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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26171: Fotos à procura de... uma legenda (187): O fotógrafo, o então cmdt da CCAÇ 2796, "Gaviões" (Gadamael, 1970/72), Morais Silva (hoje cor art ref) pergunta se seria Cabedu... Vejam se o podem ajudar, que ele quer arrumar os "slides"...



Foto nº 29A


Foto nº 29B


Foto nº 29C


Foto nº 29D


Foto nº 29E


Foto nº 29D


Foto nº 29F




Foto nº 29 

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Península de Cubucaré > Vista aérea de uma tabanca e  destacamento das NT  em  finais do ano de 1971 > Será o destacamento de Cabedu ?, pergunta o fotógrafo... Ao fundo, avista-se o rio Cacine,,,

Foto (e legenda): © Morais da Silva (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Cor art ref Morais da Silva:

 (i) cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar (será depois professor de investigação operacional na AM, durante cerca de 2 décadas);

 (ii) no CTIG, foi instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, em 1971/72;

 (iii)  “avancei no fim de janeiro de 1971 para o comando da CCaç 2796,  em Gadamael,  quando da morte em combate do seu comandante, meu camarada de curso e amigo Capitão de Infantaria Assunção Silva; fiquei, a meu pedido, no comando desta companhia até ao fim da comissão em outubro de 72”;

 (iv) fez parte do Grupo L34, na Op Viragem Histórica, no 25 de Abril de 1974; 

(v) membro da nossa Tabanca Grande, com c. 150 referências no blogue:


1. O cor art ref Morais Silva  andava a "rearrumar" fotos do seu álbum da Guiné. Mas tinha umas tantas, sem legendas (*)... São vistas aéreas, tiradas de avioneta (civil ou da FAP) quando um dia, em finais de 1971, foi fazer uma visita de cortesia, camaradagem e amizade ao Augusto José Monteiro Valente (1944-2012), cmdt da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedu, 1970/72) (precocemente falecido, com o posto de maj gen ref).

Na altura, ele comandava, desde janeiro de 1971,  a CCAÇ 2796, os "Gaviões", em Gafamael. Deixou  ao cuidado dos seus homens o  aquartelamento de Gadamael (que, logo, por azar, foi flagelado nesse dia, mas felizmente   sem consequências). 

A caminho de Catió tirou umas tantas fotos ("slides", aliás de excelente qualidade), incluindo uns quatro ou cinco do quartel e reordenamento de Gadamael.  

Reconstituindo o seu perscurso de avioneta (DO 27 ou Cesdsna), deve ter seguido para sul, ao longo do rio Cacine, sobrevoado Cacine (**) e atravessado a península de Cubucaré (que é delimitada pelos rios Cacine e Cumbijá), para chegar finalmente a Catió (***).

Recorde-se que, na altura, em finais de 1971, o PAIGC ainda estava fortemente implantado no Cantanhez. A reocupão da pensínsula de Cubucaré começa em finais de 1972 (Op Grande Empresa).

Ele está a pedir à malta do blogue, que andou por estas bandas (Gafamael, Cacine, Cabedu, Catió, Cufar, Bedanda, etc.) para o ajudarem a legendar corretamene estas "vistas aéreas!" (fotos nºs 23 e 25, que já identificámos como sendo de Catió; nº 30, que respeita a Cacine; e agora esta, a nº 29; a próxima será a nº 20, e é de um reordenamento).

Vamos lá dar uma ajuda, que a memória já não é o que era... E  mesmo sabendo que muita malta, como eu,  nunca teve o privilégio de andar de avião no interior da Guiné, em serviço ou à boleia.




Guiné > Mapa Geral (1961) (Escala 1/500 mil) > Posição relativa de Gadamael, Cacine, Rio Cacine, Cabedu, Rio Cumbijã, Catió, Cufar e Bedanda... Cabedu era um das nossas guarnições militares que ficava na península do Cubucaré, delimnitada pelos rios Cacine e Cumbijã. O Cubucaré alberga hoje Parque Nacional das Florestas de Cantanhez (criado em 2008).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


2. Ficha da unidade  > CCAÇ 2796 , "Gaviões" (Gadamel e Quinhamel, 1970/72

Companhia de Caçadores n.º 2796
Identificação CCaç 2796
Unidade Mob: RI2 - Abrantes
Cmdt: Cap Inf Fernando Assunção Silva (falecido em combate em 24/1/1971) | Cap Art António Carlos Morais da Silva
Divisa: "Gaviões"

Partida: Embarque em 310ut70; desembarque em 10nov70 | Regresso: Embarque em 50ut72

Síntese da Actividade Operacional

Após uma curta permanência em Bissau, seguiu em 27nov70, para Gadamael e assumiu a responsabilidade do respetivo subsector em 01Dez70, em substituição da CArt 2478, ficando integrada no dispositivo e manobra do BArt 2865 e depois do BCaç 2930.

