1. Texto chegado ao Blogue em mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 18 de Julho de 2014:
O sol brilhava e transmitia quase tanto calor como aquele que nos aquecia nos matos da Guiné. O céu limpo permitia uma extensão visual, que descia da elevação verde onde está implementado Oitavos, e perdia-se no horizonte em rumos para a Madeira, Açores e Novo Mundo. Uma brisa marítima, fresca e agradável, completava um ambiente harmonioso para conviver. Convívio entre amigos. Amizades consolidadas por tantas incertezas e sacrifícios. Se fosse um cronista oficial, poderia dizer, amizades que medraram pela solidariedade patriótica.
Não vem ao caso, mas naquela época ainda não havia
offshores, e a trafulhice não era à descarada. Entre nós, alguns de esquerda, onde comecei a dar atenção à política, todos sofríamos por igual, à parte uns bafejados pela cunha que lhes permitia gozarem as delícias de Bissau e arredores curtinhos. Mas a malta aguentava e alimentava a esperança de felicidades futuras. De um modo geral, e apesar das nuvens negras que se adensam sobre os nossos ares, temos vivido com alegrias, que devem sobrepor-se às tristezas, e dão-nos alento para os apetecidos encontros.
Quando lá cheguei com o Mata, viam-se viaturas no estacionamento amplo, mas do pessoal, nicles! Imaginei o pior, que se tinham antecipado numa desenfreada comezaina, e cheguei a recear pela minha parcela da ração. Acentuou-se o receio quando pus o pé no interior, e logo S.Exa. o Senhor Comandante, de rissol em punho fez avançar a proeminente pança, que isso de proeminências não é para todos, só para quem as merece. Um sorrizinho velhaco, e lá se desculpou, que só ele estava a comer, porque tinha jejuado até então. Em linguagem economicista, acho que se pode dizer, que S.Exa. o Senhor Comandante estava a rentabilizar o negócio. Logo a seguir levava outro rissol numa mão, e passeava um copinho com tinto, na outra, que ele orgulha-se de ser ambidestro. Entretanto eu ia levando uns porradões, que é uma forma simpática de cumprimento entre os veteranos. Agora que já dormi com pomadas milagrosas e as dores já amainaram, vou passar ao breve relato.
Fui conhecendo caras novas, quer de piriquitos, quer das respectivas piriquitas, todos abertos em sorrisos simpáticos e a pensarem que estavam no melhor dos mundos. À medida que se relacionavam, via-se que as conversas fluíam com à-vontade e alegria. Com um certo ar de revivalismo guineense, vieram dizer-me (seria uma queixinha?) que não havia água a bordo, o que é sempre desejável, não vá de acontecer a nau inverter-se de funções. Ainda assim, junto do gerente tomei conhecimento de uma indesejada rotura no percurso de abastecimento, que já durava havia uma hora, mas que o arroz estava garantido com água do Luso.
E tocou a reunir. Fui o último a sentar-me numa mesa quase de veteranos, onde pontificou um jovem casal principiante nestas andanças. A comedoria foi quase da qualidade da anterior, que me pareceu melhor servida. Mas o Esteva portou-se à altura, e foi secundado por um branco de Vale de Barris, em Palmela, adocicado do moscatel, que mereceu grandes encómios de alguns meninos brutos, então rendidos à frescura doce que lhes dava um certo ar... Eu cá não tenho preconceitos, sou como o Jacinto, mas vinho branco só o bebo às escondidas, ou em situações de restrição acentuada, e tem que ser seco. Para doçuras, já chegam as da minha psicóloga.
Com a aproximação das sobremesas, também estas a pedirem rectificação, pois acho preferível menos diversidade, mas melhor qualidade e mais quantidade, já se estrilhava na sala com conversas cruzadas, em correspondência com a descompressão que sucede aos combates. O António Graça de Abreu, muito atencioso, ia espalhando a sua mensagem, pela amostra de dois dos seus títulos livrescos, e ameaçava que lá para Setembro não sabe se voltará, se vai até à China. Pois se for, que faça boa viagem, e no regresso que traga mais versículos dos eróticos poetas de olhos em bico (se vier a provar-se esse ascendente sedutor sobre o elemento feminino, ainda vamos constatar a realização de plásticas entre alguns dos melhores de nós).
O balcão registava o fluxo daqueles carentes de lubrificações digestivas, e a manta de gente, alargava-se até ao exterior. Entretanto, providenciei a S.Exa. o Senhor Comandante, o incontornável prazer de receber as massas competentes, e certificar-se da boa disposição de cada um. Já no exterior, quedaram cinco "rapazes" à conversa, e como os toldos proporcionavam sombras muito agradáveis, ali nos sentámos à conversa, com o horizonte completo de um mar-chão, que aliciava para cruzeiros livres de Adamastores. O Manel Joaquim mostrava a grande capacidade para a palheta, o Rosales mano mostrava conhecer mais da Guiné que o Mata (estudou muita geografia e domina os azimutes), o Mata mostrava ser um sonhador da produção biológica (se alguém tiver um terrenozinho para horta e uma casa habitável, façam o favor de informar, que ele anda a sonhar com enxadas e outras alfaias), o Carlos Silva mostrava ares de satisfação e gozava o ambiente, e cá o escrevente mostra ser um cabeçudo, incapaz de segurar as ideias da conversa, para delas dar aqui testemunho verdadeiro.
Foto 1 - António Marques em conversa comum camarada náo identificado
Foto 2 - Mário Fitas, Gina (esposa do António Marques), Maria Helena (esposa do Mário e outra senhora não identificada
Foto 5 - Um trio de respeito: José Rodrigues, Carlos Silva e Francisco Palma
Foto 8 - Mário Fitas, Marcelino da Mata, António Graça de Abreu e José Dinis
Foto 24 - O Comandante Jorge Rosales (à direita) em conversa com Manuel Gonçalves (ao centro) e outro camarada não identificado
Foto 25 - António F. Marques, esposa Gina, António Maria e Jorge Pinto
Foto 26 - Jorge Pinto, Luís Moreira e o casal Fátima e Manuel Gonçalves
Foto 27 - José Rodrigues, camarada não identificado, Manuel Joaquim e Manuel Lema Santos
Foto 30 - João Martins, camarada não identificado, Marcelino da Mata e João Parreira
Foto 34 - António Graça de Abreu, Armando Pires, Carlos Silva e um camarada não identificado
Foto 36 - José de Jesus, Manuel Resende (fotógrafo oficial da Magnífica Tabanca da Linha) e José Rodrigues
Marcelino da Mata e Manuel Lema Santos conversando, "unidos" pelo amplexo do camarada não identificado
Fotos de Manuel Resende
Texto de JD
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Nota do editor
Último poste da série de 15 de Julho de 2014 >
Guiné 63/74 - P13402: Convívios (613): IX Encontro do pessoal da CART 3521, levado a efeito no passado dia 7 de Junho de 2014 (Henrique Castro)