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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20859: Historiografia da presença portuguesa em África (205): Monografia-Catálogo da Exposição da Colónia da Guiné - Semana das Colónias de 1939 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Uma importante publicação já com 80 anos e que cada um pode comprar por 10 euros. E que traz matéria para reflexão. Por exemplo, o que a Sociedade de Geografia de Lisboa e o Boletim da Agência Geral das Colónias publicavam e que hoje é matéria de consulta que nenhum investigador pode prescindir para conhecer o serviço de Saúde, a ação missionária, o comércio, a agricultura.
A exposição de 1939, há que dizê-lo com sinceridade, era bem abrangente, motivadora, interessava o curioso, o estudioso, até mesmo o investidor, procurava ser rigorosa, desvelava as espécies da fauna e não escondia a raridade do elefante e do leão, a variedade de macacos, a pujança das espécies ornitológicas, onde não falta o colibri, o melro, a garça-real, os papagaios e periquitos, os flamingos e os grous, patos e galinhas, os jagudis, a rola, o peneireiro e a coruja.
Em certos pontos, faz observações completamente datadas, as preocupações raciais são hoje de risota.
Em suma, vale a pena ler esta monografia-catálogo para ter um quadro do que se pensava da Guiné há cerca de oitenta anos.

Um abraço do
Mário


Uma preciosidade: a Guiné na Semana das Colónias de 1939 (2)

Mário Beja Santos

Não é frequente (para não dizer que é uma raridade) poder comprar-se por uma módica quantia (10 euros) uma publicação com 80 anos toda ela dedicada à Guiné, nos seus aspetos históricos, etnolinguísticos e, de acordo com o que a seguir se escreve, mostrar como esta monografia-catálogo foi cuidadosamente elaborada para satisfazer a curiosidade daqueles que queriam saber um pouco mais sobre a Guiné. Para surpresa do autor de hoje mostravam-se espigas de trigo, arroz em casca e descascado, mostravam-se arados, enxadas e formas de cultivo, numa outra estante havia raízes e farinha de mandioca, referia-se que a batata consumida pelos brancos é produto de importação (hoje, na Guiné, fala-se na batata inglesa, as culturas de subsistência possuem em grande quantidade batata-doce), e havia uma estante com espécies de feijão, feijão encarnado, branco, carrapato e também feijão mancanha, favaca e feijão pedra. E dava-se a seguinte explicação: “A mandioca, o milho-amarelo e o painço, e o feijão, a ervilha do Congo e a alfarroba foram introduzidos na Guiné por nós; o cultivo do milho e da mandioca ainda não entrou nos hábitos dos nativos”. E prossegue a exposição dos recursos alimentares com o óleo de palma, a noz da cola, a malagueta, dava-se a notícia de que o café e o cacau frutificavam em pequena escala e só em terras Fulas e de Mandingas. Quanto a frutas, uma estante mostrava bananas, calabaceiras, manga, mamão, laranja, coco, fruta-pão, ananás e fruta de caju. Exibiam-se exemplares de vasilhas, de cabaços, de utensílios de cozinha, cestos. E expunham-se bebidas alcoólicas: o vinho de palmeira e a sua aguardente e a aguardente da cana sacarina.

Terá sido visto como uma verdadeira curiosidade a mostra de produtos usados no tratamento de moléstias, caso das sementes de rícino, a erva de S. Caetano, o pau de mauta, as folhas de medronheiro, o óleo de cola, as folhas de calabaceira e muito mais. E observava-se que o chá de cascas de limão é boa terapêutica nas febres e doenças do estômago, que o óleo de malagueta preta acalma as dores abdominais e que as folhas de manduco de feiticeiro e a água da maceração da raiz de nemplé atuam com eficiência nos reumatismos.

Passando para a habitação, refere-se que as moranças são resguardadas por caniçados, que as habitações dos Bijagós são de barro branco ou de madeira e que para as construções europeias e para os trabalhos de habitação ou de arte dos guineenses se utilizam madeiras preciosas, caso do pau-sangue, pau-ferro, a flor de mogno, a farroba, a laranjeira, entre outras.

A exposição sobre a indumentária parecia bastante completa, veja-se o comentário do catálogo: “A indumentária dos Fulas e Mandingas consiste num bubu de algodão ou de seda e um calção muito largo que desce abaixo do joelho, semelhante ao calção dos zuavos; na cabeça põem chapéus de palha de forma cónica ou achatada com franquelete de correia ou um boné branco. As mulheres usam um pano de algodão branco que desce até aos pés e uma blusa muito larga e sem mangas”. Numa das estantes o visitante podia observar panos de diversos padrões, almofadas de couro, mostras da tecelagem de peças de algodão com tinturaria local. Exposição minuciosa que incluía os adornos e enfeites. Para justificar a grande inclinação dos guineenses para a música e para a dança expunham-se instrumentos musicais, marimbas, korás, bambolons, guitarras, seguia-se a mostra de esculturas, de pessoas, de animais, de barcos e outros objetos, tábuas de Alcorão, adornos respeitantes à população animista, e neste capítulo mostrava-se a ação missionária e a evangelização.

