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sábado, 13 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25741: Os nossos seres, saberes e lazeres (636): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (161): As cores da primavera e cumprimentos a Velásquez na Gulbenkian (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Com os avisos da primavera, meti-me ao caminho para apreciar o multicolorido de um jardim construído entre fraguedos, nos casebres que tenho em Reguengo Grande. Foi tal a satisfação de ver esta sonata de cores, e depois de andar a catar as ervas, achei por bem que registar em imagens o viço que desponta da terra, mesmo quando encerrada em tanta aspereza. E tanto se trombeteia que há um Velásquez com retrato de Filipe IV para nós vermos na Gulbenkian que vim ver como me comportava no confronto. É uma tela notável, ainda bem que o rei Habsburgo aparece naquele aparato militar para esmagar a revolta da Catalunha, tivemos sorte em haver duas frentes, deu-nos para ter gana em querermos ser independentes mesmo à custa de termos vivido nessa guerra da Restauração o mais trágico período financeiro da nossa História. Quanto aos catalães, eles que decidam. Aproveitei a ocasião para ir saudar algumas das obras que tantas vezes me fazem visitar este museu único e partilho convosco a alegria de as rever.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (161):
As cores da primavera e cumprimentos a Velásquez na Gulbenkian


Mário Beja Santos

Quando adquiri a casinha no Reguengo Grande, concelho da Lourinhã, a promotora imobiliária teve a preocupação de salientar dois aspetos do local: que não me esquecesse do clima, manhãs com neblina, mesmo no verão, uma indiscutível amplitude térmica, a este aspeto respondi prontamente que passara férias anos a fio na Foz do Arelho, ia com os sete filhos da minha madrinha às 9 horas, a neblina costumava levantar por volta do meio-dia e a camioneta trazia-nos de volta pelas 13h, passeávamos de camisola até ao Gronho, ouvindo as fúrias do mar, a senhora promotora que não se preocupasse com esse aspeto, era bem conhecido; e que no fim do terraço havia um espaço inclinado para o vale, património da casa, o antigo proprietário, que praticava o alojamento local, tudo fizera para manter aquela superfície de fragas envolvida em mato. Aceitou-se o desafio, o resultado está à vista, no meio destas pedras que nos lembra a idade do Quaternário a primavera agita-se, multicolorida, até as laranjeiras dão fruta doce, o vale é fecundo, a minha vizinha dá-me abóboras, pêssegos e da última vez trouxe um carrego de favas. Estou num paraíso, não troco este meu lugarejo por um palácio.

Os casebres têm dois terraços, esta manhã sinto a grande satisfação de ter arrancado todas as ervas daninhas, fez-se limpeza geral, costume almoçar no outro terraço pondo um toldo, há mais sombra, fecho os olhos no pós-prandial e vem sempre um sono retemperador.
O colorido entre os pedregulhos falam por mil palavras, ninguém imaginará que aqui havia mato com quase 2 metros de altura.
Procurou-se dar-se um toque de romantismo, há um banco debaixo da figueira, quando começarem a rebentar os figos há para aqui um perfume embriagador, é uma das doçuras da vida campestre, mesmo que se tenha de afugentar as moscas ou ver passar cobras a alta velocidade.
O senhor Tozé é multiusos, faz obras na casa e dá alvitres para que haja mais segurança no jardim, fez estes degraus e outros mais, no cimo está uma das laranjeiras e uma janela aberta sobre o vale.
A Fundação Gulbenkian trombeteia em todos os órgãos de comunicação social que há uma tela de Velásquez no museu, um empréstimo que vem da coleção Frick, sediada em Nova Iorque. Trata-se de um retrato a meio corpo de Filipe IV, era a obra preferida do colecionador Henry Clay Frick, adquirida em 1911. O que há de mais revelante nesta obra-prima?
Se estivesse a contemplá-la com um espanhol ao lado, penso que não teria coragem de lhe dizer que o rei andava na sua incursão militar na Catalunha, 1644, os catalães tinham-se revoltado em 1640 e os exércitos espanhóis desdobraram-se com os acontecimentos portugueses e os da Catalunha. Foi uma guerra que nos levou praticamente à falência, mas vencemos, a seguir veio o acordo de paz, depois das últimas refregas em 1668, a partir daí Castela não tem qualquer ilusão que “de Espanha não vem bom vento nem bom casamento”. Então, o que há de mais relevante é que Velásquez pintou o retrato do rei Habsburgo num ateliê improvisado, era o quartel-general das tropas espanholas. O monarca aparece-nos representado como um chefe militar determinado e vitorioso, enverga sobreveste adornada com brocados, é um conjunto que no seu todo parece matéria viva, é impressionante a modelagem dos tecidos, parecem saltar da tela. E já que vim ao cheirinho desta obra-prima, como é meu costume vou visitar algumas das obras mais diletas.

