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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26398: Eufemismos: o "acidente com arma de fogo" como causa de morte (1): o caso o cap art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, cmdt da CART 1613 (Guileje, 1967(68), morto em São João, em 24/12/1966




guardião das memóras da CART 1613 e de Guileje (1967/68). 
Foi um histórico (e um entusiasta) do nosso blogue
 e o primeiro a "deixar-nos"...  Tem mais de 80 referèncias.




Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 8.° volume: Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné - Livro I, 1ª ediçáo. Lisboa, 2001,  pág. 224


1. Houve vários casos de homicídio, suicídio, automutilação, "fogo amigo", erro humano ou técnico, falha no manuseamento de arma de fogo, mina ou armadilha, etc,  ocorridos entre as NT, no TO da Guiné, e que originaram baixas mortais, tendo  invariavelmente sido tratadas, para os devidos efeitos (incluindo estatísticos) como "acidentes com arma de fogo". 

Trata-se de um "eufemismo", ou seja, um figura de estilo que usamos para, sem alterar o essencial do sentido,  encobrir, branquear, disfarçar ou atenuar factos, situações ou ideias  grossseiras, rudes, desagradáveis ou dramáticas, recorrendo a expressões mais suaves ("lerpar", por exemplo, em vez de "morrer", "levar um par de patins" em vez de "ser punido")...

O eufemismo é muito usado pelos seres humanos (não sei se os robôs já sabem usá-lo: depois de aprenderem a matar, aprenderão todo o resto). Os portugueses não são exceção. O eufemismo ajuda-nos a alijar a culpa, escamotear a responsabilidade, humanizar a tragédia, dourar a pílula, aligeirar a realidade, suportar o absurdo, fazer humor...e até "fazer amor" (outro púdico eufemismo).

No caso do meio militar, em tempo de paz ou de guerra, a expressão "acidente com arma de fogo" afeta menos o moral da tropa do que expressões ou vocábulos com "carga negativa" como fogo amigo, homicídio, suicídio., erro humano, falha técnica... Não sei como o exército, durante estes período de 1961/75, dava estas "funestas notícias" à família... De qualquer modo, o eufemismo também a ver com o pudor face à morte e sobretudo à "hipocrisia social".

Talvez por isso, por estas e outras razões, se prefirisse usar a expressão "acidente com arma de fogo" em vez  de "chamar os bois pelos nomes"...E no entanto as forças militares e militarizadas correm mais o risco de usar, indevidamente, as armas que estão à sua guarda... (Mas nós, convém dizê-lo,  não somos especialistas em ciências forenses, nem em justiça militar...)

Alguns destes casos já foram relatados aqui no blogue.. Vamos recapitulá-los, esperando com isso sistematizar esta matéria (que é melindrosa e dolorosa) e suscitar eventualmente novos contributos por parte dos nossos leitores.... Em tempo de paz ou de guerra, estes casos não chegam, em geral,  ao conhecimento público. Não chegavam ontem (nem hoje, apesar da liberdade de imprensa)...


2. Foram contabilizadas durante a guerra colonial (1961/75), no conjunto dos combatentes dos 3 ramos das forças armadas (e incluindo os do recrutamento local), em Angola, Guiné e Moçambique:

  • 10425 baixas mortais ("mortos"), por todas as causas (combate, acidente e doença),
  • a par de 31300 feridos graves (3 feridos graves por cada morto; 10 feridos, graves e não graves, por cada morto)
No TO da Guiné, esses números foram os seguintes:

  • 2854 mortos (dos quais 1717 em combate);
  • 9400 feridos graves.
"Excluindo as milícias", os mortos do Exército na Guiné foram os seguintes, discriminados por principais causas:

  • Ferimentos em combate = 1273 (58,5%)
  • Acidente com arma = 251 (11,5%)
  • Acidente de viação = 166 (7,6%)
  • Acidente de aviação = 2 (0,0%)
  • Afogamento = 138 (6,3%)
  • Outras causas  = 66 (3,0%)
  • Doença = 281 (12,9%)
  • Total= 2177 (100%)
(Fonte: adapt de Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra em África". Lisboa: Guerra e Paz Editores, 2021, cap. II, pp. 97 e ss.)

Pelo menos, cerca de 12% das mortes no TO da Guiné foram devidas a "acidente com arma de fogo"... 

Estarão aqui, nestes casos,  as situações, mais frequentes de falhas no manuseamento de minas, armadilhas, dilagramas,  granadas de LFog e de armas pesadas, disparos acidentais com pistolas, pistolas-metralhadoras, espingardas automáticas, erro humano ou técnico, etc.,  mas também "fogo amigo", homicídio, suicídio, automutilação...



3. O caso do cap art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz é, inegavelmente, um dos que podemos classificar como homicídio.

 O autor, confesso, do crime, o soldado Cavaco,   foi condenado em Tribunal Militar a 23 anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole. Vejamos, sumariamente, como tudo ocorreu.

Na vésperas da noite de Natal de 1966, uma tragédia vai ensombrar a história da CART 1613/BART 1896, a companhia que estava em IAO em São João, na região de Quinara, frente á ilha de Bolama, e que iria, seis meses depois, para Guileje (onde esteve, como unidade de quadrícula,  de junho de 1967 a maio de 1968). 

BART 1896, mobilizado no RAP2, Vila Nova de Gaia, esteve originalmente destinado a Angola. Tinha desembarcado em Bissau em 18 de novembro de 1966 (e regressaria à metrópole em 18 de agosto de 1968).  (Além da CCS, e da CART 1613, era formado ainda pela CART 1612 e CART 1614.).

No livro da CECA (8.° volume: Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné - Livro I, 1ª ediçáo. Lisboa, 2001,  pág. 224) diz-se que "o cap mil art com o nº mecanográfico 1036/C", de seu nome Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, a comandar a CART 1613, foi vítima  de "acidente com arma de fogo" (sic), ocorrido no aquartelamento de S. João (e não Cachil...), vindo a morrer a 24 de dezembro de 1966 no HM  241, em Bissau.(*)

 (Há aqui, parece-nos,  um erro a corrigir: O cap art Fausto Ferraz não era milicino, pertencia ao QO, e foi-lhe,  "a posteriori", feita a correção de antiguidade, ao abrigo da Lei 15/2000, de 8 de agosto:  alferes com a antiguidade de 1 de novembro de 1952; tenente com a antiguidade de 1 de dezembro de 1954; capitão com a antiguidade de 1 de dezembro de 1956; major com a antiguidade de 25 de Maio de 1966; na ficha da unidade, publicada pela CECA aparece como "cap mil grad art"; o seu nome também não consta da lista dos antigos cadetes da Academia Militar mortos ao ao serviço da Pátria durante a Campanha do Ultramar, 161/74).

O malogrado cap art Fausto Ferraz (de que não temos, infelizmente, qualquer foto) foi inumado no cemitério da Conchada, em Coimbra. Era casado com Maria Fernanda Ferreira da Costa, filho de Manuel Fonseca Ferraz e Ana Rosa Manteigas, sendo natural da freguesia de Pousafoles do Bispo, concelho de Sabugal.

Houve testemunhas desse funesto acontecimento. O cap SGE ref José Neto (1929-2007), um dos históricos do nosso blogue (**), contou-me (e depois contou-nos), antes de morrer,  que o autor dos disparos foi o soldado condutor autorrodas José Manuel Vieira Cavaco. 

