas por minas. A primeira Berliet era conduzida pelo condutor José da Silva, apesar de tudo, uma vez mais a “sorte esteve com ele” foi a segunda mina que viaturas por si conduzidas acionaram... Desta vez seguia acompanhado por um cozinheiro de que já não me lembro o nome, foram os dois projetados nas alturas mas ficaram” apenas” com o susto que não terá sido nada pequeno: iam levar o café ao pessoal de dois pelotões que estavam instalados a cerca de quatrocentos metros do local onde ficava a improvisada cozinha.


Foto nº 2 > A segunda Berliet era conduzida pelo furriel mecânico, tinha acabado de chegar de férias naquela tarde vindo da Metrópole: também “apenas” sofreu o susto. Talvez aí, tenha percebido porque em Mansambo queríamos tanto colocar sacos de terra, ou de areia, debaixo do assento e ele não nunca deixou.


Foto nº 3 > A terceira viatura era um Unimog 404, não me recordo quem era o condutor, sei que saiu ileso do meio dos destroços, mas as consequências aqui foram terríveis, houve feridos um dos quais muito grave o popular "periquito". Ao fundo, podem ver-se algumas das casas que a nossa companhia andava a construir para a população (reordenamento).

A quarta viatura que acionou uma mina.   não aparece aqui: era também um Unimog 404, mas ainda foi possível ser recuperada e voltar ao serviço.

Guiné > Região de Tombali > Sector S4 (Cadique) > Cobumba > CART 3493 (1972/74)

Fotos (e legendas): © António Eduardo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. A história da unidade (BART 3873, Bambadinca, 1972/74), a que pertencia a CART 3493,  dá-nos uma pálida ideia dos que foram os oito meses desta subunidade em Cobumba, sector S4 (Cadique)... Daí a importància de testemunhos pessoais como estes, do António Eduardo Ferreira(*).

A ocupação de Chugué e Cobumba foi defimida pelo Directva nº  13/73 de 30 de março.A situação nas NT, em 1 de julho de 1973, no subsector de Cobumba / sector S4 (BCAÇ 451472, Cadique: abrangia os subsectores de  Bedanda, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cabedú, Chugué, Cobumba. Jemberém) era a seguinte:

  • CART 3493
  • 2 Pel/2ª /BAC 4610/72
  • 1 Sec Pel Can S/R 3079


A CART 3493  será rendida em Cobumba em 25nov73 pela CCaç 4945/73 (mobilizada pelo BII 19, Funchal)


2. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, em data difícil de precisar (c. 2013/2014).


Parte VII - Estar debaixo de fogo não é coisa que se deseja a ninguém, muito menos em Cobumba


(...) Ao chegar (a Cobumba, vindo de férias), ainda no ar, tive oportunidade de ver que muito havia mudado durante o tempo que eu estivera fora, as muitas árvores que ali existiam tinham sido quase todas derrubadas, muita terra mexida, abrigos subterrâneos que começavam a ser feitos, tudo estava diferente. (**)

Ao chegar a terra era grande a curiosidade que tinha em saber o que teria por ali acontecido durante a minha ausência, e não era menor a vontade que os meus camaradas tinham de me pôr ao corrente de tudo que tinha mudado, e que não tinha sido pouco.

E o que tinha acontecido durante a minha ausência, é que a acalmia dos primeiros dias tinha sido quebrada com enorme violência, quando certo dia pela madrugada o inimigo se infiltrou dentro do triângulo que era formado pela disposição das nossas forças no terreno, onde existiam muitas árvores que lhe serviram de abrigo, e estando eles no meio das nossas tropas e muito perto, a poucos metros, foi necessário ter muito cuidado em particular das nossas armas pesadas para não sermos nós a bombardear as nossas próprias forças. 

Terá durado esse ataque cerca de duas horas junto ao “arame” que nessa altura ainda não havia. 

Mas como em tudo na vida,  também na guerra havia momentos de sorte, e apesar da violência do ataque, dos nossos apenas um militar que estava na nossa Companhia, acidentalmente ficou ligeiramente ferido (pertencia à Engenharia, sediada em Bissau e tinha ido acompanhar material); do lado do inimigo segundo informações posteriores, terão tido várias baixas. 

Isto de estar tanto tempo debaixo de fogo não é coisa que se deseje a ninguém, só quem por lá passou pode fazer ideia do que isso era.

Durante as primeiras semanas foram levantadas várias minas próximo do sitio onde passámos a primeira noite, para sorte nossa estavam uns metros mais ao lado, talvez o sitio onde o inimigo pensasse que íamos acampar. O furriel que levantou essas minas assim como outras que entretanto vieram a ser colocadas, viria a ser uma das baixas da nossa Companhia, vitima dum acidente estúpido como são quase todos os acidentes.

