sábado, 21 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1683: Estórias do Gabu (3): Um capitão, amigo do seu escriturário (Tino Neves)

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Quartel Novo > 1971 > O 1º Cabo Escriturário Constantino Neves nas valas...

Foto: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.


1. Texto do nosso camarada Tino Neves (1) a quem agradeço o envio periódico destas pequenas estórias ou croniquetas (2) que nos ajudam a reconstituir ou reconstruir o quotidiano das nossas vidas de caserna, no tempo da guerra da Guiné, há trinta e quarenta anos atrás:


Camarada Luís:

Vou contar um pequena estória passada comigo. Uma noite, estava eu na Vila de Nova Lamego, com a intenção de ir ao cinema. O Aquartelamento do Batalhão, o Quartel Novo, ficava a 1 Km da Vila. Chega junto de mim um jipe, conduzido pelo Soldado Condutor Loupas, pedindo para que o ajudasse a passar a palavra a todos os camaradas, que se juntassem todos junto da porta do cinema, que logo viria uma Berliet buscá-los a todos, porque tínhamos recebido uma mensagem de que vinha em nossa direcção um grupo de turras para nos atacar.

Assim foi. Após todos terem sido transportados para o quartel, o meu Comandante da CCS, o Sr. Capitão Miliciano Herlânder Loureiro Rodrigues, mandou todos irem-se equipar e armar, em seguida formar na parada, que ele os iria distribuir pelas valas e postos ao redor do quartel.
Estando quase todos distribuídos e faltando ainda eu, perguntei:
-Meu Capitão, então, aonde fico eu?
-Tu ficas aqui, porque os turras vêm daquele lado!
-OK, obrigado! - Agradeci.

Enquanto esperamos a chegada dos turras, tínhamos o hábito de, nas valas, estendermos umas tábuas por cima e deitarmo-nos sobre elas, com mostra a foto junto. Estávamos bastante descontraídos a ouvir o som da selva e vozes e palmas de bajudas a cantarolar, ali perto.

Pela minha parte, eu estava com muita atenção - como era hábito, diga-se de passagem, já que não brincava em serviço (quando estava de reforço), nem deixava que fumassem junto a mim e às claras (se o quisessem fumar, teriam que o fazer como eu, abaixar-se dentro da vala e cobrir o cigarro com o quico, para anular o clarão.

A um determinado momento, notei que as bajudas tinham deixado de cantar e que se podia ouvir... o som da selva, em silêncio, para além do ladrar de um cão. De imediato, alertei para esse pormenor o Furriel Miliciano Batista, que se encontrava a meu lado, respondendo-me ele logo de seguida:
- Tens razão, todos para baixo.

Dito isso, passa por cima de nós um roquete (que foi o sinal dos guerrilheiros para o início do ataque), e logo de seguida várias rajadas de balas tracejantes a rasparem a nossa posição, mas logo um soldado condutor que tinha ao seu dispor uma metralhadora Dryse (leia-se Draise), começou logo a disparar e nós, ao ver a sua coragem, de imediato também começámos a disparar as nossas G3. Em poucos segundos estávamos todos tão empolgados, só faltava saltar da vala e ir atrás deles.

Eles não esperavam a nossa reacção tão rápida e comtão grande potencial, pois perto de nós estava uma antiaérea de 4 canos, não me recordo o calibre, mas era um espectáculo de balas tracejantes, 4 canos a disparar ao mesmo tempo!

Acabado o ataque, ficámos todos parados e em silêncio, aguardando possível novo ataque, quando eu novamente reparo nuns vultos a passarem a correr à nossa frente, mas do lado de fora do arame farpado. Alertei novamente o Furriel Batista que de imediato grita:
- Lá vão eles outra vez! - e fizemos fogo e do outro lado ouvimos gritar. Entusiasmados, gritávamos:
-Tomem, seus cabrões...

Nisto aparece o nosso 2º Comandante aos gritos, para que nós não disparássemos, porque era tropa nossa que ia ao encalço dos turras. De imediato o Furriel Batista saltou da vala, todo irritado, quase à beira de um ataque de nervos, gritando:
- Não sabiam avisar, vocês, os profissionais!... Deixarem-nos disparar e atingir os nossos camaradas, que nós bem os ouvimos gritar!...

Graças a Deus que não acertámos em ninguém, eles gritavam a dizer para não dispararmos, que eram eles, tropa amiga.

Enfim, esta estória mostra duas vertentes: (i) a do Capitão, amigo do seu Cabo Escriturário, que escolheu aquele local, julgando que seria o melhor, quando o não foi, porque foi precisamente ali que se iniciou o ataque em grande potencial.; e (ii) e a do Comando, que teve uma grande falha ao não comunicar, via telefone de campanha que todos os postos tinham, para que não disparássemos porque iam sair grupos de combate no seu encalço.

Transcrevo o descrito em Ordem de Serviço:


GRUPO IN, ESTIMADO EM 100 ELEMENTOS, FLAGELOU NOVA LAMEGO DE OESTE (PISTAS E QUARTEL NOVO), COM RPGS 2 E 7 E ARMAS LIGEIRAS DURANTE 10 MINUTOS. AS NT REAGIRAM PELO FOGO E MANOBRA DE INTERCEPÇÃO, TENDO O IN RETIRADO PRECIPITADAMENTE. AS NT SOFRERAM 8 FERIDOS (4 GRAVES) E A POPULAÇÃO CIVIL 4 FERIDOS (1H-3M).

Dia 03/ABR/1971 (2)

Um AbraçoTino Neves
1º Cabo Escriturário
CCS/BCAÇ 2893
Nova Lamego (Gabú)
1969/71
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).

(2) Vd. último post do Tino Neves > 5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1647: Estórias do Gabu (2): A Spinolândia (Tino Neves)

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)


Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > O abastecimento das NT era deficiente, pelo que se recorria aos produtos naturais da região...

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

Este texto do Jorge Cabral foi originalmente publicada sob o post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum... (Luís Graça / Jorge Cabral).

Trata-se da primeira estória da série Estórias cabralianas. Reformula-se o título e passa a estar mais acessível, no presente blogue. O mesmo acontecerá com as estórias nºs. 2 e 3, que também não estavam identificadas como tal. Há, além disso, um duplicação: há duas estórias nº 5. Uma delas será republicada, com outra numeração.

Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário. Ninguém melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné...

Em tempos deixei-lhe este comentário do editor do blogue, do admirador, do camarada e do amigo (3):

É caso para dizer que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na linha de fronteira, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos milícias com a família às costas e mais meia dúzia de quadros e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...

Amigos e camaradas da Guiné: não vejam
nestas estórias cabralianas qualquer propósito de ofender a instituição militar, mas tão apenas o relato das manifestações de uma saudável loucura, própria dos seres humanos que são postos à prova em situações-limite...

Contrariamente a qualquer bestiário da guerra, as estórias cabralianas são um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de imaginação e de adaptação da nossa gente... Eu sei que as estórias do Jorge têm fãs e detractores... Eu, que estou do lado dos fãs, tiro-lhe o quico, e espero que ele não esgote este filão: ele é um grande observador da natureza humana e consegue também, em duas pinceladas, criar personagens e mostrar aquilo que é o único na espécie humana que é a compaixão (no seu sentido etimológico cum + passio > sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor).

Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > Dia de rancho melhorado... A caça (e, muitas vezes, o roubo) era uma alternativa para as deficiências do abastecimento dos destacamentos isolados... "Este foi o melhor almoço", diz a legenda do fotógrafo.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


O Jorge, que enquanto estudante universitário devorou o Ionesco e o teatro do absurdo, não se coloca na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça e do cenário...

Querido amigo e camarada: Não precisas de bagas do Sambaro no teu sapatinho para nos pores a sorrir e a pensar... Mas que o talento não te falte no Novo Ano que - dizem - aí vem, cheio de promessas, de ilusões e de ameaças como os todos os Novos Anos que já vivemos...
(LG)

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Estórias cabralianas (1) - A mulher do Major e o castigo do Cabral
por Jorge Cabral


Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.

Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia (2).

Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a matar a sede e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.

Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).

Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...

O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens, querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.

Cumprido o castigo voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...

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Notas de L.G.

(1) Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971). Já falecido.

(2) Vd. post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro (Jorge Cabral)

(3) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)

1. Lista dos camaradas que tombaram na emboscada de Quirafo, em 17 de Abril de 1972, de acordo com a pesquisa feita pelo José Marcelino Martins, membro da nossa tertúlia. Todos eles pertenciam ao Exército, e eram oriundos do Regimento de Infantaria 2 (RI 2), com sede em Abrantes. Julgo que pertenciam todos à CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74).