O Cavaco era madeirense, tendo recebido na véspera de Natal provisões remetidas pela família, entre elas uma garrafa de aguardente de cana de açúcar (rum da Madeira) (ou mais provavelmente poncha, a bebida tradicional da Madeira, feita de aguardente de cana-de-açúcar, açúcar ou melaço de cana e sumo de limão). 

Já não poderemos confirmar se era rum da Madeira, só regulamentado em 2021,   ou a tradicional poncha da Madeira, cuja produção e comércio também só foi regulamentada há uns anos atrás, em 2014, pelo Governo Regional da Região Autónoma da Madeira; de qualquer modo,  o rum tem um teor alcoólico minimo de 37,5º, superior à poncha (25º).

Chegado à Guiné há pouco mais de um mês, a CART 1613  estava em S. João, frente a Bolama, em treino operacional.

A mobilização para a Guiné (em vez de Angola), as andanças do batalhão e da companhia, 
as saudades da terra, a incerteza face ao futuro, as recordações do Natal na ilha e a poncha (ou o rum)  fizeram uma mistura explosiva. 

Sob o efeito do álcool, e sem qualquer motivo aparente, o Cavaco abateu a tiro o comandante da companhia, "alferes de artilharia, graduado em capitão", Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, na véspera de Natal, 24  de dezembro de 1966.

Creio que feriu mais militares. O Zé Neto, na altura 2º sargento a exercer as funções de 1º srgt,  "teve que o esconder para ele não ser linchado" (sic). (***)


3. Voltemos ao relato do Zé Neto (que foi a principal testemunha):

(...) No dia 25 de Dezembro [de 1966] vieram dois helis com oficiais que indagaram, investigaram, fotografaram e regressaram a Bissau sem o Cap Corvacho, que ficou a comandar, interinamente, a companhia. (...)

Inicialmente, na orgânica do Batalhão, o Cap Corvacho era o oficial mais antigo no seu posto e desempenhava as funções Oficial de Pessoal e Reabastecimento.

Eu já tinha lidado com ele em Brá, pois foi o oficial instrutor dum processo disciplinar que exigi ao comandante, na iminência de ser punido por uma infracção de trânsito - excesso de velocidade da viatura que me transportava - apenas em face da participação dum furriel da PM [Polícia Militar] e dum sistema de deteção de velocidade discutível.

O Cap Corvacho (que tinha o curso de Polícia Militar) levou as suas averiguações até ao mínimo pormenor e concluiu – e assim o exarou no final do processo – que a minha ordem ao condutor (não dada, mas assumida) de ultrapassar uma camioneta do BENG [Batalhão de Engenharia] que travou ao ver a patrulha da PM, foi a adequada para evitar a possível colisão, e o excesso de velocidade assinalado pelo aparelho, 12 Km/hora (62-50) em nenhum momento pôs em perigo a circulação na faixa contrária. (...)

O primeiro ato de comando do Capitão Corvacho foi mandar formar a companhia. A sua breve alocução resumiu-se a:

 
– Estou aqui para vos comandar até à chegada do novo comandante que há-de vir da Metrópole. Enquanto esta situação se mantiver vou exigir-vos o máximo e dar-vos todo o meu apoio. A minha primeira exigência fica já aqui: O que se passou esta noite foi uma tragédia que, contada e recontada, pode vir a sofrer deturpações que em nada favorecem a companhia. Por isso não vos peço que esqueçam, mas sim que não alimentem as coscuvilhices de Bissau e acho que a melhor resposta que podemos dar aos curiosos é: Isso é um assunto interno da companhia, ponto final.

Mandou destroçar e convocou os oficiais e sargentos para uma reunião. Disse-nos que queria o pessoal o mais ocupado possível. Que fossem à lenha, que fossem jogar a bola, que fossem banhar-se na praia, e que o resto do programa de treino operacional era para cumprir no duro.

Depois chamou-me à parte e fomos dar uma volta para conhecer o quartel – eu tinha chegado ali na véspera, pois tinha ficado em Brá a tratar da papelada e pedi para ir passar o Natal com os “meus rapazes” – e a nossa conversa andou à volta da situação algo calamitosa em que se encontrava o setor da alimentação com os desvarios que o Furriel vagomestre tinha apontado na reunião.

Ficou assente que eu não ia regressar a Bissau no dia 27, como estava previsto, e ficava em São João a fazer um balanço e pôr um pouco de ordem no setor administrativo enquanto ele ia tentar tirar a pele ao pessoal até fazer deles uns combatentes de verdade.

Em princípios de janeiro de 1967, a CART 1613 que regressou a Brá para ficar como companhia de intervenção à ordem do Comando-Chefe, era outra. 

Entretanto chegou a Bissau o oficial nomeado para comandar a companhia, o Capitão de Artilharia Lobo da Costa, e gerou-se um pandemónio dos diabos.

Eu nunca tinha visto, nem achava possível, uma manifestação de soldados. Mas o que é certo é que, por organização espontânea, a minha tropa foi postar-se frente ao gabinete do comando do batalhão a gritar:

 – O nosso comandante... é o capitão Corvacho!

Com a voz embargada pela comoção, o Capitão Corvacho disse-lhes:

– Vocês não sabem o que me estão a pedir… mas fico na companhia. Vou trocar as funções com o vosso novo comandante. Ponham- se a andar.

Toda a companhia, desde o Básico ao Alferes mais antigo, compreendeu aquela decisão do Homem que trocava o sossego da Messa e da Gestetner (máquinas dactilográficas e policopiadoras) pela terrível G3. (...)

PS - Acrescente-se que a quadra natalícia, coincidência ou não, parece que era propícia à ocorrência de baixas mortais (os nossos camaradas do Portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar publicaram uma lista de cerca de seis dezenas de combatentes, dos 3 TO, que tombaram na véspera e no dia de Natal, por todas as causas, incluindo acidente com arma de fogo, acidente de viação e afogamento. Talvez houvesse mais álcool a correr, nesses dias...
 

4. Eis um excerto do relato do Zé Neto sobre o julgamento do Cavaco, realizado um ano depois em Bissau. (O cap inf Eurico Corvacho ficará entretanto no lugar  do cap art Fausto Ferraz, não sabendo nós o destino que foi dado ao cap art Lobo da Costa que o vinha substituir) (****)


(...) No final do ano [1967], eu, o furriel Martins e o 1º cabo Santos fomos chamados a Bissau para depor no julgamento do soldado Cavaco . O Tribunal Militar funcionou nas salas do tribunal civil e, em duas sessões, ficou tudo resolvido. 

O Cavaco deu-se como culpado e o seu defensor, um tenente miliciano de Administração Militar que era advogado, apenas se deu ao trabalho de procurar provar atenuantes para reduzir a pena.

Tanto eu como o furriel e o cabo respondemos apenas às perguntas que nos foram formuladas. O tenente, a certa altura, perguntou-me qual era a minha opinião sobre o comportamento do réu, anterior aos factos.Gerou-se uma pequena quezília processual entre o promotor e o advogado que acabou com o juiz auditor (civil) a intrometer-se e declarar que aquele Tribunal tinha a obrigação de conhecer o caráter do réu e, naquele momento, ninguém mais conhecedor do que o depoente (eu) podia responder a perguntas que levassem a fazer um juízo acertado.

