Queridos amigos,
O que este autor nos permite conhecer é que a ocupação é débil, os efetivos militares irrisórios, as rebeliões eclodem aqui e acolá, muitas vezes associadas à recolha do imposto da palhota; a indefinição das fronteiras vai permitindo a intromissão da França e dos seus comerciantes, com todos os inconvenientes de uma presença portuguesa sempre diluída; Abdul Injai, a quem se prometera um regulado no Oio, anda por ali a roubar e matar, é deportado para S. Tomé, regressará e pôr-se-á ao serviço de Oliveira Muzanty nas operações do Cuor, será mesmo nomeado régulo desta região, onde também provocará desgraça; o governador Soveral Martins deixou currículo minguado na Guiné, ao contrário de Muzanty que se lança em operações militares e, como veremos adiante, com resultados seguros; haverá a expulsão de negociantes estrangeiros; há um ministro que decide mandar vadios para a Guiné e propõe a criação de um quadro de polícias para os vigiar, parece um quadro de revista.
Um abraço do
Mário
O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5)
Mário Beja Santos
Convém recordar que Oliveira Muzanty fizera parte da delegação portuguesa para a delimitação de fronteiras em 1904. Teve a oportunidade de revelar a sua valentia quando alguns régulos se recusaram a colaborar, as tropas francesas reagiram com 50 atiradores senegaleses que intimaram os insubmissos. Oliveira Muzanty foi atacado perto do Cabo Roxo, a coluna de Oliveira Muzanty e do seu colaborador, o tenente Fortes, reagiram com sucesso, e a missão de demarcação de fronteiras continuou.
Estamos agora na governação do capitão Carlos d’Almeida Pessanha, tomou posse em fevereiro de 1905, Lapa Valente, o governador interino, e em diferentes momentos, é posto em causa sobre a sua tomada de posição sobre o regime de concessões de terrenos; Almeida Pessanha não teria as mesmas preocupações que Lapa Valente relativamente a companhias estrangeiras. Escreve para Lisboa dizendo que a Guiné seria por muito tempo um encargo para a metrópole. A Guiné tinha “suficientes elementos próprios de desenvolvimento”, mas era preciso aproveitá-los devidamente; caso contrário “as vizinhas possessões francesas sufocar-nos-ão; é mister, portanto, que, feita a delimitação, saibamos aproveitar o pouco que nos resta da Senegâmbia".
A cobrança de impostos de palhota decorria sem grandes atritos. Alegando razões de saúde, Almeida Pessanha parte para o reino, Lapa Valente, Chefe do Estado-maior, assume novamente o cargo de governador interino. Restabelece-se o comércio no Oio, aparentemente estavam dissipadas as mais graves hostilidades. Ocorrem desacatos na Costa de Baixo, Lapa Valente denuncia a sua impossibilidade de acorrer em ajuda dos comandantes militares. A força militar da província resumia-se ao tempo a 157 oficiais e praças, 23 em Bolama, 24 em Farim, 15 em Bissau, 12 em Geba, 10 em Cacheu, 1 em Buba e 4 em Cacine. O governador interino aproveita para tecer as suas considerações quanto às guerras havidas em Bissau, Oio, Jufunco e Churo, não houvera ocupação das regiões batidas, agravara-se a situação económica da província, era tudo difícil na praça de Bissau e nulo o domínio no Oio, no Jufunco e no Churo. Almeida Pessanha regressa e parte pouco depois. É por este tempo que Abdul Injai obriga a tomar medidas. Era um chefe seruá, tinha servido como auxiliar na campanha do Churo, fora-lhe prometido um regulado no Oio, região que ele atacava por meio de razias, nas suas operações roubava e matava os indígenas. Almeida Pessanha manda-o prender, será enviado para S. Tomé, no início da governação de Oliveira Muzanty. Acontece que por ocasião da visita do príncipe real D. Luiz Filipe àquela província, em junho de 1907, Abdul recebeu do príncipe permissão para regressar à Guiné, irá então auxiliar o mesmo Oliveira Muzanty nas campanhas de Badora e Cuor, vindo a ser por este feito régulo do Cuor.