Nessa altura ainda as valas eram de certo modo improvisadas, e abrigos só os destinados às comunicações, era pouca a luz eléctrica que havia, fornecida por um pequeno gerador que quase não iluminava a zona circundante de um dos três sítios em que estávamos sediados. 

Foi a partir desse ataque quase corpo a corpo que tudo se alterou, as árvores que tinham servido de abrigo ao inimigo foram quase todas deitadas abaixo, valas mais organizadas foram feitas, todos passámos a dormir em abrigos que tivemos de ser nós a fazer.

Para que o buraco a abrir tivesse mais segurança tinha de ser pequeno, assim juntaram-se dois ou três e cavavam até que coubessem de pé, depois era coberto com troncos de palmeiras e com cerca de um metro de terra por cima. 

Eu e outro condutor, o meu amigo Cruz, abrimos o nosso abrigo, se não tem sido o incidente do primeiro dia certamente também o Cabral faria parte do nosso grupo de abrigo. 

Durante a abertura sofri um ataque, não de fogo inimigo mas sim de abelhas, presumo que estivessem na terra entretanto remexida, pois apenas as vi quando começaram a espalhar sobre mim ferrões sem dó nem piedade. A minha primeira reacção foi meter-me debaixo de um chuveiro improvisado que nós tínhamos, três barris em cima de um cajueiro, mas elas não me deixavam, foi então que comecei a correr pelo meio do capim e só assim me vi livre delas.

Mas a tormenta não terminou ai, é que a tenda que servia de enfermaria ficou cheia de abelhas, e o enfermeiro que estava por perto enquanto viu por ali uma abelha, não me quis ir tratar, com muita sorte minha não sou alérgico às ferroadas

Quando as abelhas abalaram, lá veio o enfermeiro que me retirou cerca de trinta ferrões do rosto, dos quais sete estavam numa orelha, para além das dores que senti que foram muitas, não provocaram qualquer inflamação, mesmo a esta distância no tempo, ainda não esqueci a actuação menos própria do enfermeiro, coisa rara entre camaradas, mas mesmo em situações de guerra há sempre alguém que...

Depois de feito o abrigo era tempo de nos organizarmos: aproveitando alguma madeira que por lá havia,  fizemos cada um a sua cama onde colocamos o colchão de campanha que tinha sido distribuído a todos os elementos da Companhia, só que o meu durante o tempo em que dormi no chão rompeu dois dos cinco canos de ar que o compunham. A almofada era independente, como não podia dormir assim, foi necessário vazar os três que ainda tinham ar e ficar só com a almofada. 

No sitio do colchão estava uma manta dobrada, e assim tive de dormir durante os quase nove meses que lá estivemos, dentro do abrigo tínhamos como companhia a G3,  os cinco carregadores, e mais um cunhete com mil munições.

O trabalho dos condutores era quase nada, tínhamos pouco mais de um quilómetro de picada para percorrer desde as nossas instalações até ao rio, à medida que o tempo ia passando também as viaturas que tínhamos eram cada vez menos, a primeira a ficar inutilizada definitivamente foi uma Berliet. 

A comida era feita para toda a Companhia no mesmo local e depois transportada para o sitio onde estavam os outros elementos. Certo dia seguiam na viatura o condutor e um cozinheiro levar o café, era madrugada, porque estava previsto uma saída das nossas tropas, o que não viria a acontecer, porque uma mina rebentou fazendo ir pelos ares a viatura e os dois ocupantes, e claro o pequeno almoço que eles iam levar.

Mas uma vez mais a sorte esteve connosco, perdeu-se a viatura mas os ocupantes sofreram apenas o susto e já não foi pouco, o condutor foi o mesmo que em Mansambo conduzia a viatura que accionou a primeira mina das várias com que fomos contemplados, onde o furriel Ferreira perdeu um pé, - de seu nome José de Sousa

A viatura que tinha accionado a primeira mina em Cobumba, se da primeira vez foi possível ser recuperada, à segunda já não; ficou completamente destruída, ao accionar mais uma mina dentro do arame junto a casas que andávamos a construir para a população. Por essa altura já o PAIGC possuía os mísseis Strela com que tinha abatido várias aeronaves, era a terceira mina a ser accionada em Cobumba e também a que fez mais estragos, para além da perda da viatura houve três feridos graves. 