Fiquei sob o fogo cerrado, ora de um, ora de outro, com respostas curtas, quase sim e não. O coronel presidente acabou por me interpelar dizendo-me que, por palavras minhas, classificasse a qualidade de soldado do réu. Respondi com convicção:

– Um excelente e infeliz soldado.

A pena foi de vinte e três anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole. Nunca mais o vi, mas tive notícias de que o rapaz não cumpriu nem metade da pena. (...) (***).
______________


Notas do editor:

(*) Vd. poste de 
13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)
 
(**) Vd. postes de:


10 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P417: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26169: Elementos para a História dos Pel Art - Parte II: a artilharia de campanha estava bem representada no CTIG, com 34 Pel Art, e 47% das do total (=283) das bocas de fogo

 

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1973 > 15º Pel Art > Obus 14 cm.... O heróico obus de Gadamael... 

Foto do nosso amigo e camarada J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil inf op esp/ranger, CCAV 8350 (Piratas de Guileje) e da CCAÇ 11 (Lacraus de Paunca), que passou por Guileje, Gadamael, Nhacra, Paúnca, entre 1972 e 1974...

Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados Blogue. [ Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]. 

 



Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



1. Além das antiaéreas, a arma de artilharia mobilizou unidades próprias de apoio de fogos (artillharia de campanha) (#). Foram usados diversos modelos de bocas de fogo no CTIG, nomeadamente:

  • os obuses britânicos 8,8 cm m/43, e 14 cm m/43, além da peça 11,4 cm m/46;
  • os obuses alemães  R 10,5 cm m/41 e K 10,5 cm m/41.
Na Guiné, a artilharia de campanha estava muito descentralizada, chegando a ter no final da guerra mais de 3 dezenas de Pel Art , espelhados pelo território, tanto no interior como ao longo das linhas de fronteira. Cada um dispunha em geral de 3 armas (às vezes 2). 

Os Pel Art, em 1972 e 1973, estavam uniformente espalhados pelo território (de acordo com o quadro que se reproduz acima):
  • Zona Oeste > 13
  • Zona Sul > 11
  • Zona Leste > 11

Os valores constantes do quadro são relativos sobretudo ao dispositivo em 1972 (incluindo os primeiros 29 Pel Art, numerados de 1 a 29). Depois, em 1973, foram acrescidos mais 5, chegando aos 34 do final da guerra. 

Houve, entretanto, de 1972 para 1973 significativas alterações (trocas de guarnição, de modelos de bocas de fogo, etc.) 

Em 1 de julho de 1973, por exemplo, o 15º Pel Art (que estave em Guileje até 22/5/1973) foi colocado em Gadamael (14 cm). E,  segundo a "ordem de batalha" de 10/4/1974, é o 15º Pel Art (14 cm) que está em Gadamael (e já não o 23º Pel Art, 10,5 cm, como consta do quadro acima reproduzido).

Nessa data, em Jemberém está o 5º Pel Art (10,5 cm). E o 17º Pel Art (14 cm) está em Chugué... O 4º Pel Art (10,5 m) está em Empada... O 30º Pel Art (14 cm) mantem-se em Catió, tal como 14º Pel Art (14 cm) continua em Aldeia Formosa, e o 31º Pel Art (14 cm) em Bajocunda...

Em Buba está o 19º (14 cm) (em 1972 estava em Canquelifá)... O 2º Pel Art (10,5 cm) está agora em Fulacunda.  Em Ganjauará está agora o 6º Pel Art (10,5 cm )(em 1972 estava em Tite)... 

Tite, por sua vez, tem agora o 10º Pel Art (14 cm) que estava em Cuntima...

O 8º Pel Art (10,5 cm) continua em Pirada, na fronteira com o Senegal. Enquanto em Canqueliá está o 27º Pel Art (14cm) (que em 1972 estava emFarim)... O 28º Pel Art (14 cv,) que estava em Sare Bacar e Bafatá foi "socorrer" Buruntuma... Piche passa a ter o 14 cm (já não havia granadas para a peça 11,4...). 

Entre Nova Lamego e Piche, ficava Dara, que continua pachorrentamente com o seu 16º Pel Art (10,5 cm). Tal como em Camaju, o 3º Pel Art (10,5 cm). Sare Bacar, na fronteira Norte, com o Senegal, contnua como 22º Pel Art e com os obuses 10,5.  

Bafatá foi despromovida: o 29º Pel Art (10,5 cm) deve ter cedido auma boca de boca alguém mais aflito... O 20º Pel Art (10,5 cm) continua de pedra e cal no Xime (agira com a CCAÇ 12 como unidade de quadrícula), mas a artilharia não chega ao coração do IN (Ponta do Inglês / Poindom, margem direita do Rio Corubal), é preciso ajuda de Ganjauará (na península de Gampará)...

Na zona oeste, vemos a pacata S. Domingos com o 25º Pel Art (10,5 cm), que vem do antecente (1972). O mesmo se passa com Ingoré (33º Pel Art, 10,5 cm). E com Bachile, com o 21º Pel Art (10,5 cm). Guidaje está mais calmo, depois dos acontecimentos de maio de 1973: continua a ter lá o 24º Pel Art (10,5 cm). Em Bigene, por sua vez, a defendre a integridadeas fornteiras, está lá o 18º Pel Art, com os seus temíveis obuses 14 cm. E em Cuntima, o 23º Pel Art (10,5), que trocou com Gadamael, "a ferro e fogo" (em maio/junho de 1973): tem uma secção em Jumbembem e outra em Canjambari... (Mesmo só uma boca de fogo mantem a rapaziada do PAIGC à distância..., do outro lado da fronteira ou nas suas confortáveis imediações.)

Enfim, uma verdadeira dansa (absolutamente esquisofrénica...) da nossa artilharia de campanha, dando resposta a alterações (cada vez mais imprevisíveis) da situação militar no terreno... 

Os Pel Art, no final da guerra, dão a impressão de serem como 112, ou sejam, uma "barata tonta", como aqui escreveu o cor art ref Morais Silva: não têm mãos a medir, a "apagar fogos"... 

Amigos e camaradas: só com tempo, vagar e muita paciència poderíamos atualizar o quadro que elaborámos com os dados fornecidos pelo ten cor Pedro Marquês de Sousa, e que são sobretudo respeitantes ao ano 1972. (Felizmente, para ele, não conheceu os vários infernos do CTIG...).

Na Guiné a Bateria de Artilharia, sediada em Bissau (mais tarde,  Grupo, GA7 / GA 7) funcionava como unidade territorial, para efeitos de instrução, administração e gestão logística). Recorria-se essencialmente a praças do recrutamento local, sendo os graduados oriundos da metrópole.

Segundo Pedro Marquês de Sousa, nas três frentes da guerra de África chegaram a estar presentes 283  bocas de fogo de artilharia (31,4% em Angola; 47% na Guiné; e 21,6% em Moçambique) (op. cit, pág. 197). 