Se é facto que detemos uma portentosa baixela Germain encomendada pelo nosso rei Magnífico, esta peça central de um centro de mesa constituído por três, é impressionante, e descobri que ao fundo está o retrato de Thomas Germain e sua mulher, na chamada secção de arte francesa, gostei da combinação, aqui a tendes.
No máximo sigilo, o Governo soviético, no início da década de 1930, vendeu um conjunto de peças para angariar fundos, fora ano de penúria de cereais, Gulbenkian tinha relações formais com as autoridades soviéticas, tudo por causa do petróleo de Baku. Lá se entenderam e entre outras preciosidades que seriam bem acolhidas em qualquer grande museu de fama mundial estão patentes no museu o quadro da mulher Rubens e esta espantosa escultura, a Diana, de Houdon, um assombro.
Não é a primeira vez que venho a este museu só para estar a contemplar este naufrágio que saiu do génio de Turner. Ficamos com o coração contrito a ver à esquerda o afundamento do navio, as ondas revoltosas e as cores medonhas do céu provocam um terrível contraste; e partilhamos da dor daqueles que procuram a salvação em pequenas embarcações ondulantes, e o grande pintor obriga-nos a fixar o olhar naquela jangada patética onde se procura a sobrevivência enquanto as ondas revelam pedaços da carga do navio enquanto ondas raivosas atiçam aquele mastro que parece vir a ser engolido pela onda que se ergue à direita. Não é por nada, mas temos uma obra-prima de Turner de um calibre tal que faz com que, às dezenas de visitantes, a aglomeração à sua volta, é um dado permanente.
Este inverno cheio de neve foi pintado por Jean-François Millet marca o movimento naturalista, tenha a intuição que anuncia Van Gogh, mas é coisa minha, o que mais me atrai é o elogio da natureza, não há aqui acabrunhamento nestes rigores de inverno, parece que a natureza adormeceu, e o que mais me compraz é a solução talentosa de criar um fio de horizonte e obter com as mesmas cores soturnas um céu ameaçador, com aquela solução de génio que é, ao fundo, uma mansão iluminada por uma luz que parece ter o condão de nos alertar de que a seguir ao inverno vem a primavera.
Quando se folheia uma obra dedicada ao grande escultor Rodin, as imagens mais esplendentes prendem-se com formas volumosas, ou grupos escultóricos que nos obrigam a andar à roda ou até mesmo aquela finura do pensador, que tem algo de matéria bruta. Ora a escultura As Bençãos situa-se no polo oposto, as formas delicadas parecem emergir da tal matéria bruta, têm tal graciosidade e finura que nos deixam sempre um olhar maravilhado.
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Nota do editor

Último post da série de 6 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25721: Os nossos seres, saberes e lazeres (635): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (160): Díspares modos de ver, mimoseio para um coração feliz – Reguengo Grande, Praia da Adraga, Ofélia Marques (Mário Beja Santos)

sábado, 8 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24209: Os nossos seres, saberes e lazeres (567): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (97): Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Aqui termina a contabilidade das minhas obras preferidas no Museu Gulbenkian. Durante anos procurei ler muito sobre a personalidade do colecionador, aliás houve uma bela exposição sobre o colecionador, exibiam-se mesmo os seus cadernos, os seus comentários sobre as obras, o seu afã em adquiri-las, como qualquer colecionador ele tinha paixões ao rubro e na sua casa apalaçada da avenida Iena, relativamente perto do Arco do Triunfo, ele tinha tudo exposto, seguramente que cirandava por aquelas salas e salões a contemplar todas as conquistas, fruto de apuradas escolhas, era muito exigente, interessava-lhe unicamente o melhor, dentro daquela pauta de critérios de que a arte que o empolgava já não incluía nem cubismos nem expressionismos e todas as correntes e movimentos que se seguiram, aliás está à entrada do museu uma peça modernista que marca a fronteira do seu gosto. Deu-me hoje para recordar o que aprendi com dois diretores e várias conservadoras que tiveram a amabilidade de me receber, confesso que demorei a entender-me com o gosto do colecionador, um arménio com um pé no gosto ocidental e outro nas suas raízes, extensíveis a Chinas e Japões, tudo se reflete na intensidade deste ecletismo que não deixa nenhum visitante indiferente com as escolhas do senhor Gulbenkian.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (97):
Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (2)