Temos agora a governação de Oliveira Muzanty, é nomeado em 8 de junho de 1906, tinha terminado havia pouco chefiar a comissão de delimitação de fronteiras, possuía um bom conhecimento da província. O novo governador tinha o propósito de dotar a administração de um caráter mais acentuadamente civil, decide que os seis comandos militares iam ser substituídos por residências, queria uma companhia de atiradores indígenas, o esquadrão de dragões indígenas e a companhia mista de artilharia de montanha foram extintos.
Muzanty começa a preparação das operações militares, requisita, logo no início de 1907, 250 carabinas Kropatcheck e 250 mil cartuchos. Volta a expulsar Graça Falcão, que andava a envenenar os régulos da região de Cacheu. Este turbulento ex-alferes viaja para Lisboa com bilhete de ida e volta. Tendo sido notada hostilidade na receção dos impostos na ilha Formosa, forma-se uma expedição, morre o régulo e o feiticeiro, queimam-se palhotas, pouco depois os habitantes das povoações queimadas apresentam-se pedindo perdão.
Acontecimento maior tinha sido a brutalidade com que o régulo Infali Soncó tratara o comandante militar de Geba, Muzanty escreve para Lisboa dizendo que não tinha possibilidade de tomar medidas por dispor apenas de 30 a 40 praças, não havia uma canhoneira a funcionar, era fundamental dar uma lição a Infali Soncó (régulo do Cuor), pede uma força de 500 praças europeias durante um período máximo de 4 meses e apoio de canhoneiras. Antes de partir para Lisboa elabora um relatório em que critica querer-se substituir uma soberania efetiva fazendo manobras com os variados elementos indígenas. Havia que ser exemplar nas atitudes de insubmissão, os maus-tratos a que fora sujeito o comandante militar de Geba impunham uma lição muito séria.
Em junho de 1907 ocorre um facto insólito, chega à Guiné um grupo de vadios, o ministro recomenda que eles sejam distribuídos pelas várias circunscrições e presídios na proporção que o governador entendesse. O pior é que o ministro quer enviar mais vadios para a Guiné, a oposição em Bolama é total. Em setembro, agrava-se a situação na região do Geba, o régulo de Badora revolta-se e alia-se ao régulo da região do Cuor, cortam a linha telegráfica de Bafatá a Buba. As relações entre o Governo e a Companhia Francesa da África Ocidental e Comércio Africano degradam-se. Enquanto isto se passa, Muzanty trabalha em Lisboa na organização de uma grande expedição à Guiné, é projetada a sua realização de janeiro a maio de 1908, conta-se com uma força expedicionária, duas companhias europeias de infantaria, uma bateria de artilharia e uma companhia da Marinha. Em Lisboa fazem-se contas ao custo da operação, uma campanha prevista em três fases: operações na ilha de Bissau, no Oio, e contra os povos Manjacos da Costa de Baixo, previa-se a maior resistência no Oio. Houvera como que um esquecimento para a importância das operações no Geba, sem perda de tempo, logo que regressar à Guiné, Muzanty prepara uma expedição que liquida qualquer resistência na região do Xime, fica ainda por resolver o problema do régulo do Cuor. É então que se prepara um conjunto de operações na região revoltada de Quínara, haverá muito tiroteio, em Lisboa pede-se a Angola para formar uma companhia indígena para destacar para a Guiné, sem resultado, quem vai fornecer uma companhia indígena será Moçambique. A situação em Lisboa é perturbada pelo regicídio que ocorreu em 1 de fevereiro de 1908. Continuam os preparativos para as operações, as fundamentais serão as da margem direita do rio Geba, é nessa altura que entra em cena José Rodrigues de Mello, veio de Cabo Verde e passará à história como o primeiro fotógrafo militar português, todo o seu trabalho na Guiné está consagrado em livro.
Armando Tavares da Silva
Imagens tiradas pelo primeiro fotógrafo militar português, José Rodrigues de Mello
Régulo de Fulas e seus Ministros
Teatro de Bolama
Costume de europeus estrangeiros. Aperitivo (antes do jantar)
(continua)
_____________
Notas do editor
Vd. post de 29 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26213: Notas de leitura (1750): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (4) (Mário Beja Santos)
Último post da série de2 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26226: Notas de leitura (1751): A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (2) (Mário Beja Santos)
Sem comentários:
Enviar um comentário