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quinta-feira, 8 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26779: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VII

 


Foto nº 1 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > s/d > Oficiais milician0s, à mesa, provavelmente em dia de anos de algum, ou numa vulgar confraternização. Em cima da mesa, uma garrafa de espumante e pelo menos três garrafas de uisque velho... Um balde de gelo. Não se vêem garrafas de água mineral (Perrier, Vichy ou Castelo). Reconhecemos o Fernando Carolino (ao fundo, ao centro) e Jorge Pinto (o segundo à esquerda). 


Foto nº 2 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > Festa de aniversário do alf mil Jorge Pinto (que faz anos a 10 de outubro; natural de Alcobça, vive em Sintra)...



Foto nº 3> Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > s/d > Festa de aniversário do Jorge Pint0


Foto nº 4 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > s/d > Militares do 3º pelotão ? Quem está de costa, parece-nos ser o alf mil Jorge Pinto, seu comandante. À hora da refeição, as praças bebiam cerveja (0,33 l, marca Cristal, neste caso)

Foto nº 5> Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > s/d > Uma mesa de 1ºs cabos condutores auto ? Em primeiro plano de costas, o 1º cabo José Claudino da Silva, que também era o "cantineiro". Além de vinho verde (em garrafa), também se bebia cerveja Sagres, em lata. Esta mesa tinha por detrás uma fiada de "ventoínhas" (que só deviam funcionar à noite, quando fosse ligado o gerador).

Fotoo nº 6 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > s/d >  Os camaradas (etimologicammente, os que dormem na mesma "câmara", quarto, camarata, no mesmo "buraco",  que dormem, comem, vivem e... morrem juntos), sempre presentes no dia a dia da guerra, vão substituindo a família, os vizinhos, os colegas de escola, os amigos, etc. que ficaram lá longe, na terra... São também companheiros, porque comem o mesmo mão à mesma mesa (do latim, cum + panis, o que partilha o pão connosco). 

 Fotos (e legenda): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné >  Bissau > BNU > 1973 > Nota de 50 escudos (pesos), verso. O banco emissor era o BNU - Banco Nacional Ultramarino. Uma nota destas, em 1973,  dava para comprar, na cantina do Zé Soldado, no mato uma caixa de 12 cervejas de  0,3 l... Um 1º cabo radiotelegrafista, como o Sousa de Castro, ganhava, 1300$00 na época.  Uma nota destas davam também para comprar uma garrafa de uísque novo, e ainda sobrava uns pesos...

Foto: © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. 

1. O marcoense Armando Oliveira foi 1º cabo at inf, 3ª C/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), tendo pertencido ao 3º Pelotão, comandado pelo nosso amigo, camaradada e grão-tabanqueiro Jorge Pinto. Era o apontador da metralhadora pesada Breda, instalada no alto do fortim. Também exercia, no quartel, a sua profissão de barbeiro. E, como "hobby", fazia fotografia. Era uma d0s militares que tinha máquina fotográfica. É dele o melhor álbum fotográfico de Fulacunda.

É membro recente da nossa Tabanca Grande (nº 901). Tem página do Facebook. Mora no Porto. Já voltou à Guiné-Bissau 4 vezes, tendo sempre passado por Fulacunda. Pretende voltar lá em 2026

Como na maior parte dos casos as fotos que ele nos disponibilizou,  não trazem legendas, temos que as tentar reconstituir, e contar com a ajuda dele como dos outros camaradas "fulacundenses" que também fazem parte da Tabanca Grande: o Jorge Pinto e o José Claudino da Silva. (Bem como do Fernando Carolino, de quem aguardamos  o OK para ser apresentado).

2. As fotos que hoje publicamos são interessantes para documentar o consumo diferenciado de bebidas alcoólicas nos nossos aquartelamentso do mato e para estimar níveis de consumo:

(i) os oficiais e sargentos bebiam preferencialmente uísque com um pedra de gelo e água mineral, ou um gin tónico;

(ii) as praças optavam em geral pela cerveja (com os frigoríficos a petróleo, ou alimentados à noite pela energia elétrica do gerador, era possível ter bebidas sofrivelmente frescas, além de gelo).

Não sabemos quantidade de cervejas que eram fornecidas pelo BINT (Batalhão de Intendência) às subunidades no mato (150/160 homnens), mas podia ser uma méda mensal de 10 a 12 mil garrafas (de 0,33 l e 0,6,), o que levantava também problemas logísticos, de transporte e de armazenamento (que não vamos considerar aqui).

Peguemos num exemplo, o movimento da cantina da CCAV 2483, Nova Sintra:

(iii) em maio de 1970, consumiu-se cerca de 1,5 mil litros de cerveja (3977 garrafas de 0,33 l, e 268 de 0,6l, das marcas Sagres e Cristal), grossso modo 3,5 mil garrafas de 0,33 (a dividir por 150 dá 10 l de consumo médio mensal ou 30 garrafas de 0,33);

(iii) no final do mês de junho (não temos a existência de mercvadorias  no final do mês de maio), o "stock" era de 3,2 mil litros (5865 garrafas de 0,33 l e 2144, de 0,6l) (daria uma média de 21,3 l ou  cerca de 65 garrafas de 0,33 l(.

Em outubro de 1972, a 3ª C/BART 6520/72, de Fulacunda, passou a requisitar, quinzenalmente, 6 mil garrafas (quer de 0,33 l como de 0,6 l) em vez das 5 mil, segundo informação do cantineiro, o José Claudino da Silva...

12 mil garrafas por mês, numa subunidade (Fulacunda) que deveria ter 200 militares (1 companhia, 1 Pel Art e 1 Pel  Mil), dava uma previsão de consumo de 2 garrafas, por dia e "per capita" (ou 60 por mês)...Claro que havia quem não bebesse (por exemplo, os militares e milícias muçulmanos, por razões religiosas ou culturais)...

