1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2023:
Queridos amigos,
Um dos mais importantes investigadores desta obra de Duarte Pacheco Pereira, Joaquim Barradas de Carvalho, escreveu no prefácio da edição da Gulbenkian de 1991 o seguinte: "Acerca da obra Esmeraldo de Situ Orbis, três factos parecem estar definitivamente estabelecidos: o manuscrito original e autógrafo de Duarte Pacheco Pereira perdeu-se; existem tão-só duas cópias tardias, uma da Biblioteca Pública de Évora, e outra da Biblioteca Nacional de Portugal; a mais antiga, a de Évora, data da primeira metade do século XVIII. A mais recente, a de Lisboa, teve origem na segunda metade desse mesmo século." O que pode dar pasto a que o documento foi sempre tratado como altamente sigiloso, a dar fé à política de sigilo, logo no reinado de D. Manuel I vedava-se o conhecimento aos estrangeiros das viagens dos portugueses, tanto para afugentar a concorrência como para alargar todo o espaço que o Tratado de Tordesilhas permitia. Há que reconhecer que este documento, tal como nos chegou às mãos, dá nota dos conhecimentos da época, logo as Etiópias da Guiné, o pendor para a homenagem às navegações henriquinas, mesmo dizendo que Deus revelara ao Infante esta missão; seguem-se cronologicamente as navegações operadas, a viagem de Gil Eanes, as rotas do Cabo Branco até ao Cabo Verde, o encontro com o rio Senegal, e aqui o cosmógrafo usa a palavra Guiné, a descrição dos povos (muitas décadas mais tarde, André Álvares de Almada irá confirmar o registo de Duarte Pacheco); a passagem pelo Rio de Gâmbia e depois o Rio Grande ou Geba, com descrições pormenorizadas de quem ali habita e informações sobre o resgate de escravos e o comércio possível com estas populações. Aqui se dá por findo o registo, o que havia por dizer sobre a Senegâmbia é o que se deixa no texto anotado.
Um abraço do
Mário
O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (2)
Mário Beja Santos
Agora, que estou a preparar os primeiros relatos fundamentais da presença portuguesa nesta região da África Ocidental que é tratada como Etiópia Menor, Rios de Guiné, Senegâmbia, entre outras designações, fiquei de boca à banda quando descobri que ao longo destes anos de colaboração no blogue privei o leitor das referências que Duarte Pacheco Pereira teceu à Terra dos Negros.
No texto anterior deixei as indicações curriculares deste cabo de guerra em terra e no mar, alguém que se encheu de glória por feitos militares na Índia, incumbido pela Coroa de grandes ou graves incumbências, figura de algum modo envolta em mistério, põem-se várias hipóteses de se ter antecipado a Pedro Álvares Cabral no conhecimento das terras brasileiras; para o caso em apreço, Duarte Pacheco recebe a incumbência em 1505 para escrever o livro a que se chamou "Esmeraldo de Situ Orbis", permanece o mistério da palavra Esmeraldo, há diferentes opiniões não coincidentes, mas que o título é lindo, é. Este cosmógrafo, convém insistir, tinha uma visão limitada das fronteiras do continente africano, detinha uma visão ptolemaica, o rio Nilo parecia constituir o caudal de água de onde derivavam os rios que os portugueses iam achando. O autor presta homenagem aos empreendimentos henriquinos, vai descrevendo as rotas em direção ao Cabo Verde, dá como certo e seguro haver duas Etiópias, a Inferior que se estenderia até ao Cabo da Boa Esperança. Pormenoriza quem habita na região do rio Senegal e faz agora uma referência ao reino de Tambuctu (obviamente Tombuctu), “e ali está a cidade de Jani, povoada de negros, a qual cidade é cercada de muros de taipa e nela há grandessíssima riqueza de ouro. E ali vale muito o latão e cobre e panos vermelhos e azuis e sal”; e, mais adiante: “E este rio é muito doentio de febres. E o inverno desta terra é de julho meado até quinze dias de outubro. E outras muitas coisas se poderão dizer do rio Sanaga, as quais deixamos de escrever para não fazer longo sermão”.