A evolução da artilharia de campanha, na Guiné, foi a seguinte ao longo do tempo:

  • 1963 > 1 bateria
  • 1964/65 > 6 Pel Art
  • 1966/67 > 12 Pel Art
  • 1968 > 15 Pel Art 
  • 1969 > 20 Pel Art
  • 1970/73 > 29 Pel Art
  • 1974 > 34 Pel Art.
Estes números também são reveladores da escalada da guerra no CTIG.

No final da guerra, predominavam os seguintes modelos de bocas de fogo:

  • Obus 10,5 > 20 Pel Art
  • Obus 14 >  12 Pel Art
  • Peça 11,4 > 2 Pel Art (só existia no CTIG)
  • Obus 8,8 > 1
As bocas de fogo eram posicionadas em espaldões  dentro do perímetro dos aquartelmentos e destacamentos. Eram usadas na resposta aos ataques e flagelações do IN, mas também no apoio às NT em operações no mato.


2. Comentário do nosso camarada C. Martins,que comandou o 15º Pel Art (14 cm) em Gadamael, em 1973/74. (Beirão, hoje médico reformado,  nunca se increveu formalmente na Tabanca Grande, por razões pessoais,  profissionais edeontológicas, mas é um leitor assíduo e ativo, com mais de 35 referências no blogue)  (##):


Caro Camarada Luís Graça:


 (...) Para tua informação e de todos os camaradas, éramos reabastecidos por batelões só com granadas,  espoletas e cargas e outro material só para o Pel Art.

Ía em média uma vez por mês[ o batelão]. Como é evidente, este stock foi feito durante vários meses. Não tínhamos restrições, mas conseguiu-se aumentar o stock falseando os gastos,  isto é gastavámos menos do que dizíamos para Bissau. Isto tinha como única finalidade não sermos apanhados com as "calças na mão".

Nos intervalos das flagelações, coçavámos a micose mas também repunhamos granadas e etc. lavavamos os obuses ( "tocar punheta", na gíria artilheira, sim que ao lavar o tubo aquilo parecia mesmo isso), [fazíamos} pequenas reparações, etc..

.Quando era necessário vinham mecânicos de Bissau no mesmo dia de heli até Cacine e depois de sintex ou zebro até Gadamael.

Onde guardávamos tanto material ? No paiol, obviamente, que tinha a porta aberta e cada um servia-se à vontade. Um dia dei-me ao trabalho de contar os cunhetes de munições de G3 e cheguei aos 400 e depois desisti.

Cada granada pesava 45 kg (...)  e cada tiro custava 2.500$00  [c. 600 euros, a preços de hoje].

Tínhamos 3 companhias,  1 Pel Art (52 militares e não trinta), 1 pelotão de canhões s/r, 1 pelotão  de morteiros 81, e 2 pelotões de milícias, no total éramos à volta de 600 militares. (##)


_____________________

Notas do editor:


(#) Último poste da série > 18 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26162: Elementos para a História dos Pel Art - Parte I: Manuel Friaças, ex-fur mil art. 1º Pel Art (14 cm) (Cameconde e Cacine, 1971/73); vive em Aljustrel

(##) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9460: Lições de artilharia para os infantes (2): Cada granada de obus 14 pesava 45 kg e custava 2500$00 (C. Martins, ex-comandante do Pel Art, Gadamael, 1973/74)



quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26149: Agenda cultural (868): Por ti, Portugal, eu juro!: documentário, de Sofia Palma Rodrigues e Diogo Cardoso (Portugfal, 2024, 98 minuto), sobre o drama dos Comandos Africanos da Guiné... Estreia mundial no doclisboa 2024, e agora nos Cinemas


 Cartaz do filme Por ti, Portugal, Eu Juro! | Realizadores: Sofia de Palma Rodrigues e Diogo Cardoso | Documentário: POR, 2024, 98 min, M/12  | Trailer (oficial) aqui, no You Tube.






(i) durante a Guerra Colonial, milhares de africanos combateram ao lado das Forças Armadas Portuguesas e arriscaram a vida por uma pátria que acreditavam ser a sua;

(ii) depois do 25 de Abril, quando Portugal se retirou dos territórios que ocupava em África, estes militares foram deixados para trás;

(iii) cinquenta anos depois, contam, pela primeira vez, a sua história e acusam o Estado português de abandono e traição.


Público > Cinecartaz > Sinopse (... com um disparate de todo o tamanho: "Portugal recrutou 1,4 milhões de militares africanos...")


(i) Diogo Cardoso, Sofia da Palma Rodrigues e Luciana Maruta, jornalistas da revista digital Divergente, publicaram a reportagem Por ti, Portugal, Eu Juro!

(ii) o trabalho, dividido em quatro capítulos, foi o resultado de uma longa investigação sobre como, durante a Guerra do Ultramar (1961-1974), Portugal recrutou 1,4 milhões de militares africanos para combaterem em Moçambique, em Angola e na Guiné, ao lado das tropas portuguesas;

(iii) esses homens, que lutaram por uma pátria que sentiam como sua, foram abandonados à sua sorte logo após a independência;

(iv) depois de muitos deles terem sido alvo de perseguições, prisões e fuzilamentos, ainda hoje aguardam o reconhecimento e as pensões de sangue e invalidez que lhes foram prometidas na altura:

(v) a reportagem, que recebeu o primeiro prémio na categoria de Meios Audiovisuais da edição de 2022 do prémio da Comissão Nacional da UNESCO e da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, foi entretanto transposta para este documentário, realizado por Sofia de Palma Rodrigues e Diogo Cardoso.  



(i) durante a Guerra Colonial (1961-1974), milhares de africanos combateram ao lado de Portugal e arriscaram a vida por uma pátria que acreditavam ser a sua.

 (ii) a mesma pátria que, depois da Revolução de Abril, os abandonou à sua sorte;

(iii) 50 anos depois, os Comandos Africanos da Guiné continuam a reivindicar as pensões de sangue e invalidez que lhes foram prometidas;

(iii) este grupo foi a única tropa de elite do Exército português integralmente constituída por pessoas negras, pessoas que tomaram a dianteira das operações mais difíceis e protegeram os militares oriundos da metrópole;

(iv) reivindicam, até hoje, um lugar na História. Contam relatos de guerra, perseguição e morte;

(V) dizem-se abandonados e traídos por um Estado que os usou, explorou e, por fim, descartou.


Livro > Por Ti, Portugal, Eu Juro! A história dos comandos africanos da Guiné",  de Sofia da Palma Rodrigues (Lisboa, Tinta da China, 2024, 104 
pp.)"


Wook > Sinopse

(i) durante a Guerra Colonial (1961-1974), Portugal recrutou 1,4 milhões de militares para combaterem em Moçambique, em Angola e na Guiné;

(ii) um terço destes soldados eram africanos, na altura cidadãos portugueses que foram obrigados pelo Estado a cumprir o serviço militar;

(iv) este livro foca-se num universo muito específico deste contexto: os comandos africanos da Guiné, que integraram as três companhias criadas pelo então governador António de Spínola e constituíram a única tropa de elite do Exército português integralmente composta por militares negros;

(v) depois do 25 de Abril de 1974, estes homens foram abandonados por Portugal, o país que os obrigou a cumprir o serviço militar e pelo qual lutaram;

(v) 50 anos depois, contam pela primeira vez a sua história;

(vi) querem que o Estado português lhes devolva os direitos ganhos no campo de batalha e cumpra as promessas feitas;

(vii)  este livro resulta de uma reportagem da Divergente.

