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terça-feira, 23 de abril de 2019

Guiné 671/74 - P19710: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: Parte II - Os três acidentes na hidrografia guineense


Foto nº 1 > Rio Cacheu > Fonte: http://www.gbissau.org/wp2013/blog/2014/04/25/as-tarrafes-do-rio-cacheu-2/ (com a devida vénia).




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018


ENSAIO SOBRE AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974): Parte II - OS TRÊS ACIDENTES NA HIDROGRAFIA DA GUINÉ - 



1.  INTRODUÇÃO

Na sequência do texto de apresentação deste novo projecto (P19679) (*), estruturado em quatro partes, titulado de "ensaio" sobre o número de militares do Exército que morreram afogados nos diferentes planos de água existentes na Guiné, durante o conflito armado (1963-1974), acrescentamos que esta questão surge do interesse pessoal pelo seu aprofundamento, onde, na altura própria, teremos a oportunidade de recordar uma experiência única, muitíssimo emotiva e impregnada de uma dor imensa, que teima em não passar, vivida por mim no Rio Geba, em 10Ago1972, acidente considerado como um dos três mais graves registados pelas NT na rede hidrográfica da Guine, durante o período em análise. 

Por outro lado, considerando que estão decorridas mais de quatro décadas desde o seu termo, é de acolher o conceito de que o actual quadro historiográfico, onde consta o que aconteceu, o que foi feito e o que foi dito, muito deve aos textos elaborados, na primeira pessoa, pelos ex-combatentes, ao longo dos últimos quinze anos [faz dia 23], de que são prova pública os cerca de vinte mil postes partilhados na «Tabanca Grande» pelos seus membros. 

Acreditamos que esse quadro vai continuar a ser alterado/actualizado/alterado com a adição de outras "memórias" ainda não divulgadas.  Parabéns por tudo isso… e pela OBRA já construída… PARABÉNS À TABANCA!

Entretanto, os resultados que iremos dando conta ao longo dos diferentes fragmentos são corolário da consulta a diferentes fontes "Oficiais", onde o tema foi tratado, mas não serão as únicas, pois continuaremos a alargar os campos de consulta. Pelo exposto acima admitimos a possibilidade dos "casos da investigação" já coletados poderem vir a ser alterados/corrigidos por via da identificação de situações particulares que já estejam, ou não, consideradas. Por outro lado, quanto aos valores já apurados, procederemos à realização de uma análise demográfica, quantitativa e qualitativa. Essa análise, que terá uma dimensão global, apresentar-se-á, ainda, estratificada em dois grupos (amostras), como são os casos dos "corpos recuperados" e "não recuperados" e as suas respectivas Unidades.

Por razões metodológicas e estruturais do desenvolvimento do trabalho, a análise estatística apresentada no primeiro fragmento foi organizada exclusivamente por quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indicou em cada um dos títulos. Em cada um desses quadros relatam-se os valores quantitativos dos diferentes elementos das variáveis categóricas ou quantitativas relacionadas, tendo em consideração os objectivos que cada contexto encerra.
No presente fragmento, esses mesmos quadros terão agora uma representação gráfica de distribuição de frequências, simples e acumuladas, expressa através de gráficos de barras ou de gráficos circulares.

Por último, serão descritas as causas, factos e resultados que fazem parte da "história" de cada um dos três principais acidentes na hidrografia da Guiné, como foram classificados os casos do Rio Cacheu, em 05Jan65, durante a «Operação Panóplia»; no Rio Corubal, em 06Fev69, em Ché-Che, e em 10Ago72, no Rio Geba, no Xime.

Cada uma destas ocorrências será tratada individualmente e em fragmento separado.

2.  ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-74)



Gráfico 1 – Distribuição de frequências segundo a variável número de mortes por afogamento (1963-1974)  (n=144 )
 

Recordamos que a análise demográfica que comporta esta investigação, e as variáveis com ela relacionada, incidiu, como referimos no ponto anterior, sobre os casos das mortes por afogamento de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados nos "Dados Oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).

O estudo mostra que dos indivíduos que constituíram a população deste estudo, em 81 (56.2%) dos casos de mortes por afogamento os corpos foram recuperados, enquanto 63 casos (43.8%) tal não se concretizou. 


Gráfico 2 – Distribuição de frequências segundo a variável de mortes por ano  (n=144)

O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) em todos os anos ocorreram mortes por afogamento. Os valores mais baixos foram verificados em 1963 (n=3), 1970 (n=4) e 1974 (n=5). Durante os doze anos em que decorreu o conflito, por quatro vezes (1/3) o número de mortes por afogamento ultrapassou a dezena de casos. Para estes valores muito contribuíram os "acidentes" nos rios da Guiné – Cacheu, Corubal e Geba – como foram os três casos seguintes:

(i) em 05Jan1965, no Rio Cacheu, durante a «Operação Panóplia», com oito mortes do Pel Mort 980;

(ii) em 06Fev1969, no Rio Corubal, em Ché-Che, com quarenta e sete mortes, pertencentes à CCaç 1790 (n=26), CCaç 2495 (n=19) e ao PMil 149 (n=2);

(iii) em 10Ago1972, no Rio Geba, em Xime, com três mortes da CArt 3494.



