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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27228: No 25 de Abril eu estava em... (41): Bissau, com mais seis "atiruenses" e uma metralhadora ligeira HK-21 a defender... a sede da PIDE/DGS (Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74)



HK 21 (Fonte: Wikipedia / Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)




 
1. Mais uma crónica deliciosa do nosso "mano" Abílio, Magro e Valente (ou, melhor Valente Lamares Magro... Ou tão só Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG (Cacine e Bissau, mar 1973 / set 74). Foi repescada da sua série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (2013-2016). Tem 75 referências no nosso blogue. E é nosso  grão-tabanqueiro, com muita honra, desde 2013. Nasceu em Porlalegre, vive em  Rio Tinto, Gondomar.

Perguntei-lhe há dias como é que estava... Respondeu-me com o seu saudável humor bem português: 

"Cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas e a saúde a entrar nos eixos"....

Recorde-se que ele é o mais novo de seis irmãos que fizeram todos tropa e foram ao ultramar...  Formavam, o que ele chamava em 2013, a Companhia Magro: 

(....) "Quando inicio o CSM no RI 5, Caldas da Rainha, em abril de 1972, encontrando-se, nessa altura, a Companhia Magro assim distribuída: (i) Rogério Magro, que estivera em Angoka, e então na disponibilidade; Dálio Magro - Moçambique; Carlos Magro - Angola; Fernando e Álvaro Magro - Guiné; Abílio Magro - RI 5, Caldas da Rainha" (...)



No 25 de Abril eu estava em... Bissau, com mais seis "atiruenses" e um metralhadora ligeira HK-21,  a defender... a sede  da PIDE/DGS 

por Abílio Magro



No dia 25 de Abril de 1974, logo pela manhã, com uma molhada de documentos debaixo do braço, dirigi-me como de costume, à repartição que possuía o selo branco do CTIG (1ª ou 2ª, já n´~ao me lembro) a fim de o apor, nas assinaturas do brigadeiro Alberto da Silva Banazol, comandante do CTIG.

Esta repartição era chefiada por um major do SGE, já de meia-idade e de quem também já não me recordo o nome.

Eram talvez 9h30 da manhã, estava eu muito entretido a "trincar" o Banazol com o selo branco e entra o capitão Cirne (julgo que miliciano) e, virando-se para o major, de braços abertos e punhos cerrados "grita", mais ou menos em surdina:

− Vive la revolution, vive la revolution!

E continua:

 O Marcelo refugiou-se no Quartel da GNR, no Carmo, e está cercado pela tropa!

Claro que orientei logo as "antenas" para o capitão Cirne e aguardei o desenvolvimento da conversa, mas este deitou-me um olhar que transparecia alguma felicidade, mas algum receio também, e diz:

− Furriel ...!  − como quem diz:  Tem lá calma, pá,  e vê lá o que vais para aí espalhar!.

A conversa pareceu-me ter alguma consistência e como, umas semanas antes, tinha havido aquele episódio da coluna das Caldas da Rainha que avançara sobre Lisboa, fiquei intrigado e, na CSJD tratei de contar aos meus camaradas o que tinha ouvido e aguardar algum "feedback".

Nessa altura já o tal 1º sargento, a quem o major Lobão chamava de "Gebo", tinha terminado a comissão e tinha sido substituído por um 1º sargento que usava sempre chapéu de pala. Em 18 meses de Guiné, julgo nunca ter visto nenhum militar do Exército usar chapéu de pala.
 
O homem tinha mesmo queda para polícia e, tendo ouvido o meu relato, tratou logo de dizer:

 − Tenha cuidado com o que anda para aí a dizer, que ainda pode ter chatices.

Claro que eu traduzi para:

− Põe-te a pau que eu conheço uns gajos na PIDE e não tarda nada vais até Guiledje tomar conta daquilo sozinho!

Enfiei a viola no saco.

Entretanto o PIFAS  (Programa de Informação das Forças Armadas, julgo que era assim) dedicava-se à música sinfónica, o que fazia pensar que efetivamente havia qualquer coisa no ar, embora ainda se tivesse ouvido, nesse dia, um discurso qualquer do Ministro dos Negócios Estrageiros, o Dr. Rui Patrício. Mas, pasmem-se, também se ouviu, aqui e ali, alguma música do Zeca Afonso! Das mais suavezinhas, é certo, mas...

−Alto lá, que aqui há coisa!

Aguardávamos com alguma ansiedade pela hora do almoço, altura em que o PIFAS transmitia um serviço noticioso mais elaborado.
 
Na messe de Sargentos havia uma aparelhagem de som com várias colunas espalhadas pelo recinto:  bar, esplanada e sala de jantar.
 
Na sala de jantar as mesas eram para 4 pessoas e, embora não houvesse lugares marcados, os "habitués da casa" sentavam-se sempre nos mesmos lugares.

Numa mesa à minha direita, com outra de permeio, sentavam-se quatro camaradas sui generis, já que dois deles eram completamente fanáticos pelos seus clubes (um do Belenenses e outro do Sporting) discutindo constante e acaloradamente sobre futebol e, os outros dois, aguentavam impávidos e serenos.
 
O fanatismo era de tal ordem que, tanto um como outro, chegavam ao ponto de relatar com algum pormenor a vida dos futebolistas do seus clubes (onde e quando nasceram, onde moravam, que clubes representaram e em que ano, etc., etc.) numa demonstração de grande cultura futebolística.

Pois,  naquele dia 25 de Abril de 1974, à hora do almoço, quando toda a gente, em silêncio, aguardava com alguma ansiedade novas de Lisboa sobre o que por lá estaria a passar-se na realidade, estavam aqueles dois "fabianos" em acesa discussão acerca, provavelmente, da cor das cuecas que determinado jogador usou no jogo tal, marimbando-se completamente para o que se estava a passar na Capital do Império!

Nesse dia foram-se adensando as suspeitas de que algo de importante se estaria a passar em Lisboa. Aos poucos as notícias foram chegando, mas nada de oficial. Eram transmitidas de boca em boca e, nessa situação, não havia que fiar e continuava-se a combater no mato.

O brigadeiro Alberto da Silva Banazol estaria a banhos na ilha de Bubaque, mas tardava em aparecer.
O general Bettencourt Rodrigues nada dizia.

Começa a "boatice". Que houve um golpe de Estado liderado pelo gen Spínola..., que o gen Bettencourt estava contra..., que íamos ficar sem reabastecimentos de Lisboa..., etc., etc..

Baixou a qualidade da alimentação... Faz-se um levantamento de rancho... Fazem-se reuniões por tudo e por nada... A confusão é mais que muita...

O brig Banazol desaparece... O QG/CCFAG, a Amura,  é cercado e o gen Bttencourt, na manha~de 26 de Abril, é preso.

Em Bissau os estabelecimentos são pilhados... É reforçado o patrulhamento nas ruas... A sede da PIDE em Bissau corre perigo ...

Sou escalado para sargento de piquete e, à noite, põem-me uma HK-21 nas mãos e a respectiva fita de balas... Não sei o que hei-de fazer com aquilo... Mandam-me com mais 6 homens fazer segurança à PIDE/DGS... Eu sou amanuense, mas ninguém quer saber... Eu também já não quero saber... Só quero é que ninguém me chateie...

E lá vou eu!