Mário Beja Santos

Tive o privilégio de conhecer e conversar amiudadas vezes os dois primeiros diretores do museu, Maria Teresa Gomes Ferreira e João Castel-Branco Pereira. Na colaboração que levei de 28 anos no Jornal de Notícias criara uma secção que intitulei “Necessidades espetaculares”, aproveitava uma exposição e conversava com um dos diretores ou com conservadores, no caso de alguma das exposições estar associada a peças em reserva, foi o que aconteceu com as exposições do tapete Mogol, os belíssimos livros que Gulbenkian adquiria, sobretudo com encadernações Arte Nova, a mobília do artista Talma ou a recuperação de obras de arte depois das inundações terríveis que houve no palácio de Oeiras. Apreciei sempre a competência da primeira diretora, admirei a capacidade comunicativa de João Castel-Branco Pereira, impressionou-me a organização de catálogos temáticos que são seguramente obras de referência em diferentes domínios, caso das duas grandiosas exposições sobre naturezas-mortas europeias.
Habituado aos cantos daquele museu, passei a fazer raides, hoje vou limitar-me à coleção de moedas, ou às loiças Iznik, os vasos Seljúcidas ou aos impressionistas ou então cirandar na sala reservada às obras de Francesco Guardi. Fui afinando o gosto, termino agora com as peças do meu relicário, e não posso deixar de insistir que a dívida que tenho para com esta Fundação é impagável, não encontrei melhor homenagem à memória deste filantropo que exaltar esta ou aquela peça que me enche as medidas, uma gratidão pelo bem que este senhor fez, faz e fará aos meus compatriotas. E agora entro numa sala de museu, tudo só por causa de uma peça de ourivesaria, este núcleo ficou ainda mais atrativo depois da renovação, há quem aqui entre para se extasiar com o centro de mesa do grande ourives Germain, eu prefiro a minúcia e a delicadeza deste abafador, faz parte de uma coleção de ourivesaria do século XVIII adquirida por inteiro pelo multimilionário de origem arménia.

Abafador, núcleo de ourivesaria, peça do século XVIII
Naufrágio de um Cargueiro, Joseph Mallord Turner, c.1810

Durante anos, constava na legenda que era o naufrágio de um barco chamado Minotauro, agora diz que é naufrágio de um cargueiro, nada conheço de tão empolgante, o navio afunda-se, mostra-se um mastro destruído, gente apavorada na amurada, o mar está vazio e quem vai na jangada ou nos botes vai seguramente aterrorizada. O que me apaixona nesta tela é o equilíbrio das formas, o céu está medonho, as águas revoltas engolindo despojos, quem vai na jangada, bem ao lado de um mastro desfeito procura salvar um náufrago no meio da violência das ondas espumantes. E há a genialidade da cor, o calado da navio que se afunda parece madeira viva, à sua frente uma vela acastanhada e que se destaca e no centro da tela o borbulhar da intempérie e o equilíbrio daquele bote à direita em que as figuras minúsculas dos náufragos parecem a marinhar pelas velas amareladas. Obra-prima absoluta.
As Bênçãos, Rodin, c. 1900

Tive a dita de visitar em Paris o Museu Rodin, falando do século XIX, é o meu escultor preferido. Temos a escultura de um jovem adolescente no Museu Nacional de Arte Antiga e parece que os desenhos, ficámos profundamente enriquecidos com estas bênçãos, corpos em exercício balético, torcidos e retorcidos dentro de esta base de pedra donde as figuras emergem, atino no contraste entre as rugosidades da base escultórica e a pedra acetinada onde dançam as bênçãos, voluptuosas.
Barcos, Claude Monet, 1869

O que gosto e que venho aqui rever neste Monet é o essencial das formas, o que aqui se exibe é sumaríssimo: vemos os barcos e o seu reflexo nas águas, estão acostados num tramo do cais, a linha do casario é fugaz, mas expressiva, tal como os outros veleiros que vemos esquematicamente à direita, ao fundo. Monet não esteve com meias medidas, quem visualiza a tela tem dois barcos que dominam a cena, cores um tanto escurecidas, o contrapeso vem da luminosidade que sobressai do fundo da tela e que se derrama sobre as águas. Meu tão inesquecível Monet!
Mulher e Criança Dormindo num Barco, John Singer Sargent, 1887

Às vezes, nesta sala de pintura, ponho-me disfarçadamente a olhar para onde vai a atenção dos visitantes. Tenho constatado que esta mulher e criança dormindo num barco é visita de pouca duração, o que me surpreende, acho uma tela impressionante, logo as cores: o branco imaculado, o fundo vermelho, a envolvente das folhagens, a luz que se derrama pelo curso de água, as curtíssimas pinceladas para assinalar os pés de mãe e filho, pasmo como se consegue uma outra tonalidade para o chapéus da mãe e como o pintor nos transmite a sensação de repouso naquela lassidão dos corpos, ainda mais acrescentada pela atmosfera de tranquilidade dada por aquele azul das águas.
Natureza-Morta, Henri Fantin-Latour, 1866