Gráfico 3 – Distribuição de frequências segundo a variável "Posto" (n=144)


No que concerne à distribuição de frequências relativas ao "Posto" militar dos náufragos, durante o período em análise (1963-1974), constata-se que 113 (78.4%) eram soldados; 22 (15.3%) eram 1.ºs cabos; 7 (4.9%) eram furriéis; 1 (0.7%) era 2.º sargento e 1 (0.7%) era major.


3. OS TRÊS ACIDENTES NOS RIOS DA GUINÉ: CONTEXTO DE CADA UMA DAS OCORRÊNCIA

Para a elaboração deste ponto muito contribuiu o vasto espólio de informação disponível no nosso blogue. Contudo, as maiores dificuldades foram sentidas na obtenção de relatos relacionados com o acidente ocorrido no Rio Cacheu, em 05Jan1965, envolvendo o PMort 980, uma vez que esta unidade não consta no índice de "marcadores". Mas conseguimo-las ultrapassar após termos localizado o P3313 (de 14Out2008), um trabalho do camarada Virgílio Briote, a quem desde já agradeço.

Com efeito, a sequência da apresentação será cronológica com início no acidente no Rio Cacheu, seguido do ocorrido no Rio Corubal e, finalmente, o caso no Rio Geba, conforme se dá conta no gráfico abaixo (elaborado a partir do gráfico 2). 



Gráfico 4 – Identificação dos anos em que ocorreram os acidentes nos rios da Guiné (n=144)


3.1. O CASO NO RIO CACHEU EM 05JAN1965 = O PRIMEIRO

Foto 1 (Rio Cacheu) [imagem acima].. Este rio encontra-se na região norte da Guiné, perto da fronteira com o Senegal. O rio tem 150 kms de extensão, em grande parte é navegável e o seu caudal aumenta drasticamente durante a estação chuvosa, entre Maio e Novembro. O seu estuário é fascinante. A grande extensão do sistema de mangais fez com esta área se tenha tornado no Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu. Apesar de ser uma área muito interessante, não é muito frequentada por turistas. No entanto, é um porto seguro para muitos animais como crocodilos, hipopótamos, golfinhos, peixes-boi, gazelas pintadas, macacos verdes e local de acolhimento periódico de aves migratórias.


O CONTEXTO DA «OPERAÇÃO PANÓPLIA» EM 05JAN1965

No âmbito das responsabilidades que recebera de Bissau, após a sua participação na «Operação Tridente», o Batalhão de Cavalaria 490 [BCav 490], sob o comando do TCor Cav Fernando José Pereira Marques Cavaleiro (1917-2012] segue para Farim, em 23MAI64, com a superior missão de preparar a organização, deslocamento e instalação das forças no «Sector 2», que abrangia os subsectores de Cuntima, Jumbembem, Bigene e Farim (a sede), aos quais se juntou, em 24Jun64, o de Binta, então criado.

Contemplado no calendário das acções previstas para aquele Sector, foi planeada para o dia 05Jan1965, 3.ª feira, a «Operação Panóplia», envolvendo as forças da CCaç 461, CCaç 675, CCav 487 e PMort 980, com o objectivo de agir sobre as Tabancas de Sambuiá, Malibolom, Ujeque e Talicó, e respectivos itinerários circunvolventes.

Como apoio logístico às forças terrestres, este contingente contou com a participação da Lancha de Fiscalização Grande [LFG] «Orion», sob o comando do 1Ten Rui Vasco de Vasconcelos e Sá Vaz (comissão: 24Out64/03Dez66), e o oficial Imediato da Reserva Naval; 2Ten RN Virgílio Cabrita da Silva, 6.º CEORN (comissão: 24Out64/02Jun66).



Foto 2 – A LFG «Orion» no Rio Cacheu. Esta Lancha de Fiscalização deixou Lisboa em 01Dez64 com destino a Bissau onde chegou a 13 do mesmo mês, depois de ter escalado os portos do Funchal, S. Vicente de Cabo Verde e Praia. Até ao final do ano de 1964 esteve em patrulha e fiscalização no Rio Cacheu. Fonte:  blogue Reserna Naval, do nosso camarada Manuel Lema Santos, com a devida vénia

Durante o desenrolar da «Operação Panóplia», aconteceu um acidente "grave" no Rio Cacheu, que teve como consequência a morte, por afogamento, de oito militares do Pel Mort 980. Como instrumento de avaliação daquela ocorrência, o Cmdt desta força, Alf Inf. José Pedro Cruz elaborou um «Relatório", que abaixo se reproduz, e cujo original faz parte da História do Batalhão de Cavalaria 490, pp 66-67.