Como de costume foi pedida uma evacuação urgente via rádio, ficando nós à espera que não demorasse muito tempo, como normalmente acontecia, mas com a introdução dos Strela na guerra tudo se alterou; os nossos camaradas feridos estiveram no local onde supostamente o helicóptero os ia buscar, cerca de três horas

A mina rebentou por volta das duas horas da tarde, já passava das cinco quando de Bissau informaram que a evacuação tinha que ser feita em Cufar, depois de toda aquela espera foi necessário organizar uma coluna via rio Cumbijã com os nossos três barcos, e com o apoio dos fuzileiros que estavam próximo de nós, no Chugué

Era já noite quando a evacuação se efectuou, não de helicóptero como era costume, mas sim de outra aeronave que suponho ter sido um Nordatlas.

Era já tarde quando o pessoal e barcos utilizados na evacuação regressaram, se o nosso moral era já muito baixo, a partir dai ficou de rastos, todos pensávamos que um de nós poderia ser a próxima vitima do novo rumo que a guerra tinha tomado, necessitar de ser evacuado e não ser possível em tempo útil.

Das quatro viaturas que tínhamos, duas já estavam inutilizadas, mais ou menos de oito em oito dias estávamos de serviço de condução, o resto dos dias era esperar que o tempo passasse, quase sempre por perto dos abrigos. 

Todas as noites tínhamos de fazer reforço, o primeiro turno era apenas feito por um militar, os outros eram feitos a dois, a zona era tão má que não podíamos facilitar em nada, como éramos poucos, até os furriéis tinham de fazer reforços, e, contrariamente ao que estavam habituados, ir como nós à cozinha buscar a comida, pois ali tudo era diferente.

A razão que nos levava a estar sempre perto dos abrigos é que as flagelações à distância de quando em vez aconteciam, e a qualquer hora, mas mais grave ainda é que eram muitos os aquartelamentos ou acampamentos na zona, e no inicio dos bombardeamentos não sabíamos a quem se destinavam, só depois de começarem os rebentamentos, e de informações via rádio ficávamos a saber quem eram os destinatários.

Em Cobumba quase todos usávamos chinelos de plástico, quando começava um ataque e tínhamos de fugir para os abrigos, perdíamos logo os chinelos. A correr sem ser a medo nunca os perdíamos. Era mais um passatempo que tínhamos, depois da “festa” acabar havia que procurar onde estariam os chinelos.

Os ataques do IN por vezes tinham também como objectivo desmoralizar as nossas tropas, pois chegavam a disparar duas ou três vezes o RPG, uma ou duas morteiradas e depois paravam. De realçar que a zona onde nos encontrávamos era terra do PAIGC. Algumas vezes nem sequer respondíamos às provocações ou respondíamos na mesma medida.

Certo dia apareceu uma mulher com uma galinha para vender, coisa rara naquelas paragens, pois por ali o povo não estava connosco. Passado este tempo chego a pensar se a galinha não terá sido um pretexto para fazer algum reconhecimento atendendo ao que a seguir se passou.

Alguns de nós condutores compramos a galinha, e claro, fomos logo tratar de a pôr a jeito de ir para a frigideira. Ainda que funcionasse poucas vezes, tínhamos uma máquina a petróleo que o condutor Cruz logo se prontificou para pôr a trabalhar para fritar a galinha. 

Estava a começar a aquecer o azeite, começam a cair algumas morteiradas, há que deixar a galinha e fugir para o abrigo, mas o fogo foi pouco e sem consequências. O Cruz volta ao trabalho, estava a pôr os primeiros pedaços na frigideira volta a haver mais fogo, uma vez mais tudo para os abrigos. O Cruz começava a ficar impaciente, o fogo inimigo voltou a ser pouco, as nossas armas pesadas respondiam de igual forma, esperamos mais algum tempo tudo se calou e nós pensamos que para aquele dia já chegava,mas bem nos enganamos. 

O cozinheiro voltou ao serviço convencido que desta é que era, mal começa a pôr a máquina a trabalhar nova flagelação, desta vez com um míssil à mistura e mais umas poucas morteiradas, e como sempre todos a fugir para os abrigos, daquela vez as nossa artilharia creio que nem respondeu ao fogo do IN. 

O Cruz bastante aborrecido com a situação decidiu, agora ataquem mais ou não, eu é que não saio daqui enquanto não fritar a galinha! E desta vez pararam mesmo, mas só naquele dia, que a festa haveria de continuar quando eles entendessem.

Por essa altura ainda tínhamos duas viaturas operacionais. Certo dia à tardinha o furriel mecânico, acabado de chegar de férias da Metrópole, foi dar uma voltinha com uma Berliet. Andou cerca de quinhentos metros, estava uma mina na picada que o fez ir pelos ares, mas também desta vez com sorte, a viatura ficou destruída mas ele apanhou apenas um grande susto, o que não foi nada que ele não merecesse. 

