sábado, 13 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25382: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVI: o golpe militar de Bissau


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bettencourt (ou Bethencourt) Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. 

Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974. Fonte: arquivo do filho do cor inf António Vaz Antunes, o engº Fernando Vaz Antunes (que vive em Mafra), e a quem agradecemos a gentileza .

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Antiga página de rosto do  Arquivo de História Social > Instituto de Ciências Socias da Universidade de Lisboa (o link original foi descontinuado: ver aqui em Arquivo.pt)


"O Arquivo de História Social  (#) publica nesta página uma série de entrevistas sobre a descolonização portuguesa de 1974/1975, fruto de um projecto do Instituto de Ciências Sociais apoiado pela Fundação Oriente. Maria de Fátima Patriarca, Carlos Gaspar, Luís Salgado de Matos e Manuel de Lucena que coordenou, entrevistaram grandes protagonistas desse processo: por um lado, governantes, chefes militares, dirigentes do MFA e outros que então actuaram na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, Angola e Moçambique; por outro lado, responsáveis metropolitanos ou íntimos colaboradores seus.

"Não procurando promover qualquer interpretação, chegar a juízos gerais ou encerrar os eventos abordados numa dada problemática, o grupo entrevistador foi seguindo os relatos e aceitando as visões dos seus interlocutores, embora não deixasse de lhes solicitar esclarecimentos por vezes incómodos." 


1. Voltamos aos depoimentos produzidos no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida  [A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné > 29 de Agosto de 1995 > Depoimentos de General Mateus da SilvaCoronel Matos Gomes,   José Manuel Barroso e Coronel Florindo Morais]

Iremos reproduzir alguns excertos das enrevistas para ficarmos com uma ideia mais viva, precisa e detalhada do que foi a 23ª hora do último com-chefe do CTIG, gen Bethencourt  (ou Bettencourt) Rodrigues, e  concomitantemente o que se passou nos dias 25 e 26 de abrl de 1974 em Bissau. 

Os antigos combatentes da Guiné, qualquer que seja o ano em que moram mobilizados para o território, de 1961 a 1974, têm o direito de saber como é que acabou a guerra.  E é bom lembrar que parte destes homens que arriscaram vidas e carreiras, na "conspiração" do MFA na Guiné-Bisau, já morreram, como é o caso do ten-gen Mateus Silva.

Sobre o "golpe militar de Bissau", iremos trancreer parte das entrevistas a:

  • Eduardo Mateus da Silva [1933-2021] : Engenheiro militar da Arma de Transmissões; chega à Guiné em Junho de 1972, como tenente-coronel; membro do MFA desde os primórdios; encarregado do governo da Guiné depois do 25 de Abril;
  • Carlos Matos Gomes (n. 1946): Oficial dos Comandos, comandante de Tropas Nativas Especiais; em Moçambique, participou na operação “Nó Górdio”; fez a sua missão na Guiné de Julho de 1972 a fins de Junho de 1974; pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné; foi membro da Assembleia do MFA;
  • José Manuel Barroso [n. 1943]  : jornalista, capitão miliciano na Guiné de Julho de 1972 a Maio de 1974; colaborador directo do general Spínola, na Guiné; membro do MFA da Guiné;
  •  Florindo Morais  [n. 1939] : só vai para a Guiné, como major, nos primeiros dias de Junho de 1974, sendo o último comandante do batalhão de Comandos Africanos na Guiné e regressa na véspera da independência. (Notas biográifcas dos organizadores dos Estudos Gerais da Arrábida

2.  O Golpe Militar de Bissau (##)

Entrevistadores: Manuel Lucena (1938-2105), Luís Salgado Matos (1946-2021)

Entrevistados, Mateus da Slva (1933-2021), Matos Gomes (n. 1946), José Manuel Barroso (n. 1943)

 [...] General Mateus da Silva: 

Há um aspecto que também é único no MFA da Guiné: é que o MFA em Lisboa, tinha principalmente capitães, muito poucos majores e não tinha os comandos das unidades. 

Na Guiné, porque o ambiente era totalmente favorável ao MFA, podíamos ter envolvido,  na conspiração, todos os capitães que quiséssemos, mas como não nos interessava isso, porque ia alargar muito, escolhemos os comandantes das unidades: envolvemos o comandante do Batalhão de Comandos, o comandante e o 2º comandante do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões (as comunicações eram essenciais), o comandante da Engenharia, o comandante da Artilharia, e, quando quiséssemos carregar no botão e tomar o poder, era só querermos.

Luís Salgado Matos: 


Qual era o papel do general Bettencourt Rodrigues? Percebia o que se estava a passar? Sabia do que se estava a passar? Tinha alguém em quem tivesse confiança?  


Coronel Matos Gomes: 


Ele sabia muito pouco. Há uma história que demonstra a forma diferente do general Bettencourt Rodrigues exercer a sua função de comando, como comandante-chefe. O general Spínola falava com muita facilidade à hierarquia, até cá abaixo. Qualquer capitão podia muito facilmente obter acesso ao general Comandante-chefe. Portanto, estes circuitos funcionavam quase em ligação directa. 


Ao passo que o Bettencourt Rodrigues, até por questões de feitio pessoal e de formação militar e profissional, como oficial de Estado-Maior, a primeira acção que lhe corresponde como comandante-chefe é cortar essa ligação, e coloca um fusível na ligação, que era o seu Chefe de Estado-Maior, o coronel Hugo Rodrigues da Silva, passando a ser impossível um comandante de uma unidade falar com o comandante-chefe ou com outro operacional. Tudo passava pelo coronel Chefe de Estado-Maior. 


Para os comandantes das unidades, habituados a negociar concretamente com Deus Nosso Senhor, as coisas passaram a ser muito complicadas e a reacção é deste género: «Bom se ele não quer saber, não sabe e pronto!» E passa a saber muito menos coisas. Além de não saber aquilo que era o estado de espírito, passa a não saber também coisas [concretas] essenciais. 


José Manuel Barroso: 


 [...] Eu penso que o general Bettencourt Rodrigues (eu continuei a lidar com ele, não do modo como lidava com o Spínola, mas quase diariamente) tentou aguentar o que estava, não quis fazer grandes alterações, criar grandes problemas, grandes conflitos. Tentou aguentar o que estava em função das instruções que levava. 


Simplesmente, o que sucede, quando o general Bettencourt Rodrigues lá chega - e até pelo facto do general Spínola regressar à metrópole -, é que havia já um desencanto total em relação à evolução. 


Quer dizer, a própria retirada do general Spínola do terreno de operações (e do poder político na Guiné) significou, para a grande maioria dos oficiais, não só [para] os que conspiravam lá abertamente, quer fossem spinolístas ou não, mas também [para] os próprios milicianos, uma forma de dizer: «Isto não tem safa, tem que haver uma outra evolução qualquer». Ou: «O próprio Spínola já não tem qualquer hipótese e vai-se embora.» 


Pelo general Bettencourt Rodrigues, havia respeito, não era da «brigada do reumático». Mas ele era um corpo estranho.


General Mateus da Silva: 


[…] Bom, nós reunimo-nos na véspera [do 25 de Abril], estivemos até cerca da 1:00 hora, não conseguimos informação nenhuma de Lisboa, sobre se realmente tinha acontecido ou não alguma coisa. Nós tínhamos um centro de escuta no Agrupamento de Transmissões, que era óptimo. Escutávamos em permanência a Reuter e a France-Press, e tínhamos um tele-impressor ligado e apareciam as notícias em catadupa. 


Escutávamos todas as emissões de rádio dirigidas contra nós, desde a Rádio-Moscovo ao PAIGC, tudo. E todos os dias, era editado um documento, acho que era o Boletim Periódico de Rádio. São documentos que não sei se existem, se foram arquivados. E nós gravávamos, e transcrevíamos todas as emissões em português que eram dirigidas contra nós. Tínhamos as agências noticiosas e, antes de regressarmos a casa, nessa noite, avisei o oficial de dia, que era o alferes Rodrigues, para estar com muita atenção no centro de escutas, que podia acontecer qualquer coisa. 


Às 5 ou 6 da manhã, quando os tele-impressores da Reuter e da France-Press começaram a debitar as primeiras notícias, ele percebeu que realmente tinha acontecido qualquer coisa em Portugal. Telefonou-me logo para casa e eu avisei todos os outros pelo telefone e imediatamente soubemos o que se passava. Lembro-me de que o alferes Rodrigues até chorava a contar o que tinha acontecido. 


