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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27096: Felizmente ainda há verão em 2025 (12): ruminações nova-iorquinas... (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona)





1. Mensagem do nosso John Crisostomo, o luso-americano régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona  (foto à esuerda: com a Vilma, num 10 de junho).

João Crisóstomo, membro da nossa Tabanca Grande, com c. 280  referências no blogue, a viver em Queens, Nova Iorque, ativista social, ex-alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67).


Data - 6 ago 2025 00:42  
Assunto - Ruminações

Caríssimo Luís Graça ( e outros camaradas-irmãos, se o nosso comandante quiser “partilhar” estas minhas “ruminações” )


Acabo de abrir o computador para me pôr em dia com os meus camaradas da Tabanca e verifico que estou mesmo a ficar atrasado. Tanta coisa boa: 

  • poesias do Manuel Gouveia Oliveira que merecem admiração e aplauso;
  • uma homenagem do Joaquim Caldeira ao “desconhecido herói' Adriano ( e quantos outros merecem um post destes e muito mais e nunca são lembrados por ninguém!); 
  •  crónicas do Juvenal Amado que nos fazem lembrar algumas situações semelhantes nas nossas vidas mas que na maioria dos casos, nunca passam de "luzes debaixo de alqueires”, por nunca serem partilhadas…; 
  • um comentário muito apropriado do Eduardo Estrela ao post do Adão Cruz (ambos me fazem inveja porque eu não sei dizer tanto com em tão poucas palavras; … etc etc… 

Isto para mencionar apenas os posts destes últimos dias, pois é raro o dia em que não apareça neste nosso blogue algo credor do nosso apreço. A eles e todos, faço minhas as palavra do Virgílio Teixeira “ A todos que não posso responder em directo, os meus abraços”.

Mas há um post muito especial que me causou uma cascada de emoções, frustração e inveja por não poder participar melhor do que sentir um nó no peito. Entre outras, muitas saudades. Saudades dum encontro semelhante (um festival do mexilhão ) onde eu e a Vilma fomos e em que, parece-me, estiveram toda a gente mencionada nesta "batatada de peixe seco”: O saudoso Eduardo e a São; o Rui Chamusco; os duques do Cadaval Pinto de Carvalho e Céu Pintéus; O Jaime ; e tu e a Alice…

E fez-me lembrar os meus tempos de miúdo: eu ainda não estava na escola primária, portanto devia ter os meus quatro ou cinco anos ; quando em Peniche havia peixe com fartura vinham sempre uma ou duas carrinhas vender o peixe pelas aldeias ; quando chegavam à minha aldeia, a Bombardeira, geralmente já só havia chicharro que vinha em bruto, na parte de trás da carrinha . E não era vendido ao quilo mas "em atacado" ( é assim que se diz certo?) aos cestos. 
Se me não engano chegava a ser cinco tostões por um cesto de chicharro.

 Nesses dias o meu pai comprava um ou dois cestos de chicharro, que depois de aberto e limpo era posto a secar . E aí eu sentia-me muito importante no meu trabalho de enxutador de moscas: punham-me em cima do telhado, com um boné velho na cabeça e uma pequena vara de eucalipto na mão e eu, muito compenetrado da minha responsabilidade de não deixar que as moscas pousassem no peixe, lá ficava até que o sol começava a perder a força e o chicharro era arrecadado para se repetir a mesma operação no dia seguinte.” Oh Tempo, volta pra trás…”

Não vou fazer comentário a este teu post pois que não tenho o que é necessário para o fazer . Mas mais uma vez, aproveito quem sabe falar e escrever melhor do que eu: “ Grande texto, Luís, estas a escrever como um principe, dos bons, da excelente literatura” diz o António Graça de Abreu. Ele tem razão. E a ambos eu tiro o meu chapéu.

E já que estou no computador, aproveito para te dar notícias nossas. Estamos bem, mais ou menos, pois na nossa idade, pelo menos no que me diz respeito, quando dizemos que está tudo bem, geralmente estamos a mentir: se não é a perna que dóe .. são os dentes a atrapalhar ou as costas a lembrar que estamos nos “entas” avançados. Agora ando quase sempre de bengala, por vezes até dentro de casa.

A Vilma essa parece cada vez mais nova: neste momento está em Maryland ( um “estado" perto de Washington) numa convenção relacionada com meditações e coisas assim . Ela bem me quis convencer a ir com ela mas eu pus os pés no chão: tive e fiz mais retiros e meditações, nos meus tempos de colégio, mais que suficientes para o resto da vida… Mas ela lá está contente e feliz. Falamos pelo WatsApp todos os dias duas ou três vezes. Quando ele me disse que gostava de ir a esta convenção eu pus as minhas reticências e objeções; mas evidentemente que não me opus, desde que fosse sozinha! ; e agora vejo que agi bem: ela está tão feliz que ao olhar para ela não posso deixar de sentir a sua alegria contagiante!