Em Mansambo, quando tínhamos muitas viaturas e percorríamos muitos quilómetros, víamos condutores de outras Companhias que debaixo e em volta dos bancos traziam vários sacos com areia, tendo em vista proteger um pouco o possível impacto do rebentamento das minas a que estávamos sempre sujeitos, mais que não fosse do ponto de vista psicológico protegia-nos. Pois o nosso furriel mecânico não autorizava que puséssemos esses sacos!...

A partir dessa altura ficamos apenas com uma viatura operacional, o serviço dos condutores era cada vez menos, em boa verdade também não podíamos ser sujeitos a grandes esforços físicos, pois a alimentação a que estávamos sujeitos não permitia que tal acontecesse. 

À medida que o tempo passava mais difícil se tornava o abastecimento de géneros alimentares. Até parece mentira mas não é, houve um dia em que o almoço foi arroz cozido acompanhado com marmelada, e no local que servia de cantina, não havia nada que pudéssemos comprar.

Não havia bicho que chegasse ao arame que escapasse. Certo dia, um que os nativos diziam ser gato foi atraído à luz durante a noite tendo sido abatido, mais parecia ser um cão na fisionomia, mas pouco importou se era cão ou gato, o destino foi ser assado com batatas no forno dos padeiros. 

De outra vez foram os nativos que mataram uma cobra muito grande para lhe tirarem a pele, mas logo houve alguém que achou por bem não desperdiçar tal manjar, e também a cobra foi parar ao forno. Eu não consegui comer mas lá que o petisco parecia estar bom isso parecia. 

Outro dia foi a vez de esquilo guisado com batatas, dessa vez também eu quis provar, ainda pus um bocado na boca mas não o consegui comer.

A pouco mais de um mês de abandonarmos Cobumba, num dia em que eu estava de condutor de serviço com a única viatura que tínhamos operacional, os picadores como era costume fizeram a picagem do trajecto que eu depois teria de percorrer onde detectaram uma potente mina anti-carro, que foi levantada pelo Furriel Trindade o homem encarregado de fazer esse trabalho.

 Ao contrário de outras que foram accionadas no local, essa foi levada para a nossa arrecadação onde estava muito material relacionado com a construção, enxadas, picaretas, pregos e outro material, parte dessa arrecadação servia também de depósito de géneros alimentares, onde se encontravam umas dezenas de sacos de farinha para cozer pão. No que à alimentação diz respeito o pão foi a única coisa sempre boa.

Uma tarde, passados três dias após o levantamento da mina, estavam três militares junto do local onde ela se encontrava. Nunca ninguém soube o que se terá passado, o certo é que ouvimos um estrondo enorme, nos primeiros instantes chegámos a pensar que teria caído por ali algum foguetão, mas não, depressa encontramos a causa, a mina que tinha sido levantada dias antes, tinha explodido e feito desaparecer as instalações, ferindo gravemente os três homens que lá se encontravam, que viriam a ser evacuados para o Hospital Militar em Bissau.

Na manhã do dia seguinte recebemos a noticia que dois tinham falecido, o Furriel Galeano e um soldado do 2.º Pelotão cujo nome já não me recordo, o outro esteve cerca de um mês no hospital, vindo ainda a tempo de regressar à Companhia que passados poucos dias regressava a Bissau. 

Foi terrível o que aconteceu, mas podia ter sido ainda pior, do lado que servia de depósito de géneros, separados apenas por umas chapas, estavam mais quatro homens a jogar as cartas, tiveram a sorte de estar encostados a uma pilha de sacos cheios de farinha, que amorteceu o impacto e só por isso a tragédia não foi maior.

Faltavam poucos dias para sairmos de Cobumba sofremos mais um violento ataque que durou cerca de trinta minutos, que pareceram horas, em que o inimigo utilizou várias armas: o morteiro 82, o canhão sem-recuo, o RPG 7 entre outras, mas uma vez mais a sorte esteve connosco, apesar da precisão do bombardeamento pois caíram várias granadas dentro do aquartelamento, e junto há picada que só por sorte ainda não estávamos a percorrer. 

Apenas tivemos dois feridos ligeiros, vitimas do rebentamento de uma granada de RPG7, eram os apontadores do nosso canhão sem-recuo que ao introduzirem a primeira granada ficaram logo inoperacionais. Houve uma vitima mortal, uma mulher da população.

