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sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26445: Notas de leitura (1768): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Desde a governação interina de Manuel Maria Coelho, em 1917, até à chegada de Velez Caroço, em 1920, parece que a Guiné está a sofrer um enguiço, carências, desacatos, medidas de governação contraditórias, rebeliões, autos de vassalagem de curta duração, uma Carta Orgânica da Guiné, aprovada, depois revogada, depois reposta com emendas; de território Felupe aos Bijagós, não param as tensões. Parece que a Guiné é espelho do que se vive na metrópole, onde se sucedem os governos, há o golpe de Sidónio Pais, que acabará assassinado no final do ano de 1918. O pomo das grandes discórdias passa por Canhabaque, os Bijagós resistem, submetem-se e voltam a rebeliar-se; o major Ivo Ferreira, que sucedeu a Manuel Maria Coelho, não combate mas manda combater, mas chama a si o resultados, zanga-se com o encarregado do Governo, Josué d'Oliveira Duque volta à governação, sucede-lhe o capitão Sousa Guerra, os órgãos legislativos e administrativos estavam praticamente paralisados. Abdul Indjai é destituído de régulo do Oio, fez tantas e tão poucas que se tornou uma criatura insuportável. As coisas vão mudar de feição, chegou o tenente-coronel Velez Caroço, vai procurar pôr a casa em ordem, como vamos ver.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12)

Mário Beja Santos

Não é demais insistir que este poderoso acervo documental organizado por Armando Tavares da Silva nos ajuda a compreender este período histórico da I República e que serve de excelente contraponto ao Boletim Official da Província da Guiné Portuguesa, no que este é omisso no campo sociopolítico económico e cultural. Voltemos a 1917, Manuel Maria Coelho foi exonerado e na mesma data foi nomeado o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira, este pretendeu nomear para secretário-geral o tão problemático Graça Falcão, o ministro das Colónias Ernesto de Vilhena opôs-se, quem veio para ocupar o cargo foi Sebastião Barbosa, uma presença regular na administração. O novo governador desloca-se a Canhabaque, faz alterações nos dois postos militares existentes, envolve-se depois na constituição de um comando militar em S. Domingos, mas o governador, face ao agravamento da situação dos Bijagós aqui regressa, é recebido a tiro no posto de Bini, irá nomear o alferes Alberto Soares para comandante do posto militar de In-Orei, quando este ali chega foi confrontado com uma epidemia de beribéri e um inimigo fortemente hostil. Quem com ele colabora é Abdul Indjai, há perdas num violento combate, só em dezembro os rebeldes vão desistir dos seus atos de guerra. Armando Tavares da Silva dá minuciosamente conta das operações dos Bijagós que levaram ao ato de vassalagem do povo de Canhabaque.

É Ivo Ferreira que eleva Bolama à categoria de cidade, aprova os estatutos de uma nova associação do tipo recreativo, o Club Fraternidade de Farim, manifesta-se interessado no projeto de um caminho de ferro partindo de Bolama, ou pelo menos S. João, seguindo por Bafatá até à fronteira norte. É neste intervalo de tempo que ocorre a revolução de 5 de dezembro de 1917, um golpe chefiado por Sidónio Pais, forma-se uma junta revolucionária, a pasta das Colónias passa para Tamagnini Barbosa. Ivo Ferreira fará uma extensa visita a vários pontos do interior, fica como encarregado do Governo o coronel Guedes Quinhones, Ivo Ferreira demora-se na região do Geba pela necessidade de resolver várias questões da política indígena, caso do régulo Monjur, do Gabu, e Abdul Indjai, do Cuor. Entendeu-se dividir o território de Geba em pequenos regulados e destituir Abdul Indjai do Cuor. Regressado a Bolama, o governador envolve-se em atritos com Guedes Quinhones. Entretanto, o novo ministro das Colónias nomeou novo governador o coronel Josué d’Oliveira Duque. O autor observa a situação problemática vivida:
“Tinha sido atribulada e sinuosa a presença de Ivo Ferreira na Guiné. Sobrepusera-se e ultrapassara no tempo a governação interina de Manuel Maria Coelho, e correspondera a um período de quase dois anos em que o governador efetivo, Andrade Sequeira, se mantivera em Lisboa, sem ser demitido e sem mesmo pedir a demissão. Como resultado primeiro da sua governação, Ivo Ferreira, que não tomara parte em qualquer operação militar, ufanava-se, com a ocupação de Canhabaque, de ter conseguido a pacificação completa da Guiné. Mas teria esta, de facto, sido atingida?”

Oliveira Duque chega à província, um decreto revogou a Carta Orgânica da Guiné, são tomadas disposições legais para a vida administrativa e financeira da colónia. Em outubro de 1918 realiza-se uma operação contra os Felupes de Varela; são tempos de uma apreciável concessão de terrenos, assiste-se a um crescente aumento da população de Bissau, devido à afluência de numerosas companhias nacionais e estrangeiras, o que motiva o novo ciclo de urbanização de Bissau. A agitação continua em Portugal, culmina com o assassinato de Sidónio Pais em dezembro de 1918. Tamagnini Barbosa para a presidente do ministério, afasta da Guiné Oliveira Duque, virá a ser nomeado governador Sousa Guerra, capitão de Infantaria.

Um dos acontecimentos mais marcantes de 1919 é a campanha contra Abdul Indjai, sucediam-se as queixas pelas suas extorsões, raptos, pilhagens descaradas. Desde a chegada de Oliveira Duque que era reconhecida a inconveniência de Abdul Indjai continuar no regulado do Oio, segue-se um período de elevada tensão que o autor descreve ao pormenor, seguir-se-á a deportação de Abdul para Cabo Verde, daqui o antigo régulo do Oio fará exposições ao ministro das Colónias, irá morrer na cidade da Praia, em junho de 1921. Também em 1919 é declarada em vigor a Carta Orgânica da Guiné, mas com alterações, nomeadamente tendentes a restringir a possibilidade de os governadores alterarem as Cartas Orgânicas.

Não obstante a contínua sucessão de Governos na metrópole, Sousa Guerra mantém-se no Governo da Guiné e manifesta a sua preocupação com o desenvolvimento, escrevendo mesmo ao ministro que devia ser feito o aproveitamento das riquezas da Guiné, fez propostas de criação de colónias agrícolas com o fim de repovoar o Rio Grande através de concessões gratuitas a colonos europeus e cabo-verdianos, e a demarcação de reservas territoriais para os indígenas, em regime de culturas obrigatórias, com prémios pecuniários e aquisição de reprodutores para melhoria da pecuária. Sousa Guerra também fez alteração da divisão administrativa. Face à carestia de vida aumentou os vencimentos do funcionalismo, os critérios não terão sido os melhores, houve greve, aumentaram as taxas fiscais, houve que fazer alterações ao orçamento, pensou-se mesmo em revogar as portarias que tinham alterado os vencimentos, depois de muitas peripécias a situação ficou esclarecida com a aprovação dos vencimentos dos funcionários. Sucedem-se os Governos na metrópole, negociantes e proprietários de Bissau enviam telegrama pedindo ao ministro que mantivesse Sousa Guerra no Governo da província, mas ele foi exonerado em novembro de 1920, Sebastião Barbosa volta novamente a ser Encarregado do Governo. Entrara-se num período ziguezagueante, a situação só ficará esclarecida em junho de 1921 com a nomeação do tenente-coronel de Infantaria Jorge Frederico Velez Caroço.

