Foi ele - o "bom do major Brito" - que avisou, no Xime, o Alf Mil Jorge Cabral, do Pel Caç Nat 63, da chegada do novo comandante do BART 2917, militarista, aconselhando-o a cortar as suíças farfalhudas que trazia das férias em Lisboa... Carlos Brito é hoje coronel: espero que ele esteja bem de saúde e que um dia destes ainda possa aparecer por aqui na nossa tertúlia... Revi-o apenas em 1994, em Fão, Esposende .(LG)
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Mais um short story (1) do nosso amigo e camarada Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.
Calores femininos, fogo em Missirá
por Jorge Cabral
Julgo que aconteceu em Março [de 1971]. O dia decorrera em Alegria. Chegara a Missirá uma arca frigorífica a petróleo, oferta do Movimento Nacional Feminino (2), e cedo começaram as libações.
Seriam três ou quatro da manhã, sou abruptamente despertado. Tiros (?). Rebentamentos (?). Fogo! Saio do abrigo nu, e deparo com meio quartel a arder.
Ataque nunca podia ser! O Tigre já estava na Metrópole, Missirá era agora um oásis de paz, vigorando um tácito pacto de não-agressão (3).
Tinha sido a arca… Incendiando-se, provocara a explosão das latas de conserva e das garrafas, e por simpatia, das munições e das granadas, que se encontravam na arrecadação, contígua à cantina.
Alvoraçou-se Bambadinca. Recebi logo uma mensagem a prometer ajuda. E respondi: "Intensidade dos calores femininos arrasaram sólidos e líquidos. Reforços sim, mas bebíveis”. Não sei o que terá pensado o Polidoro Monteiro (4).
Creio, aliás, que uma empatia mútua se havia estabelecido, quando nos conhecemos, em Fevereiro [de 1971].
Chegara de férias e no Cais do Xime, o bom do Major Brito (5) avisara-me:
- Temos um novo Comandante, muito militarista. Não se apresente assim.- É que eu deixara crescer umas farfalhudas suíças que se uniam ao revirado do bigode. Por precaução fui ao quartel do Xime rapar a cara.
Entretanto a Coluna partiu…Meti-me ao caminho a pé, de farda de passeio e com uma mala na mão. Depois de Amedalai, encontrei um ciclista transportando uma velha e duas galinhas, a quem pedi boleia. E assim, tal como na história do velho, do rapaz e do burro, nos fomos revezando, entrando porém em Bambadinca todos na bicicleta, mais as galinhas, cena que foi presenciada pelo Polidoro, que já havia sido alertado para o meu desaparecimento.
Julgo que o Comandante, naquele momento, terá concluído pela impossibilidade de me recuperar, mas o certo é que o meu bizarro comportamento durante os últimos seis meses, foi por ele sempre tolerado.
... O impacto do ataque e do fogo, ou a estranheza da mensagem, chegou a Nova Lamego, e logo na manhã seguinte poisou em Missirá um helicóptero. O Coronel, Comandante do CAOP 2, vinha inspeccionar. Perguntou-me quanto tempo levava de comissão, na altura vinte e dois meses, se tinha problemas com as cargas, e afiançou-me ser impossível uma arca incendiar-se. Claro que instaurou o competente processo de averiguações e o boato correu: havia um alferes tão apanhado que deitou fogo ao quartel.
A minha inocência era, porém, óbvia!
- Apanhado, sim e sempre, mas nunca irresponsável - concluiu mais uma vez S. Polidoro.
Jorge Cabral
______
Nota de L.G.:
(1) Vd. último post da série,28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)
(2) Sobre a história do Movimento Nacional Feminino (que era muito gozado pela tropa), vd. depoimento da sua fundadora e líder, a Cecília Supico Pinto.
(3) Tigre [de Missirá]: referência à alcunha do Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, que regressou à Metrópole, depois de acabada a su comissão, antes de finais de 1970. O Pel CaçNat 63, comandando pelo Jorge Cabral, esteve em Missirá posteriormente.
(4) O último comandante do BART 2917 , sedeado em Bambadinca (1970/72). Spinolista, era considerado um oficial superior que gozava de respeito e prestígio entre os milicianos e as praças... Infelizmente já não está entre nós, ao que me disseram alguns membros da nossa tertúlia.
(5) O "bom do major Brito", em Fevereiro de 1971, só podia ser o antigo capitão Carlos Brito que comandou a CCAÇ 12 durante a nossa comissão (Maio de 1969/Março de 1971)... Ele foi promovido a major ainda no nosso tempo, - penso que justamente em Fevereiro, na altura da chegada, ao BART 2917, do tenente-coronel Polidoro Monteiro - e provavelmente ficou mais uns tempos em Bambadinca. Nós, milicianos e especialistas, fomos todos rendidos individualmente... De facto, não tenho ideia de o Major Carlos Brito ter embarcado connosco, no Uige, no regresso da casa...