Em setor à parte, era referenciada a Guiné do ponto de vista administrativo, temos depois a lista dos governadores da colónia da Guiné e uma cuidada apresentação da bibliografia por: História e Geografia, Ocupação e Delimitação de Fronteiras; População, Política Administrativa, Colonização; Agricultura; Comércio; Assistência. E também cartas geográficas e plantas hidrográficas, cartas corográficas e hidrográficas.

Tudo me surpreendeu, confesso, a citação camoniana, completamente esquecida, o resumo histórico, a fauna, os dados geográficos sumários, a população, a preocupação muito datada das considerações de antropologia racial, a alimentação, as mezinhas, as manifestações artísticas, a presença do religioso.
Obviamente que se tratava de uma monografia e de uma exposição em que importava encher o olho e apresentar resultados do sucesso imperial, como se escreve:
“Ao terminar este trabalho, dir-se-á ainda que a colónia entrou em franco desenvolvimento civilizador.
A cidade de Bissau progride intensivamente e a de Bolama também, embora em menor ritmo. As obras públicas aumentam celeremente.
As estradas atravessam a Guiné em todas as direcções; as comunicações telegráficas e telefónicas são cada vez maiores.
Construiu-se já o aeroporto de Bolama e vários campos de aviação vão ser criados no interior.
A assistência médico-higiénico e agrícola-pecuária expande-se, lenta mas seguramente, atingindo já os principais centros europeus e nativos com resultados animadores.
Enfim, a Guiné Portuguesa, num esforço digno do maior elogio, vai-se transformando numa das possessões mais ricas e progressivas do nosso Império Colonial.”
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Nota do editor

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quarta-feira, 8 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20830: Historiografia da presença portuguesa em África (204): Monografia-Catálogo da Exposição da Colónia da Guiné - Semana das Colónias de 1939 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Quem estiver interessado em adquirir esta raridade, vai ao 4.º andar da Sociedade de Geografia de Lisboa e por 10 euros entregam-lhe a monografia aqui referida. Está bem marcada pelo espírito da época: as curiosidades raciais, a natureza da religião, o que se produz e o que se podia produzir.
Trata-se de uma exposição, nunca se perca de vista que há comentários que remetem para escaparates de objetos expostos, dá-se a lista dos governadores da colónia da Guiné desde o século XVI ao século XX, a bibliografia apresentada tem as suas curiosidades, não se limita nem à História nem às missões, há aspetos particulares orientados para a agricultura, o comércio e a assistência e expunham-se cartas geográficas e plantas hidrográficas, também cartas corográficas e hidrográficas. Não encontrei fotografias desta semana das colónias, talvez seja uma questão de investigar os boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa, não vou esquecer.

Um abraço do
Mário


Uma preciosidade: a Guiné na Semana das Colónias de 1939 (1)

Mário Beja Santos

A sorte favorece os audazes, diz-se e consta, e há casos em que é verdade. Andava eu a catar referências sobre a Guiné no início da II Guerra Mundial, insere-se num computador a data de 1939, refere-se a Guiné, e surge esta monografia-catálogo. Requisita-se imediatamente. Não traz grandes novidades mas comporta agradáveis surpresas. Logo a citação camoniana completamente esquecida, injustiça quase imperdoável para com o nosso bardo topo de gama, injustiça para a “mui grande Mandinga”, recorde-se que Luís Vaz de Camões tinha uma profunda formação humanística e devia saber da existência do Império Mandinga, bem como dos Jalofos e da Gâmbia. Depois, uma monografia-catálogo dispara em várias direções: atrai o visitante que visita a exposição da colónia da Guiné para alimentos, utensílios, produtos medicinais, formas de habitação, manifestações artísticas e religiosas, entre outros elementos.


Guardo uma frase que tem halo poético, a Guiné encontrar-se no extremo ocidental do Sudão. Depois fala-se da superfície, dos rios, da constituição geológica, do clima, da flora, da fauna, avança-se para um conjunto de considerações sobre a Pré-História (são elementos em grande parte cientificamente ultrapassados por outras evidências), é referido o reino do Gana, o Benim, o Império Mali (Camões seguramente que ouviu referências a este Império), a etimologia da palavra Guiné (continua a ser discutível), seguem alguns elementos sobre a história da presença portuguesa e temos depois dados populacionais e étnicos, posicionamento destes povos dentro da colónia.