Como se fará referência a propósito do Boletim Official da Província da Guiné, Velez Caroço tem estratégia militar e administrativa, procurou pôr em funcionamento os órgãos legislativos e executivos da colónia, anulou várias nomeações que Sebastião Barbosa tinha feito para os Conselhos Legislativo e Executivo; começa a visitar o território, para se inteirar da situação nas principais circunscrições. Observa a autora: “Devem ter sido inúmeros, importantes e desagradáveis os conflitos que Velez Caroço veio encontrar entre o funcionalismo nos diversos locais que já visitara, pelo que se vê na necessidade de mandar publicar uma portaria em que lembra as palavras que tinha proferido no ato de posse. Nela afirmava que, admitindo conflitos entre os funcionários por diferenças de critério ou erradas apreciações dos atos de serviço, não tolerava o uso de uma linguagem despejada ou o emprego de termos injuriosos". E acrescentava que a correção e porte exigia ao funcionalismo era extensivo às relações sociais e ao convívio com as outras classes. Ficando clara a maneira como o governador encarava este problema de ordem, reafirmava que não se afastaria uma linha do cumprimento dos seus deveres, aplicando sem tergiversar o rigor dos regulamentos.

Armando Tavares da Silva
Tenente-coronel Velez Caroço
Abdul Indjai
Selos da Guiné Portuguesa de diferentes períodos
Guiné Portuguesa, aldeia Mancanha, bilhete-postal de 1910
Bissau, um trecho da Avenida, bilhete-postal, 1920
Rua General Bastos, Bissau, 1920

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 24 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26432: Notas de leitura (1767): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Permitam-me que insista neste aspeto: ler o Boletim Official da Província da Guiné nesta época tem extrema utilidade para se entender que a Guiné passou a ter atrativos comerciais, a sua legislação harmoniza-se tendencialmente com a da metrópole,os conteúdos são marcadamente burocrático-administrativos, só episodicamente se plasma no documento oficial que há conflitos interétnicos, que o Oio/Morés continua inexpugnável, etc. Chega Carlos Pereira, ele irá confessar ao ministro que encontrou a administração num caos e que a causa republicana tinha na Guiné um peso modestíssimo. Escreve isto um mês depois de lá chegar, em novembro de 1911. O seu tempo de governação, inevitavelmente, conheceu hostilidades entre indígenas, uma epidemia de febre amarela, vai aparecer o Capitão Teixeira Pinto nomeado como chefe do Estado-Maior, empreenderá uma campanha no Oio com sucesso, foi criada a Liga Guineense, que muito dará que falar por se ter oposto às tropelias e roubos praticados pela trupe de Abdul Indjai, sobretudo na Península de Bissau. A muralha de Bissau irá desaparecer, Teixeira Pinto terá sucesso no Oio e será condecorado. A colonização da Guiné parece avançar, Carlos Pereira virá a ser substituído por José António de Andrade Sequeira, que não aquecerá o lugar. Nesta altura já há inúmeras queixas contra Abdul Indjai.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século e depois (8)

Mário Beja Santos

Carlos Pereira, o 1.º governador do regime republicano, toma posse a 23 de outubro e a 17 de novembro envia o seu primeiro ofício confidencial sobre a situação administrativa e política da província ao ministro da Marinha e das Colónias.

É um relatório bem desassombrado, diz ter encontrado a administração da província num verdadeiro caos, está a procurar obstar a abusos e ilegalidades, tem como objetivo o saneamento moral e todos os problemas vitais da economia. Diz ter encontrado muito poucos republicanos e muitos vira-casacas. Falando do problema orçamental da Guiné, classifica-o como ingovernável, o orçamento fora organizado no estertor da monarquia, promete apresentar soluções positivas e práticas para a província. Visita depois Bissau, ouve as queixas dos republicanos, e mais tarde viaja para Cacheu e Farim. É logo confrontado no regresso a Bolama com um processo levantado pelas autoridades judiciais contra o ex-governador Oliveira Muzanty, queixa apresentada por Graça Falcão, homem que Carlos Pereira classifica “sem escrúpulos e sem moral”. Em fevereiro de 1911, têm lugar episódios de hostilidade entre os indígenas, os Baiotes tinham atacado os Mancanhas junto do posto fiscal de S. Domingos, o novo governador não quis envolver-se em campanhas militares.

Havia um problema crónico de mão de obra para S. Tomé que passava por pedidos insistentes à Guiné. Carlos Pereira logo apurou que era enorme a relutância dos naturais da Guiné em se expatriar, quer evitar perturbações e descontentamentos, não deu seguimento aos pedidos de Lisboa.

Entretanto, a Guiné é abalada por uma grave epidemia de febre amarela, virão médicos de Cabo Verde, a Guiné só será considerada limpa em agosto, mas a epidemia voltou no final do ano, permanecerá até 12 de janeiro. Em julho de 1911, o governador aprova os estatutos da Liga Guineense, foi criada numa assembleia de nativos da Guiné e entre as suas finalidades tem a de fazer propaganda da instrução de estabelecer escolas em toda a província, e de trabalhar na medida das suas forças para o progresso e desenvolvimento da Guiné. Nesse mesmo ano iriam realizar-se eleições para a Câmara dos Deputados e Conselho Colonial, nos quais a Guiné tinha um representante. O nome mais estimado vindo de Lisboa era o de António da Silva Gouveia. Algo Carlos Pereira terá feito para lhe assegurar a eleição, pois foi enviada ao ministro uma exposição apresentando várias queixas contra Carlos Pereira, exposição apresentada por 92 nativos da Guiné, incluindo na exposição havia a queixa da transferência do capitão médico Francisco Regalla, chefe do serviço de saúde, era o único médico na capital, não se entendia a sua transferência para fora da capital. A queixa será arquivada em janeiro de 1912.

Em setembro de 1911, um violento temporal meteu ao fundo em Bissau a canhoneira Flecha, morreram quatro praças de marinhagem e dez indígenas, o comandante, José Francisco Monteiro, acabou por ser salvo exausto de forças. O tenente Monteiro conseguiu um verdadeiro milagre de pôr a Flecha a flutuar. Nos inícios de 1912, aquando da cobrança do imposto de palhota, deram-se vários desacatos da circunscrição de Cacheu, os indígenas da povoação de Jobel envolveram-se em tiroteio com a canhoneira Zagaia e o vapor Capitania. O Residente de Cacheu, contrariando a opinião geral dos habitantes, atacou Jobel e foi forçado a retirar-se, abandonando cinco mortos, mas incendiaram cem casas. Em meados de fevereiro, os Balantas de Binhone tinham assassinado um comerciante francês. O governador reconheceu a necessidade de ir pessoalmente à região. Há tiroteio, o governador regressa a Bissau e organiza uma forte coluna de Grumetes, retorna-se a Binhone que é destruída e queimada.

Aproveitando esta onda de resultados, o governador decidiu seguir para Cacheu para pôr na ordem os Felupes que tinham atacado a Zagaia, obrigando-os a fugir.

Mas os desacatos prosseguiram na região Felupe, voltam a ser batidos e incendiadas as povoações. A paz provisória será estabelecida em finais de maio. É durante a governação de Carlos Pereira que teve lugar a demolição da muralha de Bissau do lado confinante com a antiga povoação dos Grumetes, ligando o baluarte da Balança ao fortim de Pidjiquiti. A demolição desta muralha, que tinha três metros de altura, veio a originar alguns protestos no comércio e receio da população por temerem o ataque dos Papéis. A demolição decorreu sem qualquer incidente.

