quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18112: Os nossos seres, saberes e lazeres (245): São Torpes, entre Sines e Porto Covo (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Foram uns dias encantadores, na companhia de uma criança de seis anos que adora o mar, saltar nas ondas, e fazer construções na areia, melhor reporte para a nossa infância não podia haver.
Conversou-se em Porto Covo com um camarada da Guiné, Inácio Maria Góis, autor de um espantoso diário, no blogue deixei a minha apreciação encomiástica. Agora vai começar o trabalho de revisão, aqui na Guiné, o Cherno Baldé tem o seu chão em Fajonquito, onde se passou o essencial da comissão deste talentoso escritor.
Sines tem muito para ver, aqueles areais até ao infinito fazem-nos sonhar. Um espetáculo que se recomenda para crianças e até nonagenários.

Um abraço do
Mário


São Torpes, entre Sines e Porto Covo (2)

Beja Santos

Qualquer pretexto é bom para que o viandante se enfronhe nesta cidade cheia de História, basta só recordar que em 1469 aqui nasceu Vasco da Gama, muito provavelmente num espaço bem próximo de onde se dispararam estas duas imagens. Não dispõe o viandante de dotes instrumentais para pôr em sequência de imagens a palpitação urbana com pescas e o que foram as conservas e agora a extensa plataforma portuária-industrial, esta imponente e omnipresente. Tivesse o viandante talentos e punha em sequência as praias com as águas de tonalidade azul-turquesa, a saliência dos rochedos, sempre a saltitar por toda a orla, a petizada no surf, os guindaste no trabalho, os marinheiros na faina, o desfrute da Avenida Vasco da Gama, a coroa de glória da regeneração urbana de Sines. Na falta desse engenho de arte, e dentro do museu é possível obter um quase bilhete-postal, num caso, e uma alegoria da longa história de Sines numa janela de tardo-gótico onde até se pode imaginar uma reminiscência árabe.



Em Sines abundam disseminados sinais de uma prosperidade fixada nas décadas de 1930 e 1940, é mesmo de questionar se a então vila não era um modelo de prosperidade em pescas e conservas de peixe, cortiça e agricultura. Tem que se arranjar uma razão para tanta Arte Deco que pontua as ruas e ruelas do casco histórico, tudo aos altos e baixos numa construção anárquica que retirou qualquer identidade que se procura encontrar neste meio urbano. Encerrada está "A Primorosa", seria seguramente leitaria, caso de pasto ou de petiscos, o importante, mesmo com as portas fechadas, é que está preservada neste azul elétrico que faísca na luz crua do dia.


Veio-se em companha conhecer a nova autoestrada e o labirinto de ramificações que põem em Sines entre o litoral e o interior, o Norte e o Sul. Aqui começa a Costa do Norte, a vista é de cortar o fôlego, há toda a vantagem em chegar aqui com bons binóculos para satisfazer a curiosidade de supor que até avistamos a Comporta e mesmo Troia. O importante é o desafogo, o rugoso tapete de areal, com sinuosas restingas, não se estivesse em férias e procurar-se-ia apurar onde está o fim da linha, entre esta areia e o espaço mar.


Esta é a Casa das Artes, edifício primoroso, uma obra-prima da arquitetura, com uma escala nada agressiva e lá dentro tudo funciona em valências: biblioteca e espaço internete, áreas de exposições e auditório. Antes de mais, o viandante andou às voltas de toda esta pedra rósea laminada, com surpreendentes vãos e desvãos, cortes que rasgam a estrutura para lá dentro sentir a bênção da luz natural, e com grande sucesso. O viandante não faz birra diante da arte contemporânea, mas na generalidade das situações o que lhe cai diante dos olhos lhe parece já visto e revisto. À entrada da área das exposições, que anunciava Estação Vernadsky teve acesso a uma folha onde se escrevem considerações para usar em muito sítio. Por exemplo, citar o filósofo italiano Giorgio Agamben, dizendo que o contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpelá-lo, algo que, mais do que toda a luz, se dirige direta e singularmente a ele. Pois o viandante dá por muita coisa que já se viu em muito sítio e que aqui se arruma de outra maneira, sobretudo graças aos prodígios naturais dos arquitetos Aires Mateus. Um monte de terra de onde desponta, sabe-se lá por metáfora, colunas de luz, deixa-o indiferente, não concebe a visão de uma obra de arte sem uma emoção estética ou coisa que o valha. Nem tudo se perdeu nesta deambulação, este centro de artes é um dos nossos orgulhos na nossa frutuosa arquitetura. Mudemos de rumo.





Quem também nasceu em Sines foi Emmérico Nunes, um dos três grandes nomes de desenhadores de humor que triunfaram pela Europa, ele, Leal da Câmara e Vasco de Castro. Hoje existe um centro cultural com o seu nome e aqui se comemorou o centenário do seu nascimento (1888-1988). Em 1906 seguiu para Paris, em 1910 foi para a Alemanha, estudou em Munique. O seu desenho cativa um semanário de grande prestígio, veio depois a guerra, abandonou o país e foi para a Suíça, no verão de 1918 regressou a Portugal. No acesso do modernismo, o seu desenho é recebido com enorme entusiasmo. Para ganhar modestamente a vida, arranjou lugar de desenhador na Companhia Industrial de Portugal e Colónias, é chamado por António Ferro, trabalhou para o pavilhão português na exposição de Nova Iorque e em muito mais eventos. Não esqueceu Sines e dedicou-lhe algumas obras. Não havia nada neste centro cultural de Emmérico Nunes para ver, a não ser postais. Pois é com um deles que nos despedimos desta maravilhosa estadia em Sines, e com uma enorme vontade para repetir.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18081: Os nossos seres, saberes e lazeres (244): São Torpes, entre Sines e Porto Covo (1) (Mário Beja Santos)

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