Calores femininos, fogo em Missirá
por Jorge Cabral
Julgo que aconteceu em Março [de 1971]. O dia decorrera em Alegria. Chegara a Missirá uma arca frigorífica a petróleo, oferta do Movimento Nacional Feminino (2), e cedo começaram as libações.
Seriam três ou quatro da manhã, sou abruptamente despertado. Tiros (?). Rebentamentos (?). Fogo! Saio do abrigo nu, e deparo com meio quartel a arder.
Ataque nunca podia ser! O Tigre já estava na Metrópole, Missirá era agora um oásis de paz, vigorando um tácito pacto de não-agressão (3).
Tinha sido a arca… Incendiando-se, provocara a explosão das latas de conserva e das garrafas, e por simpatia, das munições e das granadas, que se encontravam na arrecadação, contígua à cantina.
Alvoraçou-se Bambadinca. Recebi logo uma mensagem a prometer ajuda. E respondi: "Intensidade dos calores femininos arrasaram sólidos e líquidos. Reforços sim, mas bebíveis”. Não sei o que terá pensado o Polidoro Monteiro (4).
Creio, aliás, que uma empatia mútua se havia estabelecido, quando nos conhecemos, em Fevereiro [de 1971].
Chegara de férias e no Cais do Xime, o bom do Major Brito (5) avisara-me:
- Temos um novo Comandante, muito militarista. Não se apresente assim.- É que eu deixara crescer umas farfalhudas suíças que se uniam ao revirado do bigode. Por precaução fui ao quartel do Xime rapar a cara.
Entretanto a Coluna partiu…Meti-me ao caminho a pé, de farda de passeio e com uma mala na mão. Depois de Amedalai, encontrei um ciclista transportando uma velha e duas galinhas, a quem pedi boleia. E assim, tal como na história do velho, do rapaz e do burro, nos fomos revezando, entrando porém em Bambadinca todos na bicicleta, mais as galinhas, cena que foi presenciada pelo Polidoro, que já havia sido alertado para o meu desaparecimento.
Julgo que o Comandante, naquele momento, terá concluído pela impossibilidade de me recuperar, mas o certo é que o meu bizarro comportamento durante os últimos seis meses, foi por ele sempre tolerado.
... O impacto do ataque e do fogo, ou a estranheza da mensagem, chegou a Nova Lamego, e logo na manhã seguinte poisou em Missirá um helicóptero. O Coronel, Comandante do CAOP 2, vinha inspeccionar. Perguntou-me quanto tempo levava de comissão, na altura vinte e dois meses, se tinha problemas com as cargas, e afiançou-me ser impossível uma arca incendiar-se. Claro que instaurou o competente processo de averiguações e o boato correu: havia um alferes tão apanhado que deitou fogo ao quartel.
A minha inocência era, porém, óbvia!
- Apanhado, sim e sempre, mas nunca irresponsável - concluiu mais uma vez S. Polidoro.
Jorge Cabral
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Nota de L.G.:
(1) Vd. último post da série,28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)
(2) Sobre a história do Movimento Nacional Feminino (que era muito gozado pela tropa), vd. depoimento da sua fundadora e líder, a Cecília Supico Pinto.
(3) Tigre [de Missirá]: referência à alcunha do Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, que regressou à Metrópole, depois de acabada a su comissão, antes de finais de 1970. O Pel CaçNat 63, comandando pelo Jorge Cabral, esteve em Missirá posteriormente.
(4) O último comandante do BART 2917 , sedeado em Bambadinca (1970/72). Spinolista, era considerado um oficial superior que gozava de respeito e prestígio entre os milicianos e as praças... Infelizmente já não está entre nós, ao que me disseram alguns membros da nossa tertúlia.
(5) O "bom do major Brito", em Fevereiro de 1971, só podia ser o antigo capitão Carlos Brito que comandou a CCAÇ 12 durante a nossa comissão (Maio de 1969/Março de 1971)... Ele foi promovido a major ainda no nosso tempo, - penso que justamente em Fevereiro, na altura da chegada, ao BART 2917, do tenente-coronel Polidoro Monteiro - e provavelmente ficou mais uns tempos em Bambadinca. Nós, milicianos e especialistas, fomos todos rendidos individualmente... De facto, não tenho ideia de o Major Carlos Brito ter embarcado connosco, no Uige, no regresso da casa...
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