Relatório da ocorrência elaborado pelo Cmdt do PMort 980 – Alf José Pedro Cruz
O PMort 980 participava na «Operação Panóplia» que se realizava na Península de Sambuiá, entre o Rio Cacheu e o Rio Talicó.

Para dar cumprimento à missão, o PMort 980 embarcou na LFG [Lancha de Fiscalização Grande] «Orion» às 05h00 como estava previsto e foi transportado por este meio na direcção E-W pelo Rio Cacheu. Como fora planeado, o navio passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera, até um ponto antes de Bigene. Aí, o navio inverteu a marcha e, como também fora planeado, foi então que o PMort 980 desembarcou para o bote de borracha pertencente ao Exército no qual se faria o desembarque na Península de Sambuiá.

Embarcaram para o barco de borracha do Exército 25 militares entre os quais se encontrava o Cmdt do PMort 980 [Alf Inf José Pedro Cruz]. Embarcámos também para esse barco todo o material e armamento necessário para se realizar o desembarque, Como seria mais seguro não embarcaram todos os homens nesse barco, que tem uma lotação aproximada de 30 homens, tendo o Comandante do navio posto à nossa disposição um barco de borracha pertencente à Marinha, no qual embarcaram simultaneamente os restantes homens do PMort (oito), assim como o restante material. Os dois barcos seriam rebocados pela «Orion», de maneira a estarem permanentemente encobertos das vistas de possíveis sentinelas existentes na Península onde se efectuaria o desembarque, junto ao Rio Cacheu. Segundo notícias, essas sentinelas existiam. Os barcos onde eram transportados os homens do PMort 980 seriam afastados da «Orion» ao passarmos pelo local onde se realizaria o desembarque.

Antes do navio se pôr em marcha, foi passado um cabo por baixo do barco onde eram transportados os 25 militares, amarrado a um ferro existente no fundo do mesmo.

O navio recomeçou a marcha e, depois de ter navegado durante alguns minutos, o cabo que fora passado para rebocar o barco maior, rebentou pelo que o navio se afastou um pouco. Foi posto o motor do barco a funcionar e a recolagem fez-se sem qualquer incidente ou dificuldade. Foi então que se passou um cabo mais forte para dentro do barco de borracha, ficando os próprios homens [militares] que o tripulavam a agarrar nesse cabo, sendo nessa altura avisado pelo Cmdt da «Orion» e depois por mim [Cmdt do PMort] que, em caso de emergência, o cabo devia ser largado imediatamente. Foi nessa altura que eu [Cmdt do PMort] chamei a atenção dos homens [militares] para a conveniência de se chegarem o mais possível para a ré, pois o barco rebocado teria a tendência a baixar a proa. Os homens [militares] assim fizeram.

A marcha recomeçou, não podendo eu [Cmdt do PMort] avaliar a velocidade da «Orion», pois ela, necessariamente, difere bastante (aparentemente), devido às diferenças de tamanho da «Orion» e do barco rebocado. Depois de se navegar nestas condições alguns metros, notei que o barco de borracha deixava entrar água pela proa. Coisa sem importância, pois isso seria natural devido à ondulação provocada pela deslocação do navio rebocador [a «Orion»].

Foi nesse momento que à ré do barco de borracha alguns homens [militares] se levantaram, talvez assustados pela água que saltava para dentro do barco. Mandei-os sentar imediatamente, mas o barco já se encontrava desequilibrado de um dos lados e, sem nos dar tempo a qualquer reacção, afundou-se rapidamente. Alguns homens [militares] que se encontravam dentro do barco sinistrado não sabiam nadar e, então, o pânico foi enorme.

Nadei para junto do barco que se encontrava voltado e icei-me para ele. Seguidamente e auxiliado por um soldado, fui aconselhando calma e ajudando alguns homens [militares] a içarem-se para o barco voltado. Foi feito todo o possível para salvar o maior número de homens. Alguns não chegaram a vir à superfície uma única vez, talvez devido ao grande peso do equipamento, armamento e munições. Entre estes, dois eram bons nadadores.

Verifiquei então que se aproximava rapidamente um barco de borracha da Marinha tripulado pelo próprio Cmdt da «Orion» [1TEN Rui Sá Vaz], a qual se encontrava parada, afastada do barco sinistrado cerca de 80 metros. Depois de se efectuar o transporte de todos os sobreviventes para bordo do navio, efectuaram-se pesquisas em todos os sentidos e recolheu-se todo o material que se encontrava a boiar.

Verifiquei imediatamente que tinham desaparecido no desastre alguns homens [militares] do meu PMort 980 e variadíssimo material.

Ao subir para a «Orion» fui informado que dois homens [militares] se salvaram por terem ficado agarrados ao cabo do reboque, o que prova que o mesmo cabo não foi largado como foi aconselhado para o fazerem em caso de emergência.



Foto 3 - Citação: (s.d.), "Guerra da Guiné: exército português em operações.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114441, com a devida vénia.