_________________________


Nota do editor LG:

Último poste da série > 4 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26762 Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VI

terça-feira, 6 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26769: A nossa guerra em números (29): nos quartéis do mato, dentro do arame farpado, a malta consumia em média, por ano e "per capita" , 21 litros de... álcool puro (14 em vinho, 5,4 em cerveja, 1,6 em bebidas destiladas)... (Aníbal Silva / Luís Graça)



O Luís Dias, ex-alf mil,  CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) dizia-nos, em 2010, que ainda tinha lá em casa "5 garrafas de uísque das que trouxe da Guiné"... Eram elas "uma 'President', uma 'Something Special', uma 'Dimple', uma 'Smugler' e uma 'Logan' (conforme foto...). Umas autênticas belezas". (*)

E acrescentava:

 "Alguns dirão que isto é um sacrilégio; porque será que o Dias não tratou destas 'meninas' em conformidade? Outros dirão que não é lá muito de beber e que, por tal facto, foi deixando andá-las lá por casa. Eu respondo: fui bebendo algumas, deixei outras ao meu pai, também ao meu tio Armando – este sim um grande apreciador – e fui ficando com outras e, olhem, ganhei-lhes amizade, porque olhava para elas e ia-as destinando a grandes momentos. Bebi uma, já não me lembro a marca, quando o meu filho nasceu há 30 anos. (...) Vou abrir a 'Dimple' quando fizer 60 anos, se Deus permitir que eu lá chegue,  e as outras serão para outras 'special ocasions' ” (...).

Comentário do editor LG: A Dimple já se foi!... E não faltarão ainda essas ocasiões outras especiais: os 80, os 90, os 100 anos... O uísque bom e velho não se estraga...

Foto (e legenda): © Luís Dias (2010). . Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Quais os artigos que mais se consumiam nas cantinas da tropa, no mato, na Guiné ?

Temos algumas indicações, a avaliar por uma pequena amostra das vendas (mensais)  na cantina da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), de acordo com os dados do balancete que nos foi fornecido pelo nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-fur mil vagomestre.(**)

Os dados respeitam às vendas no mês de maio de 1970. A companhia tinha 150 homens. Não havia subunidades adidas (a não ser um Pel Caç Nat no início da comissão). Por outro lado, só havia uma cantina / bar, embora houvesse refeitório (para as praças) e messe (para sargentos e oficiais).

Os artigos então mais vendidos foram (em unidades) (> 50):

  • Cerveja 0,3 l > 3977 (garrafas):
  • Tabaco Porto > 1034 (maços);
  • Coca-cola > 1402 (latas);
  • Tabaco SG > 754 (maços);               
  • Fósforos > 718 (caixas);
  • Leite c/ cacau 411 > 595 (embalagens);
  • Tabaco Português Suave > 395 (maços);
  • Cerveja 0,6 > 268 /garrafas);
  • Laranjada Shellys > 223 (latas);
  • Bacalhau > 96 (quilo ? embalagem ?);
  • Água Castelo > 65 (garrafas);
  • Sumol > 53 (garrafas ou latas);
  • Pilhas 1,5 v > 51


2, Se agruparmos estes itens por géneros (cerveja, tabaco, refrigentes, bebidas destiladas),  temos:


(i) Cerveja (0,3 l e 0,6 l) > 4245 garrafas (equivalente a 1353,9 l):

(ii) Tabaco (todas as marcas) > 2215 maços:

(iii) Refrigerantes (coca-coca e sumos) > 1680,5 (latas / embalagens)

(iv) Bebidas destiladas (uísque, gin, vodca, aguardente...) > 72,5 garrafas de 0,75l.


3. Admitindo que o mês de maio não era um mês "atípico" do ano, em matéria de consumo na cantina (estava-se no início da época das chuvas, já se saía menos vezes para o mato, embora no tempo seco, a partir de outubro, se pudesse beber mais cerveja...) podemos tentar calcular um valor médio anual "per capita" destas 4 categorias de bens consumidos:


(i) Cerveja:

  • 1353,9 l a dividir por 150 homens (=9,026 l) e a multiplicar por 12 meses, dá um consumo "per capita" anual de 108,3 l;
  • este valor pode estar subestimado; de qualquer modo, 108.3 l  "per capita" era já um valor seguramente muito superior à média nacional de 1970, e mais do dobro do consumo atual (em 2022, foi de 53 litros, segundo dados da European Beer Trends);

(ii) Tabaco:

  • 2215 maços de cigarros por mês dá uma média anual "per capita" de 177,2 maços;
  • é peciso ter em conta  que nem toda gente fumava: a prevalência de tabagismo entre homens com 15 anos ou mais anos de idade, em Portugal,  era estimada entre 40% e 50% em meados da década de 1970; 
  • portanto, aqueles de nós que fumavam, consumiam pelo menos um maço de cigarros por dia;

(iii) Coca-cola e sumos (refrigerantes):

  • 1680,5 latas ou embalagens num ano:  83,4 % corresponde à coca-cola... 
  • consumo anual "per capita" da coca-cola (=1402 x 12 =16824) seria de 112 latas; 
  • recorde-se que era uma bebida  proibida na metrópole, por teimosia de Salazar e das autoridades de saúde: além de ser vista  como um símbolo do ostensivo estilo de vida americano, haveria também um "argumento de saúde pública": além de poder ser facilmente associada à cocaína  ( e à "droga em geral"), o elevado teor de cafeína podia criar "habituação";
(iv) Uísque, gin, vodca, aguardente e outras bebidas destiladas:

  • temos um consumo mensal de 72,5 garrafas de 0,70l (ou de 0,75l, nalguns casos), o que dá 870 num ano;
  • a  maior parte é uísque de várias marcas =61 (84 %);
  • o restante: brandy (Macieira)= 4,5; gin = 6; vodca=1;
  • é mais difícil é saber o consumo destas  bebibas "brancas" (muito mais caras na metrópole) porquanto havia quem comprasse uísque  (mas também conhaque) para fazer "stock" e levar para casa, nas férias ou no final da comissão;
  • apesar de ser mais barato (no CTIG), o uísque (e o conhaque) era ainda um artigo de luxo para a maior parte da malta (as praças); mas era era também uma mercadoria muito apreciada; 
  • temos mais de 60 dezenas de garrafas de uísque vendidas por mês (720 por ano), incluindo o consumo avulso, na cantina (ao copo, com água mineral e gelo, se o houvesse) 
4. Mais difícil ainda é estimar o consumo de "álcool puro", per capita, anualmente...