Coloco o pente de balas ao pescoço e cruzo-o no peito, qual Pancho Villa liofilizado. Seguimos de Unimog em direcção ao objectivo, a sede da PIDE/DGS, em Bissau.

Lá chegados, havia que montar o dispositivo de segurança... Começam os problemas... Nas Caldas da Rainha tinha tido uma formação em HK-21 de cerca de ... 10 minutos e recordava-me bem de como colocar a arma com o tripé no chão, mas como se metia a fita, aí é que já era pior..., tinha-se-me varrido completamente.

Um homem nunca se atrapalha:
 
 Há aqui algum atirador?
 
− Eu sou!  − responde alguém.
 
 − Então monta lá isso e anda para aqui!


O equipamento estava montado no meio da ruela que passava por detrás da DGS. Havia agora que colocar estrategicamente o pessoal, e assim fiz:
 
 − Sentem-se aí nesse canto e façam pouco barulho... (estratégia para não espantar a caça).

Entretanto, como já me estava a dar o sono por ouvir ressonar, levantei-me e fui andar um pouco para perto da HK, não fosse alguém a "gamar", e vi uma caixa de papelão que me deu uma ideia genial!

A HK ali sozinha, montada no chão, não fazia muito sentido. Era conveniente pôr lá um homem a apontar para qualquer lado (o factor psicológico é muito importante nestas ocasiões). Como a arma me tinha sido entregue a mim, parecia-me óbvio que o homem seria eu. Mas eu sou pacifista e, além disso, tinha de me deitar no chão e ia sujar-me todo naquela terra barrenta.

Desfiz a caixa de papelão e fiz uma espécie de tapete que coloquei atrás da HK.. Chamei o atiruense  e disse-lhe para se deitar que a cama já estava feita.

E ali estava, em todo o seu esplendor, uma segurança com preocupações estéticas, de higiene e de conforto.

E foi neste quadro burlesco que a força que nos veio render nos encontrou, às 4 horas da madrugada, não se tendo registado qualquer incidente.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
_______________

Nota do editor LG:


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27226: Historiografia da presença portuguesa em África (497): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1941 (53) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
1941 é o ano da chegada do Capitão Ricardo Vaz Monteiro e no final do ano dá-se a visita do Ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado. Folheados todos os números destes boletins de 1941 há um indisfarçável e discreto silêncio sobre as dificuldades em que se vive na colónia, já se referiu que há legislação do Governo Central, foram tomadas medidas impeditivas ou dissuasoras de andar a vender alimentos a todo e qualquer país. Se acaso o leitor se recorda do que aqui se escreveu nos relatórios do chefe da delegação do BNU da Guiné por esta época, as dificuldades foram múltiplas, indiferentes a quem fazia guerra (a África Ocidental Francesa ficou até muito tarde na órbita do Governo de Vichy, e seguramente Salazar dera ordens para não haver qualquer tipo de afrontamento), contrabandeava-se de um lado para o outro; O que julgo mais interessante nesta documentação é o processo disciplinar ao engenheiro Afonso Castilho, tão sinuoso e prestável a tão diversas inspeções que até me parece que há clamorosas semelhanças com as práticas da justiça no nosso tempo. É por isso que peço ao leitor que leia com a devida atenção as acusações, as respostas e a sentença.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1941 (53)


Mário Beja Santos

O ano vê partir o Governador Carvalho Viegas, fica como encarregado do Governo Armando Augusto de Gonçalves Morais e Castro e, logo no Boletim Oficial n.º 8, de 24 de fevereiro é criado o Parque Dr. Vieira Machado, no mesmo Boletim Oficial cria-se a Biblioteca Pública da Guiné, estipula-se que todas as publicações de caráter oficial irão dar entrada nesta biblioteca, bem como todos os documentos manuscritos de peculiar interesse político, histórico, topográfico, militar, missionário, etnográfico, náutico, administrativo, económico, existentes nos arquivos oficiais da colónia.

Mas é bem interessante, até porque se trata de uma novidade referir este Parque Dr. Vieira Machado, o assunto é apresentado no suplemento n.º 10 ao Boletim Oficial n.º 6, em que 15 de março:
”Há, na Colónia, espécies zoológicas e até botânicas cuja conservação e propagação muito interessam, sob o ponto de vista comercial, científico e turístico. Ao governo da Colónia cumpre defendê-las e evitar a sua extinção.
Sendo a Guiné zona essencialmente agrícola, costumado o indígena a incendiar, por comodidade própria, o capim; estando habituado a mudar-se frequentemente e, sobretudo, sendo-lhe necessário alargar, de ano para ano, a zona de cultivo, mercê da pobreza de terreno, sucede vir desaparecer as florestas e, com elas, espécies de flora e fauna que interessam à riqueza da colónia;
É criado o Parque Dr. Vieira Machado na área da circunscrição civil de Buba, que fica sobre a superintendência da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas, Florestais e Pecuários. A área do parque é de 16.700 hectares.
É expressamente proibida qualquer atividade humana dentro do parque, o traçado de estradas, cortes de árvores ou arbustos, caça, pesca e construção de habitações, mesmo de carater provisório, exceto os destinados à guarda do parque.”


No suplemento ao n.º 24, do Boletim Oficial n.º 12, de 21 de junho, vemos publicada a relação dos 40 maiores contribuintes das áreas fiscais dos concelhos de Bolama e Bissau. O destaque vai para António Silva Gouveia, Lda, Sociedade Comercial Ultramarina, Comapnhia Agrícola e Fabril da Guiné, Societé Commerciale de l’Ouest Africaine, Banco Nacional Ultramarino, Nouvelle Societé Commerciale Africaine, Compagnie Française de l’Afrique Occsidentale. Mas também encontraremos António Gomes Brandão e Manuel Pinho Brandão, a Sociedade Agrícola do Gambiel e a Sociedade Arrozeira da Guiné.

Voltamos agora aos processos disciplinares, este tem muito que se diga. Consta do suplemente ao n.º 37 do Boletim Oficial n.º 20, de 15 de setembro. Prende-se com o acórdão referido no processo disciplinar mandado instaurar ao chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, da Colónia da Guiné, engenheiro Afonso de Castilho.
O Governador Carvalho Viegas enviara ao ministro das Colónias, em março de 1939, um ofício confidencial a que juntara documentos e cópias que lhe foram remetidas não se sabe por quem, nem quando nem de onde, neles se faziam graves acusações ao diretor das Obras Públicas. O ministro mandou instaurar um processo e suspendeu imediatamente do exercício das suas funções o dito senhor.

Foi nomeado instrutor que deduziu a seguinte acusação a Afonso de Castilho:
a) Não fiscalizou a construção de um pontão em betão armado, designado Cascunda-Jabadá, que por suas indicações escritas em maio de 1938 fora construído por um condutor sem habilitações profissionais suficientes, resultando o desmoronamento parcial, logo após a inauguração;
b) Não procedeu à reparação de um pilar avariado da ponte General Carmona, apesar de ter verba inscrita para esse fim na distribuição de fundos para o ano de 1938;
c) Descurou a fiscalização da empreitada para a construção do Observatório Meteorológico do Aeroporto de Bolama, apesar de repetidas participações dos agentes da fiscalização contra o empreiteiro, intervindo só raras vezes e sem energia, apresentando-se no fim o edifício concluído com grandes defeitos de construção;
d) Não procurou impedir com o seu conselho e autoridade especial que fosse alterado o projeto da obra anteriormente citada, quando já a meio do mais de andamento da construção, o que motivou o aumento de despesas;
e) Promoveu e impôs a subordinados seus a receção provisória da obra anteriormente citada, sem de facto estar concluída, obtendo que fosse paga ao empreiteiro sem o despacho devido do sr. governador…
E deduz ainda mais acusações.