Em 1fev72 foi rendida pela CCaç 3518, tendo seguido para Quinhámel, por fracções, em 24jan72 e 2fev72. 

Em 22fev72, rendendo. a CCaç 2724, assumiu a responsabilidade do subsector de Quinhámel com destacamentos em Ponta Vicente da Mata, Orne e Ondame, colaborando na segurança e protecção das instalações e das populações e ainda nos trabalhos dos reordenamentos de Blom e Quiuta, na dependência do COMBIS.

Em 5set72, foi rendida no subsector de Quinhámel pela CCaç 3326, recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 87 - 2ª Div/4ª Sec, da AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002,pág. 398

(**) Vd. poste de 17 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26161: Fotos à procura de... uma legenda (185): O fotógrafo, o então cmdt da CCAÇ 2796, "Os Gaviões" (Gadamael, 1970/72), Morais Silva (hoje cor art ref) pergunta se seria Cacine... Vejam se o podem ajudar, que ele quer arrumar os "slides"...

(***) Vd. poste de 18 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26163: Fotos à procura de... uma legenda (186): O "gavião" que perdeu, não a "pena", mas... as legendas das fotos nº 23 e 25 do seu álbum... Ele pergunta se será Catió (...falamos do cor art ref Morais Silva)

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23594: Historiografia da presença portuguesa em África (332): Região de Tombali, "chão balanta"? [Cherno Baldé, n. circa 1960 / Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)]


Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J. P. Garcia de Carvalho (1949) (Desenho de A. Teixeira da Mota) (*)


I. Os militares portugueses que estiveram na Guiné, no período da guerra colonial / guerra do ultramar (1961 / 74), a começar pelos oficiais (quer do QP quer milicianos),  tinham muito poucos conhecimentos etnográficos e historiográficos sobre o território (a não ser alguns estudiosos como o oficial da Marinha, A. Teixeira da Mota e, claro, os agentes da administração colonial... e os missionários). 

Não admira, por isso, que haja por vezes, nos nossos escritos, informações erróneas ou menos precisas como, por exemplo, dizer que a região de Tombali é (ou era, naquele tempo)  "chão balanta". (**)

(...) "A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre,
ao longo dos anos, chão balanta.(...) (In:"Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, s/l, 2010, pág. 76)

É verdade que os balantas, nos anos 60, estavam em maioria, demograficammete falando e constituíam, só por si, o grosso da guerrilha.  Mas a sua presença na região não tinha mais do que 40 e tal anos... Vários grupos étnicos foram passando por aqui ao longo dos séculos, a começar pelos nalus... 

A este respeito, vamos reproduzir dois pontos de vista, guineenses, o do Cherno Baldé (assessor do nosso blogue para as questões etno-linguísticas) e o do nosso saudoso amigo engº agrónomo Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014), cofundador e líder histórico da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.


(i) Cherno Baldé (n. circa 1960, em Fajonquito, economista, vivendo em Bissau), comentário ao poste P23590 (**):

(...) Alguns esclarecimentos que se impõem sobre a situação da área de Bedanda, conforme descrita no presente Poste:

1. (...) "Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...) são aliciados pelo PAIGC. A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleno chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes."

Efectivamente, como descrito no incio deste parágrafo, os Balantas no sul não estão no seu práprio "chao", são imigrantes que vieram do Norte onde está situado o seu chão, mais ou menos na região situado entre os rios Geba e Cacheu ou Farim. 

Bedanda, assim como toda a Peninsula de Cubucaré (maior parte da região de Tombali, que vai de Guileje até Cabedu na foz do rio Cumbijã), é chão Nalu, mas que estava sob domínio Fula desde a segunda metade do Século XIX. 

Por isso os régulos assim como os Chefes de Tabancas são da etnia Fula sem surpresas porque estão em terras conquistadas a ferro e fogo quando a presença portuguesa na zona se limitava a alguns presidios e feitoras, nomeadamente Bolama e, mais tarde, Buba, para contrariar ao avanço do exército do estado fula de Futa-Djalon. 