Recorde-se ao leitor que estamos numa época (1939) de acesas discussões raciais, os antropólogos e etnólogos resolveram imiscuir-se e dar palpites sobre as características morfológicas e biológicas, vale a pena uma citação sobre o linguajar próprio deste tempo:

“Dos Fulas da Guiné Portuguesa, os Fula-Forros revelam o sangue berbere; são de elevada estatura, magros, pele acobreada, cabelo lanuginoso, nariz fino e saliente, lábios pouco espessos e olhos amigdoliformes; os Fula-Pretos evidenciam maior percentagem de sangue negro, e por isso são mais pigmentados e de feições mais negroides, razão por que os restantes Fulas os consideram descentes dos seus antigos escravos, desprezando-os sistematicamente.
Os Futa-Fulas são camitas menos mestiçados, com menor dose de sangue negro, circunstância que os leva a suporem-se racialmente superiores aos Fulas-Forros.
Em geral, os Mandingas são de estatura elevada, dolicocefalia elevada, pele muito pigmentada, cabelo lanuginoso ou frisado; a grande maioria deles revela mestiçamento com etíopes ou berberes.
Os Felupes e os Baiotes são altos, fortes, dolicocéfalos, prognatas, platirríneos.
Extremamente pigmentados, os Papéis têm cabelo encarapinhado e pequeno desenvolvimento da pilosidade, dolicocéfalos, prognatas, platirríneos, revelam lábios espessos, pómulos salientes e estatura elevada.
Antropologicamente, os Manjacos assemelham-se aos Papéis. Os Banhuns têm pequeno desenvolvimento corporal e a sua pigmentação é menos intensa, ao invés dos Balantas que são muito pigmentados, possuem elevada estatura, dolicocefalia platirrinia, prognatismo e grande espessura labial. Somática e etnicamente os Beafadas parecem-se com os Fulas.
Os Bijagós têm elevada estatura, dolicocefalia platirrinia, prognatismo, lábios grossos e pele negra. Da morfobiologia dos pequenos agrupamentos da nossa colónia, nada se conhece ainda”.

Quem escreve a monografia avança com pequenas curiosidades, como se bisbilhotasse os carateres étnicos, fizesse um perfil de personalidades: os Balantas apresentados como alcoólicos e ladrões de vacas; os Fulas submetem-se sem problemas à autoridade portuguesa ou francesa:  
“Orgulhoso da sua genealogia, intrujão em questões político-familiares, intriguista e galopineiro político, o Fula é inatamente querelador; destituído do conceito de Pátria, motivos políticos ou questões de herança levam facilmente o Fula a emigrar da nossa colónia para território francês ou reciprocamente; os Felupes não se cruzam com outras etnias, ao contrário dos seus parentes Baiotes, embriagam-se amiúde com vinho de palma; os Papéis são aguerridos, enérgicos e decididos e têm repugnância pelos trabalhos agrícolas; os Manjacos têm grande tendência para as tarefas marítimas; os Beafadas são pouco trabalhadores, grandes amigos do descanso, fazem grandes libações de vinho de palma e aguardente; os Bijagós, conquanto considerados como os povos mais cultos da Guiné Portuguesa, são artistas. Os Grumetes dedicam-se às artes e ofícios e conquanto se vistam à europeia não se subtraíram ainda totalmente à influência ancestral e do meio ambiente, andam em completo estado de nudez, vivendo em regime poliândrico, o homem facilmente é desprezado pela mulher, são preguiçosos".

Seguem-se considerações sobre a língua. Veja-se o que escreve o autor:
“Na formação do crioulo entram fundamentalmente o português de quinhentos e os dialetos guineenses; acessoriamente, o crioulo contém vocábulos latinos, brasileiros, franceses e ingleses. O crioulo é um idioma dissonante, repleto de exclamações guturais e as suas palavras são, regra geral, dissilábicas. Dada a sua pobreza, o crioulo não pode traduzir, senão imperfeitamente, as ideias abstratas.
Todavia, há naturais de Cabo Verde que se exprimem elegantemente em crioulo e até alguns deles têm neste dialeto composições em prosa e em verso dignas de merecimento.
Os dialetos indígenas mais importantes são o fulbe, o mandê, idioma dos Jalofos, e dialeto dos Felupes, o idioma dos Nalus. O fulbe, sobre cuja origem os filólogos ainda não concordaram, tem grande riqueza de vocabulário e com 17 classes; mercê da sua doçura e musicalidade tem sido apelidado de italiano na África. Este idioma é falado pelos Fulas e por outros povos da África Ocidental.
O mandê é um dialeto falado por grande número de povos do Ocidente Africano (Mandingas, Sossos) competindo neste particular com o fulbe. Existem livros, como o Alcorão, escritos em Mandinga.
O idioma dos Jalofos difere muito do mandê. Há livros de orações em Jalope e francês. O dialeto dos Felupes é falado por estes e por outros djolas franceses.
As línguas veiculares da nossa colónia da Guiné além do português são o crioulo cabo-verdiano, o fulbe e o mandê".

Feita a exposição dita biogeográfica, o documento orienta-se agora para a alimentação, habitação, indumentária, artes e organização social e política.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20798: Historiografia da presença portuguesa em África (203): “Ensaios sobre as Possessões Portuguesas na África Ocidental e Oriental; na Ásia Ocidental; na China e na Oceânia”, importante trabalho de Lopes de Lima sobre a Guiné, 1844 (Mário Beja Santos)