Na resposta a estas acusações, Afonso de Castilho começa por descrever o ambiente técnico e psicológico que caracterizava os Serviços das Obras Públicas da Colónia da Guiné, quando chegou à colónia, em março de 1938, logo adiantando que o Quadro Técnico das Obras Públicas era constituído naquele tempo por dois condutores; fez várias diligências para melhorar a situação relativa à falta de pessoal e apõe um dado surpreendente: entre 1924 e 1936 houve 19 diretores das Obras Públicas, dos quais só 7 eram engenheiros. A pouca permanência – só 5 excederam um ano de exercício – dos chefes de direção dos serviços, a falta de competência técnica oficial da maioria, a ausência de uma orientação permanente e eficaz, tudo contribuiu para a pouca eficiência dos serviços e fraca fiscalização das obras. O arguido defendeu-se dizendo que tinha de lutar com péssimos hábitos de trabalho, com deficiências de aquisição e falta de pessoal.

Posto este preâmbulo respondeu concretamente aos assuntos. Não vou molestar o leitor com o corrupio das respostas, mas vale a pena ouvir o que ele declarou.
Quanto à alínea a), as reparações dos pontões de Cascunda-Jabadá, encarregou o chefe de secção, o condutor Francisco Cardoso da Silva Pimenta, que não cumpriu as ordens e instruções do seu chefe, foi desleal para com ele e profissionalmente incompetente; argumentou que dentro das possibilidades fiscalizou a obra e se mais eficaz não foi deveu-se a ter de elaborar naquele espaço de tempo cinco importantes trabalhos de gabinete, não podendo por isso deslocar-se;
quanto à alínea b), não havia verba alguma para a reparação da ponte General Carmona, não teve qualquer responsabilidade no que é acusado, a ruína do pilar e a sua defeituosa construção é anterior à data que entrou em funções;
quanto à alínea c) declarou que durante o segundo trimestre de 1938 houve um conjunto de circunstâncias que impediram a sua saída frequente de Bissau, etc., etc.

Instruído o processo e inquiridas as testemunhas, o instrutor concluiu que o engenheiro Afonso Castilho cometera as seguintes faltas disciplinares:
a) Mandara construir um pontão em betão armado sem observação das prescrições regulamentares;
b) Descorou a fiscalização de uma empreitada de construção de um edifício num valor de 492 contos, que foi terminada com grandes defeitos e erros de administração;
c) Não verificou com cuidado o caderno de encargos de uma empreitada para a colocação de janelas e persianas no edifício, aceitando como bom um oferecimento em importância quase dupla do real valor da obra, etc., etc.

O instrutor, depois de averiguar estas faltas disciplinares, entendeu que faltava apurar da incompetência profissional de Afonso de Castilho e submeteu o assunto à apreciação do ministro das Colónias. Foi então nomeado um outro engenheiro, Abílio Adriano Aires, para ir inspecionar sobre o aspeto técnico a Repartição das Obras Públicas da Colónia da Guiné. Elaborou relatório, demonstrou que as afirmações feitas pelo Governador Carvalho Viegas, acerca de pontes, pontões e coisas de engenharia não estavam certas e eram contrárias ao que ensina a ciência da especialidade. Que quanto ao pontão de Cascunda-Jabadá a responsabilidade era do condutor Pimenta, que o que se passou na construção do farol da Ponta de Barel fora semelhante ao que se sucedera na reparação do pontão Cascunda-Jabadá, a responsabilidade era do condutor Pimenta; que quanto à reparação de um pilar arruinado da ponte sobre o rio Corubal, a ponte General Carmona, era seu entendimento que o engenheiro Castilho fizera muito bem em não gastar dinheiro na reparação daquele pilar porque toda a ponte estava em ruína. E, em jeito de conclusão, entende que deve ser aplicada a pena de aposentação compulsiva a Castilho.

Agora o mais interessante desta história é que foi elaborado novo relatório pelo inspetor Carlos Henrique Jones da Silveira veio propor que o arguido fizesse a pena no máximo de 120 dias de suspensão. Consumadas as inspeções, e propostas de pena, o processo transitou para o Conselho Superior de Disciplina que propôs o máximo de 120 dias de suspensão. Se tudo isto não é matéria kafkiana dentro dos labirintos da justiça, prefiro não me pronunciar não só sobre os termos da acusação, tudo com base em boatos e rumores e porventura cartas anónimas, às justificações dadas pelo arguido que, no fim de contas revelam que diferentes serviços da administração eram pura ficção, e que o calibre das decisões quanto às penas é suficientemente elástico, vai desde a reforma compulsiva até à amenidade de suspensão de 120 dias. São assim ínvios os caminhos da justiça…

Anúncio da chegada do ministro das Colónia, Francisco Vieira Machado, à Guiné, dezembro de 1941
O adeus à capital de Bolama, no Natal Bissau já será capital
O ministro chega a Bolama
O ministro junto do monumento à pacificação de Canhabaque
Receção ao ministro das Colónias, Guiné, 1941
Jovens Papéis em tempos de fanado, Safim, imagem retirada da revista Império, 1951
Mapa de povos da região dos rios Gâmbia e Grande, cerca do século XVII

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27205: Historiografia da presença portuguesa em África (496): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1940, princípios de 1941 (52) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27223: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda II: serviço de "guarda de honra" ao tribunal militar



Guiné > Bissau > Antiga Av da República > Edifício da administração civil onde funcionavam os tribunais (civil e militar) > c. 1917/73 >  Hoje é sede do Supremo Tribunal de Justiça da República da Guiné-Bissau >  Foto do álbum do José Romãoex-fur mil at inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73.


Foto (e legenda): © José Romão (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 




Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura bastante conhecida no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo... Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)", de que se publoicaram 9 poestes mais uma adenda (*)

 
1. Manda-nos agora um comentário ao poste P27222  (**):

Data - 16 set 2025 14:22

Assinto - Comentário ao poste do Abilio Magro

Olá, caro, amigo:

Começo a me recompor do choque (***), vou tentando voltar à normalidade. Obrigadíssimo pelo teu apoio, naquele momento difícil no passado mês de Agosto. Na Guiné, dizem: mês de Agosto, mês de desgosto! Isso numa alusão ao Massacre de Pidjiguiti em 1959! Pois é, desde que vivi entre 1973 e 1975 que fiquei com esse horror ao mês de Agosto… talvez agora, um trauma.

Olha, vi o post do amigo e companheiro Abílio Magro (**), não resisto e fazer um comentário, que segue abaixo:

Em Bissau, após a minha chegada, ao QG/CTIG, talvez meio e mês depois, fui escalado para esse serviço,  “Guarda de Honra”, num julgamento no Tribunal Militar em Bissau que decorreu, no Palácio da Justiça ou o edifício que funcionava como tal, ali perto da Igreja (julgo um pouco abaixo) do lado direito da Avenida principal, que ia desembocar na Praça do Império, hoje, Praça dos Heróis Nacionais em Bissau. 

Recordo, era um julgamento de guineenses que tinham sido presos por ligações à guerrilha, logo eram vulgarmente chamados «turras». 