Em setembro de 1912, chega um novo Chefe do Estado-maior à Guiné, o capitão João Teixeira Pinto, que traz aura do serviço prestado em Angola. Vai dedicar-se ao estudo da ocupação e pacificação da província; cedo conclui que este processo se deveria iniciar pela ocupação das regiões de Mansoa e Oio, isto devido aos efeitos sob a economia da província e até prestígio das forças militares. Conversa com o chefe de guerra Abdul Injai e fica com a convicção que os subordinados era gente arrojada que poderia empregar como auxiliares. O administrado de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, pôs-se à disposição de Teixeira Pinto para o acompanhar com toda a gente que pudesse levantar da região. Fica acordado com o governador em que se estabelecesse um posto em Porto Mansoa, elemento-chave para fazer o cerco à região do Oio. Teixeira Pinto disfarça-se de inspetor da Casa Soller e atravessa o Oio de Mansoa a Farim e de Farim a Mansoa, observando toda a região. Conclui então que, sendo o ataque pelo lado de Farim impossível, ele só podia ser feito pelo lado de Geba-Gussará ou Mansoa-Bissorã. Como se ia estabelecer um posto em Mansoa, e ao norte de Morés todas as tabancas eram Soninqués, opta por este percurso. Mas estava gravemente doente, teve de se recolhera Bolama.

Carlos Pereira apercebeu-se que os Grumetes não queriam fazer parte da coluna que seria comandada por João Teixeira Pinto, a Liga Guineense também não mostrou disponibilidade. Teixeira Pinto aproveitou os irregulares de Abdul Indjai e pediu apoio ao administrador de Geba. Os ataques ao Oio começam no dia 1 de abril, haverá episódios de hostilidade até maio, sentir-se-ão muitas dificuldades: Ao chegar ao território do Oio os carregadores fugiram, caiu uma chuvada torrencial, atacou-se a tabanca de Cambaiu, ficou destruída, entrou-se no Morés, gente de Mansabá apresentou-se a pedir paz, procedeu-se à construção do posto em Porto Mansoa, prendem-se rebeldes, estava feita a submissão dos Balantas do Oio, Teixeira Pinto contou não só com o apoio de Vasco Calvet Magalhães como da lancha-canhoneira Flecha. Carlos Pereira saldou o acontecimento, foi criado o comando militar de Bissorã, Carlos Pereira pede a concessão a Teixeira Pinto da medalha de ouro de valor militar, ele será galardoado com a medalha de ouro da classe de serviços distintos pelos atos heroicos praticados como comandantes das forças que operaram nas regiões de Mansoa e Oio. Adiante, dar-se-á a exoneração de Carlos Pereira, virão seguidamente dois governadores que se irão suceder em tropel, José António de Andrade Sequeira e José de Oliveira Duque.


Armando Tavares da Silva
Governador Carlos de Almeida Pereira (o primeiro governador da República), 1910-1913
Demolição das muralhas de Bissau, em 1913

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 27 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26319: Notas de leitura (1758): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26327: Notas de leitura (1759): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26319: Notas de leitura (1758): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Tanta turbulência na História da Guiné neste período que precede o 5 de outubro de 1910. O quebra-cabeças da ocupação continua a ser a reorganização militar, não se querem indígenas na terra, mas sim de S. Tomé e Angola e até de Moçambique, ninguém se mostra disponível para corresponder ao pedido, o encarregado do Governo anda de candeias às avessas com o Chefe de Estado-maior, os Balantas andam insubmissos em Goli, insubmissa está toda a região do Oio, é nisto que chega um capitão de Infantaria para governar, Francelino Pimentel, escreverá um importante relatório ao ministro da Marinha onde deixa bem claro a porção de focos de hostilidade permanente, há régulos que se tinham revoltado que pedem perdão, os de Bissau pedem perdão, os do Oio pedem perdão, no entanto há situações de grande tensão na circunscrição de Cacine, Francelino Pimentel ainda consegue recrutar 144 indígenas, chega o 5 de outubro, o governador demite-se, depois disso a favor da nova ordem, depois demite-se e embarca para Lisboa, nesse mesmo mês de outubro chega o governador Carlos Pereira, o tal que manda derrubar as muralhas à volta de Bissau. Estamos agora na Guiné da I República.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7)

Mário Beja Santos

Oliveira Muzanty revelou-se um governador dinâmico em campanhas e expedições, como é evidente com resultados espúrios. Reaparece na Guiné no início de 1909, a sua ação foi alvo de importantes críticas, acusaram-no de não ter conseguido resolver os principais problemas ligados ao Oio e à ilha de Bissau. Chega e regressa prontamente a Lisboa, o encarregado do Governo é o secretário-geral Duarte Guimarães. O Residente de Geba, Belmiro Ernesto Duarte Silva, recebe o do régulo do Cuor, Abdul Injai, o pedido para socorrer os postos Balantas que estavam a ser atacados, e então o Residente pede ajuda ao régulo Abdulai do Xime, terá assim nascido uma desinteligência entre Abdul Injai e o chefe do posto de Bambadinca, à cautela o Residente de Geba determina que não sejam entregues armas e munições a Abdul.

Em Bolama, o secretário-geral Duarte Guimarães e o Chefe de Estado-maior Ilídio Nazaré, andam de candeias às avessas. Os indígenas das povoações de Mansoa atacaram o posto de Goli (provavelmente Porto Gole), mas foram repelidos, nova zanga entre o secretário-geral e o Chefe de Estado-maior, o primeiro nomeou o segundo comandante do posto de Goli. Chegado a este lugar, Nazaré ordena a saída do corpo auxiliar do chefe Abdul e prepara-se um ataque a uma povoação de Balantas, Nhafo, os Balantas não ofereceram resistência. Continuam as desavenças entre as duas autoridades. Ilídio Nazaré virá mais tarde para Lisboa, tinha entregue a Muzanty um plano de reorganização militar da província. Nazaré pretendia não fazer recrutamento de indígenas, anteriormente este recrutamento tinha sido feito à custa de homens de Mutaro Injai e de Abdul Injai. Para Nazaré, uma perfeita e cabal ocupação da província carecia de uma divisão em sete zonas militares, a que corresponderia uma guarnição com um total de 2 mil homens. Mas estava consciente de que tais encargos eram pesados para o tesouro, daí ter proposto para a província uma guarnição de um pelotão misto de Engenharia, uma bateria mista de Artilharia, um pelotão de Cavalaria e quatro companhias de Infantaria, num total de 871 homens. Considerava que o problema do recrutamento indígena se resolveria com gente de Angola. Na província só se poderia contar com Turancas para a cavalaria e alguns Fulas para a infantaria.

Chega, entretanto, o novo governador, o capitão de Infantaria Francelino Pimentel, reajusta o plano de reorganização militar, é curioso o modo como propõe a distribuição das forças que se deveria fazer pelos diversos postos da província: no Xime e Bambadinca, região Fula perfeitamente dominada, os postos não necessitavam de grande força militar, o mesmo acontecendo em Arame e Samogi, respetivamente nas regiões Baiote e Balanta do rio Farim; quanto a Goli e Caraquecunda, os postos deveriam ter guarnição reforçada, era preciso “manter em respeito a gente do chefe Abdul”; Culicunda deveria manter-se ocupada, se bem que com reduzida guarnição; quanto a Bissau, esta precisava de uma forte guarnição “não só para prevenir a eventualidade (pouco provável) de um golpe de mão por parte dos Papéis, como ainda para garantia de segurança do elemento estrangeiro.” Francelino Pimentel escreve para Lisboa que a situação política da província se mantinha pouco satisfatória. Havia grandes falhas no pagamento do imposto palhota. Pedia para a província uma guarnição própria. O ministro do Ultramar responderá em março de 1910 informando Bolama de que as companhias de atiradores e a companhia indígena de Moçambique iriam ser substituídas de duas companhias indígenas de Infantaria, com o efetivo de duas companhias cada, a serem recrutados na Guiné, S. Tomé e Angola. Verificar-se-ão enormes dificuldades no recrutamento de indígenas fora da Guiné.

Um pouco antes da chegada de Francelino Pimentel apresentaram-se em Bolama representantes de todo o Oio pedindo a paz e aceitando todas as condições que o secretário-geral lhes impunha: entrega de todas as armas Snider, construção de três postos à escolha do Governo, multa de 200 vacas e pagamento do imposto a partir de janeiro. Ilídio Nazaré não foi ao Oio para ratificar a condições de paz, o secretário-geral decidiu esperar pelo novo governador.