Isto foi a noite antes do 25 de Abril, e depois ia falar no dia 25 de Abril.


Quando nós tivemos as primeiras notícias do dia 25 de Abril, avisei o major Freire, que era o comandante da polícia e que também estava connosco (todos os comandantes das coisas importantes estavam envolvidos). 


E o major Freire diz-me assim: «Oh pá! Eu tenho de ir agora às 8 horas com o director da PIDE para a Ilha das Galinhas visitar os presos políticos. O que é que eu faço?» Eu respondi: «Oh pá! Só tens um remédio, vais!» 


Então, às 8 horas da manhã, ele foi para a ilha das Galinhas, com o director da PIDE. Passaram lá uma manhã estupenda, almoçaram, regressaram a Bissau e o director da PIDE não sabia rigorosamente de nada do que se estava a passar em Lisboa. 


Depois, reunimo-nos várias vezes para decidir o que é que fazíamos, o que é que não íamos fazer. E tentámos contactar com Lisboa, mas ninguém nos ligava nenhuma em Lisboa, estavam noutra. 


Ao fim da tarde, apareceu um telegrama do almirante Ferreira de Almeida, chefe do estado-maior da Armada, que,  apesar de ser um homem muito ligado ao regime, disse logo que, tendo o poder político mudado, a Marinha estava com o novo poder político. Tomou logo essa decisão, mesmo antes de ser substituído. 


O comandante naval em Bissau, comodoro Almeida Brandão, perante aquela mensagem, vai ao general Bettencourt Rodrigues, mostra-lhe a mensagem e diz-lhe: 


«Olhe, sr. comandante-chefe, passa-se isto… O chefe do Estado Maior da Armada já está com o 25 de Abril, o que é que o senhor quer fazer?» 


O Almeida Brandão também era um militar, digamos, democrata e aberto, e mandou uma mensagem para Lisboa a dizer que a Marinha na Guiné estava com o MFA. 


O general Bettencourt Rodrigues não tomava posição, estava à espera de receber instruções, e passou toda a noite assim. 


No dia 26 de Abril, logo de manhã, nós, este grupo que estava mais ligado, reunimo-nos no Batalhão de Paraquedistas, em Bissau, às 8.30h, a discutir o que havíamos de fazer. 


E foi nessa reunião que decidimos intervir e, digamos, fazer aquilo a que eu chamo um golpe militar em Bissau, que na altura não teria esta percepção, mas, a posteriori, considero que de facto foi um golpe militar. 


Discutiu-se quem ia ficar como encarregado do Governo, eu propus que fosse o secretário-geral, o dr. Libânio Pires, todos os outros acharam que devia ser eu, como militar mais graduado. Escolhemos o comodoro Almeida Brandão para futuro comandante-chefe, porque era o mais antigo e, além disso, tinha já tomado a decisão de mandar um telegrama para Lisboa, a dizer que aderia ao MFA. 

  [...] Às 9h (era feriado municipal em Bissau), fomos ao gabinete do comandante-naval, comodoro Almeida Brandão, convidá-lo a ser o nosso futuro comandante-chefe. Também tem piada porque, antes de destituirmos o governador, já estávamos a convidar o futuro comandante-chefe. 


O comodoro hesitou um bocado e disse que não podia aceitar. Nós até queríamos que ele também fosse logo connosco ao gabinete do Bettencourt Rodrigues. Recusou-se mas acabou por dizer que aceitava ser comandante-chefe. 


Em seguida, ainda passámos pelo Palácio do Governador mas ele não estava, estava no comando-chefe na Amura. Fomos então à Amura. Na altura, houve uma companhia da polícia militar que cercou o comando-chefe, e também havia tropas paraquedistas nossas que estavam ali à volta. 


Entrámos de rompante no gabinete do general Bettencourt Rodrigues, o ajudante meteu-se à frente e levou um pinhão que voou por ali adentro… A porta abriu-se de escantilhão e nós entrámos. 


Agora imaginem, do ponto de vista do general comandante-chefe, que vê um grupo aí de doze oficiais (###), entrarem-lhe assim pelo gabinete… 


Ele ficou logo desequilibrado psicologicamente. Quando falámos com o coronel Hugo Rodrigues da Silva, que era o intermediário de tudo com o governador, ele recriminou-nos por termos feito aquilo sem o informar primeiro. 


O brigadeiro Leitão Marques teve uma reacção perfeitamente despropositada, disse assim: 


«Meus senhores, hoje acabou a minha carreira militar, os senhores prendam-me, matem-me, fuzilem-me, façam-me o que quiserem.» 


Uma coisa perfeitamente dramática e despropositada. 


O general Bettencourt Rodrigues perguntou se estava preso, e este também é um aspecto que acho muito interessante. É evidente que ele estava pelo menos bastante coagido, mas eu disse:


 «Não, o meu general não está preso, simplesmente vai ao palácio, faz as suas malas e embarca hoje no avião para Lisboa.» 


E foi o que ele fez, mas muito civilizadamente. Eu tenho aqui fotocópias, está aqui um texto escrito mais tarde num jornal pelo general Bettencourt Rodrigues: 


«A perguntas minhas, aqueles oficiais acrescentaram que devia seguir para Lisboa nessa manhã, em avião que vinha de Luanda e sairia da Guiné em liberdade».


 Isto é dito por ele próprio e acaba com a polémica.  


O general Spínola já deu uma entrevista a dizer que o Bettencourt Rodrigues foi preso na Guiné, quando a verdade é que quem mandou prender o Bettencourt Rodrigues foi ele, Spínola. Porque quando Bettencourt chegou a Cabo Verde, teve de esperar por ligação para Lisboa, e teve de ficar um dia, ou coisa assim, e os elementos de Cabo Verde agitaram-se, falaram para Lisboa. E então veio um telegrama de Lisboa, da JSN [JUnta de Salvação Nacional ] , a dizer que o general Bettencourt Rodrigues devia regressar a Lisboa, sob prisão.

Do meu ponto de vista, foi o general Spínola, directamente ou alguém por ele, que prendeu o Bettencourt Rodrigues, o que tem a sua lógica, porque o general Spínola não podia com o Bettencourt Rodrigues, pois achava que tinha destruído a sua política da «Guiné melhor». [...]…

Luís Salgado Matos: 


Quando diz ao Bettencourt Rodrigues que não está preso, tem é de fazer as malas para voltar para Lisboa, o que é que ele responde?


General Mateus da Silva: 


Ele não respondeu, ele aceitou. Fez uma cena mais ou menos dramática, quase com as lágrimas nos olhos, a dizer: 


«Meus senhores, estão aqui os oficiais que mais considero na Guiné, os comandantes das principais unidades, fulano esteve ontem aqui sentado ao meu lado, a falar comigo, outro não sei que mais, eu não podia esperar jamais que me fizessem uma coisa destas, estou profundamente magoado.» 


Foi mais ou menos esta a reacção dele. […]


Coronel Matos Gomes: 


Só houve três oficiais que se solidarizaram com ele, o Leitão Marques, o coronel Rodrigues da Silva e, posteriormente, na sala de operações, o coronel Vaz Antunes. 


General Mateus da Silva: 


Eu acho que foi um mal-entendido, porque o Leitão Marques era um homem democrata e nós até gostaríamos que fosse ele a substituir o Bettencourt Rodrigues. Nós saímos do gabinete do general Bettencourt Rodrigues e dirigimo-nos à sala de operações. Como era feriado, o briefing era às 10h e, quando avança aquele grupo comigo à frente, na sala de operações, falando como as coisas são e se passaram, eu senti imediatamente que os coronéis e outros oficiais mais graduados do que eu me abriram alas e me cumprimentaram logo com toda a deferência. 


Entrei na sala de operações e sentei-me na primeira fila, no lugar do general Bettencourt Rodrigues. Antes de me sentar expliquei o que é que se passava e foi nessa altura que o coronel Vaz Antunes disse que não podia aceitar uma situação destas, que estava solidário com o general Bettencourt Rodrigues. E o Almeida Brandão virou-se para ele e disse:


 «Se está solidário, saia!» 


Já o Almeida Brandão a assumir-se como comandante-chefe. E depois teve lugar o briefing com toda a naturalidade. 


Às 3h da tarde, depois de uma grande informação pela rádio, tomei posse como encarregado do Governo. Antes de tomar posse, chegou ao nosso conhecimento a directiva da JSN, dispondo que nas províncias de governo simples o governador devia ser substituído pelo secretário-geral. Então pôs-se a dúvida se eu tomaria posse, ou daria posse ao dr. Libânio Pires e até à última hora estivemos em contacto com Lisboa, que acabou por aceitar: «Está bem, pronto então toma posse.» 