O «protocolo» era o mesmo descrito pelo Abílio Magro, só que a mim deram-me na arrecadação uma pistola Walther, os soldados eram todos guineenses, acho, do recrutamento local, levaram G-3. 

O serviço de Guarda de Honra durou apenas um dia, o julgamento é claro continuou, pois havia outros na escala para esse serviço. Quando começou, ouvimos o início, acusações em “apresentar arma”, mas depois, só lá ficaram dois soldados de sentinela dentro do tribunal; o resto, ficava cá fora e de hora em hora iam render os que estavam na sala. 

Por isso, recordações sobre acusações não ficaram, pior ainda, nunca mais me interessei, depois daquele dia de calor intenso, durante o serviço no Tribunal em Bissau.

Já agora, me lembro, que havia uma série de serviços e escalas, que se faziam pelo uma vez, para além escalas que cumpríamos uma vez por mês: 

  • Guarda (na entrada principal do QG em Santa Luzia); 
  • Piquete (ronda nocturna no bairro de Cupelon oi Pilão);
  • Guarda da PIDE (parte traseira). 

Para além destes, pelo menos a mim, coube apenas uma vez, ser nomeado «escrivão» num processo em que estava envolvido um guineense, que foi capturado no mato, logo acusado de ajudar o IN. Estava preso, ali pelos lados de Brá, numa prisão de um quartel que já não me lembro o nome. 

Quando chegamos lá, numa tarde, eu, escrivão, e o alferes inquiridor, encontrãmos os presos a jogar futebol! O encarregado da prisão, que era cabo-verdiano, ficou surpreso com a nossa chegada. Apitou logo, o jogo parou e começou logo a contagem de quantos eram os presos! 

E explicou-nos: "Temos de estar sempre atentos, pois se um deles fugir, sou o responsável!"

 Voltaram todos para as celas, ficou apenas o preso, que fomos interrogar. Não durou muito tempo, pois o alferes fez a leitura das declarações que estavam no auto e o preso confirmou tudo. Logo, foi rápido, assinámos e fomos embora.

Já agora, recordo, o primeiro serviço de «guarda de honra» que fiz, foi no dia 1 de Dezembro de 1972, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, Missa, no Dia da Restauração. 

Fiquei espantado, com a presença de um grande número de altas patentes, de tenente-coronel para cima!!! Felizmente tudo correu bem; para mim foi a primeira vez que entrava naquele monumento, vi o túmulo de Luís de Camões.

Forte Abraço, vida e saúde

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado

(Revião / fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG:


(*) Vd. postes de:

16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26924: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda I: Kalú de Nhô Roque e a sua "circunstância"

13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26917: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - X (e última) Parte : a guerra de nervos nos últimos seis meses


(**) Vd poste de 15 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27222: Humor de caserna (212): Dura lex sed lex!...Guarda de Honra ao tribunal millitar (Abílio Magro, ex.fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)


(***) Vd- poste de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27134: Historiografia da presença portuguesa em África (494): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1938 (49) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Peço a todos que leiam o texto anexo do princípio ao fim. Carvalho Viegas tem sido dado como um governador que impulsionou a vida da colónia, introduziu rigor e moralidade na administração. Quanto a rigor e moralidade na sua vida, quero só recordar o que dele escreveu o chefe da delegação do BNU em Bissau e com o envio para a administração em Lisboa, onde pontificavam homens poderosos do regime, caso de Vieira Machado, denunciava o governador levar ao hospital de Bolama uma senhora para abortar, houvera para ali uma discussão canalha, com recusa médica. Pretendi, depois de ler de fio a pavio este ano de 1938, focar-me nas medidas disciplinares. Landerset Simões, chefe de posto nos Bijagós, recebera, por parte do Conselho Disciplinar, a pena de demissão, mandara aplicar castigos corporais a homens entre os 60 e 80 anos, que se tinham recusado a trabalho compulsivo. Custou-me a acreditar o que Carvalho Viegas escreveu depois do recurso de Landerset Simões ao ministro das Colónias. Tenho para mim que o seu despacho é um texto abominável.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1938 (49)


Mário Beja Santos

Não se pode negar ao governador Carvalho Viegas o esforço organizativo, projetos de desenvolvimento e procura de rigor no funcionamento da administração. Continua a azáfama na transferência para Bissau dos serviços até agora em Bolama, vai entrar em funcionamento a censura, organiza-se o aeródromo marítimo de Bolama. Iremos fixar-nos no rigor administrativo. Logo em 7 de fevereiro temos o caso de Landerset Simões, o autor da Babel Negra, obra marcante para o conhecimento etnográfico, simples, mas muito bem elaborado. O chefe de posto Armando de Landerset Simões tinha como comprovadas no seu processo várias acusações: recrutar trabalhadores indígenas usando meios violentos e compulsivos, para serviço de um particular; forçara e coagira esses mesmos indígenas a venderem a esse mesmo particular azeite de palma e coconote provenientes de trabalho compelido; fizeram aplicar, pelos sipaios, castigos corporais a indígenas, alguns entre 60 e 80 anos de idade, por se negarem a vender aqueles produtos ao aludido particular; invocara o nome do governador para impor o cumprimento dessa ordem. Ele era chefe de posto de Canhabaque. No texto da acusação dizia-se que não possuía a intuição e noção perfeitas de qual deve ser a ação colonizadora e de soberania. Era dado como demitido e enviada ao Ministério Público a respetiva participação acompanhada de cópias das peças do processo disciplinar. O documento vem da Repartição Central dos Serviços da Administração Civil, o Conselho Disciplinar homologou a decisão.

Voltamos a uma Portaria do Conselho Disciplinar publicada no Boletim Oficial n.º 9, de 28 de fevereiro. Desta vez é o Administrador da Circunscrição Civil de Fulacunda, Ernesto Lima Wahnon, e o encarregado da mesma circunscrição, Eduardo Lencastre de Laboreiro Fiúza. O primeiro não dera entrada nos cofres de uma quantia superior a 6 mil escudos proveniente da percentagem adicional sobre direitos de importação; que recebera a importância de perto de 43 contos tendo entrado nos cofres apenas cerca de 35, entre outras faltas. O arguido revelara grande falta de zelo profissional, denunciara um completo desconhecimento das disposições legais reguladoras dos serviços a seu cargo, tinha como atenuantes 27 anos de serviço, recebeu uma pena com perda vencimentos e Laboreiro Fiúza foi demitido.

No Boletim Oficial n.º 14, de 4 de abril, temos o anúncio dos estatutos do Sporting Club de Bafatá, à semelhança de outras já aqui referidas, os seus fins eram de promover e praticar todos os jogos desportivos e recreativos adaptáveis ao meio e promover passeios e festas para distração dos sócios.

No Boletim Oficial n.º 23, de 6 de junho, volta a funcionar a palmatória da justiça, matéria tratada no Conselho Superior de Disciplina das Colónias. Fizera-se sindicância aos atos do Secretário da Câmara Municipal de Bolama, Joaquim Afonso Gonçalves Ferreiro, e ao amanuense Vitorino da Silva Ferreira, aplicara-se uma pena, o Secretário recorreu, o processo de recurso subiu ao Ministério. A arguição para este castigo vinha resumida num relatório da comissão municipal, o Secretário apoderara-se abusiva e ilegalmente de cerca de 16 contos e meio. O Secretário no recurso afirmou que quando exercia as funções de tesoureiro dera pela existência de uma falha, procurou averiguar as suas causas, etc., etc., etc. Houvera reposições feitas pelo recorrente e a sua promessa de pagar o mais que faltou no cofre municipal; o recorrente reconhece que andou mal. A decisão do Conselho Superior foi a de não dar provimento ao recurso. Manteve-se a pena.