E não estou a dizer isto porque sou católico. “Voltei"ao catolicismo depois de muitas "visitas e viagens” que incluíram o ceticismo e agnosticismo… Muita gente pensa que o facto de eu por vezes ter muitos contactos com autoridades e líderes religiosos quer dizer que sou muito “religioso.” E não é bem assim. Na verdade sou católico , mas não sou “fanático”. Acho que antes de ser cristão um indivíduo é um ser humano. E por vezes até digo que me sirvo dos meus "contactos religiosos” para atingir fins sociais, independentemente da sua ligação ou não com religiões. Mas … chega de ruminações religiosas para hoje.

Bom, agora vou fazer uma pausa, que tenho de ir pintar o meu "back yard” (um pequeno quintal na traseira da minha casa.). Volto logo. Ou então faço como tu que te levantas às três da manhã para falar com os teus amigos e camaradas.

Estou de volta .

Disseste-me há tempos ( em comentário ao 4 de Julho americano com sabor a bacalhau ) que sou um "homem de ideias práticas, gostas de bricolagem” …. Deixa-me responder a esta tua afirmação/suposição. Porque parece-me que tens razão. Mas primeiro deixa-me fazer as devidas "ressalvas” para não ser mal compreendido e fazer figura de charlatão.

Lembro o que o meu pai dizia: "alguém que diz ter sete ofícios, pode ter quantos ofícios quiser mas não é bom em nenhum deles.” Portanto o que segue não em qualquer intenção de ridícula gabarolice. Os meus “ofícios" de alguma maneira foram-me impostos… tomei-os por pura e simples necessidade, nada mais. Sobrevivência ….

Pergunto-me o que diria hoje o meu pai , ao ver que o seu filho “virou” ( "virar “era uma palavra que ele usava para dar ênfase a uma ideia fora do vulgar) mesmo um homem de sete ofícios…As voltas da minha vida depois da Guiné deram mesmo nisso. É que "a necessidade faz o ladrão”. Quis estudar línguas e para isso tive de começar a lavar pratos e panelas… e eu que nunca tencionava trabalhar em restaurantes, de repente fizeram de mim um garçon, depois “virei” maitre d’hotel, gerente de restaurante, e finalmente mordomo.

Se "virei activista” também não tive culpa. As circunstancias em que me encontrava quando as coisas “apareciam" não me permitiam fazer diferentemente do que fiz. O acaso trouxe-me a Nova Iorque; o acaso levou-me a ser mordomo. Outra pessoa a quem o acaso levasse a encontrar-se nas mesmas circunstâncias teria com certeza feito igual, talvez mesmo mais e melhor.

E quanto a bricolage (em português europeu, bricolagem), é a tal necessidade de se desenrascar: reconheço e admito que tenho muita imaginação. E, dizem que sou “perseverante”. Sou pior do que isso: o que eu sou é um teimoso do caraças quando a minha cabeça me diz que uma coisa é ou pode ser duma maneira, mesmo que a maioria das pessoas afirme diferentemente. E quando é assim não desisto. Essa a razão porque por vezes me apelidaram de "berbequim".

A tal engenhoca para cortar o bacalhau em postas com uma catana da Guiné  (imagem à esquerda) é um exemplo de imaginação, faceta que não nego. 

Tenho vários outros ofícios, sem ser bom em nenhum deles: todas as pessoas que visitam a minha casa ficam de boca aberta ao ver a quantidade de bogigangas que eu tenho seja para o que for: carpintaria, alvenaria, pinturas… faço de tudo um pouco, bem consciente de que sou um engenhocas, mas sempre e apenas um engenhocas amador. 

Por vezes as coisas saem tortas e lá tenho eu de chamar o empreiteiro para corrigir as asneiras que eu fiz… outras vezes dá certo. Por exemplo a casa de arrumações no meu quintal foi toda feita por mim, sozinho. O empreiteiro que faz a maioria dos “trabalhos mais complicados " na minha casa queixou-se um dia de que eu tinha dado aquele trabalho a outrem…

Bom já chega. Hoje aconteceu-me ter inesperado tempo livre e deu-me para isto .

Um grande abraço
João ( Nova Iorque )






Lourinhã > Ribamar > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > Restaurante O Viveiro > Convívio anual da Tabanca de Porto Dinheiro. Régulo:  Euardo Jorge Ferreira (1952-2019).
- No  grupo dos tabanqueiros da saudosa Tabanca da Porto Dinheiro, falta o fotógrafo, o Álvaro Carvalho (casado com a Lena do Enxalé, de está azul, entre o João Crisóstomo e a Vilma). Faltam ainda os "duques do Cadaval" (Joaquim Pinto Carvalho e Céu Pintéus)...A Dina já não está entre nós nem o Eduardo... O Lopes está doente, acamado. Do nosso capelão Hirácio (e da Milita) também não temos notícias recentes. Falta ainda o Rui Chamusco, o Carlos Silvério e a Zita...

Legenda: da esquerda para a direita, António Nunes Lopes, João Crisóstomo, Helena do Enxalé, Vilma Crisóstomo, Dina, Milita (primeiria fila); Eduardo Jorge Ferreira, Maria Alice Carneiro, Alexandre Rato  [presidente da junta de freguesia de Ribamar,], Horácio Fernandes e Jaime Bonifácio Marques da Silva (segunda fila).