Descobri o prazer de contemplar Fantin-Latour na segunda exposição que João Castel-Branco Pereira organizou sobre natureza-morta, quantas vezes passara por este quadro sem dar o devido valor à subtileza do ângulo, á disposição dos frutos e à sua coloração e ao pormenor requintado desta faca com a lâmina iluminada, mas o ponto mais alto é aquele jarro de bojo arredondado donde despontam, como se saíssem da tela, as hortênsias e dentro do jarro vemos as raízes e o ponto de luz idealizado pelo artista. Que maravilha.
Pulseira Mochos, França, c.1900 René Lalique

A coleção de obras de René Lalique é impressionante, este genial ourives está altamente representado neste museu, gosto praticamente de tudo, mas este mochinhos e o belo engaste das peças em ouro enchem-me as medidas.
O Espelho de Vénus, Burne-Jones, 1877

Estamos praticamente a sair do museu e desde a primeira hora que a Coleção Gulbenkian veio parar à avenida de Berna que Burne-Jones nos apresenta cumprimentos de despedida, pudesse a tela falar e diria “volte sempre”. Calouste Gulbenkian tinha o gosto requintado e não há nenhuma dificuldade em entender como se sentiu atraído por esta energia revivalista dos pré-rafaelitas, de que Burne-Jones foi o sumo pontífice.
O Pintor Brown e a Família, Giovanni Boldini, 1890

Tempos houve em que a despedida era feita por este maravilhoso quadro de Boldini, foi tirado das reservas por João Castel-Branco Pereira, uma nova gerência voltou a colocar Boldini nas tais reservas. Eu não me conformo, guardo saudades desse tempo em que via estas duas magníficas peças de Burne-Jones e Boldini a lembrar-me que este museu é um permanente espaço de encanto, um porto de regresso sem remissão, e espero que assim seja até ao fim dos meus dias.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24184: Os nossos seres, saberes e lazeres (566): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (96): Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 1 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24184: Os nossos seres, saberes e lazeres (566): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (96): Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Não sou capaz de conjeturar o que teria sido a minha vida sem os benefícios que auferi (e aufiro) da Fundação Calouste Gulbenkian. Recordo com alguma precisão a primeira visita que fiz ao Palácio do Marquês de Pombal em Oeiras, senti-me então desorientado com aquele ecletismo de antiguidade oriental, arte islâmica, preciosidades da Pérsia, aquela deslumbrante ourivesaria francesa, nunca vira as obras de René Lalique, o genial artífice do período da Arte Nova, até chegarmos a Burne-Jones, que prontamente me fascinou. O meu débito é interminável, é uma enorme fatura que mete música, bailado, exposições de topo de qualidade, as leituras naquela biblioteca passadas todas estas décadas é a casa de livros mais artisticamente arrojada que conheço, os ciclos de cinema e a doce recordação dos tempos adolescentes em que entrava nas bibliotecas itinerantes e as conversas entre miúdos sobre as nossas leituras. E andava ali pelos jardins quando me ocorreu que não era sem tempo que eu aqui saudasse quem tantas alegrias me proporcionou.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (96):
Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (1)


Mário Beja Santos

Passeava displicentemente pelos Jardins da Gulbenkian, com a curiosidade nos trabalhos que se efetuam onde era o Centro de Arte Moderna, quando me ocorreu quanto impagável é a dívida que tenho com esta Fundação. Em adolescente, visitei uma parte do que é hoje o museu no Palácio do Marquês de Pombal em Oeiras, fiquei ofuscado com o ecletismo da coleção, o que levara um arquimilionário a juntar moedas, tapetes, peças escultóricas, ourivesaria e artes decorativas, pintura que se arrastava da Idade Média ao princípio do século XX, mobiliário, marfim, arte oriental? Ainda sem resposta satisfatória, juntava tostões para ir a alguns espetáculos do festival de música, foi assim que conheci artistas de eleição como Arthur Rubinstein, Henryk Szeryng, Maurice Béjart, frequentei a biblioteca no novo edifício, para já não falar nos livros que li graças à biblioteca itinerante, de saudosa memória… E depois a companhia de bailado, os recitais gratuitos, as inolvidáveis exposições, até chegar à majestosa museologia que acolhe a Coleção Gulbenkian, que visito com regularidade, às vezes única e exclusivamente para ver uma peça ou duas. Como pagar tal dívida de gratidão?
E foi assim que tomei a decisão de saudar quem tanto bem me tem feito, entrei de supetão no museu, dizendo para os meus botões, venho agradecer-lhe, senhor Gulbenkian mostrando aos meus amigos algumas dessas peças que para mim são “só o melhor” dentre o que adquiriu, o mesmo é dizer aquelas que mais me tocam, desde que as conheço, minhas amigas e conhecidas desde há mais de meio século. Entenda-se que é tudo uma questão de gosto, não há aqui qualquer classificação, se omitir tapeçaria oriental, mobiliário francês, pintura romântica, etc., a omissão não significa outra coisa que não são as minhas excelsas peças, o polo de atração, independentemente de acompanhar amigos estrangeiros e enaltecer a qualidade de tudo quanto se vê.