Entre parênteses, indica-se o nome da terra de naturalidade (Infelizmente, falta a indicação do respectivo concelho). Repare-se que faltam os nomes de dois camaradas, já que o número de mortos terá de 11, entre o pessoal do exército, mais cinco milícias e um número indeterminado de civis.


Nome / Posto / Local de nascimento

ANTÓNIO DA SILVA BATISTA / Soldado / Moreira
ANTÓNIO DE MOURA MOREIRA / Soldado / São Cosme
ANTÓNIO FERREIRA / 1º Cabo / Cedofeita
ANTÓNIO MARQUES PEREIRA / Soldado / Fátima
ARMANDINO DA SILVA RIBEIRO / Alferes Mil / Magueija
BERNARDINO RAMOS DE OLIVEIRA / Soldado / Afonsim-Pedregoso
FRANCISCO OLIVEIRA DOS SANTOS / Furriel Mil / Marinha-Ovar
SÉRGIO DA COSTA PINTO REBELO / 1º Cabo / Samil-Vila Chã de S. Roque
ZÓZIMO DE AZEVEDO / Soldado / Alpendura [,provavelmente Alpendurada, Marco de Canaveses]

RIP (Descansem em Paz!)

2. Em data posterior, o José Martins efectuou, a meu pedido, uma pesquisa mais detallahada. Aqui vão os resultados, com os meus agradecimentos a este generoso e diligente camarada:


Em 17 de Abril de 1972, durante uma operação na picada entre Madina Bucô e Quirafo, a Companhia de Caçadores nº 3490, sofreu as seguintes baixas mortais:


(i) ANTÓNIO FERREIRA, 1º Cabo Radiotelegrafista número 08845271, natural da freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, filho de Alexandrina dos Santos Ferreira e casado com Cidália Corina Pereira da Cunha. Foi inumado no Talhão Privativo para militares mortos no Ultramar, no Cemitério Paroquial de Águas Santas no concelho da Maia.

(ii) ANTÓNIO MARQUES PEREIRA, Soldado Atirador número 09334069, natural de Pedreira, freguesia de Fátima e concelho de Vila Nova de Ourém, filho de Edmundo de Jesus Pereira e Maria de Jesus Marques Pereira, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Fátima.

(iii) ANTÓNIO DE MOURA MOREIRA, Soldado Atirador número 11117671, natural da freguesia de São Cosme e concelho de Gondomar, filho de Jerónimo Moreira e Ana Moreira de Moura, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de São Cosme.

(iv) ANTÓNIO DA SILVA BATISTA, Soldado, natural da freguesia de Moreira e concelho da Maia. Nada mais consta.

(v) ARMANDINO DA SILVA RIBEIRO, Alferes Miliciano de Infantaria número 00788271, natural da freguesia de Magueija e concelho de Lamego, filho de Alexandrino Ribeiro e Deolinda da Silva Ribeiro, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Magueija.

(vi) BERNARDINO RAMOS DE OLIVEIRA, Soldado Atirador número 10665171, natural da freguesia de Pedroso e concelho de Vila Nova de Gaia, filho de Fernando Rodrigues de Oliveira e Maria Carneiro Ramos, solteiro. Foi inumado no Cemitério do Olival – Vila Nova de Gaia.

(vii) FRANCISCO OLIVEIRA DOS SANTOS, Furriel Miliciano Atirador número 01142371, natural da freguesia e concelho de Ovar, filho de Bernardino Lopes dos Santos e Maria do Céu Oliveira, solteiro. Foi inumado no Cemitério Municipal de Ovar.

(viii) SÉRGIO DA COSTA PINTO REBELO, 1º Cabo Apontador de Metralhadora número 14964771, natural de Samil freguesia de Vila Chã de São Roque e concelho de Oliveira de Azemeis, filho de Augusto da Costa Pinto Rebelo e Maria Augusta Gomes da Costa, solteiro. Foi inumado no Cemitério de Vila Chã de São Roque.

(ix) ZÓZIMO DE AZEVEDO, Soldado Atirador número 10896771, natural da freguesia de Alpendurada e concelho de Marco de Canavezes, filho de Amélia Rosa da Silva, solteiro. Foi inumado no Cemitério de Agramonte, no Porto.

(x) DEMBU JAU, Sargento Milícia número 044665, natural de Sinchã Nhacomi freguesia de Nossa Senhora da Graça e concelho de Bafatá, filho de Samba Baldé e Nhaió Jau, casado com Nhima Balde, Dabel Balde e Ansato Baldé. Foi inumado em local não indicado.

(xi) SERIFO BALDÉ, Assalariado, natural da freguesia de Madina Bucô e concelho de Bafatá, filho de Mamadu Baldé e Cuba Baldé, casado com Taibo Baldé. Foi inumado em local não indicado.

(xii) TIJANE BALDÉ, Assalariado, natural de Casamangue freguesia de Xitole e concelho de Bafatá, casado com Cadijato Jamanca e Auá Embaló. Foi inumado em local não indicado.


José Marcelino Martins

Pesquisa, adaptação e condensação
Material consultado:
Resenha Histórica Militar das Campanhas de Africa
Volume 7º - Tomo II – Fichas das Unidades
Volume 8º – Tomo II – Livro 2 – Mortos em Campanha
20 de Abril de 2007

PS - No registo dos Mortos em Campanha referido, não aparece o nome de António da Silva Batista. Só aparece no site da Liga, donde retirei os elementos, poucos, que refiro. Dos milícias apenas aparece o nome de um, bem como de dois assalariados.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)

22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P1680: Operação Macaréu á Vista (Beja Santos) (42): O Tigre de Missirá volta a rugir

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > O Furriel Miliciano Luís Casanova, o fotógrafo em actividade. Em primeiro plano, uma das crianças de Missirá. "O Casanova é um dos meus mais agudos problemas de consciência. Chegou no final de Agosto [de 1968] a Missirá e, progressivamente, tornou-se o meu interino. Chegou muito triste, procurando estudar seres humanos e situações. Depois levantou voo, foi imaginativo e um grande colaborador. Distrai-me e não dei pela sua exaustão. Quando partiu com um colapso nervoso é que me apercebi do peso da sua ausência. Ele foi a minha rectaguarda, confiei-lhe as contas e a sorte dos aquartelamentos sempre que estava no mato" (BS).

Foto e legenda: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Luís Casanova, que foi o fotógrafo, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.

Belíssima capa do célebre livro policial de Agatha Christie, passado em África, no Nilo, no Egipto, O Barco da Morte. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 4). A propósito deste tipo de literatura, escreve o nosso Beja Santos: "No torpor do cansaço, ainda remexo nos meus policiais de devoção, onde incluo Ellery Queen, Frank Gruber e Mickey Spillane. Um dia destes, falo-vos da companhia que estes autores consagrados de uma literatura injustamente classificada como entretenimento, me dão nos silêncios destas noites de Missirá, ainda poupadas às flagelações".

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


42ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado em 21 de Março de 2007.


Caro Luís, para além dos livros do costume que vêm citados neste texto, segue uma cartinha de um tal Bacari Cissé diz o seguinte:

"Meu querido alferes, faça-me o favor de arranjar um livro da 1ª classe que eu também andava na escola mas peço-te este livro pelo teu bom nome que ouço constantemente. Os teus amigos que me dizem sempre do teu bom nome. Eu chamo-me Bacari Cissé, o teu soldado Quebá Cissé mora na casa do meu irmão".

Não seria mau voltares a insistir na tertúlia com a revelação deste tipo de mensagens, pois seguramente todos nós recebemos milhares de pedidos, prova de confiança nestes militares que por acaso até faziam a guerra mas que contribuiam para moldar o quotidiano de uma sociedade em movimento. Sugiro como ilustrações duas fotografias de crianças que te enviei no conjunto de fotografias do Luís Casanova. Hoje retomamos a prosa habitual mas o formato epístolar reaparecerá em breve.

Um abraço do Mário.

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O Tigre volta a rugir

por Beja Santos


No fim de Abril [de 1969], enquanto se reconstroem a um excelente ritmo as cubatas e os abrigos estão de pé, prontos para nova flagelação, a burocracia tolhe-nos os patrulhamentos e as emboscadas. São os autos de abate, infindáveis, são os autos por ferimentos em combate, o Setúbal reclama peças do Unimog, o Alcino recorda que desapareceram mais dois cantis e seis carregadores, a população civil está novamente sem arroz devido à falta de barcos já que o Geba se transformou numa auto-estrada que transporta a toda hora novos contigentes militares.

O sector L1, no rescaldo da Lança Afiada (2), prepara-se para ir confirmar os resultados nas matas que envolvem Xitole, Mansambo e Xime. Começa a chuviscar quase todas as manhãs, felizmente os blocos de adobe estão prontos e protegidos por oleados, aproveitando-se todas as abertas para a conclusão das obras.