E voltamos, de novo, ao processo de Landerset Simões, como consta do Boletim Oficial n.º 48, de 28 de novembro. Trata-se de um despacho oriundo do gabinete do governador. De novo se referem as violências exercidas sobre os indígenas, extorsões em benefício de um particular; que relevara pouca humanidade mandando aplicar castigos corporais. Landerset Simões recorrera ao Ministro das Colónias. Carvalho Viegas começa por aflorar a legislação que se prende com a mão-de-obra indígena nas colónias, “um repositório de preceitos de lei inspirados por um sentimento de humanidade que marca sem sofismas um período de transição do trabalho indígena escravizado para a livre estipulação para prestação de serviços. Este último objetivo altruísta do legislador não conseguiu na prática a sua eficiente consagração, porquanto numa colónia como a Guiné, em que há uma infinita variedade de raças, não é tarefa fácil criar-lhes necessidades determinadas pelo influxo da civilização, para desta feita procurarem pelo trabalho, espontaneamente oferecido, os meios necessários à sua subsistência e ao cumprimento dos deveres impostos sob o Estado soberano. Dos povos da Guiné, o mais indolente e avesso à independência que o homem conquista pelo trabalho, vivendo apenas do que a natureza oferece quando não é da mulher, sua eterna escrava, é o indígena da tribo Bijagó. Rebelde, refratário a tudo a que respira civilização, considera o trabalho um castigo e a ociosidade um prémio. Com uma raça deste jaez, que faz da mulher a única base produtora de tudo que ao consumo do homem se torna necessário, como se conseguiria fazer a exploração do arquipélago dos Bijagós, rico em matérias-primas, sem que a mão-de-obra seja fornecida por via de imposição da autoridade? Responda com consciência quem souber e conhecer a colónia da Guiné. Sendo, contundo, pouco regular a linha de conduta do recorrente quanto à maneira como procedeu com certos indígenas dos Bijagós, apesar de em parte poder considerar-se justificada, de uma maneira geral, a sua ação, porque ninguém ignora, como já foi dito, que os indígenas daquele arquipélago vivem indolentes e refratários ao trabalho, só pelo grande esforço das autoridades podem ser levados a produzir alguma coisa de útil; mas tendo algumas vezes o recorrente levianamente exagerado a sua ação, como chefe de posto, molestando indígenas de avançada idade e produzindo-lhe ferimentos de certa gravidade, como se verifica pelos autos; considerando que contra o recorrente há no processo factos que representam indesculpável advertência…” e em vez de demissão foi-lhe aliviada a pena.

Tenho para mim que este despacho do Governador Carvalho Viegas é um dos mais demolidores textos quanto à natureza pérfida da justiça colonial e à manipulação dos argumentos.


Um dos documentos mais espantosos que li sobre a paranoia anticomunista do Estado Novo
Não há em toda a Guiné monumento tão espantoso como este, um maciço de pedra que nenhuma dinamite abalou. Talvez o mais impressionante monumento Arte Deco em toda a África Ocidental, é uma homenagem aos aviadores italianos falecidos num desastre aéreo à saída de Bolama, a tragédia ocorreu no início de 1931
Pioneira nos princípios do matriarcado, Okinka Pampa, ou Okinca Pampa, rainha do povo Bijagó, arquipélago da Guiné-Bissau, entre 1910 e 1930, deixou um legado na defesa dos direitos humanos. A rainha foi encarregue de manter as tradições da ilha, portanto, resistiu às campanhas coloniais de ocupação do território por Portugal até conseguir assinar um tratado de paz, o que pôs fim ao regime de escravidão. Imagem de espetáculo de recriação da história da rainha.
Bilhete-postal de 1930
Livro de bilhetes-postais publicados em 1946, nas comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 13 de agosto de 2025 >Guiné 61/74 - P27117: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1937 (48) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27098: Facebook...ando (92): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte IX: Praça Che Guevara (antiga Praça Honório Barreto)

Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Av Domingos Ramos (via Praça dos Mártires)

Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Av Domingos Ramos (via Praça dos Mártires) > Hotel K / Hotel Kalliste, restaurante  e esplanada

Foto nº 2> Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Rua Eduardo Mondlane (via Rua Osvaldo Vieira) 


Foto nº 2A > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Rua Eduardo Mondlane (via Rua Osvaldo Vieira) > Restaurante Chinês Bar Bayana


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Rua Eduardo Mondlane (via Av Amílcar Cabral)



Foto nº 3A  e 3B > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Rua Eduardo Mondlane (via Av Amílcar Cabral) > Centre Culturel Franco bissau guinéen (Centrro Cultural Franco-bissau-guineense)


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Av Domingos Ramos  (via Av  Francisco Mendes) > 


Foto nº 4A > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara / Av Domingos Ramos  (via Av  Francisco Mendes) > Farmácia



Foto nº 5 e 5A > Guiné-Bissau > Bissau > Praça Che Guevara  > Efígie e placa: "Praça Ernesto Guevara, 'Che' "


Foto nº 6 > Guiné-Bissau >  Região do Cacheu > Cacheu > Fortaleza do Cacheu > Parte da antiga estátua do Honório Barreto, uma figura da história da Guiné-Bissau, vista pelo partido independentista como um "simbolo do esclavagismo e da opressão colonial" e liminarmente rejeitado e diabolizado: a sua estátua foi apeada e parcialmente destruída, o liceu que tinha o seu nome foi "rebatizado" (subtituído por uma das figuras do pan-africanismo),  enfim, como sempre, "deitou-se fora a água do banho com a criancinha"...  

A história é sempre um parto violento... Cabe agora aos historiadores (e aos guineenses) "redescobrir" o Honório Barreto na sua complexidade e no contexto do seu tempo, reconhecendo-o como uma importante e paradoxal figura da proto-história da Guiné-Bissau. Ele também faz parte do processo de nascimento da nação...

Fotos (e legendas): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > s/d [c 19690/70] > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa") (Detalhe). Colecção: Agostinho Gaspar / Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)

Agora a Praça chama-se Che Guevara (vd. mapa do Google)... e o antigo Hotel Portugal agora é o Hotel Kalliste (vd. foto nº 1). A estátua do Honório Barreto foi derrubada e levada (o que restou)  para a fortaleza do Cacheu (Foto nº 6).



João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74):

(i) é profissional de seguros, vive em  Alquerubim,  Albergaria-a-Velha;

(ii) viaja regularmente, desde 2017, para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente, o clube de futebol local);

(iii) regressou há pouco mais de 2 meses  da sua viagem deste ano de 2025;

(iv) tem página no Facebook (João Reis Melo);

(vi) tem mais de duas dezenas e meia de referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.

1. Na sua viagem, em maio passado, de Bissau a Cumbijã, no sul, na região de Tombali, o nosso grão-tabanqueiro João Melo, passou por várias das nossas geografias emocionais... E fotografou esses lugares (Bissau, Quinhamel, Bula, Susana, Cacheu, Bambadinca, Saltinho, Buba, Mampatá, Cumbijã...).