(viii) o filme homónimo estreou no dia 19 de outubro de 2024 no âmbito do DocLisboa - 22º Festival de Cinema Internacional. 

Sinopse curta: um livro que foi uma reportagem e é também um filme, sobre os comandos africanos da Guiné que integraram as companhias criadas por António de Spínola e foram forçados a combater pelo exército português durante a Guerra Colonial.


“Fomos obrigados a ir para a guerra. Ninguém se podia esconder. Se o fizéssemos, a nossa mãe, o nosso pai, podiam ser presos e nós seríamos considerados fugitivos... Lutámos por Portugal, jurámos-lhe fidelidade e, depois da independência, fomos totalmente abandonados, como carne para canhão. Ficámos assim: filhos sem pai e sem mãe!” 

Julião Correia foi um dos mais de 400 mil militares africanos que combateram do lado de Portugal durante a Guerra Colonial (1961-1974). 

Homens que, na sua maioria, têm mais de 70 anos e correm o risco de desaparecer sem que os seus testemunhos tenham alguma vez sido filmados, sem que a sua história tenha sido documentada. 

Julião morreu em outubro de 2017, com 75 anos, poucas semanas depois de o termos entrevistado em Bissau.

 Com o fim da Guerra Colonial, e a retirada da tropa metropolitana dos territórios ocupados além-mar, os militares africanos que integraram o Exército português foram deixados para trás pelo mesmo país que os obrigou a combater. Ao mesmo tempo, foram também considerados traidores de raça e de classe pelas novas ordens políticas. 

Enquanto em Angola a maioria destes homens foram integrados nas Forças Armadas locais, e em Moçambique se constituíram Comissões de Verdade e Justiça, na Guiné-Bissau estas pessoas foram perseguidas e torturadas, havendo relatos de centenas de execuções sumárias. 

Além disso, a Guiné tinha ainda mais uma especificidade: era a única colónia a ter uma tropa de elite composta, desde a base (soldados) até ao topo (capitães) por africanos negros.

 As Companhias de Comandos Africanos da Guiné foram criadas em 1971 sob a alçada do então governador António de Spínola, que fez destes homens o seu braço-direito. 

Era nos comandos que Spínola depositava a última esperança de Portugal poder sair vitorioso da guerra na Guiné. Homens altamente treinados, que conheciam bem o terreno e tinham um elevado nível de preparação e resistência física; e que, rapidamente, se tornaram numa arma essencial da resistência contra o Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) durante a guerra. 

Num contexto em que o serviço militar era obrigatório, todos os homens acima de 18 anos que recusassem ir à tropa eram considerados desertores, pondo as famílias à mercê das ameaças da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). 

Muitos destes militares eram analfabetos e não tinham qualquer convicção política, desconheciam as razões que motivaram o conflito

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26148: Agenda cultural (867): Joaquim Costa lançou, em Gondomar, o seu livro "Crónicas de Paz e Guerra", no passado dia 9: uma casa cheia de amigos, colegas e camaradas

domingo, 13 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26041: A nossa guerra em números (26): Aceitemos, provisoriamente, o número (oficioso) de 437 "internacionalistas cubanos" que terão combatido ao lado do PAIGC, "de 1966 a 1975"


Guiné > Bissau > HM 241 > 1969 >  O capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. Fotograma, sem indicação de fonte (RTP ?). Cortesia da página do Facebook de António José Vale, 26 de maio de 2018. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné /2024), com a devida vénia...







Citação: (1963-1973); "Fernando de Andrade com um grupo de guerrilheiros do PAIGC e internacionalistas cubanos", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43457 (com a devida vénia). (*)

A maior parte destes combatentes seria de origem afro-americana, como parece deduzir-se desta foto de grupo. Segundo lemos algures,  Amílcar Cabral não queria gente de tez branca, dava muito nas vistas à CIA e às demais "secretas" dos países ocidentais... Por outro lado, era mais fácil para o PAIGC e seus apoiantes, tanto a nível interno como externo, justificar a presença de "estrangeiros" nas fileiras dos combatentes da liberdade da Pátria: os cubanos de origem afro-americano podiam ser apresentados e aceites como lídimos representantes dos escravos, brutalmente arrancados das suas aldeias e levados pelos "negreiros" para o Novo Mundo... Quanto ao Fernando Andrade, aqui referido, era irmão de Lucette de Andrade, esposa do Luís Cabral.  


1.  O número de "internacionalistas cubanos" (sic) que combateram na Guiné-Bissau, de 1965 a 1974, ao lado do PAIGC, é objeto de especulações, não havendo fontes independentes, válidas e fiáveis onde nos possamos basear para apontar o seu número exato. Tal como o número de baixas mortais.

Numa carta de 17 de agosto de 1966 remetida ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri, em Lisboa,  o  alf mil Pedro Barros e Silva , SPM 0368, escreveu o seguinte sobre o IN (**):

(...) "As secções do Exército Popular encontram-se fardadas, treinadas e armadas até aos dentes. E, para ajudar à festa, temos os russos e os cubanos (estes, pelo menos, já têm levado umas coças bastante razoáveis). Pensa-se que dentre em pouco estarão na Guiné mil ou mais cubanos.

"O material que o IN possuiu é o que de há de melhor pelos sítios. Só lhes falta aviação e marinha. De resto, postos-rádio, antiaéreas quádruplas, canhões sem recuo de infantaria (fala-se em obuses), bazucas, rockets, morteiros de 61, 82 e até talvez de 120, metralhadoras de todos os tipos e feitios, automáticas a dar com pau, enfim, estão mais bem armados que cá a rapaziada." (...)

Não sabemos ao certo a unidade a que pertencia o Pedro Barros da Silva, correspondente ao SPM 0368,  mas tudo indica, por outra carta do seu amigo Nuno Barbieri, 1º tenente fuzileiro especial, que estava colocado no Quartel-General, em Bissau, trabalhando  "numa repartição de nome estranho e pouca importância" (carta de 2 de maio de 1967).  Ou seja, estava na "guerra do ar condicionado" (que não podia ser para todos, porque alguém tinha que matar e morrer...).

De qualquer modo, o nosso camarada Pedro Barros e Silva deveria estar, em 1966,  mais bem informado sobre os cubanos (e os russos) que a maioria dos seus camaradas "do mato"...

No entanto, parece-nos "alarmista" a sua especulação sobre o número exponencial de cubanos (que dentro em breve poderiam chegar aos "mil ou mais", escrevia ele em meados de 1966...). E, seguramente,  "despropositada", no que diz respeito à presença de russos no território da nossa "Guinézinha": a Cilinha nunca os viu e eu também não... 

Quanto ao morteiro 120, só há notícia dele, em agosto de 1968,  utilizado pela primeira vez em Gandembel, na região de Tombali. As bases de fogos eram sempre localizadas no território da Guiné-Conacri. Foi utilizada, contra as NT, como arma de artilharia, e terá sido a arma mais mortífera do PAIGC. (Convirá lembrar que as NT não tinham, à exceção de Gandembel, Guileje e pouco mais, abrigos à prova do morteiro 120 mm. Os nossos "bunkers" eram literalmente "bu...rakos", escavados na terra, e com cobertura de terra, chapa de zinco e troncos de cibe...).