Ilídio Nazaré irá ser procurado por um representante de régulos que se tinham revoltado, Infali Soncó do Cuor e Boncó Sanhá de Badora, propuseram uma conversa com os grandes e chefes de quase toda as povoações do Oio, procurava-se o reconhecimento de que todos os habitantes do Oio pretendiam a paz. Ilídio Nazaré elaborar um relatório sobre esta digressão através do Oio e relata o teor das conversas havidas com os dois régulos que no passado se tinham revoltado, no fundo eles procuravam o perdão.

Chega Francelino Pimentel à Guiné e aceita perdoar os Papéis, lavrou-se um auto de vassalagem, os régulos de Intim, Bandim e Antula, como representantes do povo da região dos Papéis pediam perdão ao Governo de Sua Majestade, e acatavam certas condições: ficavam obrigados a prestar auxílio ao Governo “quando chamados para castigar povos insubmissos ou rebeldes”, ficando com direito a “metade das presas feitas em gado ou géneros”; não permitiriam que na sua região se praticassem morticínios ou se aplicassem castigos que denodassem barbaridades.

Há ainda a apontar um incidente fronteiriço da circunscrição de Cacine, a delimitação de fronteiras não impediu que continuassem incidentes com indígenas dos territórios franceses. Foi o que aconteceu em Cacine, houve uma incursão de Futa-Fulas que vieram para caçar e cortar borracha no mato. O régulo queixou-se, houve para ali desacatos, demorou a voltar à normalidade. No final de dezembro de 1909 estabeleceu-se um posto militar na região do rio Armada, próximo da povoação Balanta de Bissorã, posto esse que foi atacado no início de janeiro de 1910 pelos Oincas. O novo governador informa o ministro que a criação dos postos militares e a nomeação dos régulos do Cuor e Badora haviam sido feitos contra a vontade do gentio, temia novos ataques dos Oincas, mas havia que ocupar pacificamente as regiões dos Papéis e dos Oincas, e substituir os régulos Abdul e Abdulai “que tão nocivos e prejudiciais têm sido na região de Geba”. Mas havia que aumentar a guarnição, o governador insistia que as forças da província eram insuficientes, insistirá junto do ministro no problema de organização militar, o que escreve merece meditação:
“Por um lado, temos os Papéis, Balantas e Biafadas, aparentemente submissos, por outro a residência de Geba, odiando-se Fulas-Forros e Fulas-Pretos e a região dos Oincas insubmissos; em Cacheu, seis regiões aparentemente submissas, três insubmissas devido a leviandades dos Residentes, por os terem obrigado ao pagamento coercivo do imposto palhota, e os Manjacos – por onde Vossa Excelência pode muito bem calcular que a ocupação pacífica de algumas regiões se tem de fazer inadiavelmente, evitando-se complicações futuras que podem acarretar sérios dissabores.”
E, mais adiante, acrescenta: “O ter-se adiado e esperado que a evolução do tempo se encarregue de resolver importantes assuntos coloniais, bem patente e frisantemente nos tem provado as graves questões diplomáticas que têm advindo, quantos territórios temos perdido, as imposições que temos suportado e as quantias fabulosas que a metrópole se viu obrigada a despender com colunas de operações, quantias que, somadas, dariam para desenvolver e fazer prosperar a maioria das províncias.”

O governador é chamado a Lisboa, no regresso depara-se-lhe um conflito entre o encarregado do Governo e o secretário-geral, consegue recrutar 144 indígenas, pede dinheiro para construir habitação para as famílias deles, o ministro pede para que este problema orçamental fique na província. E assim chegamos ao 5 de outubro de 1910, o governador demite-se, depois diz que não, que é a favor da nova ordem republicana, depois insiste na exoneração, a 21 de outubro entregou o Governo e seguiu para Lisboa. O novo governador, o tenente da Armada Carlos de Almeida Pereira chega a Bolama a 23 de outubro.

Armando Tavares da Silva
Governador Carlos de Almeida Pereira (o primeiro governador da República), 1910-1913
Mapa holandês de 1727, a Guiné seria a Negrolândia
Abdul Injai
Interior da Fortaleza de Cacheu
Governador Francelino Pimentel

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 20 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 23 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26303: Notas de leitura (1757): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
É impossível não acompanhar o espírito de determinação que acompanha toda a governação de Oliveira Muzanty, quer sufocar revoltas, conceder perdões, gerar uma atmosfera que garanta a segurança das atividades comerciais, o grande busílis é o imposto palhota, vai de Varela até ao Sul, há protestos, etnias inteiras recusam pagar; o governador sabe que carece de meios para criar postos militares, o ministro limita drasticamente os gastos, só se abrem os cordões à bolsa para a campanha no Cuor, em 1908, nunca se vira na Guiné uma companhia de Macuas, centenas de militares brancos, veio propositadamente de Cabo Verde o fotógrafo José Henriques de Mello que nos deixará imagens interessantíssimas quer da presença destes efetivos, quer imagens do Cuor em chamas; é também neste período que se observa a solidariedade entre Fulas, Abdulai, régulo do Xime, é atacado por Infali e outros régulos Biafadas, os régulos Fulas vêem em seu auxílio, entre eles é figura de muito prestígio na região do Gabu, Monjur. Continuam as peripécias de Graça Falcão, andou a queixar-se em Lisboa de Muzanty, regressa e é-lhe instaurado um processo-crime. Mesmo com toda esta dinâmica das expedições militares, são tempos de expetativa depois do regicídio instalou-se em Lisboa um Governo de acalmação, e persistem as dificuldades financeiras. O novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6)

Mário Beja Santos

O governador Oliveira Muzanty não pára de organizar expedições, não faltam por toda a Guiné atos de sublevação, insubordinação, recusa de pagar impostos de palhota. A situação mais grave é a que se passa em Geba, em novembro de 1907 o governador põe-se à frente de uma expedição para impedir a propagação da rebelião na circunscrição de Geba, são envolvidas duas lanchas canhoneiras; nestas operações vão aparecer rebeldes bem municiados, o que leva a tomar a decisão governamental de proibir o comércio de pólvora, armas e espoletas em toda a província. Em dezembro, a revolta está sufocada, o governador envia o seu relatório ao ministro, dá-lhe conta da extensão do que fora a recusa de pagamento de imposto, era um movimento em que estavam envolvidos vários régulos, tendo à frente Infali Soncó, régulo do Cuor. O régulo do Xime manifestou-se contrário a esse movimento, o governador mandou distribuir armas e munições, régulos Fulas como Monjur, vieram apoiar Abdulai, o régulo do Xime, quem vinha atacar este régulo recua, Muzanty tem consciência de que precisa de fazer uma grande expedição, exemplar, na margem direita do Geba.

O governador teve que atacar noutra frente, no Quínara, havia que repor em funcionamento a linha telegráfica que tinha sido interrompida pelos indígenas Biafadas. A expedição desembarca em S. João, em frente a Bolama, os Biafadas rompem folgo, o gentio é expulso da população, a coluna avança protegida pela artilharia. Mais à frente, a força é recebida por intenso tiroteio, envolvida por todos os lados, os rebeldes usam espingardas Snider; a força vai incendiando povoações e depois regressa, não se atingira o objetivo de reparar a linha telegráfica.

Entretanto, está em formação a maior expedição que até hoje se vira na Guiné, de Lourenço Marques veio uma companhia de Macuas, do continente 10 oficiais, 12 praças de engenharia, 69 de artilharia, 251 de infantaria, 8 de serviço de saúde, 4 administrativos, material sanitário e de bivaque, munições, viveres, etc. Em março, esta expedição como nunca se vira chega a Bissau. Enquanto se organiza esta força expedicionária, havia problemas em Varela a resolver, para ali avançara gente do destacamento de Cacheu e vão várias embarcações em direção ao porto de Bolor. O destacamento está frente a Varela e começam os disparos da peça de artilharia, a resposta é enérgica, mas depois desaparece a resistência, a povoação foi destruída.