Foto (e legenda) : © Álvaro Carvalho (2015)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camnaradas da Guiné]


2. Post-Scriptum

john crisostomo
6 agosto 2025 | 08:05

Às 02.03 AM, sem conseguir dormir, levantei-me e reli as "ruminações" que te enviei ontem. Vejo que há muito mais que podia acrescentar ou que podia ser dito de melhor maneira. 

Por exemplo não disse que o facto de ser eu o enxutador oficial de moscas quando o chicharro era posto aberto e espalhado em cima do telhado para secar se deve com certeza ao facto de eu ser o único "homem" da família num mundo de mulheres. Os meus pais tiveram dez filhos, mas de rapaz só saí eu. 

A mesma razão (de ser eu eu o único rapaz,) fazia de mim o "algoz.  mata-moscas" à noite antes de irmos para a cama. Na falta de outro meio mais eficiente para controlar as muitas moscas dentro de casa, durante o dia eram pendurados no teto uns ramos bem apertados de umas ervas/meio arbustos (não me lembro o nome ). Eram nestes ramos que as moscas se juntavam para passar a noite. 

E então à noite eu, com um a ajuda das minhas irmãs, conseguia enfiar e envolver os ramos de baixo para cima com uma saca das batatas ( de serapilheira) bem aberta, com muito jeito e cuidado para não tocar nos ramos ( pois quando o saco tocava nos ramos elas fugiam todas). Quando o saco estava a chegar ao teto eu de repente fechava o saco e as moscas ficavam dentro do saco. Então eu agitava o saco para elas não ficarem agarradas aos ramos e deslizava a boca da saca do ramo que continuava pendurado para o dia seguinte. A seguir com toda a força de que era capaz, com o apoio entusiástico das minhas irmãs que sempre riam a bandeiras despregadas, eu batia o saco conta a parede ou mesmo contra o chão. E repetia a mesma operação, um a um, em todos os ramos espalhados pela casa. etc.

Sobre outros assuntos mais sérios mais havia para dizer também, mas acho melhor deixar para quando nos encontramos pessoalmente, não vás tu achar que estou a abusar da tua boa vontade, esperando que tenhas pachorra suficiente para ouvir as minhas deambulações de pensador barato. 

Também disso não tenho culpa e até gostava bem de sentir menos esta obcecação de andar sempre a pensar em coisas de que, sei bem, nunca teremos uma resposta ou certeza. Da mesma maneira que os chamados cientistas pensam e tentam chegar a saber como o mundo começøu, tenha isso sido há quatro mil milhões e meio de anos ou quatrocentos vezes quatro mil milhões…

Bom, vou voltar à cama ( neste momento a Vilma está na sua convenção em sérias meditações e eu estou sozinho!) e vou ler o James Michener que é sempre uma leitura agradável e por vezes apaixonante. Dorme bem.
João

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)                            

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2 comentários:

Anónimo disse...

Bonito dialogo. Gostei imenso. Para mim ler estas recordações, é um estimulo, por ainda andar por aí, e ver estas amizades. Bem hajam.
Abílio Duarte - Cart.2479/ C. Art.11- Guiné 69/70.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

João, nada como um cristão levantar-se cedo...De madrugada é que se começa o dia... Mas 3 da manhã também é cedo de mais...

As "ruminações nova-iorquinas, matinais" dão para vários comentários... Mas para já fixo-me num termo que tu usaste e que eu corrigi: "bilião" / "billion"

A nossa casa, a nossa "sweet home", o planeta Terra, tem mais ou menos 4,54 mil milhões de anos (ou seja, 4 540 milhões). No Brasil dizem "bilhões", e nos Estados Unidos também usam "billions", mas em português de Portugal dizemos mil milhões... Uma grande confusão com falamos com números muito grandes...

Esta idade foi calculada com base em testes feitos a meteoritos, e bate certo com a idade das rochas mais antigas encontradas na Terra e também na Lua.

De qualquer forma, há uma grande diferença entre um milhão de milhões (1 bilião, em português europeu) e mil milhões (1 bilhão, no Brasil, ou 1 "billion" em inglês americano)... Estas diferenças podem baralhar, mas são só maneiras diferentes de contar os mesmos números.

A nossa “sweet home” tem então uns bons 4500 milhões de anos. Já está velhinha, a precisar de uns arranjos, umas obras de manutenção, e alguma atenção (eu dirigia, muita atenção, veja-se o nosso querido mês de agosto de 2025)... Mas tudo indica que ainda vai durar "mais c'a gente": o Sol só deve transformar-se numa "gigante vermelha" lá para daqui a 5000 milhões de anos, para a "anã branca" e colapsar completamente por volta dos 10 000 milhões.

O problema é que a vida na Terra, tal como a conhecemos, pode tornar-se impossível, muito antes disso, talvez daqui a uns 1000 milhões de anos. Ainda vamos a tempo, de salvar o nosso teto, se a estupidez, a arrogância, a avidez e a ganância não triunfarem...