Embora próximo do poder (estando no QG), o nosso camarada Pedro Barros e Silva não estava assim tão bem informado, como fazia crer na carta que escreveu ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri (que, por ua vez,  ainda não deveria estar em idade de ir para a tropa...).

2. Sabemos que em 1966 o PAIGC terá recebido umas escassas três dezenas de cubanos, entre "instrutores militares" (de artilharia) (3), médicos (2) e "combatentes" (25). (***)

(...) " 1966: Abril – Chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo tenente António Lahera Fonseca;

"Junho – Chega por via marítima, ao Porto de Conacri, o grupo de 25 combatentes cubanos chefiado pelo tenente Aurélio Riscard Hernandez" (...) (**)

Nos anos seguintes (1967, 1969, 1970 e n1972) há notícia de chegada a Conacri de barcos com "pessoal militar e meios materiais", oriundos de Cuba, sem indicação das quantidades... Nem Cuba nem  o PAIGC tinha capacidade logística (barcos de transportes e instalações em Conacri)  para receber de chofre centenas e centenas de combatentes, entre 1967 e 1972. +E possível que, depois da independência, tenha aumentada o número de conselheiros militares cubanos na Guiné-Bissau.
O mais célebre (ou mediático) de todos os "internacionalistas cubanos" foi o capitão Pedro Rodriguez Peralta (****), capturado por tropas paraquedistas em 18 de novembro de 1969, no decurso da Op Jove.. 

Com ferimentos graves, foi enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, onde foi devidamente tratado. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão.

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da  extrema esquerda) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói (depois de esquecido, por incómodo, durante os anos de cativeiro)...

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo como "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guinén(técnica e legalmente falando). Além disso, Portugal e Cuba mantinham relaçóes diplomáticas, contrariamente à ex-URRS e demais países da Europa de Leste. 

Depois do 25 de Abril, mudou o estatuto do capitão Peralta: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974, após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo", membro da nossa Tabanca Grande.

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano.  

Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, durante a guerra da independência  (dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue). (De qualquer modo, é uma taxa de letalidade elevada: 2,05% e 3,89%, respetivamente.)

Mesmo assim, achamos inflacionado o número de combatentes cubanos (a menos que se incluia ainda, indevidamente,  o ano de 1975: aliás, desde meados de maio de 1974, deixou de haver combates entre as NT e o PAIGC) (*****).


3. Leia-se aqui um recorte do jornal "Granma", de 29 de maio de 2007:

Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau


Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR

Publicado: Martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

Autor: Dora Pérez Sáez | dora@juventudrebelde.cu


Jorge Risquet, miembro del Comité Central del Partido, conversa con el coronel Pedro Rodríguez Peralta, uno de los 437 cubanos que combatió en Guinea Bissau.

Foto: Franklin Reyes (não disponível)

El primer encuentro de internacionalistas cubanos residentes en Ciudad de La Habana, La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde desde 1966 hasta 1975 se efectuó en la Casa Central de las FAR.

En el encuentro participaron 190 combatientes que lucharon junto al Partido Africano para la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC) y su líder, Amílcar Cabral, hasta que alcanzaron su independencia.

El general de brigada (r) Harry Villegas, Héroe de la República de Cuba y vicepresidente de la Asociación de Combatientes de la Revolución, expresó que esta misión hizo reconocer a los portugueses la imposibilidad de seguir manteniendo el colonialismo.

«Esa misión fue, justamente, la que creó las posibilidades para la presencia masiva de los cubanos en África. No se trata solo de Guinea Bissau, sino de nuestra colaboración con otros países de ese continente, que culminó con la caída del apartheid».

En Guinea Bissau combatieron 437 cubanos, de los cuales murieron nueve. Desde el fin de la misión hasta el momento, han fallecido otros 51 compañeros.

El acto contó con la presencia de Jorge Risquet Valdés, miembro del Comité Central del Partido.

F0nte: Dora Pérez Sáez - Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau: Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR". Juventud Rebelde. ,martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:




Vd. também postes de:



14 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26027: Fotos à procura de... uma legenda (183): Antigos combatentes da Guiné-Bissau reivindicando, na festa da comemoração dos 50 anos da indepedÊncia, o aumento da sua pensão



Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > Cerimónia dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau > Desfile de um grupo de antigos combatentes do PAIGC.

Cartaz com os seguintes dizeres: "República da Guiné-Bissau | Combatentes da Liberda[de]
 da Pátria | Libertem-nos da pensão de 39000 francos CFA | Os libertadores".

Foto: Estúdios Revolución. Cortesia de Granma (2023) (*)



1. Por ocasião da comemoração dos 50 anos da Independência da Guiné-Bissau, no passado dia 16 de novembro de 2023, com desfile ao longo da Av Amílcar Cabral,  um grupo de antigos guerrilheiros, incluindo Aruna Baldé, empunhava um cartaz (vd. foto acima) a reivindicar o aumento da  pensão que recebem (39 mil francos CFA, o equivalente a 59,5 euros, à cotação atual  da moeda guineense).

(...) "A Lusa encontrou-o [,ao Aruna Baldé,
] com o seu grupo junto ao busto de Amílcar Cabral, ao fundo da avenida que leva o nome do herói da independência, para acompanhar, no desfile que marcou a celebração, os que, com a coragem com que combateram no passado, reivindicam agora uma pensão que lhes permita ter o mínimo para sobreviver e uma vida digna.

"Com os abutres a sobrevoarem os céus de Bissau, o busto de Amílcar Cabral não 'assistiu' aos festejos dos 50 anos da independência, celebrados fora de data -- Sissoco Embaló escolheu o Dia das Forças Armadas e não o 24 de setembro da proclamação unilateral da independência -, mantendo o olhar virado para o mar, que fica logo a seguir ao porto de Bissau." (...)


2. Mais entusiástica e retórica foi a notícia do jornal cubano "Granma", que deu conta da participação da delegação de Cuba nas cerimónias oficiais:

(...) Al frente de la delegación cubana, recibida con todos los honores y el cariño que la Mayor de las Antillas inspira por estas tierras, llegó a la avenida Amílcar Cabral el miembro del Buró Político y vicepresidente de la República, Salvador Valdés Mesa.

Hubo honores y agradecimiento para Cuba en la conmemoración, que dio inicio con la condecoración a varias personalidades unidas, de manera indisoluble, a la historia de Guinea Bissau.

Los primeros fueron dos internacionalistas cubanos: el comandante Víctor Dreke Cruz y el diplomático Oscar Oramas Olivas, quien ha sido embajador en varios países africanos. Ambos recibieron, de manos del presidente guineano, Umaro Sissoco Embaló, la Orden Nacional Colinas de Boe, la mayor condecoración que otorga el Estado de este país." (...)

(...) "Durante poco más de dos horas, la emblemática avenida Amílcar Cabral se desbordó con la alegría del pueblo guineano y la marcialidad de las tropas. Fue un vibrante desfile que rindió tributo a la historia de este país, y que contó con la presencia de varios jefes de Estado y primeros ministros de naciones amigas de Guinea Bissau." (...)