Agora sim, vai começar a expedição na região do Cuor, onde o régulo Infali Soncó tinha estabelecido umas verdadeiras fortificações, era dali que partiam ataques às lanchas que pretendiam navegar no rio. Infali contava com várias alianças, terá de combater sozinho. A expedição parte no fim de março, acampam no Xime. O objetivo da coluna era tomar conta do porto de Sambel Nhantá, atravessava-se Bambadinca para o Cuor e procurava-se acabar com a resistência logo em Ganturé. Possuímos boas imagens desta expedição graças à presença como fotografia militar de José Henriques de Mello. Os apoiantes de Infali ainda resistem em Ganturé, a povoação é assaltada pelo corpo auxiliar de indígenas, secundado por cavaleiros turancas, os apoiantes de Infali fogem; na manhã seguinte toma-se Sambel Nhantá, a expedição avança até Madina, o régulo fugiu para o Oio. Fica em construção um posto militar em Caranquecunda. Todos os régulos à volta deram ordens para satisfazer o pagamento do imposto. A região de Geba deixa de ser teatro de operações. Muzanty volta-se para a ilha de Bissau e depois o Quínara. O ministro em Lisboa insistia que se avançasse para o Oio, o governador considerou prioritário uma campanha na ilha de Bissau, os régulos de Intim e Bandim não tinham cumprido a promessa de vassalagem, será uma expedição de peso: 30 oficiais, 486 praças europeias, 148 praças indígenas, muitas dezenas de auxiliares e centenas de carregadores. A coluna começa por ser atacada, a coluna continua a avançar, a povoação é abandonada, incendeia-se um grande número de povoações de Bandim, mas os rebeldes não desistem de atacar, dão pouca luta. O que se passou na ilha não passou de um castigo exemplar, não houve ocupação, foi um bate e foge, de Lisboa reclama o efetivo continental.

Graça Falcão, um ex-alferes que no passado fora considerado um herói, e depois se tornara comerciante e acusado pelas autoridades de muita vilania, anda por Lisboa a lançar na imprensa uma campanha contra a governação de Muzanty, lembra a toda a gente em Lisboa que é um cavaleiro da Torre e Espada muito maltratado; escreve ao ministro a pedir que seja feita justiça, pede a revogação da portaria que limitou os seus movimentos na Guiné. Muzanty responde com energia, publica uma nova portaria determinando nova expulsão de Graça Falcão, o ministro mandou anular a portaria determinando ao promotor civil da auditoria da Guiné que lhe seja instaurado um processo-crime e aplicado o castigo que for de justiça. É episódio que terá continuação. Muzanty vem a Lisboa, fica encarregado do Governo o secretário-geral Joaquim José Duarte Guimarães. Este dá contas ao Governo de cada uma das circunscrições: na circunscrição de Cacine não havia problemas, tinha-se cobrado o imposto, assim como em Buba; a região do Quínara, ocupada por Biafadas, estava insubmissa; parte da circunscrição de Geba estava quase desabitada depois das últimas operações de Oliveira Muzanty; em Sambel Nhantá encontrava-se Abdul Injai, que o encarregado do Governo apelida de homem terrível, mau elemento, comandante de bandidos; o Oio era habitado por gente trabalhadora mas que não pagavam imposto, o mesmo sucedendo com os Balantas; em Bissau, as questões com os indígenas continuavam sem solução, morrera o régulo de Intim e procurava-se agora forçá-los a pedir a paz. Permanece uma grande desconfiança sobre as atividades de Abdul Injai naquela região do Geba, e é nisto que surgem problemas na região dos Balantas, o secretário-geral vai a Caranquecunda e convida Abdul Injai a atacar os Balantas, este aceita, incendei as tabancas Balantas, mata e rouba, o secretário-geral toma a decisão de estabelecer naquele território um posto militar.

Mudando de cenário, temos as constantes reclamações estrangeiras, os pedidos de indeminização dos proprietários das embarcações e das mercadorias roubadas, o encarregado do Governo nega-lhes provimento. Muzanty volta à Guiné, vai ficar por pouco tempo, a sua ação não tinha conseguido resolver os problemas principais da província, nomeadamente as questões do Oio e de Bissau. Muzanty regressa a Lisboa, Duarte Guimarães é novamente nomeado encarregado do Governo, é um período de atritos entre o secretário-geral, o encarregado do Governo e o Chefe de Estado-maior. Já estamos em 1909, o novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Armando Tavares da Silva
Oficiais da bateria de artilharia da Guiné, fotografia de José Henriques de Mello
Embarque de auxiliares num batelão, fotografia de José Henriques de Mello
Colecção Jill Rosemary Dias, 1920
Imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 6 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26240: Notas de leitura (1752): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26272: Notas de leitura (1755): Lavar dos Cestos, José Brás e Chiado Books, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26213: Notas de leitura (1750): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Continua a ser mistério insondável o silêncio do Boletim Oficial da Província da Guiné quanto aos acontecimentos, verdadeiramente preocupantes, das dificuldades postas à pacificação e ocupação do território. Nunca se fala da hostilidade do Oio e da sua firme oposição a pagar impostos; não há uma só referência à insubmissões das populações à volta de Cacheu, isto a despeito de haver relatórios mensais do comandante militar de Cacheu, parece que está tudo em paz. Um dia, em conversa com Armando Tavares da Silva, ele contou-me como é que sendo ele um professor catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, se lançou neste cometimento de investigação da História Política e Militar nas vésperas de autonomia até ao fim da I República. O seu avô, tenente da Armada Real e administrador colonial, estivera na guerra do Churo, deixara documentação, picado pela curiosidade, lançou-se ao trabalho. Neste texto, em que se fala da guerra do Churo de 1904, invoco com respeito a memória de Armando Tavares da Silva, a quem a historiografia da Guiné muito fica a dever.

Um abraço do
Mário


O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (4)

Mário Beja Santos

O leitor tem vindo a ser informado da parcimónia informativa do Boletim Official da Província da Guiné quanto a este período do virar do século, entrou-se numa rotina burocrática das chegadas e partidas, nomeações e exonerações e questões alfandegárias, não esquecendo as questões militares, mas também de caráter burocrático. Por isso se regressa ao vasto acervo documental da obra de Armando Tavares da Silva, A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926, no caso vertente o período de 1903 a 1905.

Judice Biker partiu, chegou Soveral Martins. Este escreve para Lisboa, elogiando a obra pacificador do seu antecessor, considera a situação que a situação económica da província não correspondia à riqueza e vastidão do território e observa que “fazer a guerra a pretos com pretos só serve e basta quando aqueles sabem que ela pode ser sustentada com outras forças cuja decisiva e irresistível ação já sentiram.” Exprime dúvidas quanto à lealdade de diversas etnias, será o caso do Oio, a campanha de Judice Biker podia ter sido seguida por uma ocupação séria, é de prever nova guerra. Faz ao Governo uma resenha dos diferentes povos, enumera a multiplicidade de artérias fluviais e questiona em voz alta quais os meios que a província dispõe para manterem respeito aos povos inimigos. Alude à ocupação reduzida aos comandos militares – Cacheu, Farim, Bissau, Geba, Buba e Cacine, os postos fiscais de Arame, São Domingos e Contabane; existem duas lanchas canhoneiras, Cacheu e Farim, que não podem sair ao mar. O material de guerra é inapropriado, dúvida do seu bom estado de funcionamento. Elogia a administração francesa em que o sipaio senegalês mantinha o prestígio colonial, a segurança e integridade do território.

