A 15ª estória do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 (1)
Hortelão e Talhante – A frustração do Amaral
por Jorge Cabral
Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra.
Junto à fonte o Amaral havia construído uma viçosa horta, na qual os tomateiros, as alfaces e as couves medravam fortes, e dera-lhe na cabeça fabricar presuntos utilizando quartos traseiros de onças. Desta actividade lembro o cheiro nauseabundo, que até os mosquitos afastava.
Um dia aconteceu. Três vacas do mato, bichos que pareciam burros, invadiram a horta, banqueteando-se, com as saborosas verduras, o que o deixou, em fúria. Ciente que o criminoso volta sempre ao local do crime, eis na manhã seguinte o Amaral, emboscado, pronto a vingar-se. Pum, pum, pum, três tiros certeiros, e logo, eufórico, pedindo-me para ir a Bamdadinca transaccionar a carne.
Desmanchados os bichos e face à avaria da única viatura, contratou carregadores, aos quais pagou. Fazendo de cabeça as contas, anteviu um lucro fácil que lhe atenuasse a dor da horta destruída. Chegados ao Batalhão, porém, o vaguemestre olhou, cheirou e concluiu. Carne estragada, imprópria para consumo. Catorze quilómetros ao tórrido calor ...tinham sido fatais.
Gastou dinheiro, perdeu a horta e nunca o vi tão triste. Para o animar, aventurei-me a provar dos seus presuntos. Intragáveis, quase vomitei...
Ai, Amaral, Amaral porque não te dedicaste à pesca!...
Jorge Cabral
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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