A jornalista cubana, que assina a peça,  não faz referância à luta do Aruna Baldé e demais "combatentes da liberdade da Pátria" que, de resto, não estragaram a festa do presidente Sissoco Embaló.  Curiosamente, e talvez por não ter entrendido a mensagem do cartaz, em português  (Os "lbertadores" a pedirem a "lbertação da pensão mínima"), o "Granma" inseriu, por equívoco, ou fora de contexto,  a foto que acima reproduzinmos, com a devida vénia.

Também mais uma vez ficámos sem saber, de fonte oficiosa, o número de "internacionalistas cubanos" que lutaram contra o "exército colonialista portuguesa" ao lado do PAIGC, de 1966 a 1974: já lemos alguns valores, muito díspares, que vão das escassas centenas a alguns milhares.... (Enfim, uma questão a desenvolver em próximo poste.)

Para já, talvez os nossos leitores queiram acrescentar algo mais à legenda da foto (***) ... Sem querer fazer comparações (nem  imiscuirmo-nos, nos assuntos internos da República da Guiné-Bissau) parece haver, em todo o lado, algumas semelhanças na injustiça (relativa) a que estão sujeitos todos os antigos combatentes de todas as antigas  guerras...


sábado, 3 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25804: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte II: c. 1500 mobilizados, 41 mortos


SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal- In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


1. Na "Intodução", Artur Ferreira Coimbra (n. 1956), escreveu:

"A Guerra Colonial foi um período fortemente traumatizante para toda uma geração de portugueses, que viveram, recriaram e pensaram o último meio século da vida colectiva deste país.

"Não esqueçamos que mais de um milhão de jovens com idade em redor dos 20 anos, impreparados, mal armados, deficientemente treinados, deslocados abruptamente das suas aldeias, vilas e cidades, passaram, em comissões com uma média de duração de 24 meses, pelas colónias de Angola, Guiné e Moçambique, sobretudo,  onde a espada da guerra foi mais acesa e o troar das metralhadoras mais acentuado. Com aquelas condições, o mínimo que se pode afirmar é que os nossos soldados deslocados para África foram autênticos heróis.

"Daquele número global, mais de 10 mil jovens tombaram, impunemente, na frente de combate ou em acidentes diversos, cerca de 120.000 foram feridos, mais de 20 mil ficaram estropiados ou deficientes para a vida e estima-se que cerca de 140.000 ficaram a sofrer de 'Stress Pós Traumático de Guerra', cujas consequências funestas nunca mais os abandonaram. (...)

"Do concelho de Fafe (...), foram coagidos a participar nos três teatros operacionais mais de 1500 jovens (...)"  (pp. 9/10)




Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): (i)  foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii)  tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii)  viveu em Angola até 1974; (iv)  licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v)  professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de cultura e desporto; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;  (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.



2. Estamos qa reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor),   excertos do  extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, na parte sobretudo que diz respeito a: ((i) introdução e contextualização (pp. 25-39); (ii)  mortos do concelho de Fafe, e nomeadamente no TO da Guiné, incluindo alguns testemunhos recolhidos pelo autor  (pp. 39-84).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal   Excertos ]  - Parte II (pp. 39-43)

por  Jaime Silva


(...) 6. A participação e enquadramento dos militares de Fafe durante a Guerra – Questões concretas a levantar

É já neste contexto (*) que os jovens de Fafe, como todos os jovens do seu país, foram também obrigados a contribuir para o esforço da guerra. Como a partir de 1961, início da guerra em Angola, nem todos foram mobilizados para África e nem todos tiveram uma especialidade de combate, será forçoso, por isso, colocar e tentar esclarecer um conjunto de questões, se queremos conhecer e perceber melhor qual o tipo de participação, enquadramento e grau de dificuldade na atuação de cada fafense durante os dois anos ou mais de comissão num dos três teatros de operações em África.

As questões que me parecem pertinentes levantar, pelas razões aduzidas, têm como referência a minha experiência pessoal no terreno de operações de um dos teatros de guerra, Angola (Norte e Leste), durante uma comissão que durou cerca de trinta meses, sempre operacional e durante a qual, em quase todas as operações de combate em que participei e comandei, houve tiros, confronto, guerrilheiros mortos ou feridos ou armas capturadas. 

Em consequência dos confrontos, um soldado do meu Pelotão foi morto na sequência de um assalto a um acampamento do MPLA nos Montes Mil e Vinte, outro ficou sem uma perna, devido ao rebentamento de uma mina (eu e mais dois soldados passámos pelo mesmo sítio e não pisámos a mina!) e um sargento ficou ferido na sequência do rebentamento de uma armadilha, todos no Norte de Angola.

Será com esta preocupação que tentarei, por isso, enumerar e encontrar a resposta a um conjunto de questões que me parecem mais pertinentes para compreender o envolvimento dos militares de Fafe, no contexto da sua atuação no âmbito das Forças Armadas, durante a sua Comissão de Serviço no Ultramar. Concretamente:

1. Quantos fafenses foram chamados às inspeções militares (às sortes) entre janeiro de 1961 e dezembro de 1974?

2. Quantos ficaram “aptos para todo o serviço militar” ou “livres de todo o serviço militar”, na sequência da “Inspeção Sanitária”, por doença crónica ou “grande cunha”?

3. Quantos cumpriram o serviço militar na Metrópole ou nas Ilhas?

4. Quantos decidiram “dar o salto” para o estrangeiro, para fugirem à Guerra, antes de irem às inspeções, após serem “apurados para todo o serviço militar”, ou depois de saberem que tinham sido mobilizados para o Ultramar?

5. Quantos fafenses foram mobilizados e cumpriram uma Comissão de Serviço militar em África?

Destes, dos que foram mobilizados para África, qual o seu envolvimento pessoal na orgânica e dinâmica das ações levadas a cabo pelas Unidades Militares onde estavam destacados, concretamente:

I. Quantos prestaram serviço em cada um dos três ramos das Forças Armadas: Exército, Marinha ou Força Aérea?

II. Quantos fizeram parte do Quadro Permanente (oriundos da Academia Militar) ou, sendo milicianos, optaram por fazer carreira nas fileiras das Forças Armadas?


III. Quantos pertenceram às tropas especiais (paraquedistas, fuzileiros, comandos ou rangers) e, destes, quantos tomaram a iniciativa de se oferecer para estas com o objetivo de não serem mobilizados para a Guiné ou outra razão?

IV. Quantos se casaram antes de “assentar praça” na expetativa de não serem mobilizados para o Ultramar, já eram casados e tinham filhos quando partiram para África ou casaram, depois, “por procuração”?

V. Quem optou por emigrar para Angola ou Moçambique para, mais tarde, ser incorporado localmente nas fileiras das Forças Armadas e, assim, não ser mobilizado para a Guiné ou poder vir a ter uma especialidade diferente da de “atirador”?

VI. Quantos participaram em operações de combate, tiveram de apontar ao “inimigo” e atirar primeiro para não morrer, ou foram vítimas das emboscadas e viram os seus colegas de pelotão ficarem feridos, amputados ou mortos?

VII. Quantos viveram o drama de verem um seu camarada morrer, transportaram às costas um camarada morto, ferido ou estropiado, ou deram sangue no local para o salvar, na sequência de uma emboscada ou rebentamento de mina?

