sexta-feira, 12 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25376: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (45): "Chef" Alice, guardiã dos saberes (e dos sabores) culinários associados ao sável do Douro (que já não há): frito com açorda de ovas com com arroz de feijão, era a comida dos pobres, que não tinham a "burla", na Quaresma...

 




"Chez Alice" >  O sável frito, com açorda de ovas (Lourinhã, 24 de janeiro de 2024) , ou com arroz de feijão (Quinta de Candoz, 30 de março de 2024)...

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não tenho ideia de ter comido peixe do rio, na Guiné... Ou melhor, peixe da "bolanha"... O  que se apanhava (com uma granada de mão ofensiva) e se cozinhava (grelhava) nalguns destacamentos, como na ponte do rio do Udunduma (afluente do rio Geba)  sabia mal, sabia a lodo, era escamudo, horrível (devia ser, nunca o provei)... 

Bom peixe do rio do Cacine, isso sim,  comi eu mas em março de 2008... O Cacine (e Corubal), sim, tinha bom peixe. Mas o  Corubal no meu tempo estava "interdito" e o Cacine ficava muito longe de Bambadinca... Do Geba (Estreito) só se aproveitava o camarão... Sim, desse comi, em Bambadinca, na tasca do Ze Maria... 

Mas falemos do sável, que um dia vai desparecer dos nossos rios. É uma espécie vulnerável. Como já desapareceu (ou está em vias de desaparecer) a lampreia... Sável e lampreia são duas espécies de peixe anádromas: reproduzem-se em água doce, mas desenvolvem-se até à forma adulta no mar.

Ninguém tem a coragem (política) de proibir a pesca da lampreia por unas anos.  Desde 2017, ela tem vindo a escassear dramaticamente... nos nossos rios.  Todos os anos se cancelam festivais por falta de lampreia... Há pouca no Mondego, alguma no Minho e no Tejo...

A lampreia este ano era de importação e custava os olhos da cara, à mesa (220 euros, pediram-me em Entre-Os-Rios, Penafiel, este ano; uma lampreia para quatro bocas, que, não podendo ser do rio Douro, só podia ser importada de Espanha, França ou Canadá; claro que cancelei a reserva...).

Mas falemos do sável e dos saberes (e sabores) culinários antigos que também se vão perdendo, irremediavelmente. Até por falta da matéria-prima... Mesmo assim, comi sável três ou quatro vezes este ano. É o peixe da Quaresma, em Candoz. Era peixe dos pobres que, não podendo comer carne, por não terem a "burla" (a bula...), comiam o peixe do rio, durante a Quaresma...

A "chef" Alice é guardiã dos saberes (e sabores) culinários da sua família e da sua região de Entre Douro e Minho... E sabe preparar o sável como a sua mãe: o peixe (com algum tempo de frigorífico mas ficar rijo) é partido, às postas, muito fininhas (por causa das espinhas)... É preciso, depois, sabê-lo fritar, em azeite... Acompanha-se com açorda de ovas ou arroz de feijão... Como as fotos exemplificam. Uma iguaria que não ia à mesa do rei...

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Declaração de interesses: isto não é "publicidade" (muito menos encapotada), mas simples "socioantropologia": só para lembrar à nova geração de Candoz que já há lá ninguém que domine estes saberes... Mas ainda se podem transmitir...