Conclusões:

1 – O desastre [acidente] deu-se, em grande parte, devido ao pânico de que os homens [militares] se apossaram.

2 – O pânico foi devido à entrada da água pela proa do barco. Pânico natural, por muitos não saberem nadar.

3 – Que a água entrou devido à ondulação provocada pelo deslocamento do barco rebocador e ainda devido à tendência do barco em baixar a proa, visto o cabo do reboque não ter sido passado por baixo do barco mas sim por cima, indo agarrado pelos próprios tripulantes do barco rebocado.

Recomendações:

1 – Tanto quanto possível evitar, nas operações em rios, homens [militares] que não saibam nadar.

2 – Nunca rebocar um barco com o cabo de reboque passado por cima do barco rebocado e agarrado pelos próprios homens do mesmo barco.

3 – Sempre que possível, evitar reboques por meio de navio de peso elevado e de elevada velocidade.

Comentário do Cmdt do BCav 490 – TCor Fernando Cavaleiro

Concordo com as conclusões e recomendações apresentadas. N que respeita à escolha dos homens [militares] que saibam nadar, creio que infelizmente é bastante teórica pois na maior parte dos casos terão que ser utilizados os efectivos disponíveis. Aliás, não basta saber nadar, pois como se verificou dois dos desaparecidos eram até bons nadadores. A única solução parece-me que será dotar as Unidades de meios próprios para desembarques.

No caso presente é possível que o acidente se tivesse evitado se não tivesse havido necessidade de tomar medidas motivadas pela grande vulnerabilidade do barco de borracha.

O barco tem sido utilizado inúmeras vezes, nomeadamente no percurso Farim-Binta e na travessia do rio Cacheu em Farim, deslocando-se pelos próprios meios e transportando até cargas mais elevadas, sem que a sua estabilidade desse lugar a reparos.

Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965.

O Comandante do BCav 490, Fernando Cavaleiro


Relatório da ocorrência elaborado pelo Cmdt do PMort 980 – Alf José Pedro Cruz



Incluído na História da Unidade do Batalhão de Cavalaria 490
NOTA FINAL:
A missão definida para a «Operação Panóplia» prosseguiu, dela fazendo parte as restantes forças mobilizadas: CCaç 461, CCaç 675 e CCav 487.

Continua…
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Fontes consultadas:
 Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp 253-254.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

21ABR2019.
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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18119: Blogues da nossa blogosfera (86): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte II"


Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte II
 
Afundamento do batelão “Guadiana” por EEA–Engenho Explosivo Aquático 

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 15 de Julho de 2010)

(Final)

Resumo do acidente

Pelas 13:30 do dia 27 de Maio de 1969 na posição de latitude 11º 14’.3 N e longitude 15º 18.1’ W, quando o comboio naval RCU 09/69 navegava no rio Cobade estreito, no percurso rio Cumbijã – foz do rio Tombali com o apoio aéreo de dois aviões T6, o batelão «Guadiana» nele integrado foi atingido pela explosão de uma mina flutuante fundeada, a meio de uma passagem do rio que não teria mais de 20 metros de largura.

Muito provavelmente, a detonação terá sido accionada electricamente de terra, com resultado agravado pelo transporte de bidons de gasolina e detonadores que seguiam como carga. Houve a lamentar 5 mortos e 8 feridos com diversos graus de gravidade, todos autóctones, sendo 2 tripulantes e 11 passageiros.

 
O batelão «Guadiana» afundado pelo rebentamento de um EEA - Engenho Explosivo Aquático


A posição relativa das LDM e dos batelões no comboio, na altura em que ocorreu o avistamento do EEA

O batelão começou a alagar rapidamente e, em face desta situação, o oficial que comandava operacionalmente o comboio, 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite ordenou o imediato reboque, por uma das LDM, para um local mais afastado da área forte do inimigo – a ilha de Como – onde a embarcação pudesse ser encalhada numa das margens.

Efectivamente o batelão «Guadiana» ainda percorreu rebocado cerca de uma milha, ficando imobilizado de proa na margem esquerda do rio Ganjola, de popa para montante e a cerca de 300 metros da confluência com o rio Como.


Análise da situação e reconhecimento local

No dia seguinte foi efectuado um heli-reconhecimento pelo Chefe do Estado-Maior do CDMG, acompanhado pelo responsável do Serviço de Assistência Oficinal (SAO), Comandante do DFE 12 e Chefe da Secção de Mergulhadores para, com base nos elementos recolhidos, se proceder a uma análise prévia da possibilidade de recuperação do batelão.

Entretanto, o Comandante-Chefe alertou as FT sediadas na margem norte do rio Cobade, para a possível utilização daqueles meios, antecipando uma tentativa de recuperação a efectuar no dia 29 de Maio. Deveriam aguardar o contacto directo do CDMG.