Com o auxílio do furriel Pires enviei para Bissau a resposta a novos quesitos sobre o recurso interposto da minha punição: voltei a explicar todas as medidas de segurança tomadas entre Agosto e o presente, as actividades de arrumação em função das infra-estruturas existentes, o meu relacionamento com a população civil nesta situação original do aquartelamento estar submetido ao funcionamento de uma tabanca mandinga onde pontifica a vontade do régulo. O meu abrigo está praticamente concluído, o Teixeira reboca, o Gibrilo põe esteiras no tecto, Tomani Sanhá e Ussumane Baldé consolidam as frestas por onde a Dreyse pode fazer fogo.

Eu trabalho no abrigo do Casanova, são 10h da noite, excepcionalmente recebo o chefe da tabanca Mussá Mané que reclama uma coluna para em desespero ir tentar encontrar arroz na região de Galomaro ou mesmo Bafatá. Estão presentes Quebá Soncó e Domingos Lopes da Costa que ajuda a interpretar as frases mais difíceis. É nisto que se ouve ao longe o vomitar de duas costureirinhas, o estrondo de uma explosão, silêncio e a seguir a cadência de tiros isolados que nos pareceram pistolas. Pergunto de onde vem este fogo e Quebá responde prontamente que é do outro lado do rio, em Mero ou proximidades.


Pimbas: amor com amor se paga...

Previa sair para Mato de Cão às 4h da tarde e de imediato altero a agenda da saída, tendo convocado 30 homens às 6h da manhã, com rações de combate e água para 24 horas. Mussá Mané, que de manhã sairá para Finete com civis armados de Mauser, leva uma carta para o Pimbas onde terei escrito o seguinte:

"Meu Comandante, há a registar fogo a noite passada na região de Mero. Ou foi gente da população a perseguir um grupo de Madina ou foram tropas de Bambadinca a emboscar grupos que vieram reabastecer-se. Vou de manhã cedo saber o que se passa do meu lado e depois sigo para Mato de Cão. Por favor, esclareça o que se passou e dentro de dois dias falamos".

Chuvisca teimosamente quando vamos directamente de Missirá pela estrada que leva à Aldeia de Cuor subindo para Undarael, contornando os palmares de Gambiel, subindo até Bucol, descendo até ao Geba em frente a Fá Mandinga e pela estrada da Aldeia de Cuor até Cansonco. Não há indícios de presença humana, com os binóculos vejo as populações a cultivar as bolanhas à volta de Mero e Fá Balanta. De Gã Joaquim descemos até Flaque Dulo, depois Boa Esperança e sempre a contornar a bolanha chegamos ao fim da manhã a Finete.

Reuno-me com Bacari e peço-lhe conselho. Para Bacari terá sido uma refrega entre balantas já que o tiroteio só envolveu armas soviéticas. Ao amanhecer, ele fora até junto ao rio, e os trabalhos agrícolas decorriam normalmente em Santa Helena e Ponta Nova. Aproveito para ver as obras em Finete e partimos para Mato de Cão. A estrada está visivelmente marcada pela presença humana e vestígios de vacas, a chuva ajuda-nos a interpretar o terreno molhado entre Gambaná e os palmares de Chicri. Curiosamente, o grupo que recentemente passou por aqui prosseguiu até junto dos palmares de Mato de Cão e junto do pontão de Saliquinhé subiu para Madina. Tomo nota, em breve vou esperá-los aqui, dentro do mato cerrado.

Voltámos ao fim da tarde e Mussá Mané entrega-me uma carta do Pimbas e um maço de correio. Diz o Pimbas:

"Não te preocupes, não fomos nós nem o pelotão de Fá. Dei instruções para esclarecer a situação. Não temos meios para controlar toda a margem do rio, vê se os emboscas e divides connosco as vacas que apanhares. Aparece, pois precisamos de ti numa operação. Por favor, não peças mais arame farpado, nem cimento, nem munições. Tens sido um privilegiado, se um dia fôssemos atacados tu terias a obrigação de nos vir cá trazer os cartuchos que nos fazem falta". Mal sabia o Pimbas que na noite de 28 de Maio iríamos cumprir a nossa obrigação com o BCAÇ 2852.


Pondo o correio em dia

Lavado e jantado, examinada a escala de reforços, tendo discutido a divisão de tarefas administrativas para a manhã seguinte, leio o meu correio . Tenho labaredas e queixumes de familiares. A Cristina fala na eventualidade de um casamento de procuração e vir dar aulas em Bissau. Recordo que nessa noite, quando responder à Cristina irei pedir-lhe uma certidão completa narrativa numa Conservatória do Registo Civil ali para S. Vicente de Flora, numa travessa íngreme que leva a Santa Apolónia. Também nessa noite irei pedir à minha mãe uma certidão de baptismo.

O Major Bispo, antigo 2º Comandante de Batalhão, escreve-me de Bissau onde está colocado, falando-me na eventualidade de, quando cessar a minha comissão em Missirá o ir ajudar no plano de reordenamentos de população, um pouco por toda a Guiné. Estranho a oferta, naquele tempo ainda se cumpriam 12 meses no teatro de operações e outros 12 em teatros de instrução ou secretaria, mas já se falava também que o comandante-chefe teria decidido que essas rotações iam findar.

Um tribunal militar em Bissau informa-me que vou ser chamado a depor no julgamento do nosso Ieró Djaló que adormecera na Anda Cá e deixara fugir o Aruma. É uma noite plácida, tenho o corpo entorpecido a reclamar na quietude uma ou duas horas de leitura.

As crianças de Missirá através da poesia de Ruy Cinatti

Começo pela Crónica Cabo-verdiana, um livro do Ruy Cinatti escrito com o pseudónimo de Júlio Celso Delgado, datado de 1967. Trata-se de um relato forjado de um furriel açoreano colocado no Mindelo. É uma reconstituição brilhante da cultura cabo-verdiana e inclui um dos mais belos poemas que até hoje vi dedicado ao sofrimento infantil:

Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
Barriga de esfera
à espera.
As pernas, dois ossos
mais estreitos que os pés.
Bracinhos-gravetos
que tampouco servem
para acender o lume.
E olhos enormes sem fundo na febre
e os dedos ruídos que enganam a fome.
São estes os filhos de Cabo Verde,
gritando na noite angústias sem nome!?

Que vêem meus olhos senão o que vêem?
A culpa dos pais a cair de bêbedos,
das mães que se vendem...
A culpa de quem nem sempre tem culpa?

Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
As crianças riem,
correm, pulam, cantam
e jogam à bola.
Volteiam nas ondas melhor que os delfins.
E quando anoitece
na calma das ilhas
dormem sonos livres
de sonhos malévolos

Que vêem meus olhos senão o que vêem?
Alguns atletas
por via da raça
e de alguma carne.

Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
Todos sabem ler
e decoram versos!

Que vêem meus olhos além do que vêem?
Todas têm alma
que oferecem, de graça,
a quem lhe quer bem.

São estas crianças
(mas quantas não morrem...)
que correm os mares
e marcam o mundo
com a nossa presença!


As crianças de Missirá, tenho na consciência, não passam fome e os meus olhos vêem crianças que brincam e labutam, que auxiliam e querem aprender. É um tempo em que procuro conhecer os costumes dos mandingas. Por isso passo dos poemas de Cinatti para um clássico da antropologia social: Padrões de cultura, da Ruth Benedict.

A famosa antropóloga recorda neste ensaio que nós, ocidentais andamos polarizados pela crença na uniformidade da conduta humana. O branco, em contacto com outras culturas, está convencido que os seus padrões de cultura sairão vencedores. Estamos cegos perante outras culturas, agarrados ao mito de que com os instrumentos da nossa civilização subordinaremos os outros graças a padrões superiores. Daí a necessidade de estudarmos as heranças culturais, matriz da tolerância e do diálogo entre culturas, cimentando os valores da diversidade. Este precioso ensaio a três povos bem diferenciados é um ponto de partida para se entender a relatividade social, a doutrina da esperança e de confiança em padrões de vida coexistentes, pondo-se assim termo ao racismo, à exploração colonial às superioridades religiosas e a outras formas de fanatismo. É bom ler Ruth Benedict e depois os usos e os costumes dos mandingas, procurando conhecer melhor estes homens que se movem com andar garboso como se fossem filhos de reis.