Começo as minhas escolhas no século IX a.C.

Baixo-relevo assírio proveniente do Palácio de Nimrud, construído por Assurnasirpal II, século IX a.C.
Taça com pássaros afrontados. Pérsia, final do século XIII-início do século XIV
Prato fundo com romãs, Turquia, Iznik
Bíblia arménica, Istambul, século XVII
Panejamento de seda, Japão
A Virgem e o Menino, Jean de Liège, século XIV
A Virgem e S. João, Alto Reno ou Suábia, século XVI
Descanso na Fuga para o Egipto, Cima da Conegliano, século XV.

Aqui sinto-me obrigado a uma justificação detalhada. Cima da Conegliano não é propriamente um santo do meu culto, mas cada vez me ocorre a lembrança da visita espúria que fiz a Conegliano, sinto-me obrigado a contemplar este “Descanso na Fuga para o Egipto”. Numas férias que fiz na região do Véneto, constava o programa de passar dois dias nos Dolomitas. Para lá chegar a preço mais económico, toma-se o comboio em Veneza até Conegliano, depois um pequenino comboio até Ponti di Alpi, e daqui um autocarro até Mitsurina, ali estão os Dolomitas, gigantescos, a seduzir-nos para passeios pedestres. Acontece que em Conegliano senti um dos pés a tocar no asfalto, o sapato acabava de morrer, desfizera-se de podre, olhe súplice à volta, perguntei a alguém onde havia uma sapataria, lá entrei a mancar e comprei umas belas sandálias, que andar confortável me estava reservado! Só que à noite, antes de saltar para a cama, olhei atentamente para o meu precioso achado e verifiquei que uma das sandálias era vermelha e a outra amarelo-torrado, fiquei um tanto encabulado, mas assumi que a responsabilidade era tanto minha como do sapateiro, e não se reclama calçado usado, alguém me observou que até era uma originalidade. O que para o caso interessa é que nunca mais esqueci Conegliano, e também por uma outra razão, é recordação com alguma mágoa: visitei uma exposição sobre os exércitos que Mussolini mandou para a União Soviética, tiveram triste sorte, passeei os olhos por muitas fotografias de cemitérios gigantescos de caídos em combate. E para quem combateu, há sempre um sentimento de infortúnio, de compadecimento, por quem tombou, independentemente de se estar no sítio certo ou errado.
Figura de ancião, por Rembrandt, século XVII

Detenho-me sempre, não pela imponência da figura por este magistral claro-escuro, o que me prende a atenção são aquelas duas mãos de veias salientes, aquelas marcas da idade, aquela descrição de um pequeno anel ou mesmo aliança no dedo mindinho da mão esquerda, aquelas mãos que com naturalidade seguram o bordão, e então os olhos descem para o panejamento onde assume alguma luz junto dos joelhos, porque toda a iluminação vem de cima, desce do rosto para as mãos e nesses joelhos se detém, é o domínio genial que Rembrandt possuía para nos atrair ao ponto focal da sua obra.
São Martinho repartindo a capa com um mendigo, artista desconhecido, Vale do Loire, século XVI

Duas razões me levam recorrentemente a ficar especado diante deste S. Martinho, o controlo da luz, questão fundamental em museografia, aqui ficamos especados vendo o que essencialmente merece ser visto, da sua montada o cavaleiro corta um pedaço de manto e jamais saberei se este mendigo tem o rosto em sofrimento ou olha o santo em êxtase. E pasmo-me, então, no controlo do mestre da estatuária, a forma delicada que ele encontrou para nos mostrar a crina daquela montada.

Pois bem, ainda há outras preciosidades para vos mostrar, fruição que devo a quem amou o nosso país e nos deixou estes relicários.