Enumera as regiões que, pelo seu estado de revolta, necessitam de uma imediata ocupação: o Oio; a região ocupada pelos Balantas nas duas margens do Mansoa; a ilha de Bissau; o arquipélago de Bijagós e Manjacos. Para que se dê essa ocupação seria indispensável um estabelecimento de um total e seis comandos militares, fala dos efetivos necessários, a presença de um navio de guerra capaz de sair ao mar, forças europeias. Em Lisboa, o novo ministro do Ultramar pede ao ex-governador Judice Biker um relatório confidencial, este elabora-o, considera que o principal problema passa por castigar os Oincas e sujeitá-los ao pagamento imposto, tinha a convicção que se assim não se fizesse, os Fulas e Biafadas passariam a ter relutância ao pagamento; e Biker exprimia também a opinião de que na época seca seguinte se devia avançar para o Oio e depois aproveitar a mesma expedição para castiga o gentio do Churo, que estava constantemente incomodando a praça de Cacheu; Biker termina o seu relatório indicando as forças militares necessárias para manter o gentio em sossego; o desenvolvimento comercial com a paz na província compensaria bem todos os esforços e defesas. Também não deixa de notar quando, a 13 de julho de 1900 assumira o Governo da província “o nosso domínio era pouco mais que nominal, limitando-nos a conservarmo-nos na sede dos comandos militares, mas sem prestígio e influência sobre os gentios para nos fazermos obedecer.”

O ministro não responde às propostas de Soveral Martins, era certamente da opinião que se fazia resolver sem empregar a força. Soveral Martins viaja pelo interior da província, informa o ministro que conseguira com meios suasórios a submissão de agentes do Oio, o que estava muito longe da realidade. É nisto que o comandante militar de Cacheu avisa o governador que foi prevenido pelo gentio de Churo de que no prazo de três dias iria atacar a praça. Seguem uma embarcação para Cacheu e mais tarde a lancha canhoneira Cacheu. Está tudo num impasse, não há nenhuma operação contra o Churo, mas a 7 de dezembro o gentio de Churo avança sobre Cacheu. O governador junta reforços para a defesa da praça. O ministro expede um telegrama para o governador de Angola perguntando-lhe se ele poderia organizar um batalhão disciplinar com uma companhia europeia e outra indígena para destacar em serviço de campanha na Guiné. O ministro não tem dinheiro, não é aceitável qualquer guerra dispendiosa, sugere ao governador que aproveite os Grumetes como elemento essencial e principal nas operações. O governador vê esboroarem-se os seus planos, mas pede apoio naval, 500 armas Snider e 200 mil cartuchos. A custo, fora organizada na metrópole uma pequena força composta quase só de praças que, estando na maioria dos casos a cumprir penas, se tinham voluntariado para servir no Ultramar.

Depois de alguns avanços e recuos organiza-se a coluna de operações composta por um núcleo de forças regulares e por forças irregulares de auxiliares Grumetes, partem a 26 de fevereiro de 1904 para Cacheu, vai chegando mais apoio naval, a coluna põe-se ao caminho, dirigem-se para as tabancas de Churo, as palhotas foram incendiadas, houve algum tiroteio, mas o Churo estava vencido. Restava, para completo castigo dos rebeldes levar a guerra às tabancas da região de Cacheu. Não era possível atravessar o território entre o Churro e o Cacheu, 30 km de mato quase impraticável e o calor era uma fornalha. Regressa-se a Cacheu e a partir por terra castigavam-se os povos que mais incomodavam a praça.

O governador deixou um detalhado relatório, informa o governo em Lisboa dos resultados desta nova expedição, as tabancas arrasadas em torno de Cacheu. O governador viajará a Cacheu para receber a submissão do gentio e impor as suas condições para o perdão, estas foram aceites. Para que houvesse ocupação efetiva, era indispensável a nomeação de um corpo de tropa aguerrida, ou um esquadrão de dragões. O ministro irá arguir à constituição de um esquadrão de dragões indígenas da Guiné, pede que se proceda à reorganização militar, e o esquadrão fica com a sua sede em Farim. Lapa Valente é o governador interino, vê-se confrontado com a decadência progressiva do pequeno comércio nas margens dos rios e no interior. Interessante observação dele sobre o comércio da Guiné, constituiria “um sindicato entregue a três ou quatro companhias estrangeiras, pouco escrupulosas, que num futuro muito próxima explorarão sem consciência europeus e indígenas”. E, mais adiante, referindo-se ao pequeno comércio no interior diz que é “constituído por nacionais clientes dessas companhias, e que se limitavam a casas de venda a grosso e retalho em Bolama e Bissau, os portos servidos pela navegação de longo curso.” Internando-se pelos rios, ali faziam o seu abastecimento, promovendo com o indígena “trocas em dinheiro e em produtos do país (mancarra, cola, borracha, bandas, gado, coros, cera, etc.), que entregues a essas casas, eram depois por elas lançadas nos mercados europeus.” É, pois, manifestamente favorável ao estabelecimento de companhias estrangeiras no interior dos rios.

Decorrem, entretanto, a delimitação de fronteiras, acarretando confrontos com o gentio; tratava-se da delimitação da fronteira norte pela missão conjunta luso-francesa, com o levantamento dos rios Cacheu e Casamansa, para se determinar a linha de separação. Encontrou-se bastante hostilidade. Em 15 de dezembro de 1904 é nomeado novo governador, o capitão Carlos d’Almeida Pessanha, virá tomar posse em 2 de fevereiro de 1905.

Armando Tavares da Silva
Lapa Valente nomeado governador interino na ausência de Carlos d’Almeida Pessanha, 1905
Nomeação de João Augusto d’Oliveira Muzanty como governador da Guiné, 1906
Um prisioneiro. Oferta de Maria Alice Caldeira, viúva do Coronel de Artilharia/Comando Octávio Barbosa Henriques (1938-2007), de um conjunto de materiais do seu espólio. No arquivo da EPHEMERA, encontra-se um número significativo de fotografias da guerra colonial, em particular da sua estadia na Guiné entre 1968-1972, aquartelado no Sul da Guiné junto da fronteira com a Guiné-Conacri.

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 22 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26181: Notas de leitura (1747): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 25 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26191: Notas de leitura (1749): A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26181: Notas de leitura (1747): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Declaro que ando de candeias às avessas com o Boletim Oficial da Província da Guiné, todo recheado de nomeações partidas, louvores, muitos relatórios de saúde pública, movimento marítimo, etc. etc., nem dá para ler nas entrelinhas se a agricultura progride, o que melhorou na vida administrativa, o que tem sido a ocupação do território e a chamada pacificação. Por isso me voltei para nova leitura do livro de Armando Tavares da SIlva, ele andou no Arquivo Histórico Ultramarino e fez um levantamento indispensável à documentação oficial. É que por detrás da pasmaceira do Boletim Oficial estavam a acontecer coisas nos Bijagós, em toda a região do Geba, na Costa de Baixo, na região dos Felupes. O governador Herculano da Cunha não quis fazer ondas e tanto quanto parece não tinha dinheiro para organizar expedições. O que aqui se escreve é que Judice Biker, que irá governar a Guiné até 1903, é imparável, move-se nas zonas de conflito, e até ficamos com a ilusão de que já não há insubmissões nos Bijagós, nem no Oio, nem em Cacheu. Vamos agora à atuação do novo governador, Soveral Martins.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (3)

Mário Beja Santos

O governador Herculano da Cunha parte para Lisboa e a 13 de julho de 1900 o novo governador é o 1.º Tenente da Armada Joaquim Pedro Vieira Judice Biker. Herculano da Cunha tudo fizera para evitar expedições. Biker mostra logo claramente que vem empreender operações militares de pacificação. Em Canhabaque, arquipélago dos Bijagós, assaltavam-se lanchas, um dos dois régulos da ilha era condescendente com tais hostilidades. Biker chama o capitão de 2.ª linha Adolfo Eduardo da Silva e encarrega-o de ir à ilha entender-se com o chefe dos atacantes, exigindo-lhe que entregasse o que havia roubado, o régulo recusou e o governador decide fazer um ataque à ilha, mas só passada a época das chuvas. A 27 de outubro larga a expedição, bombardeia-se a povoação, a 29 desembarcam os Grumetes, incendeiam-se povoações, novo bombardeamento e incêndio no dia seguinte. O régulo rebelde pediu perdão.