Às vezes fazem-me falta, mesmo muita falta, muitos dos livros consumidos pelas chamas, é uma saudade do retorno aos clássicos, desde o Padre Vieira, a Cervantes, a Moliére. Paciência, os entes queridos estão a reenviar combustível, o meu padrinho já escreveu a dizer que um barco há-de chegar a Bissau com William Faulkner, Henry James e William Golding, entre outros. O Comandante Teixeira da Mota faz saber que há mais estudos guineenses a caminho. Imprevistamente, o Carlos Sampaio manda-me O Estrangeiro, de Albert Camus.

Sou um homem bafejado pela riqueza da amizade. No torpor do cansaço, ainda remexo nos meus policiais de devoção, onde incluo Ellery Queen, Frank Gruber e Mickey Spillane. Um dia destes, falo-vos da companhia que estes autores consagrados de uma literatura injustamente classificada como entretenimento, me dão nos silêncios destas noites de Missirá, ainda poupadas às flagelações.

Os ataques, grandes e pequenos, serão uma constante em Julho, Agosto, Setembro e Outubro. Convém deixar esclarecido o leitor que aquele tiroteio em Mero, segundo apurou a força que foi o local e falou com o chefe de tabanca, tinha a ver com dois balantas que vinham numa coluna de Madina e que fugiram aos rebeldes. Tinham-se apresentado em Bambadinca e confirmaram que Madina/Belel estava em fase de reequipamento, trabalhando com o bigrupo de Banir e de Sara-Sarauol, preparando-se para uma ofensiva no Cuor.

Maio, o mês que vai começar, exigirá constantes acompanhamentos a essa auto-estrada do Geba, todos os dias vemos passar militares que irão preencher posições em todo o Leste. Nessas manhãs frias, quando eu me perfilo à sua passagem e os saúdo com entusiasmo, interrogo-me se um dia eles se recordarão destes vigilantes obscuros, estes anos da guarda que descem dos palmares até ao terrafe para lhes desejar saúde e uma boa missão.

Este Maio que vai começar será acompanhado de muitos tiroteios e lá para o fim tudo irá mudar em Bambadinca com o fim da sua inexpugnabilidade. Vamos ver.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1657: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (41): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (3)

(2) Sobre a Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > 1970 > A economia guineense dependia também da produção pecuária que por sua vez estava dependente da prática da transumância, prática essa que a guerra veio limitar ou inviar... As manadas de gado dos fulas, povo originalmente de pastores nómadas, eram um sinal exterior de riqueza e de status social do seu dono. Por essa razão, os fulas tinham tradicionalmente relutância em alienar esse património... Por morte do dono, os animais eram abatidos para alimentar o choro, uma festa que se prolongava por vários dias, dependendo da posição hierárquica do defunto na sociedade fula... Com a guerra, a entrada de dinheiro nas tabancas fulas fazia-se por duas vias: o pré dos soldados africanos e das milícias e as vendas de gado vacum aos militares portuguesas, compensando a quebra da produção da mancarra, devido à guerra... O porco era criado pelos povos animistas e ribeirinhos: balantas, manjacos, papéis... Havia por vezes conflitos com a população local, devido a abusos dos militares (que roubavam ou matavam vacas, porcos, cabritos ou galinhas)... Durante a Operação Lança Afiada (8 a 18 de Março de 1969), as populações sob controlo do PAIGC, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, sofreram grandes perdas de gado... (LG).


Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.



1. Texto enviado em 10 do corrente.

20ª estória do Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 ):

Amigo Luís,

Aí vai estória (1).
Não vou poder estar a tempo do almoço dia 28. Porém, vou fazer os possíveis para aparecer à hora do café.
Grande Abraço
Jorge

PS - Os meus contactos telefónicos são: 213.539.929 e 967.865.576. Já não utilizo o endereço claranet, que deve ser substituído pelo almacabral@gmail.com.


Estórias cabralianas (20) - Banquetes em Missirá: Porco turra e Vaca náufraga
por Jorge Cabral

Em Missirá comíamos, praticamente todos os dias, arroz acompanhado ora de pé de porco, ora de atum ou cavala, com muito pão e sempre altas doses do insípido vinho quarteleiro, o qual, segundo se dizia, era cortado com cânfora, para diminuir os ímpetos...

Frescos nunca, proibitiva a caça, experimentámos apimentar os peixinhos do Gambiel, que pescávamos à granada, mas continuaram intragáveis. Quando durante dois meses nos faltaram as batatas, devido às avarias simultâneas do Sintex e do Burrinho, avinagrámos as doces parentes das ditas, que cresciam bravas junto ao arame, mas não tivemos sucesso.

O nosso melhor pitéu era Punheta de Bacalhau que saboreávamos com prazer, petiscando do mesmo em enorme pratalhão. Aliás, quando um novo básico-cozinheiro se apresentava, eu costumava perguntar-lhe:
-Sabes fazer uma boa punheta? – Ainda me lembro de um que, corando como um tomate, quis logo fugir do Quartel, pensando que o Alferes...

Porém, apesar da sobriedade da dieta, todos os meses ficávamos devedores na CCS [de Bambadinca], porque ultrapassávamos as verbas respeitantes aos nove metropolitanos, pois os africanos [do Pel Caç Nat 63] eram desarranchados. A razão era simples: sendo poucos, não conseguíamos esgotar uma grande lata, por refeição, e porque não tínhamos frigorífico, uma parte era sempre desperdiçada.

Entrei eu, e entrou o Branquinho, com as quantias em falta. Talvez por isso, ainda devo às Agências de Bissau as minhas viagens de férias... Tivemos, sim, dois grandes Banquetes. Um foi porco no espeto. O outro foi vaca, de todas as maneiras. O porco foi achado no caminho para Mero. Era um porco turra que, ou desertou, ou foi deixado como oferta. Quanto à vaca, calculem, foi pescada no Geba. Tratou-se de uma operação complicada. Regressávamos de Bambadinca de Sintex, e mesmo no meio do rio, deparámos com a náufraga, debatendo-se.

Como iríamos salvá-la? Gorda, possante, pesada, afiançou o barqueiro, ser perigoso aproximarmo-nos, pois podia virar o barco. Sem cordas, nem vocação para cow-boys, a missão parecia impossível. Então, tomei o comando da Nau, e qual pirata jurei conquistar o carnívoro despojo, prometendo bifes para o jantar.

Manobrando o barco, encostei-o na traseira do Animal, e avancei, avancei até à margem, ainda longe do nosso destino. O certo é que a vaca chegou a terra, e nós, logo desembarcados, lhe tratámos da saúde.

Salva no rio, morta na praia, e ali desmanchada num ápice, pelo Alfa e pelo Django, bons soldados mas melhores magarefes, que mereceram avultado quinhão. Entrámos no Quartel carregados e foi noite de festa. Comemos, comemos, até de madrugada...

Hoje, quando algum Amigo pescador se gaba das suas proezas, costumo interrogar:

- Alguma vez pescaste uma Vaca?

Jorge Cabral

______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. lista das estórias cabralianas:

5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum... (inclui a estória a que deveria corresponder o nº 1 > A mulher do Major e o castigo do Cabral)

5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas) (Estória que corresponderia o nº 2)

7 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: O básico apaixonado (estórias cabralianas) (Estória a que corresponderia o nº 3)

18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...

17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá (numeração repetida, por lapso do editor)

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)

18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1678: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (2): Manuel Pereira (CCAÇ 3547, Contuboel e Bafatá)


Mensagem de Manuel Pereira (ex-furriel miliciano da CCAÇ 3547 / BCAÇ Contuboel, Bafatá, Sare Bacar, Nova Lamego, Galomaro, Mar. 1972/ Junho de 1974) (1):

Caros amigos,

Também eu e, com grande pena, não poderei estar presente no nosso encontro. Gostaria muito de continuar Ameira (2), mas este ano e neste dia, alguém que me é próximo completa 50 anos de casado e em cuja festa (para cima de 120 convivas), estou empenhado.

Acreditem que lamento. Esta seria a oportunidade de conhecer pessoalmente (dos muitos barcos/barcaças que acompanhei ao Xime e Bambadinca, eventualmente não seremos desconhecidos) o Sousa Castro, meu comtemporâneo na Guiné e minhoto como eu - sou Limiano.

Gostaria ainda de vos dizer, que apesar de não entrar nos últimos meses no nosso espaço cibernético (3), continuo a ser um leitor diário do mesmo. O Luís sabe as razões, ou seja, 30 anos depois lembrei-me de voltar aos bancos da faculdade, o que me ocupa muito tempo.

Um abraço para todos e não esqueçam de petiscar o feijão frade e o arroz de tomate do Manjar do Marquês.

Saudações tertulianas
e um jametuns (4).