(i) Vinho:

  • além destas bebidas (cerveja e bebidas brancas), os militares portugueses tinham direito a um copo de vinho à refeição; e  podiam também comprar na cantinha vinhos de marca como o Mateus Rosé ou o vinho verde branco Aveleda, Três Marias, Lagosta, etc.... (Vamos desprezar esses consumos, o vinho engarrafado era caro, a alternativa era a cerveja);
  • se cada militar bebesse 1 copo de vinho (200 ml) à refeição (almoço e jantar), ao fim de 365 dias seriam 140 litros;
  • admitindo que o vinho fornecido pela Intendência não ultrapassava os 10 graus, temos, um volume de álcool puro de 14 litros... (o vinho era mau e "batizado". toda a gente se queixava):

(ii) Cerveja:

  • sabendo que a cerveja Sagres tinha/tem 5º de teor alcoólico, o valor de 108,3 l consumido anualmente por cada militar correspondia a 5,415 l de álcool puro;

(iii) Bebidas destiladas:

  • o consumo anual médio, por companhia, poderia ser estimado (por baixo...) em  870 garrafas (0,70l, a 40º de teor alcoólico);
  • a dividir por 150  homens corresponderia a  5,8 garrafas (pouco mais de 4 litros);
  •  4060 ml x 0,40 (grau alcoolíco, médio)  = 1624 ml de álcool puro;


(iv) Álcool puro:

  • Somando o vinho (14 l), a cerveja (5,4 l) e as bebidas destiladas (1,6), são 21,0  litros no mínimo de álcool puro "per capita";
  • claro que aqui temos a velha história da falácia da média estatística: metade não fumava, mas grande parte bebia; o álcool era uma necessidade fisiológica e psicológica... nas condições de isolamento e de guerra em que se vivia.

5. Agora com a ajuda da Gemini IA /Google, acrescente-se em jeito de comentário:

  • de acordo com as estimativas mais recentes do SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências), referentes a 2019, o consumo anual per capita de álcool puro em Portugal (para a população com 15 ou mais anos) era de 12,1 litros;
  • este valor inclui o consumo de vinho, cerveja e bebidas destiladas, tanto o consumo registado como uma estimativa do consumo não registado, e exclui o consumo por turistas;
  • note-se que Portugal apresenta um dos consumos de álcool "per capita" mais elevados entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

De qualquer modo estes números, nomeadamente  sobre o consumo de bebidas alcoolólicas, têm que ser lidos e analisados com muitas reservas. 

Baseámo-nos no consumo de um só mês (maio de 1970) e de uma única subunidade de 150 homens (CCAV 2483, aquartelada na região de Quínara)... 

Os resultados são extrapolados... Precisamos de os confrontar com outros dados de outras fontes de informação (balancetes das cantinas de outras companhias, fornecimento mensal / anual da Intendência, etc.). 

Em todo o caso, estes números (***) ajudam-nos a ter uma ideia aproximada da "nossa grande sede", a  que pássavamos/passámos no CTIG, ao longo dos 22, 23, 24 meses de comissão... 

O tema do álcool em tempo de guerra é delicado mas não é tabu... Temos 45 referências a este descritor no nosso blogue. Mais de dois terços da nossa malta bebia, com maior ou menor moderação... E alguns já aqui admitiram, sem bravata nem falso pudor, que sim, que também lá apanharam alguns "pifos... daqueles de caixão à cova"... (AS/LG)
 __________________

Notas do editor LG:


(*) Vd. poste de 18 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5672: Estórias avulsas (23): Old Parr e Antiquary a 90$00 (Luís Dias)

(**) Vd. poste de 4 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26764: (Ex)citações (432): Gosto de arquivar para mais tarde recordar e por vezes surpreender os amigos com peripécias vividas há anos (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

Vd. também 2 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26754: (In)citações (269): Quem se lembra destes preços? (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

(***) Último poste da série > 2 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26644: A nossa guerra em números (28): Ainda a nossa 'adorável' ração de combate, nº 20...(que dava 3 refeições para um homem, por dia, no mato)

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26737: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (36): quanto valia o dinheiro de há 65 anos atrás ? O orçamento da festa anual de uma freguesia rural do Marco de Canavezes (Luís Graça)



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de N. Sra. do Socorro > 
25 de julho de 2015 > Esta capela remonta ao séc. XIX, estando erigida num dos pontos altos do território da freguesia...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de N. Sra. do Socorro > 25 de julho de 2015 > Interior, com os andores, prontos para a procissão de domingo, dia 26...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1.  Há festa na aldeia... No sábado para domingo, ao darem as 24 badaladas, rebenta o monumental fogo de artifício que é, de há muito, um dos momentos altos desta festa popular... São 20 ou 30 minutos de fogo... Ninguém sabe quanto custa ( a preços de hoje, talvez 20 a 30 mil euros)... Todo o povo contribui generosamente para este e outros encargos da festa de N. Sra. do Socorro, a padroeira desta freguesia de povoamento disperso.

Terras antiquíssimas estas, com forte trradições de que são guardiãs e continuadoras as nobres e valentes gentes entaladas entre o Rio Tâmega e o Rio Douro.

Estas festas fazem parte dos "nossos seres, saberes e lazeres" e são acarinhadas pelo pessoal da Tabanca de Candoz... Nunca é de mais lembrar, por outro lado, que o extenso concelho do Marco de Canaveses pagou um pesado imposto em "sangue, suor e lágrimas" durante a guerra colonial, tendo 45 dos seus filhos lá morrido, em terras de Angola, Guiné e Moçambique.  