Foram os portugueses que promoveram e encorajaram o regresso de Nalus e Biafadas às suas terras de origem donde tinham sido expulsos pelos novos conquistadores vindos das montanhas de Boé e de Futa-Djalon, estando praticamente acantonados em algumas ilhas e zonas de tarrafo nos rios e na costa maritima. E, ironia do destino, serão estes (Biafadas e Nalus) os primeiros a se levantar contra a presença militar portuguesa no ataque ao quartel de Tite em 23 de janeiro de 1963.

2. (...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros." (...)

Evidentemente que sim, era o estado normal das coisas antes do eclodir da guerra em 1963. Para aquelas populações, o mais importante era a sua subsistência social e económica dentro dos limites e condições materiais que lhes permitiam sobreviver e não a guerra, num circuito comercial multissecular de trabalho e de troca de produtos que consideravam normalissimo, não fora as alterações repentinas, surgidas do conflito em presença e da vinda, cada vez mais numerosa de forças expedicionarias destinadas a impulsionar a contraguerrilha. 

E, na opinião de muitos analistas, teria sido esta a fase em que, de facto, os portugueses perderam a guerra, ao perderem a possibilidade do controlo da população, designadamente Balanta que, incompreendidos e maltratados acabaram por vacilar para o lado dos "terroristas" com os quais, à partida, não partilhavam os seus ideais politícos e nem tinham quase nada em comum, sendo a maioria de origem urbana e pertencentes a outras etnias do país e dos países vizinhos.

Estes relatos e bravatas de "heróis de Ponta Cabral" são muito tipicos dos primeiros anos do conflito quando a guerra ainda parecia quase "uma brincadeira de mau gosto de um punhado de pretinhos do Ultramar". (...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje  (1-7 de março de 2008)> Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, na altura com 87 anos e entretanto já falecido em 21 de janeiro de 2011, em Cadique, capital do seu reino. O rei dos nalus considerava o Pepito como "filho adoptivo". (***)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservad
os. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), engº agrónomo, cofundador e director da AD - Acção para o Desenvolvimento. Excertos do poste P3070 (**)

(...) O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez. (...)

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso (...). Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração (...).

(...) Parece (...) indiscutível que os Nalus eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

(...) Com a Convenção Franco-Portuguesa de 1886, procede-se a uma nova delimitação das possessões  do rei dos  Nalus: a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.(...)

(...) Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalus contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalus começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalus para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalus que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalus.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
  • Regulado de Guiledje: tabanca de Cafunaque (8 pessoas)
  • Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
  • Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, Artur Agusto Silva, recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3009 Nalus.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez. (...)

Em 1946 havia 1295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes. (...) 

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalus que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se, tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbijã, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. 

Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

(...) Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos. (...)

Se, nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973), a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico. (...) (****)

[ Selecção / revisão / fixação de texto/ negritos: LG ]
___________

Notas do editor:



quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21943: (D)o outro lado do combate (65): a morte de Areolino Cruz (Bafatá, 1944-Cubucaré, 1965), professor do ensino básico no Cantanhez (Jorge Araújo)

Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "Estudantes da escola Areolino Cruz",

(com a devida vénia)

 

 


Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "Dormitório da escola Areolino Cruz",




O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo.


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

A MORTE DE AREOLINO CRUZ OCORREU EM DEZEMBRO DE 1965, DURANTE A «OPERAÇÃO RESGATE» DA FORÇA AÉREA REALIZADA NA REGIÃO DE TOMBALI (CANTANHEZ)

- ERA PROFESSOR DO ENSINO PRIMÁRIO NA BASE DE CUBUCARÉ -

 

1. – INTRODUÇÃO


Promessa feita; promessa cumprida, conforme deixei expresso no P21000 (23.05.2020) - «PAIGC - Quem foi quem: Areolino Cruz, professor do ensino primário, que alegadamente terá perdido a vida ao tentar salvar os seus alunos durante um bombardeamento, em Cubucaré, em 17 de Fevereiro de 1964 (Cherno Baldé / Jorge Araújo)».(*)


De facto, a data acima não poderia estar correcta, fazendo fé em documentos rubricados pelo próprio Areolino Cruz, encontrados com datas posteriores, relativos ao desempenho da sua actividade de professor, em Cubucaré, razão para ter suscitado este "mistério".