Biker foi também confrontado com o problema da dispersão da ocupação militar, escreve ao ministro: “Nos postos onde o gentio está perfeitamente submisso, como acontece no Forreá, os soldados exerciam toda a qualidade de violências sobre o gentio, impondo multas, roubando mulheres, etc. Nos postos, como Safim, onde o gentio ainda não está tão submisso, exerciam represálias sobre os soldados, roubando-lhes armas e correame. Com este sistema de ocupações, conseguíamos ter perto de 70 cabos e soldados disseminados pelo interior da província com grande prejuízo para a disciplina militar, o que era péssimo, e uma fonte de conflitos com o gentio que graves dissabores nos podiam acarretar, o que ainda era pior.”

E havia questões em Geba que requeriam a atenção do novo governador. O influente Mamadi Paté morreu no final do ano, o comandante de Geba imaginou que os seus sucessores se apresentavam como régulos independentes, o que não era verdade, o governador substituiu o comandante e viaja até Geba, é cumprimentado por todos os régulos, aconselha os sucessores de Mamadi Paté a serem obedientes ao Governo, vai até ao Xime onde é eleito o novo régulo. E volta-se para a questão do Oio. Houvera uma desastrada incursão em 1897, a gente do Oio continuava a obrigar os negociantes que ali iam a pagar-lhes um imposto, agiam à revelia da soberania portuguesa. Biker envia o chefe dos Grumetes de Bissau ao Oio para ver se conseguia que eles viessem pedir perdão ao Governo, não é acatado. Mudando de direção, Biker faz uma expedição ao Jufunco, faz-se muito fogo, o povo local rende-se. Biker vem até Lisboa e aqui passa uma boa temporada, no regresso à Guiné dá prioridade à questão do Oio, o povo local recusava pagar multa, foi decidido organizar uma coluna para os castigar. Armando Tavares da Silva descreve minuciosamente o ataque ao Oio, tomam-se tabancas, incendeia-se tabancas. A fidelidade à soberania portuguesa parecia restaurada, começam a ser cobrados impostos, chega mais dinheiro aos cofres.

A expedição que se segue tem a ver com o Arame, povoação de Cacheu, o objetivo é castigar revoltosos, tudo vai correr bem à expedição decretada por Biker. Em abril de 1903, é nomeado novo governador, Alfredo Cardoso de Soveral Martins, ele chega a um território que ainda não tem a pacificação completa e onde se tornou um imperativo encontrar novas soluções de organização militar. Falaremos a seguir deste período de 1903-1905.

Armando Tavares da Silva
Quando se consulta o Boletim Official, vale a pena ter em atenção as disposições gerais sobre a política colonial, achei bastante interessante o que menciona em 9 de novembro de 1903, do régio paço: “Tendo chegado ao conhecimento de Sua Majestade El-Rei, que nas províncias ultramarinas está sendo frequente os funcionários públicos envolverem-se e interessarem-se em especulações comerciais, a despeito das disposições legais não derrogadas, que expressamente lho proíbem, manda o mesmo Augusto Senhor, pela Secretaria d’Estado dos negócios da Marinha e Ultramar, suscitar a fiel e exata observância do disposto na régia portaria de 8 de janeiro de 1863.”
Na transição do século, o Boletim Official formalizou-se, predomina a rotina administrativa, é raro abrir espaço para que o leitor entenda a evolução sociopolítica e militar na Guiné. Excecionalmente, temos direito a saber que as autoridades de Bolama reagem a sublevações ou práticas de insubmissão. Num daqueles relatórios habituais que mensalmente Cacheu publicava faz-se menção a uma ocorrência extraordinária, a chamada guerra do Churo, e escreve-se: “Em três saíram com destino ao porto de Churo Uenque as lanchas canhoneiras Cacheu e Farim, rebocando as lanchas que conduziam os auxiliares, para a guerra do Churo, e a canhoneira Cacongo conduzindo as forças de marinha, de infantaria e artilharia que faziam parte da coluna de operações destinada a castigar o gentio rebelde do Churo. Na mesma canhoneira seguiu Sua Excelência o Governadora.” Terá havido êxito, a guerra continuou até se queimarem várias povoações, caso de Cacanda. A 11, o Governador voltou para Bolama.
Jogo do Uri, imagem recolhida em Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 15 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26158: Notas de leitura (1744): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 22 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26180: Notas de leitura (1746): "A pesca à baleia na ilha de Santa Maria e Açores", do nosso camarada e amigo Arsénio Puim: "rendido e comovido" (Luís Graça) - Parte I

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26005: (De) Caras (221): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de setembro de 2024:

Queridos amigos,

Devo a seguinte explicação. Adquiri inicialmente um conjunto de aerogramas, posteriormente perguntei à minha fornecedora se podia remexer lá no saco e ver se havia ainda alguma correspondência da Guiné. Apareceram, de facto, mais cartas do tenente Nuno Barbieri, mas datadas de Luanda, no nosso blogue só trato da Guiné e não vi razão para abrir exceções. 

O que obtive foram mais cartas de um amigo de Paulo António, o alferes Pedro Barros e Silva. Começo por uma carta extensa (publica-se agora só metade), toda esta correspondência foi escrita em 1966, o autor é uma pessoa incontestavelmente informada e culta, a redação comprova-o. 

Vista à distância, tratou com argúcia e pertinência certas observações, outras falhou redondamente, caso do Senegal, naquele mesmo ano de 1966 o PAIGC, depois de um encontro entre Senghor e Cabral, viu a sua vida facilitada com o transporte de pessoal e armamentos através de diferentes corredores; e não passava de pura especulação a possibilidade do PAIGC implantar uma estrutura governamental no Quitafine. 

Esta carta é merecedora da nossa atenção.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3)

Mário Beja Santos

Dei conta ao leitor que nas minhas deambulações pela Feira da Ladra vou sempre cumprimentar potenciais fornecedores, um deles dispõe em cima da sua banca álbuns fotográficos, caixas com velhos bilhetes-postais, fotografias avulsas, maços de aerogramas (infelizmente só de Angola e Moçambique), material avulso, desde programas de ópera a teatro de revista, tudo para satisfazer a clientela de colecionistas, que ali aparece em número apreciável. 

Bato quase sempre com o nariz na porta, mas desta feita apareceram para ali, primeiramente, quatro cartas destinadas a Paulo António Osório de Castro Barbieri, duas escritas pelo seu irmão na Guiné, Nuno Barbieri, e outras duas escritas por um alferes na Guiné, seu amigo, Pedro Barros e Silva, SPM 0368. 

Posteriormente, e depois de pedir à Sra. D. Amélia se tinha mais cartas dentro dos seus sacos, apareceram outras escritas pelo tenente Nuno Barbieri mas relacionadas com a sua presença em Angola, e mais duas de um alferes amigo de Paulo António, Pedro Barros e Silva. 