VIII. Algum matou, por represália, algum guerrilheiro ou cortou-lhe alguma parte do corpo com a faca de mato ou teve que tomar a iniciativa de dar o “tiro de misericórdia” a algum guerrilheiro ou elemento da população que ficaram às portas da morte e sem hipóteses de sobrevivência em consequência do resultado dos combates?

IX. Na sequência das emboscadas ou assaltos aos acampamentos, quem capturou guerrilheiros, material de guerra ou documentos políticos dos Movimentos Independentista Africanos?

X. Quantos tiveram a sorte de nunca participar numa operação de combate, nunca saíram das cidades ou, pelo menos, das sedes de Companhia ou Batalhão, ou puderam participar numa atividade civil paralela, como praticar desporto federado, ou exercer a sua profissão, etc.?

XI. Quantos tiveram a possibilidade económica de vir de férias ao “Puto” ver a família?

XII. Quantas mulheres fafenses acompanharam os maridos durante a comissão, viveram em cidades ou em zonas de combate?

XIII. Quem comandou ou fez parte dos Grupos Especiais de tropa africana apoiados e organizados pelas Forças Armadas Portuguesas, como os GE ou Flechas[1] em Angola, Comandos africanos na Guiné ou de paraquedistas em Moçambique, entre outros?

XIV. No seu relacionamento com a população nativa, quem deixou por lá os chamados “filhos do vento” ou assumiu, perfilhando-os e trazendo-os consigo para a Metrópole?

XV. Desertou algum para combater ao lado do “Inimigo”?

XVI. Algum foi feito prisioneiro de guerra pelas tropas dos movimentos independentistas?

XVII. Quantos ficaram sepultados em África?

XVIII. Quantos pertenceram a Companhias que tiveram de se cotizar para pagar ao Estado a trasladação do corpo dos camaradas que morreram?

XIX. Há algum militar fafense desaparecido em combate?

XX. Quantos foram louvados, condecorados ou apanharam “porradas” (sanção disciplinar)?

XXI. Quantos ficaram a sofrer de Stress Pós-Traumático de Guerra ou adquiriram outras doenças crónicas (paludismo, hepatite, etc.)?

XXII. Quantos ficaram feridos em combate, devido a minas, rebentamento de armadilhas ou acidentes e ainda têm estilhaços de granadas ou minas no corpo?

XXIII. Quantos morreram em consequência dos combates, do rebentamento de minas ou armadilhas, de acidente ou doença?


Enfim, um mundo de vivências e circunstâncias que, a conhecê-las, permitir-nos-ão dar um pequeno passo, mas decisivo, na construção da História da participação dos jovens militares de Fafe na Guerra Colonial.


7. História da participação dos militares de Fafe durante a Guerra - O estado atual da informação


A História da participação dos Militares de Fafe durante a Guerra Colonial ainda está por fazer. A pouca informação disponível sobre este tema ainda não está organizada e sistematizada e encontra-se no processo individual de cada um, depositado no Arquivo Geral do Exército, da Força Aérea ou da Marinha, e só poderá ser consultada pelos próprios, os familiares ou alguém com autorização da família, de acordo com o Dec. Lei n.º 46/2007 de 24 de agosto, ou, ainda, na documentação dispersa em poder dos próprios combatentes ou familiares.

Apesar de se estar no início da sistematização da informação, já podemos responder com segurança ou encontrar caminhos para prosseguir a investigação a algumas das questões levantadas durante a minha intervenção, nomeadamente:


1. Quantos fafenses foram chamados às inspeções militares (“às sortes”) entre janeiro de 1961 e dezembro de 1974?


Não sabemos. Será possível sabê-lo, no entanto, consultando os Editais Municipais com as listas dos “mancebos” que eram chamados “às sortes”, existentes no Arquivo da Câmara Municipal de Fafe.


2. Quantos militares de Fafe morreram em consequência dos combates, do rebentamento de minas ou armadilhas, de acidente ou doença?


Durante a Guerra Colonial, tombaram em África quarenta e um militares de Fafe.

Este número está de acordo com a lista que me foi enviada pelo Arquivo Geral do Exército e da pesquisa efetuada no concelho por mim e pelos dirigentes da Direção da Delegação de Fafe da APVG (Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra). Sabemos quem, onde, quando e as circunstâncias que causaram a sua morte e onde estão sepultados.

Apresentamos um quadro detalhado por cada Província Ultramarina: Angola, Guiné e Moçambique (...), realçando, a partir de cada um deles, alguns elementos mais relevantes, de acordo com o conhecimento mais circunstanciado que fomos obtendo através das diferentes fontes históricas mencionadas.

Numa primeira análise geral feita aos três quadros, podemos verificar que em relação aos que tombaram em África (n=41): 

(i) todos os mortos pertenceram à Arma do Exército, não havendo, ainda, conhecimento de ocorrência que tivesse provocado a morte ou ferimento grave nas fileiras da Força Aérea ou Marinha; 

(ii) a primeira morte na Guerra ocorre no dia 3 de julho de 1961, três meses após os massacres no Norte de Angola e foi o soldado atirador Artur de Sousa, natural da freguesia de Ardegão, e que ficou sepultado em Sanza Pombo; 

(iii) o último a tombar na Guerra Colonial foi o 1.º Cabo José Pereira Dias no dia 27 de setembro de 1975, em Cabinda, Angola; natural de Armil, onde está sepultado;

(iv) seis militares eram casados (Angola, 1; Moçambique, 4 e Guiné, 1); 

(v) em relação ao posto, desapareceu em combate um Furriel em Moçambique, morreram dois Alferes milicianos (1 en Angola outro em Moçambique), vinte e oito soldados e dez 1.ºs cabos; 

(vi) quanto às causas de morte: 

  • três por acidente de viação (em Angola);
  • quatro por acidente por afogamento (2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique);
  • quatro por acidente com arma de fogo ;2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique);
  • um acidente  outras causas, sendo o total de acidentes de 12 (Angola:  8; Guiné: 2; Moçambique: 2);
  • vinte e três em combate (7 em Angola, 7 na Guiné, 9 em Moçambique), sendo 4 em minas e armadilhas (2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique); 
  • quatro por doença (2 na Guiné, 1 em Angola, e 1 em Moçambique);
  •  e, finalmente, dois, em Moçambique, por causas desconhecidas (incluindo um desaparecido em combate).


(vii) Após a Revolução de 25 de Abril de 1974 e já depois do final da Guerra, ainda morreram cinco fafenses em África: quatro em Moçambique (Agostinho Carvalho, Francisco Carvalho, Manuel Carneiro e Norberto Salgado) e um em Angola, o último, José Dias, em 27 de setembro de 1975.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos:  LG)
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Nota do autor:

[1] Forças especiais criadas pela PIDE em Angola.

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O livro supracitado resultou do "Curso Livre de História Local: O Concelho de Fafe e a guerra colonial (1961-1974)", organizado pelo Núcleo de Artes e Letras de Fafe, com o apoio de diversas entidades, entre elas a Câmara Municipal de Fafe e o Museu da Guerra Colonial, com sede em  V. N. Famalicão, e cujo programa na devida divulgámos no nosso blogue, na série "Agenda Cultural". Decorreu entre 21 de outubro e 24 de novembro de 2013.

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 30 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25792: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte I: Maçaricos, periquitos, checas...