Nesse dia também eu estava de serviço de condução, já tinha tomado banho, tomava banho normalmente três vezes ao dia , havia pessoal nosso que tinha ido a Cufar, como de costume via rio Cumbijã, e nós tínhamos de os ir levar e buscar ao rio assim como aos barcos. Era fim da tarde, estávamos no cais à espera que eles chegassem, ao mesmo tempo que a aviação bombardeava não muito longe de nós, ainda os Fiat iam a caminho de Bissau, já estávamos a ser bombardeados, o que levou alguns a pensar que seria ainda a nossa aviação a bombardear, mas não, era mesmo Cobumba que estava a ser atacada, o rio naquela altura estava com a maré baixa cerca de três ou quatro metros, muitos de nós tentamos abrir buracos no lodo deixado pelo baixar da maré para nos protegermos, se é que isso ajudava alguma coisa, mas era o que nos restava fazer, mas as granadas mais próximas caíram a cerca de cem metros de nós.

Passados alguns dias chegou a Companhia que nos foi render a Cobumba. Durante o tempo em que estivemos com os “piras”, cerca de dez dias, fomos atacados uma vez, para eles era o baptismo de fogo, mas também desta vez apesar de nos mandarem alguns foguetões à mistura não nos causaram qualquer dano, a não ser algumas pisadelas pois os abrigos onde nos abrigávamos, durante este ataque ficaram com o dobro da lotação. 

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24871: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VI: Cobumba... onde é que isso fica?

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24871: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VI: Cobumba... onde é que isso fica?


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956)  > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda,  Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, em data difícil de precisar (c. 2013/2014).


Parte VI - Cobumba? Onde fica isso?

(...) O pior da nossa comissão estava para vir.  No fim de março de 1973, a nossa Companhia foi informada que íamos ser transferidos para Cobumba, nome para nós desconhecido, mas logo nos disseram que ficava na zona sul,  próximo do Cantanhez, e estava tudo dito, uma das piores zonas de guerra na Guiné. (*)

Deixámos Mansambo, e depois de cerca de uma semana em Fá Mandinga e mais três ou quatro dias em Bissau, era chegado o dia de rumarmos ao Sul na LDG que nos haveria de levar até Cobumba. 

Iniciámos a viagem ao começo da tarde do dia 7 de abril de 1973, sábado, acompanhados daquilo que era indispensável para início da nossa instalação no terreno. Ao anoitecer chegámos algures à foz do rio Cumbijã e ali tivemos de ficar o resto da noite. 

Ao mesmo tempo que a LDG parava, levantou-se uma trovoada violentíssima ao ponto de ficarmos todos assustados com a agitação do mar que até aí tinha sido de calma absoluta, depois dos marinheiros terem descido as âncoras e a trovoada acalmar, passámos uma noite com a normalidade possível.

No dia seguinte fizemos o resto da viagem rio acima acompanhados por um navio patrulha da Armada até Cobumba, sítio onde nunca tinha estado aquartelada tropa portuguesa. Chegámos ao início da tarde, estava na região muita tropa especial (paraquedistas, do BCP 12) mantendo segurança ao nosso desembarque. 

À medida que as quatro viaturas que levávamos (duas Berliet e dois Unimog 404) iam saindo da LDG, eram carregadas e seguiam fazendo uma pequena viagem de cerca de quatrocentos metros onde eram descarregadas.

As viaturas tinham sido dias antes levantadas em Bissau por quatro condutores que para esse efeito tinham saído mais cedo da Companhia. Durante a descarga foram esses condutores a manobrar as viaturas (eu, não indo a conduzir,  fui um dos que foram nas primeiras quatro carradas), à medida que descarregavam voltariam ao rio para novo carregamento.

Sendo eu o condutor que naquele momento estava mais próximo da primeira que descarregou, o capitão, comandante da Companhia, disse-me para eu seguir com ela para o cais, tendo eu perguntado ao condutor que fizera o primeiro trajecto se ele queria que eu fosse ao rio, respondendo-me que não, que ia ele. Com toda aquela confusão nem sequer pensávamos em minas, pois a estrada teria sido supostamente bem picada e já tinham passado as quatro viaturas uma vez.

O condutor Cabral, e o Varela.  das transmissões,  eram os únicos ocupantes que seguiam na viatura de regresso ao rio, percorreram cerca de trinta ou quarenta metros e a viatura acionou uma mina que,  pelo estrago feito,  talvez fosse antipessoal, mas mesmo assim ficou alguns dias inutilizada, tendo o Cabral e o Varela ficado feridos, e voltado logo para Bissau, rumo ao Hospital Militar num helicóptero que passados poucos momentos chegou ao local. 

O Varela,  não tendo nada de grave, no dia seguinte voltou para a Companhia; o Cabral não mais voltou, foi ferido com gravidade numa vista tendo sido enviado para o Hospital Militar Principal de Lisboa.
 
O desembarque do resto do pessoal e de carga continuou, mas com atenção redobrada dado as coisas começarem a correr mal logo de início; o resto da operação de desembarque decorreu sem sobressaltos de maior. 