Isso foi de tal maneira que eu pedi ao José Manuel Barroso para me escrever o discurso que eu diria no caso de não tomar posse. Nunca o pronunciei, mas está aí escrito com a letra dele e pelo punho dele. Tomei posse, mas isso foi o próprio MFA da Guiné que decidiu, contrariamente à JSN. 


Manuel de Lucena: 

Da JSN, quem deu o aval à sua posse? 


General Mateus da Silva: 


Não foi ninguém, foi um intermediário, foi um dos oficiais que gravitava ali à volta, não me lembro exactamente quem foi. Aliás ouvia-se muito mal, as comunicações telefónicas eram muito más, confesso que não me lembro.  [...] (#)


(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, notas, para efeitos de publicação deste poste: LG)

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(#) Atual endereço do sítio do AHS - Arquivo Histórico Social, ICS/UL

(##) Vd. também aqui o depoimento de J. Sales Golias [n. 1941] , ten cor > A descolonização da Guiné: Intervenção na Mesa Redonda levada a efeito pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra / Fórum dos Estudantes da CPLP, Coimbra, 30 de Abril de 2005 

(###) O Jorge Sales Golias  fala em onze:

Lista dos Oficiais revoltosos (##);

TCor Mateus da Silva, Engº Tm | TCor Maia e Costa, Engº | Maj Folques, Cmd | Maj Mensurado, Pára | Cap Simões da Silva, Art | Cap Sales Golias, Eng Tm | Cap Matos Gomes, Cmd | Cap Batista da Silva, Cmd | Cap Saiegh Cmd (Africano) | Cap Ten Pessoa Brandão, Armada | Cap mil José Manuel Barroso
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...

Guiné 61/74 - P25381: Consultório Militar do José Martins (77): Dia 16 de Março de 1974 - Parte II - Antes do dia


Parte II de "Dia 16 de Março de 1974", um trabalho da autoria do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao Blog em 10 de Abril de 2024. Neste ensaiou-se a primeira tentativa de derrube do regime vigente, conhecida por Levantamento ou Golpe das Caldas, por ter sido protagonizada por militares do antigo RI 5 das Caldas da Rainha.


Dia 16 de Março de 1974 - Parte II

Porta de Armas do extinto RI5
Foto com a devida vénia a heportugal

Antes do dia


No dia 3 de Fevereiro, nova reunião em casa de Otelo Saraiva de Carvalho, da Comissão Coordenadora. Perante a hipótese de que as forças, mais afectas ao Governo, como a GNR, PSP, GF (Guarda Fiscal), LP (Legião Portuguesa) e DGS, se oporem à acção do movimento, é sugerido que essas forças sejam devidamente estudadas.

É em casa de Marcelino Marques que, a Comissão Coordenadora, se reúne no dia 5 de Fevereiro, desta vez com um âmbito mais alargado. Nela estarão outros oficiais de confiança, a nível de Coronel e Tenente-Coronel, estarão presentes pela primeira vez, Garcia dos Santos, Costa Brás e Melo Antunes. O novo texto, elaborado por José Maria Azevedo a partir do texto apresentado em 26 de Janeiro, e já aprovado pela Comissão Coordenadora, é unanimemente rejeitado. Costa Brás, Melo Antunes, José Maria Azevedo e Sousa e Castro, são indicados para redigir um novo documento, sendo entregues, para destruição, de todos os exemplares do documento rejeitado.

No dia 7 de Fevereiro, Melo Antunes encontra-se com Almada Contreiras e Martins Guerreiro. O elo de ligação é o Alferes José Leal Loureiro, que conhecia Contreiras, através de um grupo de exilados em França, e conhecera Melo Antunes no RAL n.º 4, de Leiria, quando ali se deslocou em serviço.

O Movimento dos Capitães de Bissau envia uma carta, em 14 de Fevereiro, para o Movimento de Lisboa onde procura exprimir os sentimentos que prevaleciam na Guiné: «Há necessidade de conhecer os factores de aglutinação dos oficiais, traduzida por uma tomada de consciência dos problemas nacionais».

Reunião de oficiais em Nhacra, a Norte de Bissau, possivelmente em 14 de Fevereiro, com a presença do Tenente-Coronel Luís Ataíde Banazol, Capitão Carlos Matos Gomes, Capitão Miliciano José Manuel Barroso, Capitão Jorge Sales Golias, Capitão Miliciano Franco, entre outros, onde foi considerada e rejeitada a hipótese de uma revolta para tomar o poder em Bissau.

Em 18 de Fevereiro de 1974, António de Spínola entrega um exemplar do seu livro, «Portugal e o Futuro», com dedicatória a Marcello Caetano.

O Presidente do Conselho, Professor Marcello Caetano recebe, no dia 21 de Fevereiro de 1974, os Generais Costa Gomes e António de Spínola, que ocupam os cargos de Chefe e Vice-Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, e desafia-os a reivindicar o poder, para as Forças Armadas, junto do Presidente da República Almirante Américo Tomas. Os generais recusam.
Obtida a autorização do General Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, a 22 de Fevereiro chega ao mercado o livro “Portugal e o Futuro”, no qual contesta a política colonial seguida pelo governo e defende a liberalização do regime, a adesão de Portugal à CEE, o fim da guerra e a constituição de uma federação de Estados, parcialmente soberanos, de que fariam parte Portugal, Angola, Guiné, Moçambique, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.

No dia seguinte, dia 23, o Presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, ameaça demitir-se, face ao significado das afirmações do livro de António de Spínola, o que repetirá pouco depois, quando o Presidente da República Américo Tomás insiste na demissão dos generais Costa Gomes e António de Spínola.

Rebenta, no dia 24, uma bomba nas instalações do Quartel-General da Guiné, ficando feridos o Brigadeiro Figueiredo e o Coronel Vaz.

No dia 24 de Fevereiro, em casa do Capitão Candeias Valente, reúne a Comissão Coordenadora. A preparação do «Plano de Operações» e a «Acção a Desenvolver» fica a cargo de Otelo Saraiva de Carvalho. Da «Direcção Política» é encarregado Vítor Alves, e o golpe é marcado para entre 22 e 29 de Março. Fica decidido interromper, qualquer contacto, por meio de circular.

A 28 de Fevereiro, a reunião é em casa de Vítor Alves, entre a Comissão Coordenadora e a Comissão da Arma de Engenharia. É apresentado um calendário das actividades para o mês de Março, elaborado por Pinto Soares, Mourato Grilo e Luís Macedo. Para dirigir a reunião do dia 5 de Março, em Cascais, cuja agenda tinha sido elaborado nesta reunião, são os nomes indicados de Vítor Alves e Morato Grilo.

No dia 2 de Março, realizaram-se duas reuniões: A Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, encontra-se com a comissão dos oficiais oriundos de milicianos; a reunião dos oficiais do Movimento da Força Aérea, onde é preparado um documento programático.

A preparação da reunião a realizar em Cascais, é realizada em casa do Capitão Seabra, estando presentes representantes dos três Ramos. Na discussão do programa a apresentar, os representantes da Marinha, Almada Contreiras, Pedro Lauret, Costa Correia e Vidal Pinho, afirmam que só aceitam vincular-se a um programa que seja progressista, e que estarão em Cascais, como observadores. O documento a apresentar recebe o nome “O Movimento as Forças Armadas e a Nação”, de que os representantes da Força Aérea discordam, no que se refere ao problema colonial.

Na véspera da reunião de Cascais, dia 4, a Comissão Coordenadora reúne-se em casa de Luís Macedo, para preparar a reunião. Como no dia seguinte está anunciada uma comunicação à Assembleia Nacional pelo Presidente do Concelho, é decidido enviar Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho a um encontro com António de Spínola, procurando informações do teor da comunicação de Marcelo Caetano no dia 5.

No dia 5 de Março de 1974, sucedem-se, ou acontecem, três factos:

● Plenário em Cascais do Movimento de Oficiais das Forças Armadas, onde aprovam o documento “O Movimento das Forças Armadas e a Nação”, bases gerais programáticas deste movimento;

«Ao chefe militar que, em linguagem de verdade e com grande patriotismo, expôs a situação do Ultramar e hoje ocupa a alta função de Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, General António de Spínola», é o teor de uma declaração para recolha de assinaturas posta a circular, por um grupo de oficiais pertencentes ao Movimento, mas com ligações a António de Spínola;

● O Presidente do Conselho Marcello Caetano faz na Assembleias Nacional um longo e dramático discurso a atacar o federalismo e a garantir: “Ficaremos em África qualquer que seja o preço a pagar”.