Era responsável por aquele sector o BArt 2865, com sede em Catió, englobando Catió, Cufar e Bedanda, tendo sido determinado à CArt 2476 (Catió) para efectuar fogo de artilharia de interdição, durante duas noites, para a área de Cachil. Simultaneamente, sobre a Ilha de Como, foram ordenados ataques com heli-canhão e bombardeamentos utilizando aviões Fiat G91, quer por haver conhecimento de numerosos alvos de interesse a atingir quer por represália.

Neste reconhecimento local, para ser apreciada a estrutura, resistência e forma de recuperação possível do batelão, deslocaram-se técnicos do SAO-Serviço de Assistência Oficinal e mergulhadores, além de outro pessoal e equipamento diverso. Participaram ainda a LFG «Cassiopeia», 2 LDM - Lanchas de Desembarque Médias e ainda um grupo de assalto do DFE 7 com 6 botes de borracha. Os trabalhos foram acompanhados de helicóptero pelo próprio Comandante do CDMG acompanhado do Sub-Chefe do Estado-Maior.


Mapa da zona do rio Cobade entre os rios Tombali (ponto TT) e proximidade do rio Cumbijã (ponto CC); assinalada a parte do Cobade estreito, próximo de Catió

O «Guadiana» tinha como principais características 17 metros de comprimento, 5.5 metros de boca e 2.2 metros de pontal. Possuía duas anteparas, a de ré que limitava os alojamentos da tripulação e a de vante que limitava o porão da amarra. Tinha duas bocas de porão, a de ré com 7.3 x 3.0 metros e a de vante com 3.2 x 2.0 metros. As balizas e a sobrequilha, em ferro, eram rebitadas ao costado.

Na continuação da vistoria efectuada pela Secção de Mergulhadores e outro pessoal técnico embarcados na LDM 105, constatou-se que o batelão estava enterrado cerca de um metro no lodo fino da margem com caimento a ré e adornado a estibordo, com balizas bastante danificadas, rebitagem desfeita e a própria sobrequilha retorcida, tudo numa extensão apreciável (cerca de 10 m). O lodo tinha invadido o fundo numa altura próxima dos 50 cm.

A impossibilidade de tornar a embarcação estanque, a estrutura fragilizada, a dificuldade na utilização de bidons que aumentassem a flutuabilidade e o intervalo de tempo entre marés disponível, deixava colocar sérias dúvidas quanto a uma tentativa de recuperação com resultados positivos.

A impossibilidade de concretizar, com os meios disponíveis, qualquer salvamento levou a que todo o pessoal e meios presentes regressassem às suas unidades de origem.


A LFG «Cassiopeia» que participou nas operações de apoio


Conclusões

No final do reconhecimento, vistoria, estudos efectuados e relatórios técnicos de todos os intervenientes concluiu o Estado-Maior haver remotas possibilidades de recuperação, questionando simultaneamente a razoabilidade de tal decisão. Assim:

– Militarmente, seria importante transformar um navio afundado numa unidade temporariamente avariada, evitando uma moralização do inimigo que incentivasse prosseguir com a utilização de minas flutuantes nos rios da Guiné, podendo vir a tornar insegura a navegação.

– Do ponto de vista de princípio, o salvamento de um navio afundado ou encalhado, deveria ser sempre encarado como meta a atingir desde que existissem consideráveis probabilidades de êxito, em função dos riscos e encargos que daí adviessem.

– Em face de informações e relatórios técnicos disponíveis, o batelão teria necessariamente reduzido valor residual e os elevados custos de reparação previstos desaconselhavam a prossecução desse objectivo.

Assim veio a suceder por determinação do Comandante-Chefe e, mais tarde, o que restava do «Guadiana» veio a ser destruído por uma equipa de mergulhadores sapadores utilizando cargas explosivas

(final)

Fontes:
Pesquisa e compilação de texto a partir do relatório do 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite, núcleo 236-A do Arquivo de Marinha; fotos do Arquivo de Marinha; imagens do autor do blogue efectuadas a partir de extractos da carta da Guiné (cortesia IICT);

mls
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 19 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18106: Blogues da nossa blogosfera (85): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte I"

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18106: Blogues da nossa blogosfera (85): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte I"



Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte I

Afundamento do batelão “Guadiana” por EEA–Engenho Explosivo Aquático (Post reformulado a partir de outro já publicado em 15 de Julho de 2010)

Considerações gerais


O 2TEN FZE RN João António Lopes da Silva Leite do 10.º CFORN e o STEN FZ RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva do 11.º CFORN, depois de concluírem os respectivos cursos foram ambos mobilizados para a Guiné, o primeiro integrado no Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 10 (1967) e o segundo na Companhia de Fuzileiros n.º 6 (1968).

Em Maio de 1969, viriam ambos a protagonizar, um episódio marcante da complexa actividade da Marinha ao longo dos doze anos de guerra, o primeiro como comandante operacional de uma “task unit” activada na sequência da organização de um comboio logístico, integrando LDM e embarcações comerciais e, o segundo, como comandante operacional de uma outra LDM, também com batelões mas que, numa parte comum do percurso, se juntava àquela task unit.