 Temos procurado, com a sua autorização, fazer uma seleção das suas melhores imagens. Ele tornou-se um grande conhecedor e um excelente cicerone da atual Guiné-Bissau. 

2. Excerto da página do Facebook do João Reis Melo, postagem de 25 de julho de 2025, 15:29

“Retalhos de uma passagem pela Guiné-Bissau:

"A antiga Praça Honório Barreto em Bissau, atual Praça Ernesto Guevara “Ché”, é uma praça com rotunda uniforme e quatro vias perfeitamente delineadas que são o resultado do cruzamento das Avenida Domingos Ramos e a Rua Eduardo Mondlane.

"Quando foi desenhada, atribuiram-lhe o nome   de Honório Barreto, e lhe foi ali erigido um monumento em sua homenagem,  uma estátua em bronze construída em 1958 e que,  hoje, está depositada na Fortaleza de Cacheu. No antigo pedestal, restaurado ou reaproveitado,  foi colocada uma efígie do 'Che' Guevara e uma placa com o seu nome (Ernesto Guevara, 'Che').

"Honório Pereira Barreto (1813-1859), filho de pai cabo-verdiano e mãe guineense, nasceu na fortaleza de Cacheu, onde o pai estava como capitão-mor, atingindo depois os mais altos cargos da antiga província ultramarina portuguesa e falecendo na fortaleza de São José de Amura, em Bissau, onde estava como capitão-mor.

Apresento-vos fotos de minha autoria da mesma praça tiradas em maio passado."

(Revisão / fixação de texto: LG)

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27097: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, (o segundo semestre de 1936) (47) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Em jeito de desabafo, a leitura que fiz deste segundo semestre de 1936 é uma seca, tudo muito arranjadinho, uma administração composta com gente a ir para férias ou delas regressar, nomeações, passagens à aposentação, não tivesse havido, como sabemos, a campanha de pacificação de 1936 em Canhabaque, teríamos que perguntar porque é que dela jamais se faz menção a não ser nos primeiros dias de janeiro, onde se fez referência no texto anterior e agora se volta à carga aquela acalorada sessão do Conselho de Governo que aqui se reproduz, visto à distância destas décadas (mais de nove) há qualquer coisa de estrambótico naquela reunião em que a votação resultou empatada. Foi me dado ler o Decreto que saiu do punho de Salazar para a criação da Legião Portuguesa, pareceu-me útil aqui fazer a sua menção.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné (o segundo semestre de 1936) (47)

Mário Beja Santos

Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde regularmente trabalho, pus-me à cata de uma fotografia do Major Carvalho Viegas, foi encontrada numa publicação que tem a ver com a 1.ª Conferência dos Governadores Coloniais, que decorreu em Lisboa, houve discursos de Salazar e do ministro Armindo Monteiro, Carvalho Viegas discursou, disse logo que só tinha cinquenta dias da Guiné, mas que entusiasmo não faltava para que a colónia progredisse. Prometeu à assistência que se ia centrar no essencial: a questão financeira e económica, a administrativa, a assistência ao indígena.

Lendo-o, passadas todas estas décadas, e sabendo alguma coisa do que era a Guiné nesta altura, as suas observações são surpreendentes: a situação financeira da Guiné não inspirava cuidados. Tudo se satisfazia com os recursos da colónia, a Guiné por sis só se bastava, tinha uma receita de 22 mil contos. Certamente que havia alguns empecilhos pelo caminho, logo a questão dos cambiais e lembrou a reclamação da Casa Gouveia no sentido de se anular o diploma em vigor e voltar ao regime dos 25% de entrega de cambiais. O novel governador fará discretamente uma defesa dos cambiais dizendo que eles são benéficos para o Estado, funcionários e particulares, ao comércio importador para pagamento de géneros da primeira classe, até para a Companhia Colonial de Navegação. Recordou que a posição devedora da Guiné era desafogada.

Falando da economia, lembrou aos presentes que tinham diminuído as cotações das oleaginosas, por si só diminuíram o poder de compra do indígena, mas também diminuíram as importações, com prejuízo quer para o país quer para a marinha mercante. A crise mundial chegara à Guiné e caminhava-se para uma diminuição de receitas.


Fez uma dissertação sobre as oleaginosas, mas não afastou um cenário de tremendas dificuldades: “Apesar do encorajamento e promessas que lhe poderão ser feitas, das distribuições de sementes, etc., o indígena que se recuse a renovar o seu esforço, de que nada de positivo obterá. Se não lhe dá a absoluta certeza que poderá vender os seus produtos em condições de suficiente renumeração, ele afastar-se-á de nós, da nossa civilização, voltará para a sua vida primitiva de antanho.” Falando da assistência ao indígena, declara aos presentes de que o Governo da colónia tem um programa para ela: assistência médica, assistência agrícola e zootécnica, assistência escolar rural e de beneficência. Não deixa de nos surpreender dizendo que é fundamental criar na colónia um movimento associativo rural.

E mudando de discurso recorda à assistência que a Guiné está vivendo condições que não são boas, está passando maus dias, as exportações são quase maioritariamente amendoim e coconote, a exportação de arroz não passa ainda de uma experiência, o comércio vive do descoberto das suas contas nas casas financeiras da Europa. E certamente que terá surpreendido quem o ouvia: “Se um esforço de imediato heroico se não produz, a colónia desmoronar-se-á, e, em poucos anos, de tudo quanto o comércio e o Estado fizeram, nada restará, absolutamente nada, que recorde Portugal ter feito alguma coisa para atualizar a colónia.” Está ciente que não se podem proporcionar mais recursos às necessidades existentes à colónia, mas há o espectro da ruína total, o verdadeiro desaparecimento de edifícios e do material dos serviços públicos.


Se fiz este destaque, é para recordar ao leitor no texto anterior, apresentado dois anos mais tarde, a narrativa toma outro tom, quem investiga estas matérias sente o embaraço nas dissonâncias da narrativa, é bem verdade que naquele ano de 1934 a austeridade era fortíssima, imposta para haver o milagre financeiro de Salazar, dois anos depois o discurso é completamente tranquilo e pede-se muitíssimo para haver boas infraestruturas portuárias, rodoviárias, de saúde, de comunicações – quem investiga tem que ter muita prudência em avaliar as exposições, umas em que predomina a escuridão, outras feitas de luz, quase encadeadora.

Estamos agora já no segundo semestre de 1936 e surge a ata da segunda sessão do Conselho de Governo da Colónia que se realizou em 4 de janeiro desse ano. O governador toma a palavra dizendo que segundo informações oficiais, como protesto a medidas promulgadas por este Conselho, em 23 de dezembro do ano findo, um grupo de indivíduos capitaneado pelo cadastrado Jaime Duarte, no dia 2 do corrente, entrou em várias casas estrangeiras para as compelir a encerrar os seus estabelecimentos comerciais. O governador trazia uma proposta onde se aludia ao incitamento à indisciplina pela Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, exatamente no momento em que se proclamava o estado de sítio da ilha de Canhabaque e, conforme já se escreveu no texto anterior, fora decretada a dissolução desta associação.