A população do concelho era na altura de 39,3 mil (em 1960) e 42,1 mil (em 1970), Sabendo nós que a população portuguesa em 1970 era de 8,59 milhões, e tendo sido mobilizados 570 mil militares metropolitanos (70% de 800 mil, incluindo a tropa do recrutamento local), o número de jovens marcoenses que foram parar ao ultramar (Angola, Guiné e Moçambique) terá sido da ordem dos 2800.

Em chegando o verão, há foguetes e alegria no ar. Há festa, há a festa anual da padroeira de Paredes de Viadores, da freguesia do mesmo nome (mas agora mais comprido, já que á Paredes de Viadores juntou-se também a antiga freguesia de Manhuncelos). 

Por estas terras também andou o lendário herói do "banditismo social", Zé do Telhado ( Castelões de Recesinhos, Penafiel, 1818 / Mucari, Malanje, Angola, 1875). e o seu bando, cujas façanhas ficaram na memória das gentes dos vales do Sousa e Tâmega (onde nasceu Portugal). Desterrado, Zé do Telhado morreu em Angola (onde a sua memória ainda é, ao que parece, venerada).

Por aqui, Marco de Canaveses e Baião, passa também a rota do românico... que os portugueses de hoje deviam fazer pelo menos uma vez na vida!...

Por curiosidade, qual o orçamento desta festa ? Não tenho dados recentes, mas encontrei na Quinta de Candoz um apontamento de há 65 anos atrás.

 Trata-se da folha,  manuscrita,  com a escrituração das despesas e receitas, feita por José Carneiro (1911-1996), mordomo da festa, proprietário da Quinta de Candoz.

 Segundo a filha,  Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares, "Nita" (1947-2023), era referente  à festa do ano de 1960, em que ela própria também participou,  então com os seus 13 anos. (#).


Lista 1 - Despesa  / Valor (em escudos | em euros, a  preços de 1960)

  • Fogo de quatro fogueteiros > 7600$00 | 3941 €
  • Música (sic) dos B. V. Portuenses > 4100$00 | 2126 €
  • Iluminação > 2750$00 |  1426 €
  • Música (sic) dos B. V. de Rio Mau  [Penafiel] > 2500$00 | 1297 €
  • Carne para os músicos [ das bandas] > 1222$00 | 634 €
  • Vinho para os músicos  > 1000$00 | 519 €
  • Armação [dos andores] > 1000$00 | 519 €
  • Mercearias > 763$60 | 396 €
  • Zés Pereiras > 450$00  | 233 €
  • Padres  450$00 | 233 €
  • Guarda [Nacional] Republicana > 360$00 | 187 €
  • Tipografia: programas e estampas > 290$00 | 150 €
  • Autofalante > 250$00 | 130 €
  • Carpinteiro do sr. Geraldes [do Juncal] > 162$00 | 84 €
  • Câmara  [Municipal]: Energia e eletricista > 137$50 | 71 €
  • 4 quilos de cavacas para os anjinhos > 100$00 | 52 €
  • Pão de trigo e de milho > 96$00 | 50 €
  • Licença da Câmara para as músicas > 66$00 | 34 €
  • Flores e correio > 58$80 | 30 €
  • João de Magalhães [que deitou o fogo] > 50$00 | 26 €
  • Gratificação para o electricista > 50$00 | 26 €
  • Carro em que regressou a GNR [ao posto, que era na vila]  > 40$00 | 21 €
  • Expediente > 28$80 | 15 €
  • Selo de 35 programas > 14$40 | 7 €
  • Despacho do fio de cobre para iluminação > 9$70 | 5 €
Total = 23447$6 | 12160

Lista nº 1 - Discriminação das despesas, por ordem decrescente,  da Festa de Nossa Senhora do Socorro (1960), Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.   


Lista 2 - Receita   / Valor (em escudos | em euros, a  preços de 1960)


  • Recebeu-se dos mordomos de Paredes > 5791$60 | 3004  €
  • Recebeu-se dos mordomos de Viadores > 5186$50 | 2690 €
  • Rendeu a festa em dinheiro > 4240$20 | 2199 €
  • Apurou-se em ouro  [oferecido à santa]  > 1817$50 | 943 €
  • Renderam as flores [de papel] > 642$00 | 333 €

Total =17677$80 | 9168 €

Lista nº 2 - Discriminação das receitas, por ordem decrescente,  da Festa de Nossa Senhora do Socorro (1960), Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.   

O prejuízo da festa (c. 5,8 contos)  foi dividido pelos 6 mordomos da comissão organizadora (cabendo 961$63, a cada um, ou seja, 499 € a preços de 1960…).  Outros tempos, outras gentes, outros valores!...


O famoso "santo Antoninho" dos anos 60...   A nota de "20 paus" (cópia)...(Segundo o Museu de Lisboa , a nota de 20$00 com a imagem de Santo António foi emitida pela primeira vez a 16 de janeiro de 1965.  Com a data de 26 de maio de 1964, no total foram emitidas  299,1 milhões de  notas. A 30 de maio de 1986 foram retiradas de circulação.)







Como termo de comparação, registe-se que nessa época  (1960) um jornaleiro ganhava, em média, 20 escudos (10 euros) por dia, enquanto um oficial (como o José Carneiro, ramadeiro, construtor de ramadas) cobrava 50 escudos (25 euros) pelo seu trabalho diário.(##)

A "Nita" lembrava-se, tinha ela 13 anos já feitos, de andar na festa a angariar dinheiro com as florinhas de papel que eram espetadas, com um alfinete, na lapela do casaco dos homens, à entrada do recinto. As receitas que daí provieram ainda atingiram uma cifra razoável para a época: 642$00 (333 €)... (###)

Também era vulgar as as pessoas ofereceram à santa padroeira da freguesia, a  Nª Srª do Socorro,  objetos em ouro (fios, anéis, mo sebrincos, cordões, etc.), como forma de pagamento de promessas.