O 2TEN FZE RN João António Lopes da Silva Leite do 10.º CFORN e o STEN RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva do 11.º CFORN


A organização e planeamento dos comboios de abastecimento logístico estavam atribuídos pelo Comando de Defesa Marítima da Guiné à Esquadrilha de Lanchas que, de acordo com as exigências operacionais, disponibilidade de meios navais e o tão criterioso como indispensável apoio da tabela de marés, procedia à escolha do período e datas em que se efectuavam os comboios - RCU.

A necessidade de manutenção de uma logística de apoio a populações e unidades militares, tornava alguns dos percursos não só frequentes mas de periodicidade obrigatória, quer para norte quer para sul daquele território, situação também decorrente do normal escoamento de produtos agrícolas essenciais à economia do território.

Entre os mais carismáticos, cabe destacar Farim, no norte, cerca de 85 milhas a montante da foz do rio Cacheu e Bedanda ou Gadamael, no sul, ambas a uma distância próxima de 20 milhas da foz nos rios Cumbijã e Cacine (rio do Porto de Gadamael) respectivamente.

As distâncias totais percorridas a partir de Bissau – normais pontos de partida e chegada destes comboios - dependiam dos percursos parciais efectuados e dos navios e embarcações presentes. Havia ainda a considerar, de acordo com as unidades navais utilizadas, rotas alternativas às barras convencionais dos rios.


A tracejado (violeta) o percurso Bissau - Bolama e, na continuação, Bolama - TT (confluência dos rios Tombali e Cobade); igualmente visível o percurso de regresso a Bolama (laranja)


Estavam nesse caso o Canal de Melo, na travessia do rio Cumbijã para o rio Cacine, a passagem do rio Tombali para o rio Cumbijã, via rio Cobade ou a ida para o Cacheu navegando pelo interior do baixo dos Macacões, este só acessível a LDM. Claro que esta possível utilização, válida igualmente para os percursos inversos, permitia encurtamentos de caminho e reduções de tempo notáveis.

Enquanto a uma LFG de escolta estava vedada a possibilidade de efectuar atalhos por causa dos 2.20 m de calado daquela unidade naval e as LFP -Lanchas de Fiscalização Pequenas, ainda que com limitações, efectuassem diversos percursos com alguns shortcuts, as LDM - Lanchas de Desembarque Médias efectuavam verdadeiros milagres no encurtamento de traçados, quase bastando haver alguma altura de água para passarem e muita, mesmo muita, experiência do "patrão".

Afinal, com a maré na enchente, um encalhe resolvia-se quase sempre por si próprio, em fundos lodosos sem cristas rochosas. Bastava arriscar primeiro e esperar depois, raciocínio obviamente limitado para as unidades com quilha.

Para comandar estes RCU eram habitualmente nomeados oficiais subalternos dos Destacamentos ou Companhias de Fuzileiros, dos Quadros Permanentes ou da Reserva Naval, reforçados por esquadras ou grupos de combate daquelas unidades e com o armamento adequado à missão, por forma a aumentar a segurança dos comboios, garantindo um destino seguro às guarnições, populações e bens por eles transportados.

Se algumas das embarcações ou batelões comerciais dispunham de motor, outras não tinham propulsão própria, sendo por isso rebocadas por aqueles que tivessem condições para o fazer. Navegação com velocidades diferentes, cabos de reboque partidos e avarias frequentes, era um panorama comum que gerava confusão e granel, obrigando o comandante do comboio, com as LDM disponíveis, a um enquadramento atento e disciplinado.

Esta estratégia era sobretudo importante a partir do ponto de confluência de todas as unidades, normalmente situado no início das bacias hidrográficas dos rios onde se situavam os locais a aportar. Aí se reviam os derradeiros pormenores da navegação a efectuar, procedimentos de comunicações e a abordagem de eventuais zonas de risco de ataques ou emboscadas do inimigo.


A tracejado (violeta) o percurso Bolama - ponto TT - Catió e os restantes percursos parciais, ponto CC (confluência dos rios Cobade e Cumbijã)- Bedanda - Cabedú - Cacine - Gadamael e respectivos regressos



A missão

Pela "Ordmove" 132/69 o Comando de Defesa Marítima da Guiné ordenou à LDM 302 que, a partir de 16 de Maio de 1969 pelas 16:30, sob o comando operacional do STEN FZ RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva, largasse de Bissau com o objectivo de escoltar as embarcações motor «Portugal» que rebocava o batelão «Angola» levando carga geral, o Pelotão de Morteiros 2115 e respectivas bagagens com destino a Vila Catió. A guarnição da LDM e o motor «Portugal» foram reforçados com elementos da CF 10.