Manuel Pereira
Técnico de Gestão – Área Produção
Tel. 21 392 62 53
Hospital CUF - Infante Santo
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLV: Notícias do BCAÇ 3884 (Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74)

(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) Vd. último post > 26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P991: A tragédia do Quirafo e os 'básicos' que não tiveram 'cunha' para ficar na 'guerra do ar condicionado' (Manuel Pereira)

(4) Vd. post anterior desta série > 14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1660: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (1): Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)

Guiné 63/74 - P1677: Prisioneiro em Conacri: Francisco Monteiro, Soldado da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos)


Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, cerca de uma vintena, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (Pormenor, foto editada). Pelo que se deduz na imagem, os prisioneirtos estão em formatura num páteo. Ao fundo vê-se uma parede, não muito alta, e numa das pontas uma guarita que tinha aspecto de ser uma retrete. O primeiro prisioneiro da 1ª fila, a contar da direita para a esquerda, parece ter uma bola a seus pés. Estes nossos camaradas foram libertados em 22 de Novembro de 1970, na sequência da Operação Mar Verde.

O Carlos Marques dos Santos e o Torcato Mendonça parecem ter identificado o homem, por nós assinalado com um círculo a verde, o 2º da 1ª fila, a contar da esquerda para a direita. Usava suiças grandes, cabelo comprido e bigode. Estes detalhes podem ser melhor aprecidados na foto a seguir, com o seu rosto em grande plano.

Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiro português. Trata-se do 2º indivíduo da 1ª fila, a contar da esquerda para a direita (foto acima). Para o Carlos Marques dos Santos e para o Torcato Mendonça, trata-se de um ex-camarada, o Soldado Monteiro, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)

Luís: Em face da foto lançada hoje no Blogue (1), tenho quase 100% de certeza quanto à identidade do homem que aparece na 1ª fila, logo em 2º lugar, da esquerda para a direita: trata-se do Francisco M. Monteiro, Sold AP s10300467, do 4.º Grupo de Combate da CART 2339. A opinião do Torcato Mendonça veio reforçar a minha quase certeza.

Como já foi referido no nosso blogue (2), o Monteiro desapareu em 11 de Julho de 1968, na famigerada Fonte de Mansambo. Iniciada uma batida, o alferes de milícia do Pelotão de Milícia de Moricanhe accionou mina A/P e faleceu.

Este incidente não consta da História oficial da Companhia.


Carlos Marques dos Santos
Ex-Furril Mil
CART 2339

Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves)





Através do Benito Neves, fiquei hoje a saber as circunstâncias, misteriosas, em que desapareceu num dos rios da Guiné, em 1966, o Soldado Mateus, da CCAV 1484, meu conterrâneo... É mais um dos nossos camaradas que não constam da lista oficiosa dos mortos da guerra do ultramar. A sua terra, Lourinhã, fez-lhe, porém, uma justa homenagem: é dos vinte que não regressaram... Mas será que ele não chegou a morrer, afogado, tendo sido feito prisioneiro pelo PAIGC?

Nascido à beira-mar, na Areia Branca, entre moinhos e dunas de areia, era muito provável que o Mateus soubesse nadar... É estranho o seu desaparecimento no Rio Tombar, no sul da Guiné (actual região de Tombali) e sobretudo, uns dias depois, a localização da sua camisa com uma imagem da Nossa Senhora de Fátima, uma nota de 50 pesos e a sua identificação... (LG).

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.



Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (nascido em 1942). Legenda em húngaro: "Bara István: Portugál foglyok a PAIGC börtönében, Guinea Bissau, 1970".


1. São raras as fotos dos nossos camaradas em cativeiro, até à sua liberção em 22 de Novembro de 1970, na sequência da Operação Mar Verde. Estamos gratos a este conhecido grande fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página.

Há tempos perguntei aos amigos e camaradas, se alguém era capaz de reconhecer estes rostos ? Boa parte deles faziam parte da CART 1690 (Geba, 1967/69), a que pertenceu o nosso camarada A. Marques Lopes, ex-alf mil e hoje coronel, DFA, na reforma. O Benito Neves, da CCAV 1484, admite a hipótese de o segundo prisioneiro, da fila de trás, a contar da esquerda - devidamente assinalado com um círculo a amarelo - poder ser o seu camarada José Henriques Mateus, dado como desaparecido no Rio Tombar, afluente do Rio Cumbijã, na sequência da Operação Pirilampo, e que por sinal era natural da Lourinhã, logo meu conterrâneo (LG).

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)


2. Texto do Benito Neves, com data de 14 de Março de 2006

Luís, solicito e agradeço desde já a melhor colaboração, até porque se trata de um conterrâneo teu.

Benito Neves
Abrantes
Ex-Fur Mil At
CCAV 1484
(NNhacra e Catió, 1965/67).


OPERAÇÃO PIRILAMPO - 10 de Setembro de 1966


Com a finalidade de bater a mata de CABOLOL [vd. carta de Bedanda], de modo a detectar e a destruir o acampamento IN localizado em (1510.1120.A2) esta operação foi realizada pelas CCAV 1484,  reforçada com 1 Gr Comb Mil 13 e CCAÇ 763 (-), reforçada com 2 Sec Mil 13.

Foi efectuada uma minuciosa batida à mata de CABOLOL no sentido E-W. Pelas 14H30, não obstante as dificuldades que surgiram pela densidade da vegetação, foi detectado o acampamento IN em (1510.1120A3.15), composto por 16 casas, que foi destruído com fraca resistência do IN. Foram capturados documentos diversos e munições para espingarda Mauser.

O IN, que deveria ter detectado as NT, havia evacuado grande parte do seu material para fora do acampamento.

Em continuação da acção, as NT seguiram em direcção a CABOLOL BALANTA.

Quando queimavam o seu primeiro núcleo de casas mais a sul, o IN, instalado na orla da mata, reagiu em força com fogo de morteiro, lança granadas-foguete, metralhadora pesada, pistolas metralhadora e espingardas, causando 6 feridos ligeiros às NT. Após reacção destas, o IN furtou-se ao contacto, sendo ainda queimados mais 3 núcleos de casas.

Pelas 17H00 as NT iniciaram o regresso, tendo sido flageladas com fogo de morteiro.

Quando as NT atravessavam o rio TOMPAR [, afluente do Rio Cumbijã, a sudoeste de Bedanda], afogou-se o soldado nº 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1484, não tendo sido possível recuperar o seu corpo, apesar de todas as buscas efectuadas.

Pelas 22h30 as NT chegaram ao aquartelamento de Cufar, depois de uma marcha fatigante em terreno pantanoso.

O que acima se transcreve é o que consta do relatório da operação, extraído da história da Companhia, de que fui encarregado de escrever.


Um camisa com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima

A travessia do Rio Tompar foi extremamente difícil. A maré estaria a encher ou a vasar, com forte corrente e foi decidida a colocação de uma corda de margem a margem, que serviu de suporte. O soldado Mateus, que transportava ou umas fitas para metralhadora ou umas granadas para morteiro ou para LGF, no meio da travessia, largou a corda e submergiu. Foram batidas as margens do rio sem que tivesse sido possível a recuperação do corpo.

Dias depois deste acidente, voltou a ser feita nova batida na zona, à procura do corpo ou outros indícios. Foi encontrada na margem a camisa que o Mateus envergava, tendo no bolso (i) a sua identificação, (ii) uma imagem da Virgem de Fátima e (iii) uma nota de 50 pesos. Mais nada.

Anteriormente havia quem alvitrasse a possibilidade do desaparecimanto ter sido causado por crocodilo mas, agora, seria fácil concluir que o ataque de qualquer animal, fosse ele qual fosse, não implicava o prévio despir da camisa.

A Companhia regressou [a Portugal] em 1967 e só em 2006 tivemos o primeiro reencontro, o primeiro almoço de confraternização. Foram muitos os anos que passaram, cerca de 40, porém, o Mateus nunca foi esquecido.


O Mateus era natural da Areia Branca, concelho de Lourinhã


Em Fevereiro de 2007 recebi um telefonema de um ex-cabo enfermeiro da CCAV 1484 que me transmitiu ter estado em Cadaval [, concelho do oeste, também do distrito de Lisboa], com um outro elemento da CCAV1484, que lhe disse que o Mateus estava vivo, que teria estado preso na Guiné Conakry, que inclusivamente alguns anos após o regresso da CCav  1484, terá estado na Lourinhã, em casa da mãe do Mateus e que a senhora lhe confirmou que o filho estava vivo.

O Mateus era oriundo do concelho da Lourinhã [, Estremadura, Oeste].

Por coincidência, no dia seguinte ao do telefonema do meu ex-cabo enfermeiro, foram publicadas no blogue algumas fotos tiradas a prisioneiros portugueses na prisão de Conakry (2). Decidi enviar a foto ao ex-Furriel Teles, residente na Madeira, que era o comandante de Secção do Mateus, pedindo-lhe para ver se, entre os presos, estaria o Mateus. Em resposta disse-me que sim e que era o 2º da fila de trás, a contar da esquerda.

