O sol brilhava e transmitia quase tanto calor como aquele que nos aquecia nos matos da Guiné. O céu limpo permitia uma extensão visual, que descia da elevação verde onde está implementado Oitavos, e perdia-se no horizonte em rumos para a Madeira, Açores e Novo Mundo. Uma brisa marítima, fresca e agradável, completava um ambiente harmonioso para conviver. Convívio entre amigos. Amizades consolidadas por tantas incertezas e sacrifícios. Se fosse um cronista oficial, poderia dizer, amizades que medraram pela solidariedade patriótica.
Não vem ao caso, mas naquela época ainda não havia offshores, e a trafulhice não era à descarada. Entre nós, alguns de esquerda, onde comecei a dar atenção à política, todos sofríamos por igual, à parte uns bafejados pela cunha que lhes permitia gozarem as delícias de Bissau e arredores curtinhos. Mas a malta aguentava e alimentava a esperança de felicidades futuras. De um modo geral, e apesar das nuvens negras que se adensam sobre os nossos ares, temos vivido com alegrias, que devem sobrepor-se às tristezas, e dão-nos alento para os apetecidos encontros.
Quando lá cheguei com o Mata, viam-se viaturas no estacionamento amplo, mas do pessoal, nicles! Imaginei o pior, que se tinham antecipado numa desenfreada comezaina, e cheguei a recear pela minha parcela da ração. Acentuou-se o receio quando pus o pé no interior, e logo S.Exa. o Senhor Comandante, de rissol em punho fez avançar a proeminente pança, que isso de proeminências não é para todos, só para quem as merece. Um sorrizinho velhaco, e lá se desculpou, que só ele estava a comer, porque tinha jejuado até então. Em linguagem economicista, acho que se pode dizer, que S.Exa. o Senhor Comandante estava a rentabilizar o negócio. Logo a seguir levava outro rissol numa mão, e passeava um copinho com tinto, na outra, que ele orgulha-se de ser ambidestro. Entretanto eu ia levando uns porradões, que é uma forma simpática de cumprimento entre os veteranos. Agora que já dormi com pomadas milagrosas e as dores já amainaram, vou passar ao breve relato.
Fui conhecendo caras novas, quer de piriquitos, quer das respectivas piriquitas, todos abertos em sorrisos simpáticos e a pensarem que estavam no melhor dos mundos. À medida que se relacionavam, via-se que as conversas fluíam com à-vontade e alegria. Com um certo ar de revivalismo guineense, vieram dizer-me (seria uma queixinha?) que não havia água a bordo, o que é sempre desejável, não vá de acontecer a nau inverter-se de funções. Ainda assim, junto do gerente tomei conhecimento de uma indesejada rotura no percurso de abastecimento, que já durava havia uma hora, mas que o arroz estava garantido com água do Luso.
E tocou a reunir. Fui o último a sentar-me numa mesa quase de veteranos, onde pontificou um jovem casal principiante nestas andanças. A comedoria foi quase da qualidade da anterior, que me pareceu melhor servida. Mas o Esteva portou-se à altura, e foi secundado por um branco de Vale de Barris, em Palmela, adocicado do moscatel, que mereceu grandes encómios de alguns meninos brutos, então rendidos à frescura doce que lhes dava um certo ar... Eu cá não tenho preconceitos, sou como o Jacinto, mas vinho branco só o bebo às escondidas, ou em situações de restrição acentuada, e tem que ser seco. Para doçuras, já chegam as da minha psicóloga.
Com a aproximação das sobremesas, também estas a pedirem rectificação, pois acho preferível menos diversidade, mas melhor qualidade e mais quantidade, já se estrilhava na sala com conversas cruzadas, em correspondência com a descompressão que sucede aos combates. O António Graça de Abreu, muito atencioso, ia espalhando a sua mensagem, pela amostra de dois dos seus títulos livrescos, e ameaçava que lá para Setembro não sabe se voltará, se vai até à China. Pois se for, que faça boa viagem, e no regresso que traga mais versículos dos eróticos poetas de olhos em bico (se vier a provar-se esse ascendente sedutor sobre o elemento feminino, ainda vamos constatar a realização de plásticas entre alguns dos melhores de nós).