O comboio (RCU) escalou Bolama no mesmo dia da largada e completou o percurso no rio Cobade no dia seguinte de manhã, entre o rio Tombali e a foz do rio Cagopere que dá acesso ao porto de Catió, esta parte do trajecto feita com apoio aéreo. Durante a permanência naquele porto foi montada segurança pelas FT (Forças Terrestres) locais. No regresso, a LDM 302 e as embarcações civis confluíram para a foz do rio Cagopere no dia 21 pelas 10:00 passando a estar integradas no RCU 9/69.


As embarcações comerciais motoras «Portugal» e «Angola»

Quase simultaneamente, pelo "Ordmove" 136/69 – RCU 9/69 o Comando de Defesa Marítima da Guiné ordenou a activação da TU 5 com a nomeação do 2TEN FZE RN João António Lopes da Silva Leite para comandar aquela task unit a partir do dia 20 de Maio de 1969, pelas 00:00. Foi constituída pelas LDM 105 e LDM 313, com o fim de escoltar as embarcações motor «Rio Tua» rebocando um batelão, motor «Vencedor», motor «Gouveia 17» rebocando os batelões «Guadiana» e «Lima» com destino a Bedanda e Cacine.

Houve ainda que transportar 12 toneladas de produtos de reabastecimento, enviados para Cufar pelo CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné) na LDM 105 e ainda um veículo "GMC" do exército para Gadamael na LDM 313.


O batelão «Guadiana» que viria a ser afundado mais tarde.

Tal como previsto, a partir do dia 21, pelas 10:30, foi integrada no comboio a LDM 302 com a embarcação com motor «Portugal» rebocando o batelão «Angola», sendo este grupo (RCU) a integrar comandado pelo STEN FZ RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva.

Com início e regresso a Bissau, estavam definidos os movimentos previstos com respectivas escalas e horários de chegada/largada, tendo em atenção as marés: Bissau, Bolama, ponto TT (confluência dos rios Tombali e Cobade), foz rio Cagopere, ponto CC (confluência dos rios Cobade e Cumbijã), Impungueda, Bedanda, Impungueda, ponto CC, ponto TT, Bolama e Bissau.

No dia 23 pela manhã a LDM 313 deixou o comboio no ponto CC, rumando a Cacine e Gadamael pelo Canal de Melo, com as embarcações motor «Vencedor», motor «Gouveia 17» rebocando os batelões «Lima» e «Guadiana».


O batelão motor «Gouveia 17» que rebocava os batelões «Lima» e «Guadiana»

O movimento efectuado para o aquartelamento de Cabedú com os batelões «Lima» e «Gouveia» permitiu ganhar um dia ao movimento destas embarcações, escoltadas pela LDM 313 para Cacine.

A descarga em Cacine não foi concluída mas, a necessidade do rigoroso cumprimento do planeamento imposto pelos horários das marés, obrigava a algumas decisões incompatíveis com atrasos nas cargas e descarga dos locais aportados, por problemas de estiva alheios ao comando operacional do comboio.

A progressão para montante do rio Cumbijã a partir dos ponto CC fez-se sem problemas e as descargas em Cufar e Bedanda fizeram-se dentro dos horários e com normalidade.

Regresso, rebentamento de um EEA (Engenho Explosivo Aquático) e o ataque IN

No regresso, o percurso descendente do rio fez-se com as LDM 105 e LDM 302 com as embarcações motor “Portugal” rebocando o batelão “Angola” e motor “Rio Tua” com outro batelão.

Dia 27 pelas 11:00, juntaram-se a estas unidades, no ponto CC, as provenientes do regresso de Cacine. A LDM 313 trazia de Gadamael para Bissau uma viatura GMC e destruiu uma canoa abandonada na foz do rio Meldabom. Cerca das 13:00 do dia 27 de Maio de 1969, e com apoio duma parelha de aviões Harvard T6, iniciou-se o percurso do rio Cobade.


Os batelões motores «Rio Rua» e «Vencedor»

O comboio navegava em coluna, com as unidades navais e embarcações pela seguinte ordem na formatura: «Gouveia 17» rebocando os batelões «Lima» e «Guadiana», LDM 313, motor «Portugal» com o batelão «Angola» de braço dado, LDM 105, motor «Rio Tua» de braço dado com um batelão, LDM 302 e finalmente o motor «Vencedor».

Foi adoptada esta formatura para o motor «Gouveia 17» estabelecer a velocidade do comboio, uma vez que era a embarcação motora com menor velocidade de progressão. Pouco tempo depois, pelas 14:30, o IN (inimigo) viria a revelar-se.

Cerca de meia milha após o desembarcadouro do Cachil, foi avistado pelo pessoal da escolta, fornecida pela CF10 que se encontrava a bordo do «Gouveia 17», um fio que atravessava da margem do lado do Cachil para o meio do rio. Por analogia com casos anteriores, este pessoal mandou parar imediatamente o «Gouveia 17», o que foi tentado pelo patrão desta embarcação metendo máquinas a ré.