Repare-se, por outro lado, que o foguetório já nessa altura representava 1/3 do total das despesas, e mais de outro tanto a contratação de duas bandas de músicas (uma do Porto e outra local, Rio Mau, Penafiel, concelho vizinho), pagas em dinheiro e em géneros (38%).  As duas bandas tocavam à compita.

Nas despesas com os padres (450 escudos, 233 euros com a correção da inflação), inclui-se o pregador, que vinha de fora.

Quanto às receitas, note-se que mais de 60% do total era constituído pelos peditórios, casa a casa, feitos por 2 grupos de mordomos, os de Paredes e os de Viadores, representando as duas metades do território da freguesia ( era, em geral, um padre com grandes dotes de orador).

Também como termo de comparação, refira-se que,  hoje em dia, o compasso pascal da freguesia gasta facilmente em 10 ou 20 minutos de fogo artifício 10, 20 a 30 mil euros...É uma estimativa, grosseira, de quem está por dentro do assunto.

José Carneiro foi mais de uma vez mordomo destas festas de N. Srª do Socorro, que se realiza todos os anos no último domingo de julho.  Tem um recinto encantador.
_________________

Notas do autor:

(#) Blogue A Nossa Quinta de Candoz > 30 agosto 2012 > José Carneiro (1911-1996). mordomo da festa da Nossa Senhora do Socorro em 1960

(##) Vd. logue A Nossa Quinta de Candoz > 29 agosto 2012 >  José Carneiro (1911-1996), construtor civil de ramadas

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26644: A nossa guerra em números (28): Ainda a nossa 'adorável' ração de combate, nº 20...(que dava 3 refeições para um homem, por dia, no mato)


Caixa (em cartão) da Ração Individual de Combate nº 20, Tipo E, que era distribuída aos militares do Exército quando em operações no mato. Ainda não sabemos o significado da classificação "Tipo E" (seria  E de Especial ?).


1.  Temos ainda relativamente poucas referências à famosa "ração de combate", diabalolizada por uns, incensada por outros...  Merece mais algumas informações adicionais (*).

O Exército (que tinha muito pior alimentação que a Força Aérea e a Marinha) dispunha de três tipos de rações (**):

(i) a ração de combate propriamente dita (RC nº 20): era a que se usava em operações, fora do aquartelamento;

(ii)  a ração de substituição (RS nº 30), que tinha mais produtos e podia ser consumida no aquartelamento, quando não era confeccionada refeição quente;

(iii) havia havia ainda a Ração de Bolacha (140 gramas, por refeição e por homem, num total 420 gramas por dia): substituia o pão quando este não era distribuido com a RC nº 20 ou a RS nº 30.

2. Cada ração (RC nº 20 e RS nº 30) estava pensada, para um homem, para as 24h / três refeições.

(i) Pequeno almoço: leite condensado | queijo | pão ou bolacha (140 gramas);

(ii) Almoço: caldo de carne | conmserva de peixe | carne de vaca | nougat c/ amendoím | ccncreto de fruta | pão ou bolacha (140 gramas);

(iii) Jantar: canka de galinha c/ aletria | carne de porco assada | doce de fruta | marmeladfa | concreto de fruta | pão ou bolacha (140 gramas).





Conteúdo da Ração Individual de Combate (RC) nº 20 , Tipo E (Europeu) - Ementa 1 

Como complementos, a RC continha ainda: (i) papel higiénico9: (ii) caixa de fósforos; (iii) drageias toni-hidratantes ("sempre que se beba qualquer líguido, deve tomar-se uma ou mais drageias de preferência antes das refeições").

A bolacha (140 gr. por refeição) era uma alternativa ao apão, quando este não podia ser distribuído. 

Este impresso correspondia à RC nº 167 334.




A RC era fornecida pela Manutenção Alimentar: o seu reecheio variou com o tempo, mas no essencial seguia sempre a mesma tipologia: conservas de carne (porco, vaca), conservas de peixe (atum, sardinha), leite condensado, concreto de fruta, doce de fruta, bolachas...

Fonte: Adapt. de Albino Silva (20925) (**)


3. Em 1974, com a "crise do petrólero",  os preços dos produtos alimentares dispararam, o que se tornou um bico de obra para a Manutenção Militar (e para o Ministério das Finanças).  

Por outro lado, numa das duas listagens de existèncias de géneros em Nova Lamego, citadas pelo José Saúde, sabemos que havia uma grande diferença de  preço por unidade das rações:

  • Ração de combate nº 20: 43$00 por unidade  (havendo 680 unidades em stock no dia 18/7/74):
  • Ração de substituição nº 30: 14$54 por unidade (em stock (250).

Por norma e por razões de segurança, na Guiné tinha de haver uma reserva de:


(**) Vd. postes de:~


(****) Vd. poste de 8 de junho de  2016 > 
Guiné 63/74 - P16177: Memórias de Gabú (José Saúde) (63): O “ventre” de um espólio raramente conhecido. Passagem de bens alimentícios em armazém.


terça-feira, 1 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26634: Facebook...ando (73): O aerograma-circular que o Movimento Nacional Feminino distribuia no embarque dos militares mobilizados para o Ultramar, explicando o que era e para que servia o "bate-estrada" (António Tavares, ex-fur mil SAM, CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72)

 



Aerograma-circular, sem data, distribuído pelo Movimento Nacional Feminino aos militares que embarcavam para o Ultramar.  



Fonte: Esta cópia foi reproduzida na página do Facebook da Tabanca Grande, com data de hoje, 31 de março de 2025, 00:42 pelo António Tavares (ex-fur mil SAM, CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72). (O António vive na Foz do Douro, Porto, tem 75 referências no nosso blogue; é membro da Tabanca Grande desde 24 de junho de 2009.) (*)

A data do documento supra  deve ser de 1972: sabemos que o aerograma azul era vendido a familiares e madrinhas de guerra, ao preço unitário de 20 centavos (até 1971), e de 30 centavos (a partir de 1971) (a preços de hoje, e na moeda em vigor, seriam 6 e 8 cêntimos, respetivamente).