Na primeira noite a Companhia ficou toda no mesmo sítio. Na manhã do dia seguinte quase toda a formação (criptos,  radiotelegrafistas, condutores, padeiros, mecânicos, enfermeiros, alguns elementos de transmissões, uma secção de artilharia tendo a seu cargo o morteiro de 107 milímetros, o comando da Companhia e mais dois pelotões de atiradores) foram instalar-se a cerca de quatrocentos metros. 

Os outros dois pelotões ficaram no mesmo sítio, assim como uma secção de especialistas de armas pesadas tendo como função ocupar-se de um canhão sem recuo, a precisar de reforma.

A cerca de trezentos metros do pessoal da nossa companhia estavam mais dois pelotões que, estando connosco,  pertenciam a outra companhia, ou seja, estávamos distribuídos em três sítios,  formando um triângulo separados por poucas centenas de metros, um desses três era como que o equivalente à CCS do Batalhão,  já que aí se situava o comando da Companhia, e quase toda a formação.

Depois foi instalarmo-nos o melhor possível,  o que não foi fácil, estávamos habituados a ter luz, abrigos com alguma segurança e menos guerra, ali tudo era diferente, houve que fazer valas apressadamente, montar tendas, fazer um forno para cozer o pão, tendo sempre como companhia a inseparável G3. 

No primeiro mês o PAIGC não nos incomodou… durante esse tempo foram feitos outros trabalhos, mas aquela calma… deixava antever qualquer coisa que nós não sabíamos muito bem o que seria!

Entretanto,  conforme estava previsto, vim a segunda vez de férias à Metrópole; numa zona sem vias de comunicações viárias, isolada com guerra por todos os lados, restava-nos fazer o trajecto pelo rio ou via aérea("mas pelo ar só em casos especiais"), e lá fui numa coluna de pequenos barcos de fibra,  os “sintex”, até ao aquartelamento de Cufar, onde existia uma pista de aviação (creio ser a melhor do sul da Guiné). 

No mesmo dia embarquei num avião Nordatlas até Bissau, foi a aeronave mais barulhenta das sete em que viajei durante o meu tempo de guerra que foram: o DC 6, o Dakota, a avioneta DO 27, o Boeing 727, o Nordatlas, o Helicóptero, e o Boeing 707, que nos trouxe de regresso à metrópole no final da comissão.

Passados dois dias em Bissau, embarquei em Bissalanca rumo a Lisboa onde cheguei ao cair da noite: se da primeira vez que vim de férias,  o meu pensamento estava quase sempre no dia em que teria de regressar a África, agora a confusão era ainda maior; mesmo junto da minha esposa e do meu filho muitas vezes a minha ausência era quase total, foi um tempo de tal confusão que quase nada me lembro daquilo que por essa altura terá acontecido.

Se da primeira vez conhecia bem o sítio para onde iria voltar; da segunda apenas sabia ir para uma das zonas de maior actividade operacional do IN. Ainda bem que durante as férias não tive qualquer notícia daquilo que por lá se passava, pois se tal tivesse acontecido a partida teria sido ainda mais dolorosa.

Terminadas as férias lá fui uma vez mais rumo a Bissau onde cheguei ao fim da manhã, no mesmo dia tive transporte para Cufar e de novo no barulhento Nordatlas, como os homens por mais que fossem eram sempre poucos naquela zona, à tardinha arranjaram-me boleia para Cobumba, desta vez de helicóptero com uma breve passagem por Bedanda, onde o heli que me levava se manteve no ar enquanto o helicanhão foi a terra, cheguei a Cobumba ao fim do dia.  (...) (**)

(Seleção / revisão / fixação de texto /negritos: LG)
____________

Notas do editor:

(*) Excerto de 21 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9635: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (3): De Mansambo para Cobumba

sábado, 28 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24803: As nossas geografias emocionais (11): Ainda a nascente de água e o fontenário de Bambadinca, inaugurados em 1948 pelo governmador Sarmento Rodrigues

Foto nº 1 


Foto nº 2

Foto nº 3

Guiné-Bissau _ Região de Bafatá > Bambadinca >2023 > A nascente e depósito de águia (em "Agua Verde", presumimoS) (Fotos nºs 1 e 2) e o fontenário que desde 1948 abastece a antiga tabanca de Bambadinca (Foto nº 3). Fotogramas capturados do vídeo de Paulo Cacela (2023), "Dentro da Maior Tabanca da Guiné-Bissua" (*)

 Fotos © Paulo Cacela (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Foto nº 4>   Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70)  e Pel Rec Daimler 2046 (1968/70) > A zona ribeirinha de Bambadinca, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito), alagada no tempo das chuvas... Foto provavelmente de meados de 1968 ou 1969...  