Seguiu-se um debate emocional com o objectivo de ratificar a política do Presidente do Conselho. Apesar de tudo, este autoriza a exploração de contactos, através da França, com os elementos mais moderados dos grupos independentistas Africanos.

A 6 de Março, os Generais Kaúlza de Oliveira de Arriaga e Joaquim da Luz Cunha, elaboram um plano para acabar com a «subversão comunista dentro do Exército».

No dia 7, a Comissão Coordenadora do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas, envia cartas para os oficiais do Movimento, com o decidido no plenário de Cascais e a forma da aplicação do plano aprovado.

No dia 8 de Março, é conhecido pelos visados, o despacho ministerial ordenando a transferência de: Os capitães Vasco Lourenço e Carlos Clemente, são transferidos para o Comando Territorial Independente dos Açores; o Capitão Antero Ribeiro da Silva, para o Comando Territorial Independente da Madeira; e o Capitão David Martelo, para o Batalhão de Caçadores 3, em Bragança.

No mesmo dia, reúne-se em casa de Luís Macedo, a Comissão Coordenadora do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas e alargada a oficiais da Marinha e Força Aérea, onde foi criada uma Comissão Política do Movimento, constituída por Vítor Alves, Almada Contreiras, Vasco Gonçalves e Costa Brás. Em reacção à transferência dos oficiais, fica decidido sequestrar os mesmos, evitando que a ordem seja cumprida, enquanto fica marcada, para o dia seguinte pelas 16 horas, uma manifestação de protesto dos oficiais junto ao Ministério do Exército.

A manifestação não chegou a realizar-se por, no dia 9, ter sido ordenado a entrada em estado “de Prevenção Simples” a todas as unidades militares e paramilitares, o que não acontecia desde 1961, que foi variando de estado durante o dia e mesmo nos dias seguintes. Não encontrei informação do cessar dos “estados de alerta e/ou prevenção, mas devem ter existido alguns períodos de “acalmia”, pois existe no relatório do Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, em que refere: «… por razões que julguei convenientes na altura: a semana anterior tinha sido fértil em altas e baixas nos estados de emergência».

No dia 9 de Março, os Capitães Vasco Lourenço e Ribeiro da Silva, que haviam sido sequestrados, foram apresentar-se no Quartel-General, em Lisboa, acompanhado por Pinto Soares, tentando que, com a sua entrega, fossem anuladas as transferências decretadas. O resultado foi que os três oficiais acabaram presos no Forte da Trafaria. No mesmo dia, e apesar do estado de prevenção, um grupo de oficiais do Movimento, ligados a António de Spínola, reúnem-se para ultimar os preparativos de uma acção militar, contra o regime. Pelas 18 horas, o estado de prevenção passou, em todo o território a “Estado de Vigilância”.

No dia 10, pelas 12 horas as unidades entram em “Estado de Vigilância", passando a “Prevenção Rigorosa” pelas 21 horas.

A 11 de Março, é aprovada a politica colonial do governo, pela Assembleia Nacional e, o Presidente da Republica Almirante Américo Tomás, renova a sua confiança no Presidente do Conselho Marcello Caetano, mas impõe a demissão dos generais Costa Gomes e António de Spínola. O Presidente do Conselho responde com o seu próprio pedido de demissão: “Sou efectivamente responsável por ter dito ao Ministro da Defesa que se lavrasse na informação do general Costa Gomes para autorizar a publicação do livro de general Spínola. Pelo erro cometido, devo pagar”. Américo Tomás não aceita a demissão de Marcello Caetano.

No dia 11, pelas 17 horas, as unidades militares e paramilitares recebem ordem para entram em “Estado de Vigilância”.

Na reunião do dia 11, o Movimento dos Oficiais das Forças Armadas decido a preparar rapidamente um plano de operações, atribuiu a responsabilidade operacional a Saraiva de Carvalho e a politica a Vítor Alves.

No mesmo dia, António Ramos, Ajudante-de-Campo de António de Spínola e a pedido deste último, encontra-se com Otelo Saraiva de Carvalho, sugerindo-lhe que o Movimento adopte, em relação à cerimónia de solidariedade dos oficiais-generais, do dia 14, uma posição de protesto.

Para elaborar um «Plano de Operações», reúnem-se no dia 12 de Março, em casa de Casanova Ferreira, além do anfitrião, Otelo Saraiva de Carvalho, Manuel Monge, José Maria Azevedo, Geraldes, Luís Macedo e Garcia dos Santos.

No Clube Militar Naval, em 13 de Março, reúnem-se 130 oficiais da Armada, que se solidarizam com os oficiais do Exército presos. Também neste dia, Otelo Saraiva de Carvalho reúne-se com os oficiais da Escola Prática de Cavalaria e com os paraquedistas. Estes acham que o plano de operações é incipiente e recusam-no, ficando então responsáveis para, no prazo máximo de 10 dias, apresentarem um novo plano.

Ainda nesse dia, Gosta Gomes e António de Spínola são recebidos por Marcelo Caetano, que o informam que não estarão presentes na cerimónia dos oficiais-generais, que terá lugar no dia 14. Marcello Caetano diz-lhes que «nesse caso seriam destituídos».

No dia 14, dezenas de oficiais generais, que ficaram conhecidos como a “brigada do reumático”, manifestam o seu apoio à política africana do governo e lealdade ao Professor Marcello Caetano, numa cerimónia realizada em S. Bento. Os generais Costa Gomes e Spínola, não estão presentes. Na cerimónia, o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, diz: “O país está seguro de que conta com as suas Forças Armadas”.

Perante a ausência dos chefes máximos das Forças Armadas, o Presidente do Conselho de Ministros, demite os generais Francisco da Costa Gomes e António Sebastião Ribeiro de Spínola. O novo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas será o General Luz Cunha, enquanto o lugar de Vice-Chefe é extinto.

Nesse dia 14, após a demissão dos Generais, o Capitão Virgílio Varela, do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, informa Casanova Ferreira que, caso a Comissão Coordenadora do Movimento não reaja à demissão, ele sairá sozinho com a sua unidade. Casanova Ferreira tenta convencê-lo a adiar a acção, mas Virgílio Varela não desmobiliza o seu pessoal e decide mantê-lo em «estado de prontidão».

Pelas 17 horas do dia 14, as forças militares e militarizadas, entram em estado de Prevenção Simples.
“A brigada do reumático”, manifesta o seu apoio à política africana do governo e lealdade ao Professor Marcello Caetano

Poder-se-á dizer que, o dia 15 de Março, foi um dia farto em acontecimentos, não necessariamente, pela ordem seguinte:

● Pelas 11 horas, as forças militares e militarizadas, entram em estado de Vigilância;

● Um dia após a demissão do Chefe e Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, decide atribuir aos seus membros Francisco da Costa Gomes, António Sebastião Ribeiro de Spínola e Venâncio Augusto Deslandes, a Medalha de Ouro da instituição; nesse mesmo dia António de Spínola é eleito presidente da Mesa da Assembleia-Geral da associação;
.
● O Contra-almirante António Tierno Bagulho é demitido do cargo de Secretário-Geral Adjunto do Departamento da Defesa Nacional;

● Embarque do Capitão Vasco Lourenço para Ponta Delgada e do Capitão Antero Ribeiro da Silva para o Funchal, transferidos para unidades das Ilhas Adjacentes;

● Almoço do General António Spínola com o Coronel Rafael Ferreira Durão, Tenentes-Coronéis Dias de Lima e João de Almeida Bruno e o Capitão António Ramos, no Hotel Embaixador, em Lisboa, onde foi equacionada a hipótese de um golpe militar a desencadear brevemente;

● O Tenente-Coronel Horácio Lopes Rodrigues toma posse como novo Comandante do Regimento de Infantaria n.º 5, nas Caldas da Rainha, afirmando estar determinado a «cumprir e fazer cumprir ordens, exclusivamente, na dependência hierárquica do Comandante da Região Militar de Tomar»;

● Reunião do Tenente-Coronel João de Almeida Bruno com oficiais afectos ao General Spínola, na Academia Militar, entre os quais o Coronel Rafael Ferreira Durão e Major Joaquim Mira Mensurado;

● No editorial do Jornal Português de Economia e Finanças interroga-se: «que lucrou o país com este livro infeliz? Perdeu um general na reserva da República para ficar apenas – necessariamente – com um general da República na reserva»;

● Reunião do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas com a presença dos Majores Otelo Saraiva de Carvalho, Manuel Soares Monge e Luís Casanova Ferreira e Capitão Armando Marques Ramos, durante a qual são informados telefonicamente pelo Capitão Manuel Ferreira da Silva de que o Centro de Instruções de Operações Especiais, de Lamego, se encontra em situação de insubordinação contra a demissão dos dois generais;

● O Capitão Armando Ramos, após a reunião em Lisboa, chega ao Regimento de Infantaria 5 (Caldas da Rainha), cerca das 23 horas;

● O Capitão Farinha Ferreira é detido pela PIDE/DGS à porta da casa do Tenente-Coronel João de Almeida Bruno, pouco antes da meia-noite.

