domingo, 1 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26220: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (32): da "pubela"... ao vidrão, sem esquecer a "cesta-secção" e a "poubellication" (Luís Graça)

1. Há dias li um artigo de opinião, de um luso-luxemburguês, jornalista, Ricardo J. Rodrigues, sobre a "pubela" (galicismo, que quer dizer "caixote ou balde do lixo", do francês "poubelle").


Foi publicado no semanário digital "Contacto", de 26 de fevereiro de 2022. Lamenta o jornalista que o vocábulo ainda não esteja dicionarizado ou grafado nos dicionários da Língua Portuguesa, e em especial o Priberam, da Porto Editora.

Talvez por que, acrescento eu, os dicionaristas são (ou foram no passado...) "muito conservadores", e às vezes "púdicos demais", para não dizer "elitistas"... Eu acho que às vezes andam distraídos ou não frequentam os mesmos lugares do comum dos falantes da língua portuguesa.

O título do artigo é: "Os portugueses do Luxemburgo que dizem pubela em vez de lixo". E já, em artigo anterior, ele queixava-se que "Portugal era arrogante com os emigrantes"... O Portugal das insituições e dos "donos" da língua...

Não posso deixar de concordar em parte com o autor, e lamentar sobretudo que ainda haja uma certa arrogância das chamadas elites cultas, nomeadamente nas questões linguísticas...

A língua portuguesa, viva, é feita por quem a fala, seja em Lisboa, no Marco de Canaveses ou no Luxsermburgo, em Luanda ou na cidade da Praia.

Conheço o vocábulo "pubela" desde que comecei a ir ao Marco de Canaveses, vai fazer meio século para o ano (eu iria casar lá, em 1976). E já a tenho usado aqui no blogue, ao dizer por exemplo que as nossas memórias da Guiné não devem (nem podem) ir para à "pubela"... E, também já usava, na gíria académica o palavrão "poubellication" (termo altamente depreciativo para os académicos se referirem à literatura científica que é "lixo"...) (do francês "poubelle" + inglês "publication").

Os emigrantes (nomeadamente os "franceses") usavam (e continuam a usar) o termo "pubela" para caixote ou balde do lixo, objeto que desconheciam no campo, nas aldeias, vilas e até cidades portuguesas na sua infância. 

Eu achava (e continuo a achar) deliciosa a palavra "pubela".

Numa pesquisa na Net, acabo de saber que a "poubelle", além de francesa, é parisiense: Eugène René Poubelle (1831.1907 à Paris), jurista, diplomata e prefeito do departamento do Sena, Paris (entre 1883 e 1896),  é o "pai" da palavra"poubelle, que acabou por ser uma homenagem popular aos seus esforços para melhorar a higiene e salubridade de Paris.

Na realidade, as nossas cidades europeias, até tarde, e na sequência da industrialização e urbanização dos nossos países, eram lixeiras a céu aberto (como, infelizmente, ainda hoje encontramos em África).

Mas voltemos ao Luxemburgo, que eu conheci no início dos anos 90, e onde a "peugada lusitana" já era por demais evidente, no quotidiano (falava-se português com sotaque nortenho ou alentejano, nos restaurantes e cafés, bebia-se Sagres e Superbock, e havia fãs, com camisolas e cachecóis e tudo, dos principais clubes de futebol, Porto, Benfica e Sporting).

(...) "Em 1970, ano em que o governo luxemburguês assinou com o Estado português um contrato que permitiu a milhares de trabalhadores estabelecerem-se no Grão-Ducado, a recolha de lixo era um conceito quase inexistente em Portugal." (...)

(...) Os luxemburgueses e os franceses e suíços ensinaram-lhes que aquilo era a poubelle, e eles converteram-na em pubela. Quero lá saber se isso é português correto ou não. Quero é saber que aprenderam a usá-la, nas palavras e nos gestos." (...) (Fonte: 
Ricardo J. Rodrigues)


2. A situação, hoje, em Portugal não tem a nada a ver com os nossos tempos de infância e adoslescència, no campo ou na cidade... E damos exemplos a países como... o próprio Luzemburgo, diz o jornalista:

(...) "Eu, que sou lisboeta, dificilmente ando mais de 100 metros até encontrar um ecoponto, onde posso separar o vidro do plástico, o cartão dos restos de comida. E o que tenho para dizer é que o Luxemburgo nos pode ter apresentado a pubela, mas falha miseravelmente na hora de recolher o lixo.

Alguém que viva em Clausen, por exemplo, tem de caminhar dois quilómetros até encontrar um vidrão. (...)