Segue-se uma prosa descritiva das ilhas do arquipélago de Cabo Verde, e voltamos ao continente com o título Rotas e conhecenças do Rio de Gâmbio para o Cabo Roxo e Rio Grande. Informa que no Rio de Gâmbia os seus habitantes são Jalofos e Mandingas, e escreve o seguinte: “Jaz o Rio de Gâmbia com o Cabo Roxo, norte e sul, e tem na rota vinte e cinco léguas. E no meio deste caminho está um rio que se chama Casamansa, a gente do qual são Mandingas. Neste rio vale muito o ferro; e aqui há resgate de escravos por cavalos e por lenços e por pano vermelho. E adiante de Casamansa, doze léguas, está o Cabo Roxo.”
Entramos agora no Rio Grande, o Geba: “e não lhe foi posto este nome por ser maior no tamanho com os rios Sanaga ou Gâmbia, mas porque tem a boca muito grande”. E deixa uma referência ao fenómeno do macaréu.
O capítulo 31.º intitula-se "Do Rio Grande e no que nele há", assume uma enorme importância pelo detalhe que pela primeira vez se dá às regiões circunvizinhas e pelas notas geográficas que se irão revelar de grande significado para futuros navegadores que aqui aportem. E faz menção dos povos em torno de Geba:
“E a gente que nesta terra habita são Gogolis e Beafares e são sujeitos a el-rei dos Mandingas e estes são muito negros de cor, e muitos deles andam nus e outros vestidos de panos de algodão. Aqui se resgatam escravos, seis e sete por um cavalo, ainda que não seja bom, e algum ouro (ainda que é pouco) por pano vermelho e por lenço e por umas pedras a que chamam alaquecas e também lhe chamamos de estancar sangue. Esta gente tem muita abastança de arroz, milho e inhames e galinhas e vacas e cabras. E quase todos estes são muçulmanos e a Mafamede adoram e são circuncisos; é gente que não há vergonha nem medo de Deus”.
Estamos agora no capítulo 32.º, assim intitulado "Dos rios que vão adiante do Rio Grande" e alguns que são dentro dele, e assim das rotas e conhecenças até à Serra Leoa. Dá seguinte informação: “Deste Rio Grande se podem fazer dois caminhos para a Serra Leoa: um deles é por dentro das ilhas que à boca deles estão; outro caminho é por fora, pelo pego, segundo adiante diremos”. E faz referências a vários rios até chegar ao Rio Nuno e mais à frente ao Cabo da Verga: “A terra entre o Rio Grande e o Cabo da Verga é terra muito baixa e má de conhecer, e o fundo sujo e de grandes recifes de pedra, e muito perigosa, que se não deve navegar senão de dia e pousar de noite; e para mais segurança seja navio pequeno de 25 até 30 tonéis, porque sendo maior correrá risco de se perder.” E volta às referências de quem ali habita: “E todos os negros desta terra são idólatras, e em caso que não conhecem lei, são circuncisos e esta circuncisão tomou causa de vizinhança que têm com os Mandingas e outros que são muçulmanos.” E, mais adiante: “em toda esta terra, na costa do mar há ouro, ainda que é em pouca quantidade, o qual costumamos resgatar por alaquecas e por contas amarelas e verdes e por estanho, e lenço e manilhas de latão e pano vermelho e por bacias como de barbeiro; e por estas mercadorias resgatamos aqui muitos escravos. Nesta terra não há edifícios senão casas palhaças; e esta gente toda é metida em guerras, que poucas vezes têm paz, possuidores de elefantes e onças e outros muito desvairados animais e aves de estranhas feições; e se mantêm de arroz e milho de outros legumes e, assim, carne e peixe que há aqui muito.”
E damos por aqui terminado o registo, a seguir o autor passa a comentar tudo o que viajou a partir do Cabo da Verga, estamos assim fora da pequena Senegâmbia, cada vez mais longe das Etiópias das quais hoje se formata a Guiné-Bissau.
A imagem mais conhecida do autor, a quem Luís de Camões chamou o Aquiles Lusitano
Duarte Pacheco Pereira na filatelia
Carta de Stefano Bonsignori, de 1580, mostrando parte de África Ocidental, incluindo os atuais países do Senegal, Guiné-Bissau, Mali, Serra Leoa, Libéria, Costa de Marfim e Burquina FassoA casa dos escravos na ilha de Goreia, hoje Património da Humanidade
_____________Notas do editor:
Vd. post anterior de 27 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25311: Historiografia da presença portuguesa em África (416): O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (1) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 9 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25361: Historiografia da Presença Portuguesa em África (417): "Desastre de Bolor ou Bolol" [Carlos Cordeiro, 1946-2018) / Patrício Ribeiro]
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