(continua)

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Nota do editor

Vd. poste de 12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25378: Consultório Militar do José Martins (76): Dia 16 de Março de 1974 - Antes do dia - Parte I

Guiné 61/74 - P25380: Os nossos seres, saberes e lazeres (623): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (149): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
É de facto o mais antigo museu de Lisboa, e num local cheio de história, por aqui houve arsenais, fundições, estaleiros, até se chegar ao Arsenal Real do Exército, e depois foi a fase de aformosear o interior do edifício, há para ali salas deslumbrantes, combinam a azulejaria e artilharia, a pintura e a escultura. Não deixa de intrigar como houve dinheiro a rodos para tornar todas aquelas salas deslumbrantes e dinheiro para pagar a Sousa Lopes, Columbano, Rafael e Gustavo Bordalo Pinheiro, Malhoa, Carlos Reis, Veloso Salgado, a coleção de peças de artilharia não podem deixar ninguém indiferente, tal como os 26 painéis de azulejos nos esplendoroso Pátio dos Canhões. E ao consultar a publicação Roteiro dos Museus Militares descobri que há um núcleo museológico destinado às Ex-Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, estou absolutamente seguro que lá irei encontrar a indumentária que usámos entre a cidade e a floresta equatorial.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (77): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade - 1

Mário Beja Santos

Vezes que não sei contar que entrei por esta majestosa fachada do Museu Militar de Lisboa, encimada pela escultura de Teixeira Lopes, À Pátria, entrei pelo Pátio dos Canhões, virei à direita, para frequentar o Arquivo Histórico-Militar, estávamos no ano de 2011 e eu ultimava o livro "A Viagem do Tangomau", eram pesquisas sobre unidades militares que tinham passado pelo Leste, antes de 1968, e depois. E não havia um assomo de curiosidade para dar uma volta ao edifício e entrar no museu. E um dia adquiri uma publicação intitulada Roteiro dos Museus Militares, edição By The Book, 2019, ardido pela curiosidade de ter uma cartografia dos ditos museus militares, que os há em Bragança, Porto, Elvas, Alverca e Ovar, Lisboa, Buçaco, não faltam os da Madeira e dos Açores e até a fragata de D. Fernando II e Glória. Creio que estes são os museus que estão na órbita do Ministério da Defesa Nacional, temos também os centros interpretativos, como os do Vimeiro e de Aljubarrota, mas não fazem parte deste roteiro. Fiquei a salivar sabendo que há um núcleo museológico das Ex-Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, sito no Campo de Santa Clara, espero oportunidade para lhe bater à porta.

Este local do Museu Militar de Lisboa tem mesmo história, aqui assentou o antigo Real Arsenal do Exército, local onde D. Manuel I, cerca de 1488, mandara construir as tercenas (arsenais ou estaleiros), das Portas da Cruz, indo por aí fora, e depois de fábrica de pólvora, oficinas de fundição, em 1760 concluiu-se por ordem do Marquês de Pombal aqui o Real Arsenal do Exército. Os interiores foram enriquecidos com talha dourada, pinturas e murais e estatuária de artistas portugueses. No reinado de D. Maria II, o edifício passou a dominar-se Museu de Artilharia, em 1926 mudou de nome para Museu Militar e em 2006 para Museu Militar de Lisboa.
Neste Pátio dos Canhões há aqui um vislumbre de grandeza, como se pode ler no desdobrável oferecido ao visitante, “A coleção de peças de artilharia em bronze é considerada uma das mais completas a nível mundial, e cujas peças são preciosos documentos históricos, tanto pelas suas inscrições e símbolos heráldicos, como pelas suas ornamentações bem ao estilo das épocas das respetivas fundições. A azulejaria é constituída por 26 painéis de azulejos, dos séculos XVIII, XIX e princípios do séc. XX, que representam os factos mais notáveis da história nacional, no período compreendido em 1139 e 1918.”

A fachada principal, obra de Teixeira Lopes
Pátio dos Canhões, ao fundo era o Arquivo Histórico-Militar e lá em cima vê-se o ponto alto do zimbório do Panteão Nacional, perto do largo de Santa Clara
Pátio dos Canhões, uma mostra do potencial em bronze e uma bela azulejaria de relance
É o mais antigo museu da cidade de Lisboa, o seu valioso património museológico impressiona. O que nos é dado a observar resulta fundamentalmente dos trabalhos desenvolvidos em finais do séc. XIX e inícios do séc. XX em que o então diretor, general José Eduardo Castelbranco, fez decorar novas salas com trabalhos dos nossos melhores artistas da época. E daí este museu arrogar-se a uma vasta compilação de quadros dos nomes mais sonantes da pintura portuguesa do séc. XIX e inícios do séc. XX, caso de Sousa Lopes, Columbano, Malhoa, Carlos Reis ou Veloso Salgado. E há também as peças de escultura executadas por Delfim Maya, Rafael Bordalo Pinheiro e José Núncio.
Na parte mais antiga do museu há equipamentos como esta balança ou carro usado para o transporte das colunas do Arco da Rua Augusta, de dimensão gigantesca, como se pode ver
Berlinda do séc. XVIII, reinado de D. José, restaurada pela Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra
Há muito para ver neste Museu Militar: uniformes, barretinas, capacetes, a evolução das armas, inúmeros objetos que aludem à participação de Portugal em conflitos bélicos. Da coleção de artilharia de bronze já falámos, há depois a profusão decorativa dos tetos, como aqui se exemplifica.
A exuberância azulejar, a riqueza do mármore e a ornamentação de uma peça de artilharia, estamos a passar do rés-do-chão para o primeiro andar.
Outro detalhe, cada sala tem a sua singularidade pictórica, os frescos estão muito bem restaurados.
“Rendição nas Trincheiras”. Soldados portugueses na frente de batalha em França, quadro da autoria de Sousa Lopes
Carvalho Araújo em combate com o submarino alemão, um dos mais significativos episódios de heroísmo da nossa participação na Primeira Guerra Mundial

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 6 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25345: Os nossos seres, saberes e lazeres (622): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): No Museu Agrícola da Atalaia, uma obra de respeito (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25379: (De)Caras (205): Uma foto, rara, de 'Nino' Vieira, presidente da República, na inauguração do Parque Nacional do Cantanhez, em 25 de maio de 2008... Rara por vir publicada no antigo sítio da AD Bissau, do Pepito, e que fomos recuperar...



Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Título da foto: Inaugurado o Parque de Cantanhez | Data de Publicação: | 25 de Maio de 2008 | Palavras-chave: Ambiente... 

Nota do editor LG: Nino Vieira, em missão de Estado, acompanhado da sua esposa (presumimos, Isabel  Vieira), que lhe dá o braço; seria assassinado dez meses depois, no seu palácio, em 2 de março de 2009.

 
 Legenda:

"No dia 20 de Maio de 2008 foi inaugurado o Parque Nacional de Cantanhez pelo Presidente da Republica da Guiné-Bissau, João Bernardo Vieira, na presença do Director Geral do Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP), Alfredo Simão da Silva, e de representantes do poder tradicional da zona do Parque.

Estiveram também presentes vários membros do Governo, Embaixadores sedeados no país, guardas florestais comunitários, guias ecoturísticos, membros dos Comités de Regulados encarregados de coordenar as acções de conservação e desenvolvimento no Parque.


A criação do Parque é um dos momentos altos de uma longa caminhada de mais de 30 anos onde pontificaram organizações nacionais como o DEPA (Departamento de Experimentação e Produção de Arroz) e a AD (Acção para o Desenvolvimento).

Fonte:  Internet Archive > AD Bissau (com a devida vénia...)