O vogal Granger Pinto pediu a palavra dizendo que era infundada esta acusação, contestou que ela tenha provocado incitamento à indisciplina, houvera, é certo, um grupo de indivíduos que entrara na sé da Associação, a protestar legislação referida, a Associação não tivera forças para o fazer retirar. O que efetivamente acontecer é que o comércio da cidade de Bissau, em sinal de protesto contra tal medida legislativa encerrara as suas portas durante os dias que seguiram à publicação do diploma, mas tudo correu em normalidade.

O governador veio à estacada dizendo que houvera entendimentos prévios para se proclamar a greve, ato punível, que a associação se mancomunou com os tais indivíduos, de novo Granger Pinto diz que tudo tinha corrido normalmente, que Mário Campos e Alfredo Vieira das Neves tinham embarcado para Bolama para falar com o governador, à procura de uma plataforma conciliatória, só que a embarcação fora recebido a tiros, o governador interrompe e diz que não é verdade, “o governador da colónia não recebe, nem trata com desordeiros, nem lhe fora pedida antecipadamente para receber qualquer indivíduo ou comissão.” O que em verdade acontecera é que uma vedeta da delegação marítima de Bolama tinha feito sinal à embarcação que transportava o senhor Mário Campos para que parasse, que a embarcação não obedeceu e por esse motivo fora disparado um tiro para o ar, que ouvido o tiro a embarcação do senhor Mário Campos parou.


Interveio agora um outro vogal, de nome José Júlio de Sousa, dizendo que não está convencido que a Associação tivesse provocado o incitamento à indisciplina social. Entende que antes da promulgação do diploma cujo projeto se discute neste Conselho, se deveria proceder a um rigoroso inquérito aos atos de que é acusada. Deve frisar que não pode e nem deve aceitar o projeto do diploma por entender que o seu objetivo só prejudica os interesses do comércio e muito especialmente os da colónia. O governador retoma o seu discurso dizendo que a direção da Associação se manifestara sediciosamente. Agora intervém o senhor Capitão Lima Júnior dizendo que a manifestação havida em Bissau não apresentava senão um protesto contra a legislação, e que não a votava até haver um processo de inquérito. Voltando ao uso da palavra, o governador retorquiu dizendo que já tinha mandado proceder a um rigoroso inquérito, que se concluiu ter havido um pacto com os desordeiros e que o programa enviado ao ministro, redigidos em termos incorretos, era assinado pelo presidente da Associação. O Capitão Lima Júnior responde que seria bom saber se o telegrama fora forjado sem que os interessados dele tivessem conhecimento, interrompe o governador dizendo que o telegrama do presidente da direção agira contra os atos emanados do Conselho da colónia. É a vez de tomar a palavra o delegado do Procurador da República dizendo que estavam proibidas as greves e que como representante do Ministério Público no Conselho votava o projeto do diploma proposto.

Submetida a proposta à votação houve empate, o governador pediu a discussão para outra sessão. Estamos agora em outubro, no Boletim Oficial da Guiné n.º 44 vem o texto do Decreto-Lei n.º 27:058, estava constituída a Legião Portuguesa. O texto é inequivocamente escrito por Salazar, veja-se um extrato:
“Dura há dez anos nova ordem política criada pelo Exército e mais uma vez confirmada pela vontade expressa da grande maioria dos portugueses. À sombra dela tem sido possível reparar as ruínas do passado e lançar as bases do nosso ressurgimento material e moral. Mas, acima de tudo, tem-nos permitido gozar o benefício inestimável da paz. Sempre que se tem querido perturbá-la, a força armada a tem defendido e sustentado. Ela continua, na verdade, a ser a grande reserva moral da Nação.
Mas as forças do mal não desatam. Um inimigo de especial virulência tenta instalar-se no corpo social das nações, infiltrando-se nas escolas, nas oficinas e nos campos, nas profissões liberais e nas próprias fileiras. Nega a Pátria, a família, os sentimentos mais elevados da alma humana e as aquisições seculares da civilização ocidental (…) As formas de atuação do inimigo convencem da utilidade de uma força composta de ardentes e esclarecidos patriotas que, sendo por si mesma uma fonte de saúde moral na sociedade, ajude, caso venha a ser necessário e na esfera de ação que lhe venha a ser atribuída, as forças regulares contra os inimigos da Pátria e da ordem social.
E para que não se corrompa nem desvie dos seus fins, antes viva a exaltação das virtudes cívicas e militares, dá-se-lhe a forma de corpo organizado, sujeito a rigorosa disciplina e diretamente subordinado ao Governo.”


Um dos aspetos mais assombrosos deste Boletim Oficial, é que ao longo de 1936 jamais se ouvirá o resultado da campanha de pacificação de Canhabaque, estamos muito longe do tempo do governado Vellez Caroço que punha em letra de forma este Boletim o que fazia e com que resultados.
Revista Ilustração. Lisboa n.º 205, 1.07.1934. Aspetos da aldeia indígena guineense e imagens dos africanos expostos aos olhares do público. Fonte Hemeroteca Municipal de Lisboa.
Aspeto da aldeia bijagós e um dos muitos retratos de 'Rosinha' a jovem balanta. (Fonte Maria do Carmo Serén. A Porta do meio, a Exposição Colonial de 1934. Fotografias da Casa Alvão. Porto: Centro Português de Fotografia, 2001)
Espaço onde esteve o Antigo Quartel do Centro de Instrução Militar, em Bolama
Reconhecimento do rio Geba, desde a foz do Corubal até ao rio Geba, 1897, Comissão de Cartografia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 30 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27071: Historiografia da presença portuguesa em África (492): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, (o primeiro semestre de 1936) (46) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27071: Historiografia da presença portuguesa em África (492): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, (o primeiro semestre de 1936) (46) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2025:

Queridos amigos,
O Major de Cavalaria Luís António Carvalho Viegas entrou de pingalim em riste, destituiu a Assembleia Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, encontrou-lhe sérias ligações com o que se estava a passar naquele exato momento na sublevação em Canhabaque, resistente contra uma medida do Governo que estava em vigor em quase a totalidade das colónias, mordera mesmo quem lhe estava a fazer bem, pois não tendo fundos para comprar o edifício para a sua sede pedira um adicional sobre a importação no porto de Bissau, e revelava claramente um desinteresse absoluto na colaboração com o Governo, isto no mesmo Boletim Oficial em que por portaria se ordenava um rigoroso inquérito aos acontecimentos ditos anormais da cidade de Bissau. Criou-se o Império Sporting Club de Bissau, muito provavelmente a partir de 1951, quando desapareceram colónias e apareceram as províncias ultramarinas terá nascido o Sporting Clube de Bissau. Mais adiante Carvalho Viegas também aparece impetrante contra os procedimentos da Associação Comercial de Bolama. E provavelmente o leitor irá ficar com o resumo do documento enviado para a 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português, era assim a Guiné em 1936, curiosamente o que se pede é o que irá ter andamento nos anos subsequentes.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa (o primeiro semestre de 1936) (46)


Mário Beja Santos

Este período de 1936 é fundamentalmente ocupado por questões de Canhabaque e pela participação do representante da Guiné na 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português. No Boletim Oficial da Colónia n.º 1 vamos ser informados do estado de sítio na ilha de Canhabaque e na destituição da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, acusada de ligação às sublevações de Canhabaque; e não deixa de ser importante ler o que Rodrigo de Sousa Coutinho Osório de Castro, em representação da Guiné enviou como relatório para a 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português.