(continua)

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Notas do editor:

Poste anterior de 25 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24169: Os nossos seres, saberes e lazeres (564): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (95): Da bela Tavira a uma exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim, com José Cutileiro em pano de fundo (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24181: Os nossos seres, saberes e lazeres (565): Diferenças entre o Estado de Direito e o Estado de Direito democrático (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

sábado, 23 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23191: Os nossos seres, saberes e lazeres (502): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (47): De Jardim Colonial a Jardim Botânico Tropical (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Nesta cerca do Palácio de Belém houve zona de caça, herbário real suburbano, Jardim Colonial multifuncional, lugar de mostra da Exposição do Mundo Português, foi uma das mais importantes zonas de estudo das plantas do Império, nestes hectares podem ser vistas espécies tropicais e exóticas das mais fascinantes. Recordo que em 1976 a Fundação Gulbenkian promoveu um colóquio que teve à frente Teixeira da Mota e Orlando Ribeiro com a finalidade de no pós-Império todo este imenso acervo científico ser posto à disposição da cooperação com os novos Estados independentes. Bem curioso seria fazer-se hoje o ponto da situação desta nova passada riqueza de alta perícia tropical estar, ou não, ao serviço da cooperação portuguesa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (47):
De Jardim Colonial a Jardim Botânico Tropical

Mário Beja Santos

O segundo volume do Guia de Portugal Artístico, dedicado aos jardins, parques e tapadas de Lisboa, coordenado por Robélia de Sousa Lobo Ramalho, da Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1935, é uma verdade preciosidade de quem hoje pretende estudar e até comparar o que efetivamente existe e o passado com o Jardim Botânico da Ajuda, o antigo Jardim Botânico da Faculdade de Ciências (de quem há já uma itinerância), o Jardim Guerra Junqueiro (atual Jardim da Estrela), o Jardim da Praça Rio de Janeiro (atual Jardim do Príncipe Real), uma série de pequenos jardins, caso do Jardim Alfredo Keil, na Praça da Alegria, o Jardim das Amoreiras, o Jardim Braamcamp Freire, no Campo dos Mártires da Pátria, o Jardim Cesário Verde, o Parque do Campo Grande, o Parque Eduardo VII, o Parque Silva Porto, a Tapada da Ajuda (de quem já se fez também uma itinerância), a Tapada das Necessidades (outra itinerância efetuada) e dá-se o devido relevo ao que então se denominava Jardim Colonial. Oiça-se a descrição: “Ocupando a maior parte da antiga Cerca do Palácio de Belém e situado entre o majestoso Templo dos Jerónimos e o Museu Nacional dos Coches, tem o Jardim Colonial a sua principal entrada ao fundo da Calçada do Galvão. Criado em 1906, como dependência do antigo Instituto de Agronomia e Veterinária, instalou-se, no ano seguinte, no Jardim Zoológico, onde passou ocupar as antigas estufas do Conde de Farrobo. Em 1912 resolveu o governo transferi-lo para a Cerca do Palácio de Belém que nessa altura se encontrava devoluta e semiabandonada”. Nascia assim o Jardim Colonial, com objetivos multifuncionais: demonstrações experimentais do ensino, há reprodução, multiplicação, seleção e cruzamento de plantas úteis a fornecer às colónias, ao estudo de culturas e doenças dos vegetais tropicais e ao tirocínio dos funcionários agronómicos que desejem servir o ultramar; fornecer plantas e sementes às colónias portuguesas e promover a introdução de novas culturas nas referidas colónias.

Um antigo ministro da agricultura e prestigiado professor catedrático de agronomia, Mário de Azevedo Gomes, escrevia numa revista em 1928, a propósito deste jardim que é hoje monumento nacional: “A sua curta vida tem sido agitada; uma crise de pobre e má vontade orçamental por pouco lhe não liquidava, há tempos, custosas coleções e plantas raras; hoje, porém, e depois que as colónias interessam pelo custeio das despesas, convencidos da utilidade da instituição, os ventos sopram fagueiros e aqueles que visitam o Jardim, mesmo os mais exigentes, encontrarão nele motivos de íntima satisfação ao verificar a obra feita”.

A visita foi efetuada em época natalícia, havia no interior do Jardim Botânico Tropical um espetáculo dedicado a Alice no País das Maravilhas, razão pela qual o leitor encontrará imagens que induzem uma viagem de som e luz com as figuras prodigiosas imaginadas por Lewis Carroll.