1. Porque é que esta foto de 'Nino' Vieira é rara ? É rara por vir publicada no antigo sítio da AD, a ONGD de que o Pepito era o cofundador, líder histórico, diretor executivo... E os dois eram inimigos políticos. 

O Pepito chegou a temer pela sua vida, no tempo em que o 'Nino' Vieira esteve no poder...e mais ainda no tempo do Kumba Ialá (que saltou os demónios étnicos").. 

Como escrevi em tempos, o Pepito trabalhava com toda a gente exceto com os senhores da guerra,  exceto com os 'esbirros' do 'Nino' Vieira ou os 'ninjas' do Kumba Ialá, que o quiseram matar no bairro do Quelelé, onde vivia  e era a sede da AD.

Para além de engenheiro agrónomo, o Pepito era uma força da natureza,  líder, assumido por ele, aceite e respeitado por aqueles que com ele trabalhavam, nomeadamente na ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, e já anteriormente no DEPA   (Departamento de Experimentação e Produção de Arroz). E dava-se particularmente bem com as autoridades tradicionais.

Deu para o conhecer,  nos anos em que convivemos, mesmo à distância. Conheci-o em 16/2/2006, na ENSP/NOVA.  E estive ainda com ele na véspera de morrer, subitamente, em Lisboa, em 18 de fevereiro de 2014. Era um líder, muito mais do que um chefe, coisa que o 'Nino' Vieira nunca foi, pelo menos enquanto político a seguir à independência. 

O Pepito admirava profundamente Amílcar Cabral, de resto amigo da família. Era engenheiro agrónomo como ele, ambos formados na mesma escola, em Lisboa. Voltou para a sua terra natal, depois da independência do país, fixando-se em Bissau, com a família, em 1975.  (**)

Criou a DEPA.  Acreditou no projeto político do PAIGC, até ao golpe de Estado de 'Nino'  Vieira, em 14 de novembro de 1980. 

Desiludido, independente, em 1991 criou, com outros técnicos, a AD. Chegou a ter responsabilidades ministeriais, num governo de curta duração. 

Em 1998, com a guerra civil, teve que recomeçar tudo de novo, depois de se refugiar em Lisboa.  Era um homem despojado, do dinheiro, das honrarias, do poder... O oposto de 'Nino' Vieira e de Kumba Ialá.

Dez anos depois da sua morte, os amigos e antigos colaboradores do Pepito recordam-no com saudade, e apontam-no como um exemplo inspirador: "Pipito ká mori"... Em contrapartida, não se vê ninguém hoje  a chorar, na Guiné-Bissau, pelo herói da liberdade da Pátria 'Nino' Vieira. É verdade que Amílcar Cabral também está esquecido, 50 anos depois da sua morte matada... Mas a Guiné-Bissau é um país extremamente jovem, de "djubis" e de "bajudas", nascidos já no séc. XXI... Infelizmente, não há memória histórica naquela terra...

Recordo sempre o Pepito como um grande amigo nosso, que nos continua a fazer muita falta, por ser uma  ponte entre nós, antigos combatentes, e o povo da Guiné-Bissau de hoje...  Conheci-o talvez na melhor fase da sua vida (na segunda metade da primeira década do séc. XXI). E fotografei-o, em 2007, 
à sombra da palmeira da minha Escola, que entretanto cresceu em altura e largura, tanto, tanto,  que a tiveram de cortar...  Um Pepito "luminoso", em grande forma, cheio de projetos e de esperança, e que conseguiu a proeza de realizar um  improvável Simpósio Internacional de Guileje, no tempo do 'Nino' Vieira, como prsidente da República, onde juntou mais de 60 estrangeros, entre diferentes personalidades, de diferentes paises, além de combatentes dos dois lados...

Enfim, o Pepito tinha horror aos "demónios étnicos" que, qual caixinha de Pandora, de vez em quando dilaceravam a "sua" Guiné, a "sua" terra...  Detestava tanto 'Nino' Vieira como Kumba Ialá.

Quanto ao 'Nino' Vieira só o conheci pessoalmente no âmbito do Simpósio Internacional de Guileje,  em 6 de março de 2008, numa audiência, extra-programa,  que ele dedidiu dar à última hora, a uma representação dos participantes estrangeiros no Simpósio... 

Está enterrrado no panetão nacional da Guiné-Bissau, na Amura.

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição da foto: LG)

PS - Temos andado à procura das "fotos da semana" da antiga página da AD - Acção Para o Desenvolvimento (http://www.adbissau.org/ ) que foi reformulada e descontinuada (por volta de 2020/2021).

Algumas foram publicadas no nosso blogue. Outras, perderam-se irremediavelmente. Através do Arquivo.pt e do Internet Archive é possível recuperar algumas, nomeadamente do período que vai de 2005 a 2011.

A maior parte das fotos da série eram da autoria do Pepito...  Cada foto tinha um título, uma data, uma palavra-chave ou "descritor", e uma legenda, resumo analítico ou sinopse. Mas esta, que publicamos acima,  não nos parece ser da sua autoria... (Não o poderemos confirmar.)

A ONG AD - Ação para o Desenvolvimento passou, a partir de maio de 2011, a ter outro endereço, mas a URL é ligeiramente diferente da do sítio antigo. Estranhamente, não tem sido capturada pelo Arquivo.pt: https://ad-bissau.org/ . Já sugerimos que o façam.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25333: (De) Caras (204): É-se um Soncó para toda a vida (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 31 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (12): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25378: Consultório Militar do José Martins (76): Dia 16 de Março de 1974 - Parte I - Antes do dia


O nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), em mensagem do dia 10 de Abril de 2024, enviou-nos um desenvolvido trabalho de sua autoria dedicado à primeira tentativa de derrube do regime vigente, ocorrida no dia 16 de Março de 1974, conhecida por Levantamento ou Golpe das Caldas, por ser protagonizada por militares do antigo RI 5.


Dia 16 de Março de 1974 - Parte I

Porta de Armas do extinto RI5
Foto com a devida vénia a heportugal

Antes do dia

Procurando atenuar, as carências em termos de quadros militares intermédios, fundamentais para a continuação da Guerra do Ultramar, o governo de Marcello Caetano permite, através do Decreto-lei n.º 353/73 de 13 de Julho, a passagem dos oficiais milicianos ao quadro permanente das armas de Infantaria, Artilharia e Cavalaria, mediante a frequência de um curso intensivo de dois semestres, consecutivos, na Academia Militar.

Quatro dias depois da aprovação do Decreto-lei supra citado, começam a surgir as primeiras contestações ao mesmo, primeiro quase em surdina, mas que rapidamente subiu de tom, com o aparecimento, no dia 20, de modelos para exposições, individuais, para exposições de contestação ao decreto-lei. 

Mesmo em África, apesar da guerra que se travava, em 29 de Agosto, reuniu-se em Bissau um grupo de oficiais, que seria o embrião do movimento, na Guiné. No dia seguinte, dia 30, surgem em diversos quartéis as primeiras reacções públicas de descontentamento dos oficiais do quadro permanente, provenientes da Academia Militar, face às disposições “permissivas” previstas pelo Decreto n.º 353/73 de 13 de Julho.

Perante a contestação, a 14 de Agosto de 1973, em Mafra, na comemoração do Dia da Infantaria, há o anúncio de que o Ministro do Exército, Sá Viana Rebelo (General, na reserva), encara o recuo do Decreto-lei, objecto da contestação.

A 17 de Agosto de 1973 é entregue, ao Director do Serviço de Pessoal, uma exposição manifestando o desagrado dos oficiais oriundos da Academia Militar.

A publicação do decreto-lei 409/73 de 20 de Agosto, corrige alguns aspectos do DL 353/73, referente às carreiras dos oficiais do Exército. Os oficiais superiores ficam de fora do regime geral, mas mantém-se para capitães e subalternos.

O ambiente vivido nas Forças Armadas, na sequência do Decreto-lei n.º 353/73 de 13 de Julho, leva a que, em 21 de Agosto, se reúnam clandestinamente em Bissau, cinquenta e um oficiais descontentes com as situações concretas de âmbito profissional, quer com a forma com que o governo insistia em perspectivar o problema ultramarino. Aprovam o teor da exposição a enviar às mais altas entidades das Forças Armadas, nomeadamente do Exército e ao Ministro da Educação. Esta reunião é considerada como sendo a reunião fundadora do “Movimento dos Capitães”.