Porém, conheci em Alter do Chão um ex-combatente - Jacinto Madeira Barradas - que esteve preso em Conakry e que foi um dos libertados pela operação Mar Verde. Diz-me que o prisioneiro que lhe indiquei não tinha o nome de Mateus, que não conheceu lá nenhum Mateus. Poderá haver aqui alguma mudança de identidade?

Na lista, organizada pelo José Martins, dos militares que tombaram em campanha na Guiné (1961/74), não consta o nome do José Henriques Mateus (3).

Posso afirmar que a notícia de que o Mateus está vivo (e Deus queira que esteja!) se espalhou entre os elementos da Companhia e não há quem não queira ter o Mateus connosco no nosso 2º. convívio, em Maio próximo.

Luís, és natural da Lourinhã, conterrâneo do José Mateus (ou pelo menos do mesmo concelho), saberás alguma coisa sobre este caso? O Mateus, a estar vivo, terá agora 62/63 anos. Valerá uma consulta às várias Juntas de Freguesia do concelho da Lourinhã?

Luís, desde já grato por toda a ajuda possível.

Um abraço.

Benito Neves.





Lourinhã > Aspecto parcial do Monumento aos Mortos do Ultramar. 2005. Arquitecto: Augusto Silva. Escultora: Andreia Couto... O meu primo, José António Canoa Nogueira, foi o primeiro soldado da Lourinhã a morrer, em terras da Guiné, em 1965, em Ganjolá, Catió... Lembro-me do seu impressionane funeral e quanto a palavra Guiné me marcou... Tinha eu 18 anos, já feitos... O Soldado Mateus terá sido o segundo, natural da Lourinhã, a tombar em terras da Guiné, também no sul... nas proximidades da mata de Cabolol Balanta, na margem direitra do Rio Cumbijã... (LG).


Lourinhã > Monumento aos mortos da Guerra do Ultramar > Guiné > 2005 > Quando o monumento foi inaugurado, em 2005, na placa relativa aos mortos na Guiné constava o nome de José Henriques Martins... As placas foram depois substituídas, já em 2007, segundo creio, e corrigido o erro... O nome correcto era José Henriques Mateus, natural de Areia Branca, morto em 9 de Setembro de 1966... Haverá também aqui um erro de data... O Benito Neves diz que a Operação Pirilampo foi a 10 de Setembro... (LG)

Fotos: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.



3. Benito: O teu telefonema de ontem e o teu email (já de há um mês e que reli, com outra atenção) emocionaram-me. Este caso é espantoso e, no mínimo, intrigante. Fui vizinho do Mateus (ele é natural do lugar da Areia Branca, povoação que deu o nome à conhecida Praia da Areia Branca, concelho da Lourinhã). Eu saí da Lourinhã, há trinta e tal anos, e já não me lembro deste caso. Mas tenho lá casa e vou lá com regularidade. Tenho seguramente amigos e conhecidos da família Mateus, mas já não seria capaz de reconhecer, a não ser eventualmente por fotografia, o teu camarada José Henriques Mateus. E, no entanto, o seu nome consta da lista dos naturais da Lourinhã que tombaram na Guiné, o primeiros dos quais foi o meu primo - em 3º grau - José António Nogueira Canoa (4), morto em Ganjola, um ano antes (1965).

Já aqui dei notícia da homenagem que a minha terra, através da autarquia local, prestou aos seus filhos que tombaram na guerra do ultramar (5), com a inauguração, em 26 de Junho de 2005, de um monumento, obra do arquitecto Augusto Silva e da escultora Andreia Couto. Ao todo, foram vinte os mortos do concelho, incluindo seis na Guiné. A placa em bronze com os nomes dos nossos camaradas mortos em combate, em cada um das províncias, foi recentemente substituída. No caso da Guiné, havia um erro: O José Hemriques Mateus constava com um apelido trocado: José Henriques Martins. Por outro lado, faltava a data do falecimento e a localidade onde haviam nascido. Junto fotos das duas placas.

Benito: vou sentar saber mais pormenores sobre o Mateus, através da comissão organizadora desta iniciativa, onde tenho pelo menos amigos e conterrâneos, o João Delgado, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e o José Picão de Oliveira: este último, foi furriel miliciano na zona leste da Guiné, mesmo na ponta nordeste, em Canquelifá, tendo regressado já em Setembro de 1974, enquanto o Jaime foi alferes miliciano paraquedista em Angola, sensivelmente na mesma época em que eu fui mobilizado para a Guiné (1969/71). O João Delgado, por sua vez, esteve em Angola, segundo creio.

De qualquer modo, obrigado pelas tuas diligências. Quem nos dera que o Mateus estivesse vivo algures, e nos pudesse contar a sua odisseia, e rever as dunas da sua praia. Em todo o caso, se ele efectivamente morreu ou desapareceu, é muito importante para os seus amigos, conterrâneos e familiares saber as circunstâncias em que ocorreu a sua morte ou o seu misterioso desaparecimento. Pagaste-lhe uma dívida de amizade, ao publicares parte do rekatório da Operação Pirilampo e o episódio do seu acidente... Estamos-te gratos por isso. Luís

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. pots de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

(2) Vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)

(3) Vd. Lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial, orgnaizada pelo nosso camarada e membro da nossa tertúlia José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné

(4) Vd. posts de:

8 de Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá (Luís Graça / José António Canoa Nogueira)

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 -P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)

(5) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005)

Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

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Guiné > Zona Leste > Bafatá > Estrada de Bambadinca-Batatá , vista de héli. Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2007 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Mensagem do Victor Barata (Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC de Aviões e Instrumentos de Bordo, Guiné, Bissalanca, 1971/73).


Sobre o assunto relacionado com a morte do Fur Pil Baltazar, no dia 13 de Março último enviei-te uma resenha dos trágicos acontecimentos aéreos da Guiné, mas tu, pelo que vejo, não te recordas. Acredito, pois o teu esforço e boa vontande são para mim um grande orgulho de camarada de Guiné.

Já agora aproveito para esclarecer que o Baltazar não faleceu no dia 8 de Abril de 4 de 1973 (1) , mas sim no dia 6, pelo menos é este o registo que tenho na minha caderneta de vôo. Como te digo nesse email que não publicaste, fui eu que fui fazer a evacuação dos restos mortais.

Ainda quanto ao que me perguntas: voei algumas horas com o Baltazar, tendo ele se mostrado sempre um piloto qualificado. Obviamente que existe sempre uma fase de adaptação ao chegar-se a um quadro de guerra...

Obrigado, se não for antes até ao dia 28 de Abril de 2007, em Pombal. "É preciso ir fardado ou...vimos com farda!"

Um abraço.
Victor Barata

2. Victor, já ficou tudo esclarecido entre nós: o teu mail de 13 de Março nunca me chegou à caixa do correio, pelo simples facto de te teres enganado no meu endereço. Também não recebi as fotos para a fotogaleria da tertúlia. Reproduzo agora esse mail, para conhecimento dos nossos amigos e camaradas:


Luís:

Depois que te enviei as fotos (de ontem, como militar, e de hoje, como civil) - que ainda não foram publicadas mas espero que tenham chegado,pois posso não ter feito a operação bem feita e pensar que enviei e não ter chegado - nunca mais te contactei... Hoje resolvi contar uma passagem na Guiné. Se entederes que é matéria para publicar, publica...

O risco aéreo no teatro operacional de guerra da Guiné foi sempre um ir e não voltar, não só pela vertente da luta que diariamente era travada, como também pelo acidentado geográfico. Apesar de plana, a Guiné tinha a cota mais alta, de 300 metros, em Madina de Boé!

O nosso maior inimigo, de todos os tempos, foi visto pela primeira vez no dia 29 de Março [?] de 1973 em Compada, pelo Ten Coronel Pil Av Brito, Comandante do Grupo Operacinal da BA12 e pelo Major Pessoa: chamava-se míssel terra-ar STRELLA! (2)

Quis o destino que estes dois homens fossem as primeiraa vítimas desta peça de fogo, primeiro em 20 de Março de 1973, o Maj Pil Av Pessoa que se ejectou juntamente com a sua cadeira de cabine e desceu de paraquedas, vindo a ser encontrado no dia seguinte pelo grupo de Marcelino da Mata,com participação do então Ten Cor Almeida Bruno(julgo que na altura tinha esta patente)e o Cap paraquedista António Ramos, adjunto de campo do Gen Spínola.