Acompanhou a criação do Jardim Colonial um conjunto de estufas, prendia-se com as variedades de café e até o ananás açoriano. Este conjunto de hectares que constituem um dos mais fabulosos herbários tropicais em Portugal tem uma história anterior ao século XX. Aqui houve um hospício de frades arrábidos, depois D. João V criou a Casa e Quinta do Pátio das Vacas, era um horto real suburbano. Arrasado o Palácio dos Duques de Aveiro e salgado o chão, foi a cerca ampliada com os terraços do Jardim de Aveiro. O Infante D. Fernando, irmão de D. João V aqui andou a correr corças entre ulmeiros, loureiros, choupos e olaias. Na década de 1940, o Jardim acolheu motivos coloniais graças à Exposição do Mundo Português, de que resta hoje um espaço em forma de estufa e um apreciável conjunto de esculturas de etnias do Império Português, entre África e Ásia, uma série delas já recuperadas.
Na parte rústica do Jardim o visitante pode contemplar estatuas de fino mármore de Carrara, reproduções de modelos clássicos de museus italianos, a última imagem que aqui se mostra intitula-se a Caridade Romana, simbolizada numa rapariga amamentado o seu próprio pai, é de Bernardo Ludovici. Durante uma parte da vida do Jardim Colonial, ele funcionou como dependência pedagógica do Instituto Superior de Agronomia. O Jardim teve sempre a sua vida ligada a passantes que ali procuraram sombras nas tardes amenas, dilui-se, é certo, o ar balsâmico dos cervos, dos eucaliptos e das casuarinas, e lê-se no Guia de Portugal Artístico que naquela época dos anos de 1930 ali apareciam alguns oficiais do ultramar reformados, o Jardim mitigava-lhes as saudades nostálgicas dos meios coloniais. Mas não há dúvida nenhuma, depois das alterações institucionais mais recentes, o Jardim mantém-se como local de aprazimento, de remanso, palmeiras e araucárias, buxos e cortinas flores são elementos de sedução que o ajardinamento oferece aos visitantes.
Amostra do conjunto de bustos alusivos aos povos coloniais

Até 1944, o Jardim Colonial exerceu as funções que acima se refiram, incluindo o suporte pedagógico ao Instituto Superior de Agronomia. Nessa data o Jardim Colonial fundiu-se com o Museu Agrícola Colonial e deu origem ao Jardim e Museu Agrícola Colonial, deixou de estar da dependência pedagógica do Instituto Superior de Agronomia. Anos depois, em 1951, a nomenclatura evoluiu para Jardim e Museu Agrícola do Ultramar e com o 25 de Abril o Museu com a Junta de Investigações do Ultramar passou a designar-se Instituto de Investigação Científica Tropical, com sede no Palácio Calheta, que ainda está em restauro. Mas vamos prosseguir viagem.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23174: Os nossos seres, saberes e lazeres (501): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (46): Trancoso é muito mais do que o seu núcleo histórico (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19833: Notas de leitura (1181): “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”, Fundação Calouste Gulbenkian (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Num dado momento histórico de completa incerteza sobre os rumos da independência das antigas colónias portuguesas, a Fundação Calouste Gulbenkian pôs um punhado de investigadores altamente qualificados a pensar sobre o futuro da lusofonia, do ensino da língua, da revitalização dos arquivos e da cooperação científica. Infelizmente, um grande número de propostas não teve sequência, mas é bom que se saiba que o ponto de situação sobre o funcionamento da investigação científica ultramarina apresentada pelo comandante Teixeira da Mota era mais positivo do que negativo. E nenhum estudioso das ciências humanas e sociais na África lusófona pode deixar conhecer este ponto de situação e o acervo da bibliografia então existente e aqui plasmada em publicação.

Um abraço do
Mário


O papel da lusofonia na aurora da descolonização (2)

Beja Santos

Entre 20 e 22 de Janeiro de 1975, enquanto a classe política entrava ao rubro com a questão da unicidade sindical, na Fundação Calouste Gulbenkian reuniam-se pesos pesados da investigação africana para debater o futuro da lusofonia no ensino, o que se iria passar no sistema educativo nos novos países de língua portuguesa, quais as contribuições portuguesas para as ciências humanas em África, quais as perspetivas que se rasgavam para cooperar no campo do ensino com a África lusófona. A Fundação Gulbenkian convocara um grupo seleto para o debate. Por parte da Fundação estavam Victor de Sá Machado, José Blanco, Luís de Matos, Mário António, Fernandes de Oliveira, o Embaixador Fernando Reino representava o Ministério da Coordenação Interterritorial. Os participantes eram, entre outros, Orlando Ribeiro, Ilídio do Amaral, Teixeira da Mota, René Pélissier, Douglas Wheeler, Albert Tévoédjrè e Gerard Bender. Daí resultou um livro editado em 1979 “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”. Já se falou do português fundamental, dos manuais escolares adaptados à especificidade de cada um dos novos países, ao ensino bilingue e de diferentes línguas nativas, com relevo para o crioulo, abordou-se o que sobre esta matéria de línguas africanas se fazia em institutos portugueses até 25 de Abril, o debate continuou sobre o ensino das ciências humanas orientado para as problemáticas africanas e nesse sentido foi feita uma detalhada apresentação das atividades da Junta de Investigações do Ultramar, os participantes fizeram comentários sobre como podem as instituições portuguesas cooperar no ensino e na cultura africana, fez-se mesmo o ponto de situação das universidades de Angola e Moçambique.