Daí que, com a presente narrativa pretendemos esclarecer, em definitivo, este enigma, onde fazemos questão de cumprir o que havíamos prometido: (sic) "logo que saiba da verdadeira data e factos relacionados com a sua morte, faremos um texto com uma pequena biografia… para memória futura". (**)


Areolino Cruz, de nome completo: Areolino Lopes da Cruz Júnior, filho de Augusto Lopes da Cruz e de Domingas da Rocha Cruz, nasceu em 14 de Janeiro de 1944 (6.ª feira), em Bafatá. Morreu, como se infere da nossa investigação, em Cubucaré, na Região de Tombali (Cantanhez), entre 17 e 20 de Dezembro de 1965, de acordo com as circunstâncias relatadas no ponto 3 deste texto.


Eis, então, o que conseguimos apurar.


2. – DIVULGAÇÃO OFICIAL DA OCORRÊNCIA


A notícia da morte de Areolino Cruz foi divulgada no Boletim mensal «LIBERTAÇÃO», Órgão de informação oficial do PAIGC, edição n.º 62, Janeiro de 1966, classificado de "número especial". O texto que abaixo citamos foi retirado da página 11.

 



O CAMARADA AREOLINO CRUZ MORREU NO SEU POSTO


Atingido gravemente durante um assalto colonialista às regiões libertadas do sul, caiu no seu posto o camarada Areolino Cruz, responsável da Educação e do Estado Civil no Comité Regional de Catió.


O camarada Areolino, que teve perante o inimigo um comportamento exemplar, impondo-se a todos os companheiros pela sua coragem e pelo seu sacrifício, foi ferido quando tinha passado o momento mais crítico da batalha, morrendo poucos instantes depois.


Tendo feito estudos liceais em Bissau e Portugal, o camarada Areolino, que contava apenas 22 anos de idade [incompletos], participou, logo após a sua admissão no Partido, nas primeiras missões de reconhecimento no nordeste do país, integrado numa formação de guerrilha. Tendo beneficiado posteriormente de uma bolsa de estudos, o nosso camarada foi durante algum tempo estudante da Universidade de Leninegrado.

 

 


A morte do camarada Areolino Cruz é uma grande perda para a nossa luta. O nosso camarada, que compreendeu progressivamente a razão do nosso Partido, tornou-se num dos melhores e mais dinâmicos militantes do sul do país, onde a sua acção muito contribuiu para o desenvolvimento da instrução. O seu nome fica, de resto, estreitamente ligado à acção do nosso Partido nesse domínio, pois foi o camarada Areolino que fundou, em Cubucaré (Chão dos Nalus) a primeira escola do Partido.


O nome do camarada Areolino Cruz ficará registado, para sempre, na memória de todos nós, inspirando a nossa coragem e determinação e reforçando a nossa dedicação ao Partido e à gloriosa luta de libertação do nosso povo.

 




Citação: (1966), "Libertação", n.º 62, Ano 1966, Janeiro de 1966,

Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Vasco Cabral
 

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44415 (com a devida vénia).


2.1 - CARTA DE CONDOLÊNCIAS ENVIADA POR LUÍS CABRAL A NINO VIEIRA, CMDT DA FRENTE SUL, EM 05JAN66


Luís Cabral (1939-2009), ao ser informado das diferentes ocorrências que envolveram a estrutura militar acantonada na região de Tombali (Cantanhez), e em substituição do Secretário-Geral, Amílcar Cabral (1924-1973), que à data se encontrava em Cuba, a fim de participar na «Primeira Conferência Tricontinental - Havana 1966», agendada para decorrer entre 3 e 15 de Janeiro, tomou a iniciativa de escrever uma carta a Nino Vieira, responsável pela Frente Sul, lamentando todas as más notícias, em particular as perdas humanas, onde, de entre elas, estava incluído o Areolino Cruz.


Do documento de duas páginas, citamos apenas os primeiros quatro parágrafos, precisamente aqueles que se relacionam com o presente objectivo.


Conacri, 5 de Janeiro de 1966 (4.ª feira)


Caro camarada NINO,


"Fazemos votos para que tu e os camaradas estejam gozando óptima saúde e prontos para darem mais um passo em frente na luta gloriosa pela libertação do nosso povo.


Lamentamos profundamente a morte dos camaradas e elementos do povo, durante os bombardeamentos que vocês sofreram na semana de 16 a 23 de Dezembro [p.p.]. Era de esperar que esta teria de ser forçosamente a reacção do inimigo, depois das perdas que sofreu durante a época das chuvas, em todos os pontos da nossa terra.


Estamos certos de que os bombardeamentos que vocês fizeram aos quarteis inimigos tiveram resultados positivos e que com os meios de que dispomos agora, vocês poderão intensificar essa acção, de grande interesse para a insegurança e desmoralização do inimigo.