Na Portaria n.º 1 publicada no Boletim Oficial, com data de 4 de janeiro, escreve o Major de Cavalaria Luís António de Carvalho Viegas:
“Tendo ocorrido em Bissau factos anormais, atentatórios da ordem e tranquilidade públicas e que urge averiguar para o fim de serem tomadas as correspondentes responsabilidades; Considerando a extrema gravidade do caso que pode assumir proporções de melindrosa contingência, sabido que os aludidos factos se estão desenrolando precisamente na altura em que o Governo da Colónia acaba de declarar, por motivos da rebelião indígena, o estado de sítio na ilha de Canhabaque;
Considerando que a coincidências destas ocorrências obriga o Governo a adotar medidas rápidas e enérgicas que extirpem focos de subversão da ordem social, evitando a sua propagação entre o elemento nativo, o que seria de bem perigosas consequências;
O Governador da Colónia da Guiné, no uso das faculdades que lhe são atribuídas, determina:
1.º É ordenado um rigoroso inquérito aos acontecimentos anormais da cidade de Bissau, para o apuramento das responsabilidades individuais ou coletivas da ocorrência, inquérito que deverá ter feição sumária.
2.º Fica encarregado do referido inquérito o Administrador do Quadro Administrativo Alberto Gomes Pimentel.”


No mesmo Boletim Oficial temos um diploma legislativo e vamos perceber o que aconteceu em Bissau. É referido que a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau provocou o incitamento à indisciplina social, promovendo manifestações coletivas atentatórias da ordem e da tranquilidade públicas. Diz-se que a mesma associação já por várias vezes manifestara o seu espírito de rebelião, e por isso fora dissolvida temporariamente em 1929; juntaram-se a esta associação elementos a ela estranhos capitaneados por agitadores de profissão, alguns com cadastro judicial; associação que não se moveu sequer pelo sentimento patriótico, agora que foi proclamado o estado de sítio na ilha de Canhabaque; promoveu reuniões clandestinas, desviando-se dos seus verdadeiros fins associativos; a resistência desta associação contra uma medida do Governo, em vigor na quase totalidade das colónias, não tem a apoiá-la qualquer razão séria de ordem económica ou de interesse de classe; e não tem procurado cooperar a favor das questões sociais que interessam à coletividade, apesar das constantes instâncias para uma intima colaboração com o Governo. E após um outro punhado de considerandos e invocada a legislação pertinente, o governador manda dissolver a associação e o edifício em construção destinado a ser usufruído para sede dessa coletividade entra imediatamente na posse do Estado.

No Boletim Oficial n.º 6, de 10 de fevereiro, são aprovados os estatutos do Império Sporting Club de Bissau, a agremiação destinada a promover e praticar todos os jogos desportivos e recreativos, festas para a distração dos seus associados e concorrer para o desenvolvimento intelectual destes. Neste mesmo Boletim Oficial dá-se a saber que o Governo da colónia solicitara à única associação económica e profissional existente na cidade de Bolama, a Associação Comercial de Bolama, a nomeação de quatro vogais para fazerem parte da Comissão Municipal da cidade. E o governador escreve o seguinte:
“Considerando que as pessoas indicadas para vogais efetivos não estão em condições de oferecerem garantias de idoneidade moral para representarem condignamente o comércio, proprietários, empregados do comércio, visto que um dos referidos elementos tem vários processos, um a correr no Tribunal Militar por lhe haverem sido apreendidas 22 latas de pólvora, outro a ir para o Tribunal da comarca por possuir ilegalmente uma arma de fogo e não ter pago a respetiva multa, e, ainda mais, um outro que segundo os depoimentos de vários indígenas feitos prisioneiros na ilha de Canhabaque foi quem vendeu a maior parte da pólvora sem a qual não se podia ter dado a rebelião do gentio e de que resultou a perda de dezenas de vidas, mais do que uma centena de feridos; e quanto ao outro eleito, por haver na documentação do Governo comunicação da Companhia Colonial de Navegação que não lhe foram ainda pagas as passagens que em tempos àquele lhe concedera; considerando que, por prudente recado, tendo sido comunicados, confidencialmente, à associação comercial tais factos, e pedido a substituição desses vogais efetivos, a assembleia quis manter a sua eleição.”
E com mais outros considerandos a eleição dos vogais efetivos e suplentes deverá ter uma nova eleição.

Logo no primeiro Boletim de 4 de janeiro, o governador nomeara um funcionário, Rodrigo de Sousa Coutinho Osório de Castro, para representar a Guiné na 1.ª Conferência Económica do Império Colonial Português. Este funcionário elaborou em Bissau, com data em 12 de janeiro, um relatório, que aqui relevamos algumas análises:
“Colónia onde apenas desde 1915 foram abertas as primeiras estradas, pelas necessidades da sua pacificação e ocupação, no curto prazo de 22 anos, quase exclusivamente com os seus, de começo, parcos recursos (…) Urge que esta colónia possua transportes rápidos e seguros que lhe permitam lutar com as vizinhas colónias francesas (...) Colónia com carências absolutas, rede de estradas em grande parte em péssimo estado. Na Guiné existem 245 viaturas automóveis das quais 166 camiões e 79 automóveis, na sua maioria modelos antiquados, abundando os camiões Ford, modelo T. No tocante à aviação, havia um campo de aterragem em Bolama, o de Bissau ainda não estava concluído. Na navegação fluvial, havia três vapores do Estado a necessitar de substituição por outros movidos a óleos pesados, havendo também a necessidade de adquirir um rebocador para fazer o serviço de farolagem, porque é perigoso fazê-lo com os barcos existentes. Os portos interiores estão desprovidos de qualquer utensilagem. Não há trabalhos de irrigação na colónia, os telégrafos são deficientes. No tocante aos portos marítimos, o de Bissau necessita de importantes obras, o de Bolama apenas exige o prolongamento da sua ponte-cais.”

O relator apresenta um plano de obras públicas onde cabem material de apetrechamento maquinista (britadeiras, tratores…), obras (construção das pontes de Ensalmá, sobre o Geba, Braia, Armada, Puloa), edifícios (Palácio do Governo, escolas primárias, bairro para residência de funcionários da cidade de Bissau), portos (grande reparação da ponte-cais de Bissau, prolongamento da ponte-cais de Bolama), estradas (abertura de nova estrada S. João-Fulacunda-Xitole) e reparação geral e retificação do traçado das restantes estradas, faróis (conclusão do plano de farolagem dos serviços da Marinha, construção dos faróis da ilha das Cobras-Areia Branca-Ponte Barel e Orango).

A finalizar o seu relatório, expõe o cômputo de receitas das explorações das obras que se pretendem realizar, modo de pagamento e o plano de fomento das comunicações marítimas e fluviais da Guiné, bem como os correios e telégrafos. Castro Osório conclui falando da necessidade de rever os acordos com a África Ocidental Francesa para o alargamento dos serviços postais e telegráficos e também os estabelecimento de acordo com os correios de Cabo Verde para permuta radiotelegráfica com todo o arquipélago.

Luís António Carvalho Viegas, foi Major de Cavalaria enquanto Governador da Guiné, terminou a sua carreira em Brigadeiro
Monumento comemorativo das operações de pacificação em Canhambaque, 1935-1936.
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
Bissau, um trecho da Avenida, bilhete-postal, 1920
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27047: Historiografia da presença portuguesa em África (491): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 930-1936 (45) (Mário Beja Santos)