A reunião dos oficiais, em Bissau no dia 25 de Agosto, decidem assinar colectivamente a exposição anteriormente aprovada, elegem uma comissão do “Movimento dos Capitães”, constituída pelos Capitães Almeida Coimbra, Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano, substituído, depois, por Sousa Pinto.
Dirigida ao Presidente da Republica, Presidente do Conselho, Ministros da Defesa, do Exército e da Educação Nacional, assim como ao Subsecretário de Estado do Exército, 51 oficiais do Quadro Permanente, sendo 45 capitães e 6 subalternos, assinam, em 28 de Agosto de 1973, o documento entretanto elaborado. O mesmo é assinado, entre outros por Manuel Monge. Jorge Golias, Salgueiro Maia, Matos Gomes, Duran Clemente e Otelo Saraiva de Carvalho.

Para preparar a reunião agendada, para o dia 9 de Setembro, houve um encontro em casa de Diniz de Almeida, onde estiveram presentes Ponces de Carvalho, Sousa e Castro, Bicho Beatriz, Vasco Lourenço, Rosário Simões, Marques Júnior e o anfitrião, onde ultimaram os preparativos para o encontro alargado.

Nessa reunião, com vários oficiais de todas as armas e serviços, realizada no dia 9, em Monte Sobral, perto de Évora, a maioria dos cento e trinta e seis militares presentes decide assinar um documento dirigido ao Presidente do Conselho, com conhecimento ao Presidente da Rehpublica. O documento seria posteriormente posto a circular para recolha de assinaturas, dando continuidade ao processo de contestação iniciado na Guiné em 21 de Agosto, reagindo aos Decretos-Lei n.º 353/73 e 409/73.

Em 10 e 12 de Setembro e à semelhança do que se passou na Guine em 28 de Agosto, foi a vez de se pronunciarem os oficiais do Quadro Permanente, nas então províncias de Angola e Moçambique. A 10, em Angola, 94 oficiais, assinam uma exposição que enviam ao Presidente do Conselho, em que realçam que a entrada em vigor dos Decretos-Lei 353/73 e 409/73, provocará «uma onda de descontentamento generalizada pelo menos na classe de oficiais do quadro permanente directamente afectados». No dia 12, em Moçambique, foi a vez de 107 oficiais em serviço, assinarem uma exposição de teor idêntico.

Reunião do Movimento de Capitães em Luanda, no dia 21 de Setembro, onde se decide a apresentação de um pedido individual de demissão de oficial do exército, caso se verifique a entrada em vigor dos documentos contestados. É constituído o Movimento dos Capitães em Angola, com uma comissão constituída pelos Capitães Vilas Boas, Sousa Guedes, Américo Moreno, Soares e Rui Tomás.

Em reunião de 26 de Setembro, o Conselho Superior do Exército reúne-se, tendo na agenda a discussão do “problema" dos capitães. Só o General Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, argumenta a favor da revisão dos decretos. Nesse mesmo dia, em São Bento, é entregue ao Presidente do Conselho, pelo Major Hugo dos Santos e pelo Capitão Vasco Lourenço, o documento assinado por 107 oficiais em serviço em Moçambique.

O Exército e a Marinha iniciam, em 1 de Outubro, os primeiros contactos. A partir desta data há contactos com os Capitão-Tenente (equivalente a Major) Costa Correia e Almada Contreiras, por parte da Armada, e pelo Exército os Majores Hugo dos Santos e Vítor Alves. Para elementos de ligação, pela parte da Marinha, o 1.º Tenente Vidal Pinho e o 2.º Tenente Pedro Lauret, a quem, mais tarde, se juntará o Capitão-Tenente Vítor Crespo. O posto de 1.º e 2.º Tenente corresponde a Capitão e Tenente.

Reunião, no dia 3 de Outubro, o Movimento dos Capitães com a presença de um representante de Angola, reúne-se em Lisboa, em que é sugerida a comissão representativa deverá rodar os seus elementos.

A 6 de Outubro, na reunião alargada do Movimento dos Capitães, em Lisboa e realizada em quatro locais simultaneamente, nas casas dos Capitães Rui Rodrigues, Mendoza Frazão, Antero Ribeiro da Silva e Diniz de Almeida. Além dos delegados da quase totalidade das unidades e estabelecimentos militares, assim como um delegado de Angola. Na troca de impressões, que duram até de madrugada, ficam três hipóteses:
i) Apresentação, individual e/ou colectivamente, a demissão de oficial;
ii) Ausência do serviço, mantendo-se fora do quartel ou estabelecimento;
iii) Manter-se no quartel ou estabelecimento, sem desempenhar as funções.

Vence a primeira hipótese e são elaborados dois documentos, para demissão individual ou colectiva, que a Comissão Coordenadora fará circular para serem assinadas, que devolvidas, ficariam à guarda da Comissão. Estes documentos nunca serão utilizados, pois os decretos serão revogados.

O Movimento de Capitães, a 7 de Outubro, consolida as ligações, a solidariedade e os canais de divulgação de informações, dentro dos quartéis, na metrópole e no ultramar. É eleita uma Comissão Coordenadora, que passa a liderar o processo de contestação.
Perante o desagrado e contestação dos Decretos-Lei, que têm vindo a ser referidos, em 12 de Outubro de 1974, a 1ª Repartição do Estado-Maior do Exército (Operações e Informações), remete, a todas as unidades do Exército, uma circular que anuncia que está a estudar, caso a caso, a situação de todos os oficiais abrangidos, pelo que, na prática, é suspenso. Nesse mesmo dia, a Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, alerta para a necessidade de não haver desmobilização, pela suspensão dos decretos.

Porém, em 15 desse mês de Outubro de 1973, o Movimento dos Capitães de Moçambique, reúne-se em Nampula, decidindo prosseguir os objectivos do movimento, apesar da suspensão dos decretos-lei.
O Movimento dos Capitães, das então províncias de Guiné e Angola, reunidos nas cidades capitais das províncias, manifestam seguir os objectivos do movimento.

Para que não houvesse desmobilização, com o anúncio da possível revogação dos Decretos-Lei 353/73 e 409/73, a Comissão Coordenadora emite, em 19 e 23 de Outubro, dando nota das acções levadas a efeito pelo movimento e a necessidade de continuar; e a 29 envia, aos oficiais do movimento nos Açores, uma carta de esclarecimento sobre esta necessidade.

Por circular do Movimento dos Capitães, os oficiais do movimento são alertados que, por ter sido assinado um documento colectivo, os oficiais em serviço na Guiné poderão vir a sofrer consequências disciplinares. Estava-se a 1 de Novembro de 1973 e era Governador e Comandante-Chefe o General Bettencourt Rodrigues.

Em 4 de Novembro de 1973, os oficiais do quadro oriundos de milicianos, reúnem-se em Porto de Mós, elegendo uma comissão do respectivo movimento
Na reunião realizada, em 6 de Novembro de 1973, em casa de Mariz Fernandes, manifestam-se os primeiros atritos no âmbito da Comissão Coordenadora, e é discutida uma agenda de trabalhos, bastante longa. Foi então aprovado um regulamento da mesa, para utilização nas reuniões seguintes.

Nova reunião da Coordenadora, a 10 do mesmo mês, em que se acentua o conflito já existente.

Dois dias depois, na reunião do dia 12 em Aveiras de Cima, o conflito mantém-se: por um lado, Mariz Fernandes e Sanches Osório defendem que apenas se deve visar a solução dos problemas profissionais, enquanto, Vasco Lourenço e Dinis de Almeida defendem o avanço do movimento não excluindo qualquer hipótese. A Comissão Coordenadora demite-se, ficando em gestão até nova eleição.

A 22 de Novembro, num comunicado do Movimento, é defendida a necessidade de manter a mobilização em torno dos objectivos traçados. Nesse dia, em documento elaborado por Lavoura Lopes, Calvino e Guerreiro, reivindicando para os deficientes das Forças Armadas, o mesmo que o Movimento dos Capitães. Reunião do Movimento dos Capitães, realizada na Parede em 24 de Novembro, o Tenente-Coronel Luís Banazol diz que: « [ … ] Não tenhamos ilusões: o governo só sai a tiro e os únicos capazes de o fazer somos nós, mais ninguém!».

Reunião em Óbidos, em 1 de Dezembro de 1973, do Movimento dos Capitães, em que é eleita uma comissão coordenadora alargada e votados os nomes dos oficiais generais a contactar pelo movimento: Generais António de Spínola e Costa Gomes.
No Dia da Artilharia e da sua Padroeira Santa Barbara, dia 4 de Dezembro, o ministro Alberto de Andrade e Silva, discursando nas cerimónias anuncia que vão haver benefícios salariais para os oficiais das Forças Armadas.