Os camaradas de Cubisseco têm de reforçar o cerco ao inimigo e a vigilância para evitar que façam vitimas nos momentos de desespero." (…)

 


Citação: (1966), Sem Título, 
Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35063 (com a devida vénia).

 

3. – A «OPERAÇÃO RESGATE» DA FAP E OS SEUS FUNDAMENTOS

Como suporte documental, e bibliográfico, socorremo-nos do trabalho de investigação de José Matos. «A guerra das antiaéreas na Guiné (1965/1970), divulgado no P16968, cujo original está publicado na Revista Militar n.º 2601, de Outubro de 2018, citando, na íntegra, o texto que está relacionado com o histórico sobre este ponto:

 


Os primeiros ataques à antiaérea do PAIGC

Decisão:


A Força Aérea apercebe-se do problema em finais de 1965 e, rapidamente, o Comando da Zona Aérea de Cavo Verde e Guiné (ZACVG) lança uma operação de ataque para eliminar a ameaça. Em Dezembro de 1965, são mobilizados vários meios aéreos para a execução da «Operação Resgate». Dois aviões de patrulhamento marítimo P2V5 Neptune vindos da Ilha do Sal juntam-se, em Bissalanca, na Base Aérea n.º 12 (BA12), a um C-47 Dakota adaptado para bombardeamentos nocturnos, doze T-6G, um Dornier Do-27 e a um Alouette III.


A operação começa na noite de 17 de Dezembro de 1965 (6.ª feira), com o sobrevoo das posições da guerrilha na zona de Cafine pelo C-47 e o lançamento de granadas iluminantes. A guerrilha responde de imediato com fogo antiaéreo, sendo então bombardeada pelos P2V5 equipados com bombas de 750 libras (325 kg). Os bombardeamentos continuam ao longo da noite em mais três vagas de ataque e prolongam-se na noite de 19 de Dezembro (domingo), embora aí já sem resposta da guerrilha, tendo a operação terminado no dia seguinte (2.ª feira). Embora a reacção antiaérea tenha sido significativa, há apenas a registar, durante a operação, dois impactos em dois T-6G e um impacto num P2VC5, em ambos os casos sem consequências. (…)


4. – SÍNTESE BIOGRÁFICA DE AREOLINO CRUZ (19 / 22 ANOS)

       - FACTOS NARRADOS NO TEXTO OFICIAL


4.1 - EM 05JAN63 > INSCRITO NO ESTÁGIO DE JORNALISMO NO SENEGAL E BOLSA DE ESTUDOS PARA CURSAR MEDICINA


Dakar, 05 de Janeiro de 1963 (sábado)


Relatório sobre o trabalho do Bureau do PAIGC em Dakar, assinado por José E. Araújo

 



Citação: (1963), "Relatório sobre o trabalho do Bureau do PAIGC em Dakar", 
Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41403 (com a devida vénia).

 

4.2 - EM 10JUL63 > NA GUERRILHA COM NORBERTO ALVES (PIRADA)


 Pirada, 10 de Julho de 1963 (4.ª feira)

Caro [Pedro] Pires,


Saúde em primeiro lugar e acima de tudo. Nós vamos indo bem graças a Deus. O portador desta carta é um camarada que se encontra doente talvez por causa da frieza. Ele costuma ter dores na região lombar (?). É preciso tratá-lo bem para que ele possa voltar depressa porque é um elemento precioso para a nossa zona e é adjunto do nosso responsável. Ontem quando voltámos da sabotagem que fomos fazer em Pirada ele foi atacado fortemente por tal doença que só muito dificilmente pôde marchar em braços. Fomos obrigados a sair do mato essa noite e entregá-lo numa tabanca vizinha pois que chovia torrencialmente e ele não podia de modo nenhum estar exposto à intempérie… (P20994).

 


Citação: (1963), Sem Título, 
Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36865 (com a devida vénia).

 

4.3 - EM 30SET63 > COMO ESTUDANTE EM LENINGRADO - CHEGADA

Leningrado, 30 de Setembro de 1963 (2.ª feira)


Caro Luís [Cabral]


Faço votos ardentes que esta lhe encontre desfrutando duma óptima saúde, bem como todos os camaradas. Eu vou indo bem graças a Deus, após uma boa viagem. Começo por lhe apresentar as minhas desculpas por não ter escrito há mais tempo a dar notícias mas devo-lhe dizer que estive durante uma semana em Moscovo, sem saber o enderenço que havia de enviar, uma vez que me encontrava provisoriamente sem saber o tempo limite. Actualmente como já deve ter notado, encontro-me em Leninegrado [São Petersburgo após 1991] na Faculdade Preparatória de Línguas. (…)

 


Citação: (1963), Sem Título, 
Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral
 

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36462 (com a devida vénia).


