quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18119: Blogues da nossa blogosfera (86): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte II"


Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte II
 
Afundamento do batelão “Guadiana” por EEA–Engenho Explosivo Aquático 

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 15 de Julho de 2010)

(Final)

Resumo do acidente

Pelas 13:30 do dia 27 de Maio de 1969 na posição de latitude 11º 14’.3 N e longitude 15º 18.1’ W, quando o comboio naval RCU 09/69 navegava no rio Cobade estreito, no percurso rio Cumbijã – foz do rio Tombali com o apoio aéreo de dois aviões T6, o batelão «Guadiana» nele integrado foi atingido pela explosão de uma mina flutuante fundeada, a meio de uma passagem do rio que não teria mais de 20 metros de largura.

Muito provavelmente, a detonação terá sido accionada electricamente de terra, com resultado agravado pelo transporte de bidons de gasolina e detonadores que seguiam como carga. Houve a lamentar 5 mortos e 8 feridos com diversos graus de gravidade, todos autóctones, sendo 2 tripulantes e 11 passageiros.

 
O batelão «Guadiana» afundado pelo rebentamento de um EEA - Engenho Explosivo Aquático


A posição relativa das LDM e dos batelões no comboio, na altura em que ocorreu o avistamento do EEA

O batelão começou a alagar rapidamente e, em face desta situação, o oficial que comandava operacionalmente o comboio, 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite ordenou o imediato reboque, por uma das LDM, para um local mais afastado da área forte do inimigo – a ilha de Como – onde a embarcação pudesse ser encalhada numa das margens.

Efectivamente o batelão «Guadiana» ainda percorreu rebocado cerca de uma milha, ficando imobilizado de proa na margem esquerda do rio Ganjola, de popa para montante e a cerca de 300 metros da confluência com o rio Como.


Análise da situação e reconhecimento local

No dia seguinte foi efectuado um heli-reconhecimento pelo Chefe do Estado-Maior do CDMG, acompanhado pelo responsável do Serviço de Assistência Oficinal (SAO), Comandante do DFE 12 e Chefe da Secção de Mergulhadores para, com base nos elementos recolhidos, se proceder a uma análise prévia da possibilidade de recuperação do batelão.

Entretanto, o Comandante-Chefe alertou as FT sediadas na margem norte do rio Cobade, para a possível utilização daqueles meios, antecipando uma tentativa de recuperação a efectuar no dia 29 de Maio. Deveriam aguardar o contacto directo do CDMG.

Era responsável por aquele sector o BArt 2865, com sede em Catió, englobando Catió, Cufar e Bedanda, tendo sido determinado à CArt 2476 (Catió) para efectuar fogo de artilharia de interdição, durante duas noites, para a área de Cachil. Simultaneamente, sobre a Ilha de Como, foram ordenados ataques com heli-canhão e bombardeamentos utilizando aviões Fiat G91, quer por haver conhecimento de numerosos alvos de interesse a atingir quer por represália.

Neste reconhecimento local, para ser apreciada a estrutura, resistência e forma de recuperação possível do batelão, deslocaram-se técnicos do SAO-Serviço de Assistência Oficinal e mergulhadores, além de outro pessoal e equipamento diverso. Participaram ainda a LFG «Cassiopeia», 2 LDM - Lanchas de Desembarque Médias e ainda um grupo de assalto do DFE 7 com 6 botes de borracha. Os trabalhos foram acompanhados de helicóptero pelo próprio Comandante do CDMG acompanhado do Sub-Chefe do Estado-Maior.


Mapa da zona do rio Cobade entre os rios Tombali (ponto TT) e proximidade do rio Cumbijã (ponto CC); assinalada a parte do Cobade estreito, próximo de Catió

O «Guadiana» tinha como principais características 17 metros de comprimento, 5.5 metros de boca e 2.2 metros de pontal. Possuía duas anteparas, a de ré que limitava os alojamentos da tripulação e a de vante que limitava o porão da amarra. Tinha duas bocas de porão, a de ré com 7.3 x 3.0 metros e a de vante com 3.2 x 2.0 metros. As balizas e a sobrequilha, em ferro, eram rebitadas ao costado.

Na continuação da vistoria efectuada pela Secção de Mergulhadores e outro pessoal técnico embarcados na LDM 105, constatou-se que o batelão estava enterrado cerca de um metro no lodo fino da margem com caimento a ré e adornado a estibordo, com balizas bastante danificadas, rebitagem desfeita e a própria sobrequilha retorcida, tudo numa extensão apreciável (cerca de 10 m). O lodo tinha invadido o fundo numa altura próxima dos 50 cm.

A impossibilidade de tornar a embarcação estanque, a estrutura fragilizada, a dificuldade na utilização de bidons que aumentassem a flutuabilidade e o intervalo de tempo entre marés disponível, deixava colocar sérias dúvidas quanto a uma tentativa de recuperação com resultados positivos.

A impossibilidade de concretizar, com os meios disponíveis, qualquer salvamento levou a que todo o pessoal e meios presentes regressassem às suas unidades de origem.


A LFG «Cassiopeia» que participou nas operações de apoio


Conclusões

No final do reconhecimento, vistoria, estudos efectuados e relatórios técnicos de todos os intervenientes concluiu o Estado-Maior haver remotas possibilidades de recuperação, questionando simultaneamente a razoabilidade de tal decisão. Assim:

– Militarmente, seria importante transformar um navio afundado numa unidade temporariamente avariada, evitando uma moralização do inimigo que incentivasse prosseguir com a utilização de minas flutuantes nos rios da Guiné, podendo vir a tornar insegura a navegação.

– Do ponto de vista de princípio, o salvamento de um navio afundado ou encalhado, deveria ser sempre encarado como meta a atingir desde que existissem consideráveis probabilidades de êxito, em função dos riscos e encargos que daí adviessem.

– Em face de informações e relatórios técnicos disponíveis, o batelão teria necessariamente reduzido valor residual e os elevados custos de reparação previstos desaconselhavam a prossecução desse objectivo.

Assim veio a suceder por determinação do Comandante-Chefe e, mais tarde, o que restava do «Guadiana» veio a ser destruído por uma equipa de mergulhadores sapadores utilizando cargas explosivas

(final)

Fontes:
Pesquisa e compilação de texto a partir do relatório do 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite, núcleo 236-A do Arquivo de Marinha; fotos do Arquivo de Marinha; imagens do autor do blogue efectuadas a partir de extractos da carta da Guiné (cortesia IICT);

mls
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 19 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18106: Blogues da nossa blogosfera (85): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte I"

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Manuel Lema Santos, pessoalmente não tinha ideia nenhuma desta ação do PAIGC contra um comboio naval nosso, com a utilização de um engenho explosivo aquático (EEA) relativamente sofisticado (, acionado por comando eçétrico)...

Eu vinha a caminho da Guiné no T/T Niassa, nesse dia, 27 de maio de 1969... Em Bissau fervilhavam os boatos... Mas não me lembro de ouvir falar destes factos...

È de destacar a competência da nossa Marinha não só na deteção e destruição de EEA mas na prevenção de futuras colocações de EEA... Até ao fim da guerra, não terá havido muito mais casos destes...