Verso, manuscrito, de um bilhete postal enviado para um familiar em Lisboa, pelo nosso camarado Mário Beja Santos, devidamente estampilhado e com o carimbo do SPM (ilegível), datado de 10 de Setembro de 1968... Os três selos, iguais, no valor de $50 cada um, são evocativos das Aparições de N. Sra. em Fátima, 1917-1967, vendo-se a capelinha das aparições, em segundo plano, e em primeiro um monumento erigido ao Sagrado Coração de Jesus.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Cópia de uma página da brochura escrita por Paulo Raposo, com as suas memórias da guerra da Guiné. O Paulo foi Alf Mil da CCAÇ 2405 (1968/70). Fonte: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África. [Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997.
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.
Não acredito que seja o único a ter guardado bilhetes postais. Há os panos, a ourivesaria, a escultura, as próprias fotografias que não falam expressamente da guerra. Esses objectos de sutura são património valioso para as próximas gerações. Interrogo-me mesmo se tais objectos ainda nos pertencem, isto é, se são só nossos. Porque a partir do momento em que convivemos no blogue a sua riqueza patrimonial terá que assimilar as nosssas memórias, as nossas cartas, imagens, depoimentos. O valor do nosso blogue é essa construção e essa progressão.
Cópia de uma página da brochura escrita por Paulo Raposo, com as suas memórias da guerra da Guiné. O Paulo foi Alf Mil da CCAÇ 2405 (1968/70). Fonte: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África. [Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997.
Texto de Beja Santos, enviado em 7 de Novembro de 2006:
Caro Luís, caros tertulianos, estava ontem a dar uma aula de Turismo e Ambiente sobre bens culturais e ambientais à volta do património mundial e local. A leitura que me serviu de bússola foi A Política do Património, por Marc Guillaume (Campo das Letras, 2003).
Caro Luís, caros tertulianos, estava ontem a dar uma aula de Turismo e Ambiente sobre bens culturais e ambientais à volta do património mundial e local. A leitura que me serviu de bússola foi A Política do Património, por Marc Guillaume (Campo das Letras, 2003).
No blogue, imagens, textos, referências a relatórios, fiquem todos sabendo (se acaso ainda subsistem dúvidas) tudo é património, tal como a paisagem, os edifícios industriais ou o código genético. Mobilizamo-nos para esconjurar uma identidade que se pode perder. Somos uma máquina de memória, tal com um arquivo ou uma cidade protegida. Ao ampliarmos a nossa área de intervenção, registamos informação, tratamo-la e arquivamo-la. Quem quiser que a conserve e a coleccione de acordo com as referidas opiniões e interesses.
Para Marc Guillaume, há quatro modelos de conservação que se confrontam com uma realidade necessariamente hostil (a nossa passa pelo envelhecimento e o risco de que as nossas memórias sejam lançadas no caixote do lixo ou no puro esquecimento) e que são:
(i) a conservação colectiva/social (caso de um museu ou de um monumento);
(ii) a conservação privada/social (caso de uma colecção particular de obras de arte);
(iii) a conservação colectiva/individual (caso de um arquivo público com documentos privados);
(iv) a conservação privada/individual (caso de uma colecção de objectos constituída a partir de uma regra estabelecida por um indivíduo ou grupo).
No blogue, estamos a conservar e a coleccionar. Qual é a nossa matéria prima? Marc Guillaume chama-lhe objectos de sutura, ou seja, documentos e outros que visam remendar um buraco da memória: livros, cartas , fotografias, testemunhos, tudo ligado a uma ocasião e até mesmo a um evento traumático que podem estar guardados em sótãos, armários, álbuns, caixas com correio. Estes objectos de sutura são afectos que estão num limbo à espera de uma reorganização da memória.
Estamos pois a falar de coisas que conservamos desde que fizemos a guerra. Elas acumulam-se ou sedimentam-se de acordo com a necessidade que conferimos à nossa relação com o passado. São repositórios informativos de cujo valor há incerteza do juízo.
Procurando um exemplo concreto, creio que os testemunhos recentemente aqui enunciados sobre Guidaje podem pesar para uma interpretação historiográfica. Em 1973, sabe-se hoje, não havia condições para vencer o PAIGC: o abandono de quartéis, a ofensiva a Leste e Sul, o uso de mísseis pelo PAIGC sem nenhuma contrapartida para as tropas portuguesas, o próprio plano de ir desertificando o mato circunscrevendo as operações à volta de Bissau (Marcelo Caetano alude a este hipotético plano logo no primeiro livro que escreveu no Brasil , O Meu Depoimento), são algumas dessas manifestações.
Os episódios relatados têm, pois, virtualidades para serem examinados pela investigação. É uma abordagem das potencialidades do blogue. Volto aos objectos de sutura. Possuímos em sótãos e caves bilhetes postais, roncos, lembranças de vária índole que trouxemos da Guiné. Andam ali sem préstimo nem atenção, um pouco como as gravuras rupestres de Foz Côa: estavam lá há milhares de anos, foi preciso chegarem os cientistas e darem por elas. Neste caso, temos que ser nós, espontânea e deliberadamente a ir aos sótãos e caves e trazê-los para o coordenador do blogue.
Não acredito que seja o único a ter guardado bilhetes postais. Há os panos, a ourivesaria, a escultura, as próprias fotografias que não falam expressamente da guerra. Esses objectos de sutura são património valioso para as próximas gerações. Interrogo-me mesmo se tais objectos ainda nos pertencem, isto é, se são só nossos. Porque a partir do momento em que convivemos no blogue a sua riqueza patrimonial terá que assimilar as nosssas memórias, as nossas cartas, imagens, depoimentos. O valor do nosso blogue é essa construção e essa progressão.
Com fraternidade vos apelo: vão aos sótãos e às caves à procura de mais objectos de sutura!
Mário
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