Queridos amigos,
Pode parecer um tanto espetacular, e rebarbativo, crismar este museu de uma casa da extensa História de Portugal, mas a verdade é que o acervo de pintura medieval, a qualidade da escultura gótica, a pintura tardo-gótica, e indo por aí fora até ao século XIX, com remissões para a arte europeia de primeira ordem, impressiona quem quer que o visite, os biombos japoneses, a custódia de Belém, o extenso mobiliário, as preciosidades da arte flamenga e tudo mais justificam visitas regulares ao antigo palácio dos condes de Alvor e do Convento das Albertas, a museologia e a museografia que é hoje possível desfrutar não tem qualquer termo de comparação com as visitas que ali fiz na meninice, estou a ver a minha mãe a mostrar-me orgulhosa a Baixela Germain e eu a interrogá-la se não havia dinheiro para limpar as pratas, como é que uma Baixela tão valiosa se apresentava tão enegrecida... Isto para já não falar nos tapetes puídos e na falta de boa iluminação. Deixa-se aqui dois apontamentos, sugere-se ao potencial visitante que leia previamente uma publicação alusiva ao museu para desfrutar da sua memorável itinerância.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216):
Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1
Mário Beja Santos
Sem nenhuma preparação prévia, naquela manhã de sábado em que tinha pensado em limpar o meu escritório, arranjei-me e tomei a decisão: vou visitar o Museu Nacional de Arte Antiga, nada tem de custoso, apanho o metro até ao Cais do Sodré, são inúmeros os transportes daqui até ao velho Palácio dos Condes de Alvor. Muni-me de uma obra escrita pelo meu amigo José Luís Porfírio, que foi diretor e conservador do museu, fui selecionando o que mais me interessava ver, mas sempre aberto a imprevisto. Recordo-me que a primeira vez que ali entrei, levado pela minha mãe, fiquei intrigado pelo desconsolo da decoração, e quando a minha progenitora me apontou, ufana, para a Baixela Germain, perguntei-lhe se não havia dinheiro para limpar as pratas, estava tudo enegrecido.
Hoje, dá gosto percorrer todas aquelas salas, independentemente de haver ciclos e escolas que não desfazem bater o coração. Mas o Museu das Janelas Verdes, instalado num antigo palácio do século XVIII, e completado com um anexo de 1940, que ocupa o que foi o antigo Convento das Albertas, tem sido alvo de muita atenção, alvo de intervenções qualificadas, e, como muitos outros, é um filho direto da revolução liberal. D. Maria II, e porventura o marido, quiseram preservar o que de melhor havia no acervo nos conventos extintos em 1834, magnífico recheio que foi colocado em depósito no Convento de S. Francisco, aquele quarteirão onde está hoje o Museu do Chiado e no lado oposto a Academia de Belas Artes.
O Museu Nacional das Belas Artes ganhou notoriedade em 1882 com a célebre Exposição de Arte Ornamental, vieram peças de Espanha e do Reino Unido, o museu intitulava-se então Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia e mudou de título em 1911 para Museu Nacional de Arte Antiga. O seu património excede o que veio da extinção dos conventos, temos peças provenientes do espólio da rainha Carlota Joaquina, peças adquiridas pelos reis D. Fernando II e D. Luís, peças adquiridas pela Academia das Belas Artes, peças provenientes de vários legados, como, por exemplo o visconde de Valmor ou as peças depositadas como as 1500 esculturas da Coleção Ernesto Vilhena.
Se o visitante começar a sua visita no andar superior, tem pintura portuguesa e estrangeira do século XIV, adiante irá demorar-se junto dos painéis de S. Vicente, verdadeiramente polémicos quanto ao seu autor e lugar de proveniência, há quem jure a pés juntos que o seu autor é Nuno Gonçalves, permito-me duvidar, o que há de Nuno Gonçalves neste museu tem pouco a ver com o conjunto destas seis tábuas, e não conheço nenhum políptico destinado a uma igreja com pescadores e cavaleiros, naturalmente que me rendo ao assombro deste conjunto, não desmerecendo que está ali o retrato da nascente epopeia portuguesa dos Descobrimentos.
Mudando de posição, vou defrontar-me com obras que muito me impressionam, caso do Santo Agostinho pintado por Piero della Francesca, a Virgem e o Menino de Hans Memling, passo um tanto como cão por vinha vindimada por muita arte religiosa para ir desfrutar do quadro intitulado Chegada das Relíquias de Santa Auta ao Mosteiro da Madre de Deus, pelo chamado mestre do retábulo de Santa Auta, gosto muito de apreciar a Anunciação de Frei Carlos e daqui passo para retratos de grande qualidade como o de D. Leonor de Áustria, pintado por Joos van Cleve ou o rei D. Sebastião pintado por Cristóvão de Morais. Suspendo aqui a visita para ir tomar um cafezinho no belo jardim do museu com uma parte do porto de Lisboa pela frente, mas só depois de me demorar diante de S. Jerónimo, pintado por Albrecht Dürer.
São João Evangelista, 1301-1350, oficina ativa na Península Ibérica
Retrato de um cavaleiro da Ordem de Cristo, 1525-1550 (?), escola portuguesa, estilo de Gregório Lopes. Durante muito tempo pensava tratar-se de Vasco da Gama, com os elementos do quadro, a começar pelos óculos, é totalmente inadmissível.O Inferno, 1510-1520, escola portuguesa
Virgem Maria (de Calvário) e São João Evangelista (de Calvário), 1501-1525, oficina flamenga ativa em Portugal
Martírio de São Sebastião, Gregório Lopes, 1536-1539
Santo António pregando aos peixes, Garcia Fernandes, 1535-1540
D. João III e São João Batista, oficina de Cristóvão Lopes (?), depois de 1564
Natureza-morta com caixas, vidros e pote de barro, por Josefa d’Ayala, dita Josefa de Óbidos, cerca de 1660-1670
Retrato de senhora, mestre desconhecido, 1625-1650
Presépio de Santa Teresa de Carnide, de António Ferreira, cerca 1701-25, exposto no Museu Nacional de Arte AntigaVista do Mosteiro e Praça de Belém, Filipe Lobo, 1657
São Jerónimo, pintado por Albrecht Dürer, 1521
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 2 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27080: Os nossos seres, saberes e lazeres (694): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (215): Casal de S. Bernardo, Alcainça, gratas lembranças do Filipe de Sousa – 2 (Mário Beja Santos)
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