Pior fim, em 28 de Março de 1973, teve o Ten Cor Brito: faleceu! Precisamente aquele que nunca acreditou na existência de tal arma, dizia que era um RPG,veio a tombar quando fazia uma missão de bombardeamento,se a memória não me atraiçoa... Era um grande Homem,Comandante e Piloto,senhor de invejáveis capacidades...Enfim, criou-se clima de consternação no seio do Grupo Operacional.

Mas eis que surge o macabro dia 5 de Abril de 1973, que nos dita novamente, e em tão curto espaço de tempo,o LUTO! Faleceram o Fur Pil Av Baltazar em DO27 e Maj Pil Av Montovani em T6, e é dado com desaparecido o Fur Pil Av Ferreira em DO27!

Recordo ter evacuado os restos mortais do Fur Pil Av Baltazar de manhã e, à tarde, fui a Bissau. A esposa estava na paragem do autocarro sem nada saber,as lágrimas correram-me pela cara a baixo: Que vida perdida aos 20 anos!

O Fur Pil Av Ferreira,ouvi dizer que tinha sido entregue com a independência da Guiné. Será que algum camarada da nossa Tertúlia me poderá confirmar esta excelente notícia? Sei que ele era de Paços de Ferreira.´

Estava instalada a instabilidade no seio da comunidade da base, ligada ao Grupo Operacional: pilotos,mecânicos e atiradores de helicanhão. Recordo que houve uma certa repulsa às saídas e, como tal, havia que fazer algo para nos motivar e dizer que era a vida onde estavamos inseridos.

Era Comandante da BA12 o Cor Pil Av Gualdino Moura Pinto (já falecido). O 2º Comandante era o Ten Cor Pil Av José Lemos Ferreira. Aquele, com as virtudes que lhe eram reconhecidas de um GRANDE COMANDANTE,de imediato reuniu os pilotos das esquadras todas,para fazer um ponto de situação, dizendo que também estavam todos a defender a mesma causa.Tanto assim que durante esta reunião foi solicitada uma evacuação à Zona e foi ele mesmo fazê-la!

Este SENHOR foi punido pelo Gen Spínola, motivando o seu pedido de passagem á reserva, seguindo depois uma nova carreira como Comandante da TAP.

Cumpriamos as nossas missões mais arriscadas com a certeza de estarem a contribuir para a sobrevivência dos camaradas que,em terra,no mato,nos rios, enfrentavam o inimigo,defendendo a ordem que a razão nem sempre comprendia, e muitas vezes actuando-se por iniciativa própia.

Obrigado, Luís.Um Abraço
Victor Barata
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)



(2) Míssel rudimentar, de origem soviética, conhecido como SAM-7 Strella... Podia ser lançado, como RPG, a partir de um tubo apoiado nas costas de um guerrilheiro... A FAP, na Guiné, levou algum tempo a reagir ao aparecimento desta arma letal...



Escreve o António Graça de Abreu, no seu Diário da Guiné:



"Cufar, 26 de Junho de 1973



"(...) Hoje chegou uma DO, um Nordatlas - o avião é conhecido entre a tropa por Horácio - e dois helicópteros. Vêem de Bissau e para lá regressam. Trazem víveres, correio, pessoal, pequenas cargas. Os helicópteros redistribuem os géneros pelos aquartelamentos da região, frangos e peixe congelado, carne, batata, farinha, couves frescas.



"Se os homens do PAIGC voltam a mandar um avião ou um héli abaixo, estamos todos lixados porque suspende-se outra vez o apoio aéreo. Mas agora já não é fácil que tal aconteça. Os pilotos conhecem as características dos mísseis terra-ar, os Strella ou Sa 7, que são eficazes entre os 200 e os 2.000 metros de altitude, e toma as devidas precauções. As DO e os hélis voam muito baixo, a rapar, rente às árvores, às bolanhas e aos rios, e os Nordatlas ou os DC3 voam muito alto, com tectos de mais de 2.500 metros. Descem e sobem a pista de Cufar, onde montamos sempre segurança, voando em círculos ou espirais para evitar sobrevoar as florestas, as zonas IN: Em quarenta minutos de voo, uma pessoa põe-se em Bissau. É seguro ? Até hoje tem sido" (...).

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > O Ex- Alf Mil Op Esp Joaquim Mexia Alves, que pertenceu à CART 3492 (Xitole), ao Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Bambadinca) e CCAÇ 15 (Mansoa) (1971/73). Ele faz questão de dizer que nunca esteve sedeado em Bambadinca, mas sim no Mato Cão e no Rio Udunduma, destacamentos do Sector L1 (Bambadinca).

Eis o que ele dos disse a esse respeito: "Caros Carlos Santos e Luís Graça: Já devem estar a pensar que eu sou um chato!!! Mas a biografia oficial está mal. Com efeito, no meu tempo, o Pel Caç Nat 52 não esteve estacionado em Bambadinca. Quando vim do Xitole para o 52, estávamos no destacamento da Ponte do Udunduma e passados 1 ou 2 meses, fomos para o Mato Cão, onde já passámos o Natal de 1972.

"Eu ia a Bambadinca, sobretudo nos primeiros tempos por força do comando do Pelotão e porque na Ponte do Udunduma estava perto! Do Mato Cão, fui directamente para Mansoa, para a CCAÇ 15 que acabei por comandar, substituindo o célebre Cap Comando Patrocinio, pois era o Alferes mais antigo. Durante a minha permanência na CCAÇ 15, tive ainda dois capitães, um do Quadro, outro Miliciano, mas que não se fizeram por lá velhos!

"Aproveito para enviar ao Luís Graça, uma foto oficial, tirada mesmo antes do embarque para a Guiné (que poderá substituir a outra, se assim entenderes, para mim é-me igual), bem como o Louvor que me foi dado na CCAÇ 15 e o Brigadeiro Comandante Militar da Guiné, considerou como seu. Faz dele o que quiseres!!! ... Depois deste louvor ainda fiquei na CCAÇ 15 mais três meses, até 22 de Dezembro de 1973. Desculpem lá estes preciosismos! Abraço amigo e até Pombal. Joaquim Mexia Alves".

Louvor conferido ao Alf Mil Joaquim Mexias Alves por três meses que esteve na CCAÇ 15 (Mansoa, 1973), "demonstrou sobejamente possuir qualidades de comando, competência e interesse no cumprimento de todas as missões de que fora incumbido.

"Tendo muita conferência no comando de tropas africanas e sendo profundo conhecedor dos seus problemas, facilmente se impôs ao pessoal do seu grupo de combate, que galvanizou com o seu exemplo, aprumo, pontualidade e alto critério de Justiça.

"Elemento destemido e corajoso, sempre ocupou os lugares de vanguarda nas acções e operações em que tomou parte, arrastando com o seu exemplo o pessoal para o completo cumprimento da missão.

"Militar correcto e educado, com um puro sentido, disciplinado e disciplinador, sempre pronto a colaborar em tudo o que se lhe pede, grangeou geral estima dos seus superiores, camaradas e inferiores.

"Pelas qualidades mencionadas, conseguiu o Alferes Mexia Alves elevado prestígio entre as trpas africanas, que comandou e muito dignificou, pelo que muito me apraz apontá-lo como exemplo a seguir, merecendo este público testemunho ao terminar a sua comissão de serviço" (O.S. nº 45, de 8 de Novembro de 1973, do CTIG)

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2007). Direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves (17 de Abril de 2007):


Caro Paulo Santiago (1):

Como sabes esta tragédia [, a do Quirafo,] toca-me de perto, por todas as razões que então escrevi e não volto a repetir (2).

Faço aquilo que posso hoje pelos nossos camaradas e amigos que então morreram, rezo por eles.

Penso também no Lourenço e no seu Comandante, pois penso que, apesar da sua culpa, incompetência, e à distância de tantos anos, provavelmente será um gravíssimo problema nas suas vidas.

A justiça dos homens é outra coisa e se, apesar de tudo, a mesma não foi feita, oficial ou formalmente, ela não deixa de ser feita no pensamento daqueles que viveram o drama e dele deram conhecimento.

Acredito que nunca esperaram um tal terrivel desfecho, e por isso, repito, na sua consciência ainda hoje devem viver a terrível dor da responsabilidade. É com certeza uma forma de justíça.

Peço a Deus pelo Armandino (2), e por todos os que com ele pereceram, que não devem ter tido tempo sequer para perceberem bem o que lhes estava a acontecer.

Guardo-os no coração e penso nas suas famílias.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

2. Mensagem do editor do blogue enviada à tertúlia:

Paulo: Seria justo publicar o nome dos camaradas que morreram no Quirafo, faz hoje 35 anos... Tens alguma relação ? Vou perguntar à tertúlia... E já agora lançar um desafio: rezar pelos que morreram e perdoar àqueles dos nossos comandantes que cometeram erros graves, é o que nos resta ? ... É a guerra uma das poucas actividades (humanas) onde um comandante pode agir impunemente ?