1. Sabemos que até essa altura (1971/72) o MNF mandara imprimir e distribuir 300 milhões de aerogramas... Até ao final da guerra, calculamos que esse número tenha chegado aos 376 milhões. (**)

O conteúdo deste aerograma-circular (chamemos-lhe assim) é interessante:

(i) era dirigido ao "militar amigo";

(ii) o tratamento era por você (o destinatário tanto podia ser um soldado, como um sargento ou um oficial);

(iii) era o 1º aerograma que o militar recebia;

(iv) pedia-se a atenção para a leitura do impresso, de interesse para o próprio;

(v) havia um parágrafo sobre a criação deste "impresso 'poupa-selos' " (sic) (o Zé Soldado irá chamar-lhe "bate-estradas" mas também, na Guiné, "corta-capim");

(vi) explicava-se a diferença de cor do impresso: o azul tinha um preço de venda; o amarelo era gratuito;

(vii) o encargo com a impressão dos aerogramas era ent6áo de 3 mil contos por ano: "grosso modo",  3 milhóes de escudos a dividir por 30 milhões de aerogramas por ano, dava 10 centavos (0,1 escudo) por unidade;

(viii) 3 mil contos em 1971 seriam, a preços de hoje, 928,6 mil euros; 

(ix) deconhecemos o orçamento do MNF, que reecebia um subsídio de 10 mil contos do Ministério da Defesa;

(x) o MNF estimava, em mais de um milhão de contos (!), a poupança que o aerograma representava para os militares e seus familiares (papel, porte correio): a preços de hoje, seria qualquer coisa como 310 milhões de euros;

(xi) ficamos a saber que o produto da venda dos aerogramas azuis "suporta(va) todas as despesas incluindo a produção dos amarelos" (de distribuição gratuita aos militares);

(xii) o "bate-estrada" era, pois,  um bom negócio para o MNF (que não tinha as despesas do transporte aéreo,  oferecido pela TAP, bem a sua distribuição pelos destinários no terreno, a cargo do Serviço Postal Militar);

(xiii) parece-nos que ser inútil lembrar que dentro do aerograma não se podia incluir "qualquer objeto ou simples papéis": com 10 toneladas de correio diário, o Serviço Postal Militar (SPM) não tinha meios técnicos nem humanos para detetar as fraudes;

(xiv) pormenor que às vezes descuramos: o aerograma (amarelo ou azul) não podia ser, para evitar a sua utilização "fraudulenta", depositado no marco do correio, tinha que ser entregue por mão própria na estação de correios (ou no serviço postal da unidade); 

(xv) outro pormenor interessante: a dotação individual (de impressos amarelos) era de 12 aerogramas / mês... (Só em 1973, quando o número de homens nos 3 teatros de operações ascendeu aos 163 mil, a dotação de impressos amarelos terá sido de 23,5 milhões: 163 mil x 12 meses x 12 aerogramas por mês.)


2. Admitamos que em 22 / 24 meses de comissão, um militar tivesse escrito em média 300 aerogramas (o que é muito, havia quem náo escrevesse nenhum, e havia quem escrevesse 3 vezes mais),  teríamos no final da guerra 240/250 milhões de aerogramas... (fora as cartas, postais, encomendas).

  As contas sáo simples de fazer: 800 mil mobilizados (um terço dos quais do recrutamento local, Angola, Guiné, Moçambique, etc., mas que também escreviam às famílias, a multiplicar por 300 dá os tais 240/250 milhões...

Bate certo com a minha estimativa: 376 milhões de impressos, um terço dos quais não se terão usado (nalguns casos, eram rascunhos, noutros casos seguia um aerograma em duplicado ou até triplicado, quando o militar não parava de escrever; na maior parte dos caso, iam para o lixo, os rascunhos, já que eram à borla..)

Não final terão circulado 250 milhões de aerogramas do Minho a Timor e de Timor ao Minho... É uma estimativa realista... e que nos ajuda a ter uma ideia de grandeza da logística que esta guerra, a milhares de quilómetros de casa, implicou para as nossas Forças Armadas.

________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 31 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26633: Facebook...ando (72): Timor-Leste: 1º ministro Kay Rala Xanana Gusmão faz visita surpresa à ESFA - Escola São Francisco de Assis, nas montanhas de Liquiçá, em 22 de março - III (e última) Parte

(**) Vd. poste de 28 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23119: Bibliografia (50): Movimento Nacional Feminino: Área de apoio material: secção de aerogramas (Sílvia Espírito-Santo, excerto de artigo em preparação, cortesia da autora)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26463: A nossa guerra em números (27): 800 mil portugueses (muito mais, em termos relativos, do que os americanos no Vietname, ou os franceses na Argélia) "contribuiram com o seu esforço e empenho para que o poder político obtivesse uma solução política" para a guerra, (...) "mas este não correspondeu e o tempo da história foi implacável" (maj-gen João Vieira Borges, in "Crepúsculo do Império", 2024)



Capa do livro "Crepúsculo do Império"
de João Vieira BorgesPedro Aires Oliveira 
(Lisboa: Bertrand Editores, 2024, 800 pp.)
 



Faro > "Cerimónia do 10 de Junho de 1970, realizada no Largo do Carmo, em Faro. Entrei na tropa, em Tavira, no dia 6 de Abril de 1970 e no dia 10 de Junho já aqui estava, com G3 na mão". 

Foto (e legenda) do álbum do Zeca Romão (José Romão, ex-fur mil at inf,  CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73). Página do Facebook de Zeca Romão (Travassos), 9 de março de 2013 (com a devida vénia...)


Foto (e legenda): © José Romão (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Os números da guerra são sempre controversos, por causa do acesso aos arquivos, da diversidade e divergência das fontes, da metodologia de recolha e tratamento de dados, etc. Tal não nos impede de tentar falar com números sobre a guerra que calhou em sorte à nossa geração (*)


João Vieira Borges, presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, escreveu recentemente (**) que nunca Portugal fez um esforço tanto grande como na guerra de África (1961/75), em matéria de recrutamento e mobilização militar. (Em termos relativos, foi um esforço maior do que o dos EUA, no Vietname, ou o da França, na Argélia.)