Respondendo a certas críticas que René Pélissier apresentou sobre as bibliotecas e arquivos portugueses, o então Comandante Teixeira da Mota deu conta do trabalho em curso, a pedido do governo, para o estabelecimento de uma nova atuação de todos os organismos na órbita da Junta de Investigações do Ultramar. E quanto aos arquivos portugueses comentou:  
“Verifico que o Centro de Estudos Históricos Ultramarinos tem estado a publicar colecções de documentos e não vejo fazer isso nem na Inglaterra, nem na Holanda. Talvez a política do Centro de Estudos Ultramarino esteja errada. Tenho dito isso ao senhor director, Padre Silva Rego. Por exemplo, publicaram em 9 ou 10 volumes os documentos de um fundo importante da Torre do Tombo. Publicaram na íntegra todos os documentos que têm interesse ultramarino. Esse fundo das gavetas, no estado actual da Torre do Tombo, é o produto de muitas misturas ao longo dos tempos e também consequência do terramoto de há mais de 200 anos. Esse critério afigura-se-me que não é o mais apropriado. Julgo que, antes de mais, interesse ter os documentos em ordem e procurar fazer guias ou catalogar e não publicar (…) Quanto à catalogação de certos arquivos, no que respeita ao Arquivo Histórico Ultramarino, eu creio que as coisas não estão muito mal na medida em que o grosso da documentação que está nesse arquivo, encontrava-se no princípio do século em montes no Ministério da Marinha e Ultramar. Não será pedir demais aos arquivos e às entidades portuguesas, quando eu vejo que não se fizeram coisas semelhantes noutros países?”.
Mais adiante, deu esclarecimentos sobre estudos desenvolvidos sobre a história pré-colonial:
“Em 1972, realizou-se em Londres a Conferência de Estudos Mandingas, e foi para mim uma surpresa verificar que apareceram nove ou dez trabalhos de pessoas de diferentes nacionalidades sobre o Reino do Cabo que é considerado hoje como o mais importante Estado Mandinga depois da queda do império do Mali. Este Reino do Cabo está dividido politicamente pela Guiné-Bissau, pelo Senegal e pelo Gâmbia… Creio que este trabalho sobre o Reino do Cabo é muito importante e até talvez pudesse ser um modelo de trabalho de colaboração internacional, porque não há apenas a recolha da tradição oral, há a possibilidade de completar a tradição oral com documentação europeia, que existe em várias línguas”.

No final do colóquio, o professor Orlando Ribeiro ensaiou um punhado de conclusões sobre a orientação do ensino do português, a orientação do trabalho científico e a necessidade das instituições académicas já existentes em países africanos de língua portuguesa se reestruturarem para corresponder às condições locais. Noutra vertente haveria que criar condições para que a organização de inventários, de catálogos, de bibliografias, existentes nos novos países independentes se tornem acessíveis não só os centros culturais portugueses como e sobretudo em todos os países estrangeiros onde se investiga a história africana; embora não tivesse comparecido nenhum estudioso brasileiro ao colóquio, não deixou de se fazer menção a uma série de colóquios de estudos luso-brasileiros e à bibliografia existente que tem sido publicada sob os auspícios da Fundação Gulbenkian.

Este colóquio, visto à distância de mais de 40 anos permite aos interessados a consulta de papéis singulares. Ilídio do Amaral apresentou tópicos para a discussão com o título “Em torno de problemas sobre as ciências sociais e humanas na África lusófona”. Orlando Ribeiro fez distribuir documento “Décolonisation, enseignement et recherche scientifique”; Teixeira da Mota apresentou o seu documento, à luz das incumbências que o governo português lhe empossou na coordenação de um grupo que tinha como missão apresentar uma estrutura moderna para as investigações científicas no antigo império, e com o título “Algumas actividades de organismos de investigação sediados em Portugal", no domínio das ciências humanas e sociais, de âmbito africano. Para os historiadores e investigadores é do maior interesse o documento apensado às atas do colóquio com o título “Bibliografia da Junta de Investigações Científicas do Ultramar" sobre ciências humanas e sociais.
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Notas do editor

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Último poste da série de 24 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19821: Notas de leitura (1180): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (7) (Mário Beja Santos)