4.4 - EM 17JUN64 > COM "GUIA DE MARCHA" PARA A "ZONA 11" A/C DE NINO VIEIRA


Conacri, 17 de Junho de 1964


"Vai o camarada Areolino Cruz apresentar-se ao camarada João Bernardino Vieira (Nino) na zona 11, para ser integrado nos serviços de instrução (ensino) no chão dos Nalus. O camarada Areolindo Cruz, que era estudante e tomou parte activa no complô contra o Partido, está sujeito a uma sanção suspensa de expulsão do Partido. Por isso, não tem quaisquer direitos de membro do Partido e deve ser rigorosamente controlado pelos responsáveis. Deve ser enviado um relatório mensal sobre a sua conduta, ao Secretário-Geral."

 


Citação: (1964), "Guia de Marcha", 
Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, 

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36462 (com a devida vénia).


4.5 - EM 22JUL64 > COMO PROFESSOR DO ENSINO PRIMÁRIO NA BASE DE CUBUCARÉ


Zona Sul [Cubucaré?], 22 de Julho de 1964 (4.ª feira)


Requisição de material escolar rubricada por Areolino Cruz

 


Citação: (1964), "Requisição de material de ensino", 
Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral,  

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40014 (com a devida vénia).

Sem mais…

► Fontes consultadas:

(1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07177.062. Título: Libertação. Número: 62. Ano: 1966. Data: Janeiro de 1966. Directores: Amílcar Cabral, Luís Cabral, Vasco Cabral e Dulce Almada. Observações: Órgão do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabra – Vasco Cabral. Tipo Documental: IMPRENSA.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04618.082.008. Título: Lamenta a morte de camaradas e elementos do povo durante os bombardeamentos. Remetente: Luís Cabral. Destinatário: Nino Vieira. Data: Quarta, 5 de Janeiro de 1966. Observações: Doc incluído no dossier intitulado correspondência dactilografada (de Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral para os Responsáveis da Zona Sul e Leste). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07075.147.014. Assunto: Relatório sobre o trabalho do Bureau do PAIGC em Dakar. Assunto: Relatório assinado por José Eduardo Araújo, remetido ao Secretariado Geral em Conacri, sobre o trabalho do Bureau de Dakar. Contactos oficiais, tentativa de conseguir audiências junto das autoridades do Senegal. Publicações do Bureau, nota de imprensa, discursos de Amílcar Cabral, declaração de Dezembro de 1960, dois últimos comunicados, etc.; vinda da Dulce [Almada] para o Boletim e programa de rádio. Enfermeiro de Ziguinchor. Inscrição de Areolino da Cruz no estágio de jornalismo. Questões dos ex-militares do exército colonialista. Oportunistas, regresso do Labery, Có e Mendy em Marselha; Barre, "Union des Forces Progressistes Capverdiennes". Lourenço [Gomes], requisição de fundos para missão. José Eduardo Araújo, bolsa de estudos. Data: Sábado, 5 de Janeiro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04611.061.015. Assunto: Informações sobre doença do portador da carta. Sabotagem em Pirada. Pedido de ajuda financeira para alimentos e munições. Borges, Bebiano, Konko. Remetente: Areolino Cruz, Kanfrandi Ká. Destinatário: Pedro Pires. Data: Quarta, 10 de Julho de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência manuscrita 1961-1964. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (5) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04619.102.034. Remetente: Areolino Lopes da Cruz. Destinatário: Luís [Cabral]. Data: Segunda, 30 de Setembro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência 2.º semestre 1963 (interna PAIGC). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (6) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04606.045.074. Título: Guia de Marcha. Assunto: Guia assinada por Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, fazendo seguir Areolino Cruz para se apresentar a João Bernardo Vieira (Nino), na Zona 11. Data: Quarta, 17 de Junho de 1964. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Cartas e textos dactilografados enviados por Amílcar Cabral 1960-1967. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (7) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07065.084.016. Título: Requisição de material de ensino. Assunto. Requisição de material de ensino, assinada por Areolino Cruz, para a zona Sul. Data: Quarta, 22 de Julho de 1964. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Material militar 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

08Fev2021
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