Em números redond0s foram enpenhados 800 mil militares portugueses:

  • 75% oriundos de Portugal Continental, e dos arquipélagos da Madeira e Açores;
  • 25% do recrutamento local (Angola, Guiné e Moçambique).

Cerca de 92% dos efetivos eram oriundos do serviço militar obrigatório (pág. 390). O país tinha na altura uma população inferior a 10 milhões:

  • 8,994 ,milhões, em 1962;
  • 8,754 milhões, em 1974 (redução de 2,7%).


Em 1973, e para uma população de 8, 63 milhões, tínhamos cerca de 163 mil (162 996) nos 3 teatros de operações. assim repartidos:

  • 43,3% em Angola;
  • 21,8% na Guiné;
  • 34,9% em Moçambique.
A repartição pelos 3 ramos das Forças Armadas era a seguinte:

  • Exército: 91,5%;
  • Força Aérea: 5,5%;
  • Marinha: 3,0%.

Veja-se agora o  peso relativo do recrutamento em cada um dos TO (em média) (citando Sousa, 2020) (***):
  • Angola: 32,8%
  • Guiné: 15,7%
  • Moçambique: 43,2%.
A "africanização da guerra" é mais acentuada em 1973, com percentagens médias de pessoal do recrutamento local  a atingir os seguintes valores (pág. 392):
  • Angola: 42,3%;
  • Guiné: 20,1%;
  • Moçambique: 53,6%.
Impressionante é a constação de que "entre os jovens recenseáveis (mais de 1700 mil em todo o Portugal), mais de 40% eram analfabetos e apenas 72% foram considerados aptos para o serviço militar." (pág. 399).

O número de desertores, faltosos e refratários, de acordo com os registos oficiais,"ultrapassam os 231 mil jovens".  

Números significativos, comenta o major-general do exército e autor do capítulo (**), "em especial se considerarmos o regime autoritário em que se vivia na época". Por outro lado, são indissociáveis do fenómeno da emigraçáo em massa:  entre 1961 e 194, saíram em média por ano 97 700 cidadãos portugueses.

Comentário final: 

"Sabemos que as guerras longas são inimigas do recrutamento e mobilização. Os militares contribuiram com o seu esforço e empenho para que o poder político obtivesse uma solução política. Mas este não correspondeu e o tempo da história foi implacável" (pág. 400).

_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26041: A nossa guerra em números (26): Aceitemos, provisoriamente, o número (oficioso) de 437 "internacionalistas cubanos" que terão combatido ao lado do PAIGC, "de 1966 a 1975"

(**) João Vieira Borge - O recrutamento e a mobilização das Forças Arnadas portuguesas. In: Crepúsculo do Império, op.  cit., pp. 381-401.

(***) Pedro Marquês de Sousa - "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26420: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (3): Estimativa: podemos apontar para 2,6 evacuações, em média, por dia, só de militares gravement feridos, entre princípios de 1963 e meados de 1974 ?


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Quem seria a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu, do Pel Caç Nat 52 ?  Tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço mas, que nos informou, nunca usou pulseira (para mais na mão esquerda).



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > O fotógrafo, o Jaime Machado,  estava lá!... Uma enfermeira paraquedista prepara o moribundo Uam Sambu para a evacuação para o HM 241...  O camarada, de costas, com o camuflado todo ensanguentado é o Mário Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat  52,   À saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, reordenamento a  escassas centenas de metros do quartel de Bambadinca, o Sambu foi vítima de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida.  Apesar da evaciação Y, ele irá morrer na viagem, tal a gravidade do do seu estado. (`De pé, em tronco, por detrás da enfermeira que está debruçada sobre o ferido, reconheço o Fernando Sousa, o 1º cabo aux enf, fa CCAÇ 12).

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Outro pormenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva, já falecido. À esquerda do Beja Santos, de camuflado ensanguentado (pelo transporte, às costas, do gferido), sob a asa do DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, o fur mil enf da CCAÇ 12, o João Carreiro Martins. Ao fundo estão camaradas do infortunado Sambu, do Pel Caç Nat 52.

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Queridas senhoras enfermeiras paraquedistas, boas amigas, camaradas e grã-tabanqueiras Giselda, Arminda, Rosa, Aura:

Não importa que um deus menor tenha ordenado a vossa extinção, há 40 anos atrás...Ou que a tropa vos tenha maltratado... Uma vez enfermeiras pqdt, enfermeiras pqdt para a vida...

Ninguém ficará com ciúmes com este título antológico aplicado a vocês... Se pensarem nas vidas que ajudaram a salvar (nos 3 TO), não é nenhuma "boutade", ou enormidade, dizer-que, no vosso caso, "Nunca tantos ficaram a dever tanto a tão poucas", parafraseando o grande estadista inglês Winston Churchill...

Vocês foram 46, e agora são bem menos... Há saberes que se perderam irremediavelmente com a extinção do corpo de enfermeiras paraquedistas... Saber-ser, saber-fazer, saber-estar...Na guerra, nos cuidados de saúde aos feridos,  militares e civis, a bordo do AL III ou da DO-27, no hospital, no quartel, na base, no mato, na cidade...

No vosso livro coletivo (que faz inveja a outros "corpos" que não conseguiram fazer nada parecido, por exemplo, os médicos, os capelães...), vêm ao de cima muitas dessas competências cognitivas, técnicas, relacionais, humanas, psicossociais... imprescindíveis a um profissional de saúde, na paz e na guerra,,,

Vocês ainda "não fecharam o livro", e até aos 100 (!) ainda irão surgir, bem "espremidinhas", outras histórias, memórias, "cenas"... Penso que faltam sobretudo histórias "sobre" vocês, contadas por nós...Daí o duplo desafio desta série, que tem um título que até pode parecer provocatório...