E acaba com graça, humor e até irreverência o nosso luso-luxemburguês Ricardo J. Rodrigues:

(...) O Luxemburgo é um dos países com maior pegada ecológica no planeta. E está certo que houve este momento na História em que eles nos ensinaram o que era o lixo. Mas agora é capaz de ser o momento em que nós temos de ensinar-lhes como se faz reciclagem. Estou a pedir ecopontos por todo o país, para podermos separar o que consumimos. Para podermos fazer a pubela que precisamos.(...)


3. Na nossa gíria de caserna temos um equivalente para "pubela", que é "cesta secção", a dos papéis do lixo...


Mas a "pubela" da primeira geração dos nossos emigrantes remete-nos para um tempo em que, de facto, não conhecíamos, a maior parte dos portugues, o WC, a água potável distribuída ao domicílio, o saneamento básico, a recolha e separação dos lixos domésticos e urbanos, desde o vidro ao papelão...

Recordo-me, nos anos 50, quando ia a casa dos meus tios maternos, no Nadrupe ou na Quinta do Bolardo, a escassos quilómetros da Lourinhã, da importância que tinha o quinteiro, a estrumeiro ou a esterqueira, no logradouro onde se criavam os patos e as galinhas, e onde se faziam todos os desepejos domésticos... com exceção da "lavagem do porco"... Ou como se diz, no Alto Minho e em Trás-Os-Montes, "a lavagem, com a sua licença,... do porco". Felizmente, ainda não havia, nesse tempo, a praga do plástico, da esferovite, do vidro, do papelão, das pilhas, e por aí fora..., o lixo com que damos cabo do planeta.

Hoje podemos, ao menos, falar da "pubela" do nosso contentamento...

______________

Nota do editor:

5 comentários:

Antº Rosinha disse...

No mês de Agosto, nas aldeias desertificadas do norte e nordeste e centro-este de Portugal, quem não fale em francês é um estranho, mesmo vivendo lá o ano inteiro.

Sendo que os jovens franceses têm complexo em falar o pouquinho que sabem de português.

Não é culpa desses mesmos jovens.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Pubela" (galicismo, de "poubelle", entretanto aportuguesado) pode ser considerado como um regionalismo,. usado no Norte do País, mas também nas nossas comunidades de emigrantes (França, Luxemburgo, Suiça...).

Valdemar Silva disse...

E em Agosto, ouvia-se a mãe dizer ao filho pequeno que andava a correr "tu vás tomber", não sei se por vaidade com os lá da terra, ou se por o rapaz estar habituado a ouvir português afrancesado.
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

As nossas palavras chegaram até nós pela via erudita ou criadas pelo povo letrado ou analfabeto. A língua nunca é uma obra acabada, e muitas das palavras que a compõem entram e saem de moda, entretanto também algumas delas mudam de sentido ao longo do tempo e assumem significados diversos em função do espaço territorial onde são proferidas. Eu uso a expressão genérica de contentor bem como a de caixote, mas pubela também me agrada.
Um grande abraço, Luís e todos os Tabanqueiros.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No meu convívio com emigrantes nossos em França ou franceses de origem portuguesa, ouvia muito o verbo "rolar" (andar de carro, viajar, fazer muitos quilómetros na estrada,circular, girar ...). Vejo que o vocábulo já está grafado no dicionário, mas não exatamente com esta aceção. O verbo "rouler"em francês é polissémico, tem muitos signifificados... "Çá roule": a coisa está a andar, está tudo bem, OK...

rolar1
(ro·lar)

verbo transitivo
1. Fazer girar. = RODAR

2. Fazer avançar uma coisa, obrigando-a a dar voltas sobre si mesma.

3. Cortar em rolos ou toros (uma árvore).

4. Cortar rente (uma árvore).

verbo intransitivo e pronominal
5. Avançar, girando sobre si mesmo; rebolar-se.

6. Cair, dando voltas.

7. Redemoinhar, encapelar-se (o mar, as ondas).

8. Ecoar (um som, como produzido por movimento rotatório).

9. [Náutica] Descair (a embarcação) para sotavento, deslocando obliquamente o rumo.

verbo intransitivo
10. [Brasil, Informal] Acontecer, haver (ex.: rolou confusão?).

etimologia Origem etimológica:francês rouler

rolar2
(ro·lar)


verbo intransitivo
1. Fazer o seu som característico (a rola, o pombo, etc.). = ARROLAR, ARRULHAR

verbo transitivo e intransitivo
2. Exprimir ou exprimir-se com meiguice.

etimologia Origem etimológica: rola + -ar.

"rolar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/rolar.