Como consequência desta manobra necessariamente brusca e devido ao normal seguimento por inércia, os dois batelões rebocados aproximaram-se do «Gouveia 17», tendo o primeiro reboque, o batelão «Lima», colidido com a popa do «Gouveia 17», enquanto que o outro que o seguia, o batelão «Guadiana», devido ao comprimento do cabo de reboque, ultrapassou por estibordo o «Gouveia 17», e no final do comprimento do cabo, rodopiou ficando aproado em sentido contrário ao da marcha invadindo, com a parte de ré, o local onde o fio tinha sido avistado.


Pormenor do porto interior de Bedanda

Nesse exacto momento, verificou-se uma forte explosão à popa do batelão «Guadiana». Simultaneamente, o inimigo, emboscado em ambas as margens desencadeou violento ataque com armamento ligeiro e morteiro, sem consequências pessoais.

Por sua vez, o engenho explosivo aquático que havia deflagrado à popa do batelão «Guadiana» causou 5 mortos e dez feridos, confirmados pelo sargento enfermeiro - 2Sarg H Cotovio que, seguindo na LDM 105 e após a explosão, passou imediatamente para bordo daquela embarcação. Foram rapidamente assistidos no local por aquele profissional de saúde com a colaboração de um colega - 2Sarg H Mesuras - embarcado na LDM 302. Ambos, debaixo de fogo e no meio de grande confusão por parte de passageiros civis, mantiveram a presença de espírito suficiente para desempenharem as suas funções.

Entretanto, o comandante operacional informou o apoio aéreo do sucedido e, dentro das possibilidades, solicitou cobertura mais cerrada na zona, a fim de ganhar tempo e conseguir a segurança necessária para proceder a uma busca junto ao batelão sinistrado, prevendo a eventualidade de virem a ser encontrados mais mortos ou feridos. Foi informado da impossibilidade de satisfação do pedido por um dos aviões T6.

Calado o IN por acção do fogo efectuado pelas LDM e pelo pessoal de reforço da CF 10 pertencente às escoltas das embarcações civis, reiniciou-se imediatamente a marcha, tendo sido ordenado à LDM 105 que passasse um cabo ao motor «Gouveia 17» dado continuar com os dois batelões a reboque.

Desde o momento do rebentamento junto à popa do «Guadiana» tinham passado uns escassos dez minutos e a embarcação afundava-se rapidamente. Urgia sair da zona da ocorrência e encalhá-lo em local mais seguro, o que veio a suceder próximo da foz do rio Ganjola.


Um comboio no rio Cumbijã, na foz do rio Macobum, na zona de Cafine

Pelas 14:45, quando o comboio navegava já próximo daquele local, o 2TEN FZE RN Silva Leite, por intermédio da FAP, pediu evacuação para dez feridos a partir de Catió. Entretanto contactou igualmente as FT de Catió pedindo ao aquartelamento local a presença de transporte e médico no porto exterior, a fim de prestar assistência aos feridos e recolher os mortos que seguiam a bordo da LDM 313 para aquela localidade.

Nesta altura, o comboio reiniciou a descida do rio Cobade até à confluência com rio Tombali, depois do comandante operacional ter confirmado a presença do apoio aéreo na zona, tendo atingido aquele ponto TT pelas 16:00.

De acordo com o Comando de Defesa Marítima da Guiné (CDMG), foi dada ordem à LDM 303 para permanecer em Catió até ordem em contrário, às embarcações civis para prosseguirem independentemente para Bissau e às LDM 105 e LDM 302 para seguirem para Bolama, onde ficaram a aguardar novas instruções.

Como resultado do acontecimento e das condições de mau tempo verificadas na altura, extraviou-se diverso material fixo que se fez constar nas relações de ocorrências de cada unidade.


Um avião Harvard T6 sobrevoando o rio Cumbijã, próximo de um comboio

Foram consumidas na resposta à emboscada 2200 munições de 20 mm, 2100 de 7.62 mm, 8 granadas ofensivas, 30 munições de ALG (dilagramas), 4 de LGF (lança-granadas foguete) e 10 rockets.

O comandante operacional, por intermédio de um militar do exército responsável pelo carregamento, foi informado de que a carga era composta por 17 bidons de gasolina, cerca de 2000 detonadores e caixas de whisky velho. O transporte deste material terá agravado substancialmente as consequências da explosão.

Observou-se ainda a presença de inúmeros passageiros civis sem qualquer identificação que, por serem familiares de militares ou por lhes interessar visitar as famílias fora da localidade a que pertenciam, pediam aos patrões das embarcações civis para lhes facilitarem transporte para pontos de paragem do comboio de conhecimento antecipado.

Depois da chegada àquela cidade, no dia 28 pelas 18:00, foi dissolvida a task unit, regressando o 2TEN FZE RN Silva Leite a Bissau, de avião.

(continua)

Fontes: Pesquisa e compilação de texto a partir do relatório do 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite, núcleo 236-A do Arquivo de Marinha; fotos do Arquivo de Marinha; imagens do autor do blogue efectuadas a partir de extractos da carta da Guiné (cortesia IICT);

mls
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Nota do editor

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