Guiné-Bissau > Região Leste > Bambadinca > Missirá > 1970 > Pelotão de Caçadores Nativos 54... "Antecipo o que naquela noite, lá pelas duas horas, aconteceu. Um deslumbramento. Ouve-se forte barulho de vozes, de cânticos. Levantam-se os militares. Com olhares extasiados (...)" (TM)
Foto: © Mário Armas de Sousa (2005). Direitos reservados
Escreve-me, o fim da tarde de ontem, o Torcato Mendonça esta nota, com bonomia, sabedoria e humor:
Luís Graça:
Leio certos textos e, apesar de gostar, sinto que... não foi aquela a minha guerra.
Comento com o C. M. dos Santos, por telemóvel ou escrito. Há dias ele pedia-me para eu falar de certos assuntos. Curiosamente respondi-lhe:
- Só falado...
E o Beja Santos escreve aquele e-mail. De facto nem tudo se diz (1). Mas a História tem que ser feita: Em verdade. Os cronistas do reino finaram-se.
Li a visita do Ten-Cor Pimentel Bastos ao Cuor (2). Em Mansambo foi recebido como as imagens documentam. Dissemos-lhe:
- Viver assim é muito duro! - As imagens atestam-o.
Dedilhando a tecla, sem interesse nem intenção de enviar, acabei por escrever esse texto em anexo... Não é crítica a nada nem a ninguém. A vida da [CART ] 2339 foi dura para todos nós...
(i) Foi a intervenção – conhecíamos bem o Mato Cão e Enxalé e a última operação foi a poucos dias do embarque;
(ii) Foi a construção do quartel...
(iii) Foram as autodefesas...Foi... E ponto final.
Leio textos de gente que passou bem pior. Era a guerra!
Depois escrevo.
Um abraço,
Torcato Mendonça
Verdi a Régulo do Cuor
Antecipo o que naquela noite, lá pelas duas horas, aconteceu. Um deslumbramento.
Ouve-se forte barulho de vozes, de cânticos. Levantam-se os militares. Com olhares extasiados, a que assistem?
Vestidos de deslumbrantes fatos, seis escravos - Fulas claro - com os corpos reluzentes pelos finos óleos neles passados. Seguram, apoiando nos fortes ombros, um doirado andor. Escravas fulas, belas nos seus trajes, ladeiam-no, seis de cada lado. Seguram varas de rico pálio, em damasco e debruado a oiro. Verdi, sentado naquele andor, sorri deslumbrado.
O Régulo do Cuor segue á frente de enorme séquito. A ladeá-lo virgens empunhando archotes. Jovens cantores entoam cânticos em honra de Verdi.
A tudo, de cuecas, a maioria, assistiam atónitos os militares.
Pára o séquito. Rebentam cascatas de luz – género S. João do Porto (visto do lado de Gaia).
Acordo e grito:
- Que raio de guerra é esta? Eu nunca lá estive.
Os Deuses devem estar loucos. Nunca! Eles nunca estão loucos. Eu é que estou. O que li não está escrito. Sonhei ou, na minha loucura, não leio lendo. Melhor, junto letras e fantasio textos.
Calmamente sinto que vou adormecer. Lá muito ao fundo, ouço acordes de La Traviatta. À volta do leito, duas de cada lado, quatro escravas empunham enormes leques de plumas de Aves do Paraíso. Uma suave brisa envolve-me.
Eunucos… Paro…
- EU NÃO ESTIVE LÁ !!!
Grito:
- VERDI A RÉGULO DO CUOR JÁ!
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 23 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1308: Doces mentiras, amargas verdades (2): as nossas (in)comunicações (Beja Santos)
(2) Vd. post de 22 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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