Nesta foto, mostrando uma coluna a chegar a Bambadinca, vinda de Bafatá,  são visíveis o fontenário (assinalado a vermelho) e o depósito de água do quartel e posto adminmistrativo (assinalado a azul).  Julgamos que o quartel era abastecido pela mesma nascente ou depósito de água existente no sítio da Água Verde.

Foto © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Carta de Bambadinca (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Rio Geba, Finete e Fá, e estradas para Xime  (sudoeste) e Xitole e Saltinhp (sul). E ainda, nas imediações de Bambadinca, Água Verde e Bambadincazinho (cotas entre 45 e 42). O pequeno planalto ou morro onde se situava o quartel do nosso tempo devia estar a uma cota de 27.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaaradas da Guiné (2023)


Guiné > Região de Zona  Leste >  Região de  Gabu > Ñova Lamego > Fonte de Nova Lamego... Aspeto parcial com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, com a seguinte inscrição: «Fonte da Várzea CABO (sic) 1945». Obra do tempo do governador Sarmento Rodrigues (1945-1949), como diversas outras.
 
Foto (parcial) de postal ilustrada: "Nova Lamego, Guiné Portuguesa".  Colecção "Guiné Portuguesa, nº 153". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL). 

A partir de exemplar da colecção do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.

Digitalização e edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


1.  O  recente vídeo, já aqui mostrado,  do "youtuber" Paulo Cacela, sobre Bambadinca ("Dentro da maior tabanca da Guiné-Bissau") revelou-nos a existència do "depósito de água", nascente ou  "mãe de água" que abastecia a  Bambadinca do nosso tempo. E que continua a funcionar, desde a sua inauguração, em 1948, com a presença do governador Sarmento Rodrigues (Freixo de Espada à Cinta, 1899-Lisboa, 1979)  (de acordo com fotos do seu arquivo particular, disponíveis no Arquivo Histórico de Marinha)

Na altura não conseguimos apurar a localização exata. E nunca visitámos esta nascente ou depósito de água, nas imediaçóes de Bambadinca,  no tempo em que lá estivemos (1969/71).

A paisagem (onde se localiza esta captação de água, do tempo colonial) é luxuriante,a  avaliar pelo vídeo. O "poço " ou "mina" ou "depósito" está muma cota mais elevada, numa zona de rocha. A água sabia a ferro (no nosso tempo). O Paulo Cacela também não a achou particularmente saborosa. A existència e a captação  de água potável na Guiné  sempre foram um velho problema.

Explorando a carta de Bambadinca (vd. infografia acima), e verificando as diversas cotas, achamos que o sítio deve chamar-se "Água Verde", perto de Bambadinzinho (um reordenamento no nosso tempo)  e estar a uma cota de 35/42.   

O fontanário, por sua vez, estará à cota 5, na baixa de Bambadinca, a escassos 100 metros da margem esquerda do rio Geba Estreito, do destacamento de Intendència e do antigo porto fluvial (um troço de rio que deixou há muito de ser navegável devido ao assoreamento; no nosso tempo, os barcos civis ou "barcos turras" iam inclusive até Bafatá; e até 1968/69, as LGD da nossa Marinha chegavam a Bambadinca).

Não sabemos também a exata distància entre a nascente e o fontenário. Mas pelos nossos cálculos deve ser, no máximo, de 2 km. Tudo indica que a água corre, por gravidade, em tubos (ou manilhas), da cota 35/42 até ao destino final (na cota 5)... 

Mas abastecia também, quanto julgamos, o posto administrativo de Bambadinca e demais instalações civis (incluindo a escola primária e a casa da professora, cabo-verdiana), sitas num morro, que estaria à cota 20 e tal. (No nosso tempo havia um depósito de água no quartel, perto do arame farpado, donde se avistava a tabanca de Bambadinca e o rio Geba (Foto nº 4, tirada de norte para sul, ou seja, da zona fluvial para o quartel, cujo acesso era feito por uma rampa relativamente íngreme). 

A possível referência ao BART 3873, gravada no cimento, aparece ao minuto 53, já quase para o fim do vídeo (*). (Foto nº 2). Á direita do número (3873) percebem-se as letras "...IRES". Com um pouco de boa vontade, pode ser um apelido de um militar "PIRES" que terá feito um trabalho de reparação no depósito, ao tempo em que aquela unidade, ou a respetiva CCS  (Companhia de Comandos e Serviços) esteve em Bambadinca e no Sector L1 (Xime, Mansambo e Xitole) (1972/74). Esta nascente ou depósito de água também foi inaugurada em 1948 pelo governador Sarmento Rodrigues.