Já aqui se publicaram as duas cartas de Nuno Barbieri para Paulo António, vejamos agora uma das quatro cartas de Pedro Barros e Silva, datada de 17 de agosto de 1966 (as demais cartas são igualmente de 1966):

“Meu caro Paulo,

Escrevo esta carta na esperança que ainda siga para amanhã no avião militar. O mais provável é que ou o avião não segue ou não segue a carta. Enfim, tenta-se. Recebi a tua carta que chegou, como sempre, em boa altura. Já começava muito seriamente a temer que tivesses ficado submergido sob a avalanche dos exames, mestres, doutores e professores. Felizmente que te safaste com vida e fiquei bastante satisfeito por saber que os teus exames te tinham corrido positivamente. Podes crer que o meu patriotismo ficou ao rubro quando li que tinhas arrancado um 16 a tal coisa da História. Por momentos até acreditei que tivesses entrado no bom caminho. A Pátria que tanto fez por ti não merece as tuas ingratidões. Como já vai sendo habitual, a seguir aos teus exames, aos teus embates ferozes com a sapiência, entras gosse-gosse na tua caverna da Outra Banda, lá ficas a desintoxicar e a descontrair. Eu é que já estou bem necessitadinho de uma caverna pois começo a ficar nas lonas.

Já estou farto desta merda toda. Queres crer que não me importava nada, mesmo nadinha, poder estar fazendo uns estudos sobre essa tal fauna estival de que falas. Bem, espero que as pesquisas decorram frutuosamente e que a tua loura Fúria (loura ou morena?) te não prejudique nos teus trabalhos.

Escrever sobre a situação da Guiné não me parece muito simples. Mas deixemos o perlapié para dezembro, quando eu aí for. Por agora, vou procurar mostrar-te alguns aspectos da situação. Acertaste quando escreveste que eles tocam e nós dançamos. Contudo, não é bom esquecer que não são eles os regentes.

Quando cá cheguei entretive-me durante uns tempos a analisar as relações entre os militares e a população civil. Desta exceptuei os que vieram para a Guiné posteriormente à eclosão da porrada. A presença dos militares é tolerada. Na verdade, o máximo que nos parece ser permitido é pedir que não nos chamem muito alto filhos da puta. Esmagados pelo nosso complexo de culpa, nós, os maus e impuros, vamos atafulhando de dinheirinho as algibeiras dos bons e puros. Talvez eles nos deixem de chamar nomes feios.

Não julgues que este modo de pensar é característica exclusiva dos ‘velhos’. Uma boa parte dos novos também acha que se a gente tratar bem os pretinhos estes nos perdoariam por todos os séculos de chicotada que têm no lombo (se os visses trabalhar perguntarias para que serve o chicote) e passariam a ser bons cristãos e bons portugueses. Normalmente, após terem bebidos uns goles de água da bolanha mudam de ideias e então querem é pisgar-se. Mas isto tem que ser visto no contexto geral das estratégias que uma e outra parte utilizam. As ideias-base da nossa estratégia coincidem com as ideias-base da estratégia inimiga. Diferem no sinal. Assim, enquanto a estratégia do IN é ativa, conquistadora, lançada para um futuro, a nossa é passiva, conservadora, projeção do passado (dos tais 5 séculos).

Assim, bem podemos bradar aos quatro ventos que o IN ataca indistintamente brancos e negros. Será que também não haverá maus negros, traidores que a troco de uns patacões estão prontos a lutar (e alguns bastante bem) do nosso lado?

Nem tudo que é do lado de lá está o lugar deles e efetivamente é lá que está a grande maioria. E porquê? Quando nós dissemos aos Felupes, aos Sossos, aos Fulas, aos Balantas, aos Mandigas, a todos esses selvagens que se odiavam de morte, que eram todos portugueses, todos filhos do mesmo Deus que também era o nosso, quando os afastámos dos seus usos, deturpámos e aviltámos os seus sítios, os arrancámos à tabanca e os lançámos na cidade, não fizemos mais que criar as condições que permitiram a atual situação. Quando o IN proíbe severamente o tribalismo e os privilégios tribais, chama-os a todos guineenses, dá-lhes o português como língua única, limita-se a continuar aquilo que nós iniciámos e que incompreensivelmente continuamos. Quanto a mim, tendo em linha de conta um e outro dispositivo, a derrota é inevitável, a menos que se alterem certos factores externos que influem decisivamente e são susceptíveis de alterar profundamente a situação. Eles tocam, mas não são eles os donos dos instrumentos.

Parece-me que o factor mais importante é a atitude que os EUA possam vir a tomar. Até que pontos os ianques estarão dispostos a auxiliar-nos a ganhar esta guerra (no fundo, trata-se somente de impedir os outros de a ganharem, já que nós somos insuficientemente incompetentes para o fazer).

Vou deixar propositadamente para trás as nossas possibilidades de conquistar a mão da donzela. Há muito que andamos afastados destas lides e andamos esquecidos. Durante algum tempo ainda pensei que quiséssemos empatar a disputa (engolindo à pressa mais vitaminas), hoje cheguei à conclusão de que não temos a audácia e força para a desempatar. Assim, esperemos que o outro pretendente tenha uma paralisia infantil. Ora o outro pretendente é o PAIGC (que tem dois primos raquíticos, a FLING e a FLING combatente). As surpresas do rapaz dependem da atitude que tomarem uns parentes um pouco mais idosos: o Senegal e a Guiné.

Como é óbvio, a posição desses é determinada pelos cataventos da História. Ora sopram daqui, sopram dali. Pelo que toca ao Senegal, está-me a parecer que o PAIGC está a levar com os pés. Não é que os senegaleses nos beijem na boca e nos chamem Tarzan, mas eles têm medo de que o PAI de parceria com o PAIGC lhe meta um cagaço. E como a região do Casamansa é a base do PAI, os rapazes senegaleses estão a empurrar os turras para longe. Para começar proibiram todo o trânsito de material de guerra no seu território.

A concretizar-se mais profundamente o desafio que o Senghor está a oferecer ao Amílcar, é admitir que este tenha de abandonar ou pelo menos de diminuir a intensidade da luta no Norte e até talvez seja levado a abandonar uma das suas mais tradicionais posições: o Oio (apesar do que para aí dizem, nós não entramos no Oio).

Não se alterando a posição do Touré, é provável que tivéssemos de enfrentar um endurecimento da porrada ao Sul, que é, sem sombra de dúvida, aonde estamos de cócaras e onde eles têm posições tão seguras que até já pensam em instalar o Governo no Quitafine. Quanto à Guiné, falou-se por aí de umas desinteligências entre o Amílcar e o Touré. Quanto a mim, não passa de um bec-bec. As forças do PAIGC representam, para o Touré um tampão que lhe protegerá para a fronteira Norte e se necessário o ajudará a manter-se no trono, já que no Sul o rapazola (recentemente cognominado de Le Grand Soleil – maravilhas do socialismo africano) estão de calcinhas, ou por outra, de tanga na mão. De resto, parece-me que não seria muito difícil dar-lhe umas boas palmadas no rabo. Os ebúrneos que se entretenham. Eles têm para lá uma FNL (decerto que entendes a sigla) e já chamam bandidos e outros nomes feios aos moços do PAIGC. Para mim, tanto faz que lá esteja o Mamadu, o Baldé ou Fosquinhas. O principal é que se dê o chuto nos tais bandidos e seja amigo da tropa. A actual situação militar, como já deves ter depreendido através dos monocórdicos comunicados não é propriamente fantástica. A maralha não defronta uns bandos mas (e eu sei) gajinhos muitíssimo bem treinados e ainda por cima enquadrados por russos (chamemos assim aos brancos do lado de lá) e cubanos. Vou até ousar afirmar que não é em Moçambique ou em Angola que vão incidir maiores esforços do IN para nos pôr a andar. É aqui na Guiné.”


Interrompemos aqui a carta de Pedro Barros e Silva para Paulo António, é muito extensa e escusado é relevar que merece ser lida com a maior atenção.

Mensagens de Natal, Guiné 1966, RTP Arquivos

(continua)
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Nota do editor

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