Andamos todos a "rapar" os baús da memória...Mas a questão não é tanto a falta de material como a "mudança de perspetiva"...Os acontecimentos, os factos, as situações, os lugares, as pessoas, etc. não têm uma única e definitiva leitura...Por isso, "não deitem nada fora", por enquanto...Tudo pode ser "reciclado"...

Será que vamos conseguir material para uma boa dúzia de postes ? O blogue precisa, e vocês merecem o palco (e a nossa gratidão)...

Boa continuação da caminhada pela "picada da vida", agora mais minada e armadilhada... Sobretudo, saudinha.


2. Quantas evacuações terão feito as nossas enfermeiras paraquedistas no TO da Guiné, entre 1962 e 1974 ? (1962 foi o primeiro ano em que se regista a presença de uma enfermeira paraquedista, a Maria Arminda,  no CTIG, aonde chegou em julho,  e a Eugénia, a seguir, quinze dias depois: foram elas que assistiram aos primeiros feridos da guerra, evacuados em Tite, em 23 de janeiro de 1963).

Impossível saber o número de evacuações sanitárias realizadas por elas, embora se possa tentar estimar, com a ajuda delas (enfermeiras) e deles (pilotos e especialistas  da FAP)...

É uma pena que a FAP não tenha esses registos. Ou se tenham perdido. Ou não possam ser discriminadas as evacuações sanitárias dos restantes transportes de pessoal. (E se calhar até tem, é uma questão de ir procurar...)

Sabemos que o HM 241, em Bissau, tinha uma razoável capacidade de internamento: 320 camas.  Sabemos que no TO da Guiné,  se terão registado (só entre as NT)

  • 2854 mortos (dos quais 1717 em combate);
  • 9400 feridos graves (7200 em combate e 2200 em acidentes)
O Pedro Marquês dos Santos, no seu livro "Os números da guerra dce África" (Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2021), que estamos a citar,  diz que  rácio na Guiné foi de 1 morto para 3,6 feridos graves (superior ao rácio de Angola, 3,2, e de Moçambique, 1,4) (pág. 143).
  • e perto de 20 mil feridos ligeiros, segundo rácio 1 morto / 3 feridos graves e 1 morto / 10 feridos ligeiros: no entanto, para a Guiné, estimam-se em 34 mil o número de feridos.
Em teoria poderíamos apontar para cerca de 10 mil evacuações, ao longo de 11 anos e meio de guerra  (princípios de  1963 / meados de 1974) (c. 3800 dias), o que daria, grosso modo, 2,6 evacuações de militares feridos gravemente durante o conflito...Os mortos em princípio não podiam "roubar" lugar aos vivos, no heli ou na DO-27, mas também eram evacuados nalguns casos.

Mas faltam também aqui as evacuações de feridos e doentes da população civil bem como dos guerrilheiros do PAIGC, aprisionados pelas NT e feridos... Impossível saber quantas foram.

Por outro lado,  também não sabemos quantas enfermeiras paraquedistas (46 ao todo, de 1961 a 1974, nos 3 TO) poderiam  estar em média na BA 12, em cada ano...

Num recente poste que publicámos com dados sobre transportes (aéreos e marítimos) do BCAÇ 1860 (Tite, abril 65/ abril 67), ficámos a saber que houve as seguintes evacuações sanitárias (no setor S1, neste período de tempo):

A = 6
B= 28
Y = 10

Achamos pouco para um batalhão que teve 16 mortos e 6 "desaparecidos em combate" (**)... 16 mortos a multiplicar pelo rácio 3,6, daria cerca de 58 feridos graves... Ora durante a comissão só terá havido 10 evacuações Y... (podendo o heli ou a DO-27 levar duas macas).

Recorde-se que havia três tipos de códigos para as evacuações sanitárias

  •  Tipo A;  militares ou civis  com necessidade de serem evacuado para o hospital: (i) no mesmo dia do pedido; (ii) ou no dia seguinte; (iii) para consulta urgente; (iv) não exigindo a presença de enfermeira;
  • Tipo B: (i)  transporte para consultas ou tratamentos programados (anteriormente, pelo próprio hospital), de modo a dar continuidade à vigilância ou tratamento em curso;  (ii) não exigia a presença de enfermeira;
  • Tipo Y (ou "Zero Horas", em Moçambique): (i) a mais urgente; (ii) de execução imediata; (iii) feita em helicóptero ou avioneta, passível de aterrar em pequenas pistas de mato; (iv) o ferido precisava logo de levar soro e/ou sangue; e (v) era  obrigatório uma enfermeira a bordo.

Na carlinga do pequeno Dornier DO-27  e na caixa (acanhada) do heli AL III as enfermeiras só tinham espaço para colocarem duas macas sobrepostas. Como equipamenmto dispunham ainda de um gancho ou argola no teto onde se pendurava o frasco de soro.

O essencial da tarefa da enfermeira podia resumir-se ao controlo de três parâmetros:

 (i) conseguir combater o choque, repondo a volémia (aumento de líquidos circulantes), e tentando ao máximo  mantê-la estável;

 (ii) aliviar a dor; 

e (iii)  manter as vias aéreas respiratória permeáveis. 

Mantendo estes 3 parâmetros sob controlo, havia maiores probabibilidades dos feridos ou doentes chegarem com vida ao HM 241 e serem de imediato intervencionados  no hospital e no bloco operatório. 

Claro que havia outros casos, em que era  preciso muito cuidado no manuseamento e posicionamento dos feridos,muitos deles com hemorragias muito ativas e graves traumatismos músculo-esqueléticos. (Fonte:  adapt. de "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira; Porto: Fronteira do Caos, 2014,   pág. 214).

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(***) Último poste da série > 15 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26392: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (2): O que é feito de ti, Maria Rosa Exposto ?... "Nunca vos esqueci nem esquecerei", escreveu ela em depoimento para o livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas", 2ª ed., 2014, pág. 403)