Na sua velha sabedoria, o nosso povo dizia antigamente dos médicos: "Erros de médico e de calceteiro, a terra os cobre"... Acham que isso que se pode aplicar aos nossos comandantes (milicianos e do QP) na Guiné ? Eis um belo tema para um debate (que, a acontecer, se quer sereno)...

3. Segunda mensagem do Joaquim Mexias Alves (18 de Abril de 2007):

Caro Luís e Paulo:

(i) Acho que era uma homenagem. Eu não tenho a lista.

(ii) Não me parece que na guerra os comandantes tudo possam fazer impunemente. Aliás há casos, julgo eu, de comandantes punidos por incompetência e até por dolo, não só no estrangeiro, mas até na guerra do ultramar.

(iii) A minha vivência cristã leva-me a proceder do modo como referi no mail ao Paulo, o que não significa, que não considere que as acções erradas não devam ser justiçadas punidas. este caso há muitos factores a ter em conta, não só o facto do Lourenço ser miliciano, o que torna o seu comandante bem mais responsável do que ele, mas também outros factores de que poderemos falar em Pombal.

(iv) O perdão que possamos individualmente dar, não invalida de todo o acto praticado, e a responsabilidade no mesmo. O que afirmo, é que se as pessoas em causa ou quaisquer outras que tenham procedido de igual modo, forem conscientes, então a sua consciência lhes pesará pela vida fora, o que já é uma espécie de justiça.

(v) Ainda a meu ver, a falta de perdão, ou melhor o não perdoar, não atenua de modo nenhum a dor da perca daqueles que foram nossos camaradas e colegas de curso, como o Armandino foi em relação a mim e ao Paulo.

Haveria tanto para dizer mas em Pombal, poderemos falar com mais à vontade e tirar lições ou conclusões sobre este e outros assuntos com ele parecidos.

Fico contente, como calculam, pela entrada do Artur Soares (3), e fico à espera dos outros que contactei.

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)

(2) Vd. posts de:

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)

(3) Vd. posts de

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1667: Tertúlia: Apresenta-se o Furriel Mil Mec Auto Artur Soares, da CART 3492 (Xitole, 1972/74)

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1607: Artur Soares, ex- Furriel Mecânico Auto, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

Guiné > Nnacra e Catió > CCAV 1484 (1965/67) > Emblema da unidade


O Benito Neves, ontem e hoje. Ma Guiné, foi Fur Mil Atirador da CCAV 1484 (1965/67).

Foto: © Benito Neves (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Benito Neves, com data de 14 de Março de 2007, com o pedido formal de entrada na nossa tertúlia. Começo por lhe pedir desculpa, a ele e ao seu padrinho, o Victor Condeço, pelo atraso. Houve uma engarrafamento de trânsito nas minhas caixas de correio. Ou melhor: tem havido muito embrulhanço, no meu sector...A explicação, um pouco tosca e esfarrapada, está dada e é sincera.

O Benito já é dos nossos há muito. Só espero que por cá se sinta bem. Para já adorei as tuas palavras de grande camarada: que o blogue é mato e bolanha por onde te metes todos os dias, não já com o coração em sobressalto, mas com a emoção do reencontro, da redescoberta, da memória... Espero poder abraçar-te em breve, a ti e ao Condeço. Em Pombal ou noutro sítio. L.G.
_______


Quando oportunamente respondi ao Vitor Condeço, através do blogue, sobre "A Arte em Tempo de Guerra: Autor de Pintura Mural Procura-se (1) - post de 2 de Março de 2007 - jamais imaginaria ver, desde logo, o meu nome figurar entre os dos tertulianos, sem que, para tal, tivesse formalizado o meu pedido de adesão. Bondade tua, deferência que agradeço.

Ficou-me, então, a obrigação de apresentar o meu pedido, que hoje assumo de livre e expontânea vontade.

Assim, a seguir vão as informações necessárias e essenciais e, se tudo estiver na devida ordem, o teu douto critério decidirá:

Nome > Benito Augusto da Silva Neves
Profissão > Empregado bancário na situação de reforma
Idade > 64 anos
Estado > Casado, 3 filhos, 8 netos
Morada > Rua de Angola, nº. 8 - 2º. Dtº. 2200-390 Abrantes
Tlm > 962705543
Endereços electrónicos >

benito.neves@pluricanal.net

benito.neves@hotmail.com

benitoneves@gmail.com

Posto > Ex-Furriel Mil Atirador de Cavalaria
Unidade > Companhia de Cavalaria 1484 - Guiné 1965/67 (Nhacra e intervenção ao Sector de Catió de 8/6/66 a finais de Julho/67.

Referências ao blogue... quase me dispenso de as fazer. Mas digo que é mata e bolanha onde me meto e atasco todos os dias (com a melhor boa vontade), não por vício mas para continuar a sentir os sons, as cacimbadas, os medos e tudo o mais que faz parte das nossas recordações de há 40 anos. E é também a saudade das gentes, das tradições, dos usos e costumes que nos acicatam a vontade de voltar um dia.

Sem o sabermos e sem o querermos, reconhecemos muitos anos depois, que aprendemos a amar.

Parabéns, Luís

Um abraço

Benito Neves

Anexo as fotos regulamentares e o emblema da CCav 1484.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. 2 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1559: Ex-Alf Mil Avilez, da CCAV 1484, hoje professor de arte, foi o autor do mural de Catió (Benito Neves)

Guiné 63/74 - P1672: Guileje: a artilharia do PAIGC (Nuno Rubim)

Peça de artilharia 130 mm M-46, de fabrico soviético (ano de introdução: 1954). Este tipo de armamento foi usado pelo PAIGC contra Guileje em Maio de 1973, a partir do território da Guiné-Conacri. O seu alcance (máximo) é de 22,5 km.

Fonte: Wikipedia (em finlandês) (2007) (com a devida vénia...)

Guiné > PAIGC > 1973 > O temível morteiro 120 mm, usado contra contra os abrigos de Guileje (considerados os melhores do território). As granadas tinham uma espoleta de atraso, perfurante, permitindo um melhor desempenho, após uma perfuração inicial das estruturas dos abrigos.

Foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.


1. Há dias tinha mandado o seguinte email ao Nuno Rubim, coronel de artilharia na reforma, e especialista de renome. nacional e internacional, em história da artilharia, que está a colaborar com a AD-Acção para o Desenvolvimento no Projecto Guiledje:

"Fica com esta informação do ex-Alf Médico Amaral Bernardo, que passou por Guileje, e que eu conheci há dias no Porto, no ICBAS... Guileje tinha três peças 11.4, Bedanda é que tinha obuses... E Gadamael, também, se não me engano"...

2. Resposta do Nuno:

Luís:

Obrigado pela indicação sobre o 11,4 cm, que aliás já era do meu conhecimento (...).

Se julgares de interesse podes incluir as seguintes informações no blogue :

O Pepito foi a Cabo Verde e falou com os Cmdts Julinho de Carvalho e Osvaldo Lopes da Silva, os responsáveis operacionais no ataque a Guildeje, em Maio 1973. Colocou-lhes várias perguntas que eu sugeri, além daquelas que ele entendeu por bem e as respostas são muito satisfatórias, pese embora o tempo decorrido.

Agora vou estudar em detalhe essas informações e o ciclo continuará ...

Realmente a peça utilizada pelo PAIGC era o 130 mm M-46. O reconhecimento dos objectivos foi executado visualmente!

As munições do morteiro de 120 mm tinham efectivamente uma espoleta de atraso, perfurante, para permitir o rebentamento da granada já depois de ser obtida alguma penetração.

De acordo com um relatório oficial português que encontrei no AHM [Arquivo Histórico Militar],
no dia 16 de Maio [de 1973], isto é, dois dias antes do ataque, as três peças de 11, 4cm foram substituídas por 2 obuses de 14 cm (3). Agora se compreende a polémica sobre o assunto. Um deles veio sem aparelho de pontaria e não foi recebida nenhuma tábua de tiro ! Sem comentários ...

Esses 2 obuses foram pois abandonados, mas sem possibilidades de entrarem em acção e capturados pelo PAIGC.

Tenho uma fotografia desse facto.

Um abraço e também bom trabalho

Nuno Rubim
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)

2 de Fevereiro de 2007> Guiné 63/74 - P1489: Tertúlia: Formalizo o meu pedido de entrada (Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930)

(2) Vd. post de 27 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)
(3) Vd. pos ) t de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)