A 5 de Dezembro de 1973, na Costa da Caparica, reúnem-se os membros da Comissão Coordenadora e os oficiais Eurico Corvacho, Tomás Ferreira, Ataíde Banazol e Vasco Gonçalves, para discutir as hipóteses saídas da reunião de Óbidos, sendo aprovada, por maioria, a terceira: «continuar a apresentar ao governo reivindicações de carácter exclusivamente militar, e com a maior realidade, mas de natureza tal que o executivo não tenha possibilidades de as satisfazer, originando-se assim uma forma de pressão que, na melhor das hipóteses, leve à demissão do próprio governo, e, na pior, ao devido encaminhamento para a primeira hipótese». É eleita a direcção da Comissão Coordenadora, que irá manter-se até 25 de Abril. Constituem-na Vasco Lourenço (organização interna e ligações), Vítor Alves (orientação política) e Otelo Saraiva de Carvalho (secretariado). A eles ficam ainda associados Hugo dos Santos e Pinto Soares.

No decorrer de uma aula, em 17 de Dezembro, no Instituto de Altos estudos Militares, o major Carlos Fabião denuncia publicamente o facto de os sectores ultra conservadores do regime e das Forças Armadas estarem a preparar um golpe de Estado.

No dia 20 de Dezembro, foi dada ordem de embarque imediato, para a Guiné, de alguns oficiais do Batalhão de Caçadores n.º 4616/73 comandado pelo Tenente-Coronel Luís Ataíde Banazol. A unidade e as suas companhias orgânicas, só embarcariam no dia 30 desse mês, via marítima.

São mandados apresentar, no Quartel-General, em Lisboa, no dia 21 de Dezembro de 1973, os Capitães Vasco Lourenço e Dinis de Almeida, que são detidos e enviados, o primeiro para o Regimento de Cavalaria n.º 7 e o segundo para o Batalhão de Caçadores n.º 5.

No Diário do Governo n.º 296 da I série, do dia 21 de Dezembro, são publicados quatro Decretos-Lei, de carácter militar:
● O Decreto-Lei n.º 683/73, do Ministério da Defesa Nacional – Gabinete do Ministro, que cria o cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, expressamente para o General António de Spínola.

● O Decreto-Lei n.º 684/73, do Ministério do Exército, que aumenta o quadro de oficiais com o posto de Coronel, das Armas de Infantaria, Artilharia e Cavalaria, no conjunto, em mais 10 oficiais.

● Os Decretos-Lei n.ºs 685/73 e 686/73, do Ministério do Exército, alteram as regras dos Decretos-Lei n.ºs 353/73 e 408/73, no entanto sem mencionar a sua revogação, criando novas condições de acesso ao Quadro de Oficias, de Sargentos do Quadro Permanente e de Oficiais e Sargentos do Quadro de Complemento. Cria o Quadro Especial de Oficiais.

Dez dias depois da detenção de oficiais oriundos da Academias Militar, toca a vez aos oriundos de Milicianos. No dia 1 de Janeiro de 1974, o Capitão Alberto Ferreira, que estava colocado na Academia Militar, é transferido para Estremoz.

Na reunião da Direcção da Comissão Coordenadora, realizada no dia 7 de Janeiro de 1974 em casa de Vítor Alves, é tomada a decisão de devolver aos signatários, os pedidos de demissão, que tinha sido aprovado na reunião de 6 de Outubro transacto.

A reunião da Comissão Coordenadora, no dia 12 de Janeiro, foi em casa do Major Fernandes da Mota. Consideram ser prematura a ligação com o General Costa Gomes, além de utópica. Nota-se a necessidade de existir um documento para discussão em todos os Ramos que, o Secretariado deverá apresentar no prazo máximo de duas semanas, para ser difundido pelos oficiais.

Na sequência da morte da esposa de um fazendeiro português em resultado de uma acção da Frelimo, no dia 14 de Janeiro, ocorrem em Moçambique incidentes entre colonos brancos e as Forças Armadas, sendo atingida a sua maior gravidade, na noite de 17 para 18 de Janeiro. Os primeiros acusam os segundos de não se empenharem suficientemente na destruição do terrorismo, no restabelecimento e na defesa dos interesses portugueses em África.

No dia 14 ou 15 de Janeiro, dependendo das fontes, é dada posse ao General António de Spínola, como Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, de acordo com o Decreto-Lei n.º 683/73 de 21 de Dezembro. Apesar de ter proferido a frase “As Forças Armadas não são a guarda pretoriana do poder”, o seu discurso de posse não foi tão contundente como fizera crer aos capitães, mas a televisão abstém-se de cobrir o acto. Quando é recebido por Marcelo Caetano, informa-o de que está para breve a apresentação de um livro sobre a situação ultramarina. O Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, volta a recusar a ideia de um encontro com Senghor para discutir a questão da Guiné.

Aquando do funeral, em Manica das vítimas do ataque de 14 desse mês, realizado no dia 16, milhares de colonos brancos, manifestam-se junto do encarregado do Governo. Nos dias seguintes, 17 e 18, nova manifestação, contra as Forças Armadas, da população branca da zona centro de Moçambique, há confrontos físicos entre os manifestantes e os militares, de que resultam alguns feridos.

No dia 17 de Janeiro de 1974, partida do general Costa Gomes para a Beira, Moçambique, para se inteirar dos acontecimentos ocorridos no território, em que estiveram envolvidos civis brancos e militares. O Estado-Maior General fica entregue ao General António de Spínola.

Chega, no dia 18, ao Movimento dos Capitães uma carta dos oficiais do movimento e em serviço em Moçambique, uma carta em que, no ponto “9” da mesma, são relatados os acontecimentos que envolveram a tropa e a população branca.

António de Spínola, no dia 20 de Janeiro, recebe Alberto Ferreira, Andrade Moura, Pais de Faria e Armando Ramos, que constituem uma delegação dos oficias oriundos de milicianos. António Ramos, ex-miliciano e ajudante-de-campo do General, assiste à reunião, onde os presentes lhe solicitam que advogue a sua causa junto do Governo, entregando-lhe um documento assinado por cerca de 200 oficiais. O General aconselha os oficiais a tentarem um entendimento com os oficiais oriundos de cadetes.

Em 21 de Janeiro, envio para Lisboa de telegrama, da comissão do Movimento dos Capitães em Moçambique, sobre os acontecimentos da Beira. Exortam o movimento a manifestar-se e declinando responsabilidades pela situação, que ameaça prolongar-se, em desprestigio das Forças Armadas.

No dia 22, Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço, encontram-se com o General Spínola, que o informam dos acontecimentos em Moçambique e da indignação manifestada por muitos oficiais, informando, o General, da intenção de difundir uma circular sobre o caso. António de Spínola adverte-os, mas não se opõe.

No dia seguinte, dia 23 de Janeiro, o Movimento dos Capitães divulga informações sobre a situação criada em Moçambique. Exige que os militares deixem de ser enxovalhados. Denuncia a possibilidade de as Forças Armadas virem a ser apresentadas como responsáveis pelo fracasso da política ultramarina do regime. Aventa, finalmente, a hipótese de aqueles acontecimentos terem por objectivo criar condições para a estruturação em Moçambique e Angola de regimes de apartheid semelhantes aos já existentes na África do Sul, na Namíbia e na Rodésia.

Na reunião da Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães realizada em 26 de Janeiro de 1974, em casa de Vasco Lourenço, onde é constatada a necessidade de elaborar um documento que defina as seus objectivos políticos, aprovando um texto elaborado por José Maria Azevedo, que servirá de introdução a um documento programático, a ser aprovado.

A 27 de Janeiro, é posto a circular um abaixo-assinado elaborado pela comissão regional do Movimento dos Capitães, na Beira, Moçambique, sobre os últimos acontecimentos.

Envio, para Lisboa e para as comissões regionais, em 29 de Janeiro, pela comissão do Movimento dos Capitães, em Nampula, de um relato circunstanciado dos acontecimentos da Beira. A Comissão Coordenadora, reunida em casa de Hugo dos Santos, analisa a documentação de que dispões acerca dos acontecimentos havidos em Moçambique, decidindo manifestar total solidariedade com os seus camaradas e com qualquer atitude que os mesmos possam vir a tomar.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 9 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24302: Consultório Militar do José Martins (75): D. Pedro, Duque de Coimbra (José Martins)