 O fontenário de Bambadinca, de 1948  já pouca gente se lembrava dele (**)... Mas temos fotos que documentam a sua existência, ao longo do tempo, de camaradas nossos como o Libério Lopes (1964), o José Carlos Lopes (c. 1968/70), o  Jaime Machado (c. 1968/69), o Humberto Reis (c. 1969/71 e depois 1996).... 

Está agora pintado de branco e azul (não devia sera  cor originalI) (foto nº 3), conforme fotograma do vídeo do Paulo Cacela: continua a funcionar e  dar água aos bambadinquenses, desde há 75 anos!  


Guiné > Reegião de Bafatá > Bafatá > 1959 >  "A fonte pública de Bafatá, 1918" [ Esta belíssima fonte, na "Mãe de Água", na zona conhecida como "Nova Sintra",  de Bafatá, também aparece no filme de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube" (***), mas já muto degradada, bem, como aliás todo o seu meio envolvente... 

O nosso especialista, o arquiteto Fernando Gouveia, que esteve em Bafatá como alferes miliciano nos anos de 1968/70, descreve esta zona nestes termos, num dos seus postes do roteiro de Bafatá: "A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras".

Foto disponibilizada pelo nosso camarada Leopoldo Correia (ex-fur mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65); e e outras fotos otos de Bafatá, de 1959, foram tiradas por um familiar do nosso camaraada.  "ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa, filha do senhor Faraha Heneni",


2. Durante a governação de Sarmento Rodrigues (1945-1949) construiram-se pelo menos três dezenas de fontes, fontanários, nascentes  e depósitos de água, de acordo com registos (fotográficos) constantes do Arquivo Particular do Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues, que integra o Arquivo Histórico de Marinha (as fotos ainda não foram digitalizadas, o que é uma pena) ... O desenho destas fontes ou fontanários deve ter sido da responsabilidade do GAC - Gabinete de Arquitetura Colonial, em Liusbvo

01 Fonte de Maussim, Jabicunda
02 Fonte de Dandum, Bafatá.
03 Uma Fonte em Fulacunda
04 Fonte de Lenquetó, Gabu.
05 Uma Fonte em Fulacunda
06 Fonte de Várzea do Cabo, Nova Lamego.
07 Fonte de Várzea do Cabo, Nova Lamego.
08 Fonte de Madina, Gabu.
09 Fonte de Quinlandi. 1945-05/1945-05
010 Fonte da Horta de Sónaco, Gabu.
011 Fonte do caminho de Biambe ,Mansôa.
010 Fonte da Horta de Sónaco, Gabu.
011 Fonte do caminho de Biambe ,Mansôa.
012 Fonte Frondosa de Empada, Fulacunda
013 Nascente nº 1, Bafatá. 1946-04/1946-04
014 Depósito nº 1, em Bafatá. 1946-04/1946-04
015 Fonte de Sónaco (circunscrição de Gabu). 1946-05/1946-05
016 Fonte de Madina. 1946-05/1946-05
017 Fonte de Madina no Boé. 1946-05/1946-05
018 Obras de Captação da Nascente nº 2, Bafatá. 1946-05/1946-05
019 Fonte de Nhacra, em Construção. 1946-06/1946-06
020 Poço de Enchudé, Acabado de Reparar. 1946-06/1946-06
021 Fonte de Safim, em Construção. 1946-06/1946-06
022 Fonte de Biambi. 1946-08/1946-08
023 Fonte de Contubel. 1946-09/1946-09
024 Fontanário de Fulacunda. 1947/1947
025 Fonte das Mocinhas. 1948/1948
026 Fonte de Timbó. 1948/1948
027 Fonte de Lenquerim. 1948/1948
028 Fontanário de Bambadinca. 1948/1948
029 Fontanário de Bambadinca. 1948/1948
030 Fontanário de Bambadinca. 1948/1948
031 Fontanário de Bafatá. 1945-05/1945-05
032 Fontes de S. João. 1946-09/1946-09
033 Fontes e Miradouro de S. João. 1946-09/1946-09
034 Fonte de Binar. 1946-08/1946-08
035 Fonte de Tór. 1946-06/1946-06
036 Fonte de Tór. 1946-06/1946-06
037 Fonte de Gam Grande. 1946-08/1946-08
_____________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 27 de outubro de  2023 > Guiné 61/74 - P24798: As nossas geografias emocionais (10): O fontenário de Bambadinca de 1948, de que quase ninguém... já se lembra(va)!

(***) Vd. poste de 5 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14120: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Notas à margem do documentário de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube", com direção de fotografia da Marta Pessoa (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78')