O balcão registava o fluxo daqueles carentes de lubrificações digestivas, e a manta de gente, alargava-se até ao exterior. Entretanto, providenciei a S.Exa. o Senhor Comandante, o incontornável prazer de receber as massas competentes, e certificar-se da boa disposição de cada um. Já no exterior, quedaram cinco "rapazes" à conversa, e como os toldos proporcionavam sombras muito agradáveis, ali nos sentámos à conversa, com o horizonte completo de um mar-chão, que aliciava para cruzeiros livres de Adamastores. O Manel Joaquim mostrava a grande capacidade para a palheta, o Rosales mano mostrava conhecer mais da Guiné que o Mata (estudou muita geografia e domina os azimutes), o Mata mostrava ser um sonhador da produção biológica (se alguém tiver um terrenozinho para horta e uma casa habitável, façam o favor de informar, que ele anda a sonhar com enxadas e outras alfaias), o Carlos Silva mostrava ares de satisfação e gozava o ambiente, e cá o escrevente mostra ser um cabeçudo, incapaz de segurar as ideias da conversa, para delas dar aqui testemunho verdadeiro.
Foto 1 - António Marques em conversa comum camarada náo identificado
Foto 2 - Mário Fitas, Gina (esposa do António Marques), Maria Helena (esposa do Mário e outra senhora não identificada
Foto 5 - Um trio de respeito: José Rodrigues, Carlos Silva e Francisco Palma
Foto 8 - Mário Fitas, Marcelino da Mata, António Graça de Abreu e José Dinis
Foto 24 - O Comandante Jorge Rosales (à direita) em conversa com Manuel Gonçalves (ao centro) e outro camarada não identificado
Foto 25 - António F. Marques, esposa Gina, António Maria e Jorge Pinto
Foto 26 - Jorge Pinto, Luís Moreira e o casal Fátima e Manuel Gonçalves
Foto 27 - José Rodrigues, camarada não identificado, Manuel Joaquim e Manuel Lema Santos
Foto 30 - João Martins, camarada não identificado, Marcelino da Mata e João Parreira
Foto 34 - António Graça de Abreu, Armando Pires, Carlos Silva e um camarada não identificado
Foto 36 - José de Jesus, Manuel Resende (fotógrafo oficial da Magnífica Tabanca da Linha) e José Rodrigues
Marcelino da Mata e Manuel Lema Santos conversando, "unidos" pelo amplexo do camarada não identificado
Fotos de Manuel Resende
Texto de JD
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Nota do editor
Último poste da série de 15 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13402: Convívios (613): IX Encontro do pessoal da CART 3521, levado a efeito no passado dia 7 de Junho de 2014 (Henrique Castro)
9 comentários:
O camarada não identificado é o jovem Castanheira, e esta foi a sua segunda presença na Magnífica.
Em relação à foto Nº 36, o camarada não identificado é o José de Jesus, da minha CCAÇ 2585, e é a 1ª vez que vem ao convívio.
O camarada que, na foto 1, conversa com o António Marques é o António Patrocínio, uma estreia nesta Tabanca da Linha. É solicitador em Nisa,donde veio de propósito para este encontro. É o mesmo "não identificado" que, na foto 27, está entre mim e o Zé Rodrigues, (um trio de furriéis mils. da CCaç. 1419).
A ver se a vista não me atraiçoa e completo as identificações:
Foto nº.1 - Patrocinio;
Foto nº.2 - Mulher de S.Exa.;
Foto nº.3 - Zé Rosales;
Foto nº. 27 - Patrocinio;
Foto nº. 30 - João Sacoto;
Última foto - Tózé Castanheira.
Nota: S.Exa. foi bem acolitado, apesar da nega que o cão lhe deu, com a desculpa de não gostar de arroz de marisco.
Abraços fraternos
JD
Mal...muito mal, não se falar doa ausentes queridos que por qualquer motivo, não puderam estar presentes. De SENHOR Veríssimo Ferreira
Ausentes! O único que merece uma menção honrosa é o Humberto.
Camarada Verríssimo,
V.Exa é sempre bem vindo, até desejado!
Mas daí até termos que referir a excelentíssima ausência, vai uma distância do... caraças!
Imagine que eu não citava um colombiano, e que ele depois, com a legitimidade que a cedência podia conferir aos biliões deste mundo, vinha pedir contas da falta de referência... seria uma grande chatice, quiçá na língua de Cervantes que tem uns palavrões muito aumentados pelo sonido.
Em vez de verrinar comigo, seria muito mais adequado e pedagógico, mandar o atestado que justifique a ausência, ou quer convencer-nos que a situação política o deixou num estado desgraçado? Vá mangar com outro!
Cá o escrevente
JD
Ordem, senhores, ordem!
Na foto nº 34, o camarada dado como não identificado é o camarada Francisco Palma.
Pronto, tenho dito.
armando pires
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